Enquanto estávamos aqui é o perfeito filme romântico, com tudo no lugar certo: um casal que viaja para Nápoles meio em crise - ela, a belíssima atriz Kate Bosworth, que virou um mulherão desde o filme em que era surfista, embora aqui apareça magérrima. O marido, um músico que toca violino e está viajando para apresentar-se na cidade, razão por que a bela fica o dia quase todo sozinha.
Claro que ela vai sair e encontrar alguém - e esse alguém será um rapaz jovem e lindíssimo vivido pelo ator Jamie Blackley (uma aparição jovial e feliz) e eles combinam demais juntos e são felizes e jovens e belos e ele quer ir para o Tibete com ela e... está certo, é uma história meio clichê mas é ótima de ver, todas as cenas dão prazer e o filme não promete nada que não cumpre. Achei bom demais. Os que bebem dizem que uma cerveja desce redondo. Esse filme desceu-me redondo.
Joshua Tree, 1951 - um retrato de James Dean me pareceu uma obra prima, ou quase: um filme bonito, requintado tecnicamente no vaivém temporal, nas mudanças de cores para acompanhar as fases diversas do tempo, da carreira, da vida do ator; na fotografia em preto e branco no deserto, ou misturadas com cores; nas cenas do deserto de Joshua Tree (um lugar mágico); nas cenas de piscina, com alguns atores nus e belos; nas cenas de sexo, lindíssimas e sensuais; na incrível interpretação de James Preston, um Dean absolutamente convincente, que captura e transmite os traços de rebeldia e inconformismo do ídolo, bem como sua sensualidade exacerbada, e o ar meio blasé, claro. Tudo é bem feito, tudo seduz o espectador. James Dean está vivo aqui, e palpita.
Só mais uma observação: embora o filme seja basicamente centrado na relação entre homens, e entre homens que se desejam, que se gostam etc, não me senti excluída dele porque há, mesmo nas escolhas de Dean, um misto de rebeldia e uma postura de busca por encontrar-se, encontrar seu lugar no mundo da arte. Além disso, há também a exposição da nascente indústria cinematográfica hollywoodiana, em que o tráfico de influências se mistura ao comércio sexual, e Dean parecia estar no epicentro dos interesses de alguns produtores - não sei se o cinismo dele, ou sua sedução, de certo modo, funcionam como força centrípeta que atrai todos para si - mas eu, certamente, fui cooptada. Mais do que, talvez, o tenha sido no filme do Walter Salles sobre Kerouac, On the road, mas disso já falamos alhures.
Mostrando postagens com marcador FestRio2012. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador FestRio2012. Mostrar todas as postagens
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
FestRio 2012 - Ferrugem e osso
Quando se tem muita expectativa em relação a um filme, sempre há alguma ponta de decepção, e com esse não foi diferente. Embora os dois atores principais - Matthias Schoenaerts e Marion Cotillard - tenham atuações excelentes e, em alguns momentos, pungentes, o filme fica no limite do bom, sobretudo por conta de uma postura edificante que assoma no terço final da história, em que tudo vai se desenrolando até um desfecho um tanto piegas demais.
Acho que o projeto todo bebe nas fontes do cinema hollywoodiano - e a cena de abertura, com as orcas tomando toda a tela, em cena grandiosa e impactante, parece saída de um estúdio da Disney. A própria história me parece debitária dessa ideologia de superação individual a partir da família, do amor, da solidariedade, a despeito da dureza aparente da personagem de Cotillard. Aliás, além do trabalho impecável dos atores, um ponto forte do filme é a resolução técnica - as pernas cortadas de Marion impressionam pelo realismo, muito bem feito o trabalho, seja por computador, seja usando doublês; as cenas no aquário são igualmente impactantes, e as baleias aparecem em toda a sua imponência e beleza.
Se é verdade que o espectador não desgruda o olhar e a atenção da tela durante quase todo o filme (embora eu tenha optado por não ver as cenas de luta-vale-tudo), o desenlace em que todos os conflitos, de todos os personagens, redundam em sucesso me pareceu aquém do conjunto todo, e decepcionante. Só para constar - o tempo que o menino ficou embaixo do gelo, na água naquela temperatura, me pareceu longo demais para uma recuperação tão pronta e sem sequelas, do mesmo modo que os dedos quebrados do pugilista não poderiam ter resultado num cinturão de campeão - tudo forçado demais para um final feliz um tanto artificial. De todo modo, há qualidades que fazem dele um filme que merece ser visto.
____
PS. Não sou frequentadora assídua dos FestRio, vejo alguns filmes e esse ano acho que tenho ido mais do que nos outros, talvez por isso tenha notado uma certa desorganização nas atividades. Ontem, por exemplo, no cine Odeon, fui pedir informações sobre a previsão de horário do início e do fim da sessão, por causa do metrô que fecha à meia noite, mas as meninas do suporte me pareceram muito perdidas, ninguém sabia informar nada com clareza, e uma delas chegou a sugerir que eu não contasse com a volta de metrô porque tudo era imprevisível. Como, imprevisível? Por sorte, o filme começou na hora aprazada, a sala estava bem vazia e pudemos - os poucos que lá estávamos - pegar o último metrô. Mas há outros sinais de desorganização, não sei, deve haver alguém mais abalizado do que eu para dar esses toques, mas acho que o Festival é importante demais e merece um pouco mais de profissionalismo.
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
FestRio 2012 - Nós e eu; Dentro de casa;
Por exemplo: é ruim, não tem estrutura dramática, é chato de ver, sobretudo porque confinar um grupo de adolescentes de escola pública estadunidense num ônibus escolar, em seu último dia de aula, praticando entre si durante quase todo o filme o bullying mais sem graça e grotesco - eu diria que não traz material novo absolutamente para se pensar a realidade social dos negros, dos pobres ou do sistema educacional do Bronx ou wherever.
Achei o filme insuficiente como denúncia e sem atrativos como obra de arte, engajada ou não, porque os problemas são tratados de modo banal, não há nada de novo nesse front, e se não há nada a acrescentar por que fazer o que outros já fizeram, e melhor?.
Já Dentro de casa traz uma filmografia originalíssima, lidando com um professor de literatura (Fabrice Luchini, ótimo) e um aluno (Ernst Umhauer, excelente) que começa a escrever sobre seu fim de semana e vai narrando seu desejo de conhecer a família de um colega de classe, mais especificamente a mãe dele.
O filme entrelaça de forma eficientíssima e divertida a criação literária, a vida real e o pensar sobre a escrita literária, sobre o que seria escrever boa literatura. De quebra, ainda tem a Kristin Scott Thomas como dona de uma galeria de arte, o que propicia cenas também muito divertidas e opiniões pouco, digamos, ortodoxas sobre a estado atual da pintura contemporânea, e da arte em geral.
O diretor, François Ozon, brinca de forma muito inteligente com a literatura e o cinema, sem por um segundo posar de 'instrutor' de uma ou outra forma de expressão e de arte. Um filme obrigatório no melhor sentido: o que se aprende e o deleite que proporciona ao espectador dizem tratar-se de uma obra indispensável. E a cena final é mais uma brincadeira otima, agora com a história do cinema. Eu achei bom demais.
sábado, 6 de outubro de 2012
FestRio 2012 - Turistas; Lay the favorite; Looper, assassinos do futuro
Turistas: raiva de sair de casa para ver isso, muito ruim de ver (não necessariamente filme ruim, mas não acrescenta um isso a ninguém, acho). A coisa, pra ninguém perder tempo se porventura entrar em circuito (ou perder, se quiser): um casal de serial killers sai numa viagem turística no trailler dele, mata um monte de gente que vai encontrando pelos acampamentos a sangue frio e no final 'ela' descobre que não apenas está gostando dessa nova faceta de sua personalidade, como se revela muito pior que ele. Não dá pra pensar: "quando uma mulher é má, é muito má" - essa seria uma frase nobre para a dita em questão, que é apenas uma assassina louca. Detestei ter visto.
Lay the favorite: nesse dia vi dois filmes seguidos com Bruce Willis, e gostei de ambos. Esse do Stephen Frears é uma comédia amalucada envolvendo jogadores, apostadores e uma garçonete que se descobre na nova profissão de anotadora de apostas profissional - acho que é esse o nome da função. O ritmo é rapidíssimo, Bruce está ótimo, e Rebecca Hall, atriz que faz essa moça que seria a coprotagonista convence inteiramente e faz tudo muito bem (e é muita coisa que ela faz, está em cena o tempo todo), só a Zeta-Jones estranhei um pouco naquele personagem sem glamour, meio acabado. O Vince Vaughn parece que faz um tipo já conhecido - enrolão e enrolado, meio bandido num mau momento de mala suerte. Enfim, o filme diverte.
O outro filme que vi no mesmo dia com Bruce Willis não faz parte do Festival mas é uma história doidíssima - Looper, assassinos do futuro. A ação lida com o mesmo personagem, que é um matador, no passado e no futuro, com passagens de tempo bruscas e muita adrenalina. Gostei de ver, mas o final é meio edificante e diz respeito à necessidade do afeto materno para transformar um ser do mal (no futuro) em algo que nunca saberemos bem o que foi. De todo modo, o filme vale a confusão toda e no final tudo fica mais claro.
Lay the favorite: nesse dia vi dois filmes seguidos com Bruce Willis, e gostei de ambos. Esse do Stephen Frears é uma comédia amalucada envolvendo jogadores, apostadores e uma garçonete que se descobre na nova profissão de anotadora de apostas profissional - acho que é esse o nome da função. O ritmo é rapidíssimo, Bruce está ótimo, e Rebecca Hall, atriz que faz essa moça que seria a coprotagonista convence inteiramente e faz tudo muito bem (e é muita coisa que ela faz, está em cena o tempo todo), só a Zeta-Jones estranhei um pouco naquele personagem sem glamour, meio acabado. O Vince Vaughn parece que faz um tipo já conhecido - enrolão e enrolado, meio bandido num mau momento de mala suerte. Enfim, o filme diverte.
O outro filme que vi no mesmo dia com Bruce Willis não faz parte do Festival mas é uma história doidíssima - Looper, assassinos do futuro. A ação lida com o mesmo personagem, que é um matador, no passado e no futuro, com passagens de tempo bruscas e muita adrenalina. Gostei de ver, mas o final é meio edificante e diz respeito à necessidade do afeto materno para transformar um ser do mal (no futuro) em algo que nunca saberemos bem o que foi. De todo modo, o filme vale a confusão toda e no final tudo fica mais claro.
FestRio 2012 - Mais um ano
Mais um ano : Um filme de 2010 que só agora pudemos ver, onde Mike Leigh faz um trabalho de mestre, num filme belíssimo, tocante, transparente em sua leitura da solidão e da natureza humanas.
É generosa sua forma de lidar com as carências de afeto, de calor e de amizade de alguns personagens, sobretudo quando retrata uma mulher madura que ainda não se deu conta inteiramente de quem é, e não consegue aceitar completamente o nível de suas reais necessidades afetivas.
Ela pertence àquele rol de seres muito perdidos, cujos anos vividos parecem não ter ensinado o suficiente sobre esse dado estrutural e fundante de nossa humanidade: somos e estamos sós, embora alguns de nós consigam fazer-se acompanhar durante um percurso da vida, longo ou breve, pelo ente amado, pelo amigo, pela família possível, com quem se tecem histórias, compartilham-se vivências - ao final, na velhice a que hopefully se chega, essa tessitura de afetos será uma espécie de norte, cada vez mais necessário, para melhor caminhar em direção ao que nos aguarda a todos.
O que Leigh constrói é uma narrativa fílmica de como cada um enfrenta basicamente a solidão. O casal maduro, magnificamente interpretado por Jim Broadbent e Ruth Sheen, que se mantém unido e amoroso, que tem no manuseio da terra uma fonte de alegrias e vitalização - será o ponto de convergência onde aportam os vários personagens a sua volta. Ali eles conversam, desabafam, choram, riem, bebem (bastante, aliás - lembrei de HH: a vida é líquida), contam histórias - tecem os fios de suas existências e os entrelaçam uns aos outros, como se dá com amigos, com os que cruzam nossos caminhos.
Mas ficou no ar (para mim) um certo travo e custei a encontrar a motivo: acho que é esse núcleo indestrutível que o casal idoso constrói em torno de si, de afeto e cumplicidade - penso que está mais no campo da utopia, de uma idealização que não encontra eco em minha memória. Fiquei pensando que havia um tanto de bom mocismo ali e isso, confesso, me incomodou um pouco. Mas nada que impeça o real prazer de fazer parte, por alguns instantes, daquele universo de afetos.
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
FestRio 2012 - Viola; Odete; Inori; Vestígios; Electric children; Magic Mike;
Ontem, tentei ver Viola, um cinema-falado em que atrizes dizem textos longuíssimos de peças de Shakespeare, embaralhando um pouco a noção de real e fantasia, sobretudo nas relações entre elas, moças. Tentei também ir até o final, mas não deu, saí talvez no último terço, por achar muuuito chato.
Já Odete achei uma maluquice só - um filme querendo muito ser parente (primo, talvez), estilisticamente, do jeito Almodóvar de fazer cinema, inclusive na temática gay, mas não tendo a mão nem a maestria dele, ficou mais pra confuso e bastante amalucado, sem convicção alguma. As tragédias são excessivas sem convencer, nem comover (o que não querem mesmo, acho), e aquela moça, a Odete do título, tinha condições melhores e mais eficazes de ter um filho, e a encenação da coisa toda ficou muito forçada - eu não achei graça, mas as pessoas riam bem na platéia. Enfim, há quem tenha gostado.
Inori e Vestígio: no primeiro cochilei bastante -, aquela vila abandonada, com duas pessoas e uma paisagem sem ninguém, tudo leeento - muito bom pra cochilar. Mas me lembro de ter olhado com gosto e quase deslumbre uma cena nos minutos finais, quando uma espécie de tela sob forma de fotografia mostra a paisagem de árvores muito belas, numa atmosfera de sonho, cena forte final.
Já Vestígio vi com interesse todo o tempo, embora não seja mesmo para grandes platéias, acho. Morte e velhice sempre me põem alerta, e aquela tomada que abre o filme com um hiper close no rosto completamente enrugado da tia-avó, bem velhinha, já quase morrendo - isso eu queria muito ter feito. Um dia vou fazer um filme, ou vou tirar fotos muito boas, da v.e.l.h.i.c.e. Só lamentei no final, o filme parece que ficou pelo meio, não foi terminado, ficou meio solto, não é bem uma história, seria talvez uma homenagem da diretora a quem a criou, no lugar de seus pais.
Electric Children: Estranhíssimo filme, com uma atuação muito boa da jovem atriz (Julia Garner), na pele de uma menina mórmon de 15 anos, muito séria e muito ingênua, que engravida depois de ouvir uma canção de rock antiga, que fala de abandono do amada, que ocorre por telefone ou algo assim. Ela ouve a música no gravador (também antigo) de seu irmão - na verdade, todo o universo do filme é muito antigo, há valores muito arcaicos, paisagens morais muito arcaicas também.
E a coisa mais importante é isso mesmo: a menina acha que teve uma revelação ao ouvir a canção e que essa revelação a engravidou, semelhante à mãe de Jesus, que concebeu sem pecado. O filme, então, acompanha a jovem por Las Vegas, onde ela vai em busca da canção originária de sua gravidez, e encontra um conjunto onde jovens tocam hard music; ela e o irmão (que a seguiu escondido) seguem com os músicos e várias peripécias acontecem até seu retorno à comunidade mórmon de onde saiu. Mas só o irmão fica lá, ela acaba indo com o 'marido' que arrumou na peregrinação por Vegas viver sua vida e ter seu filho.
De todo modo, é meio confuso de entender até onde vai a representação da repressão constituída seja pela religião, seja pelos valores familiares, sobretudo paterno-patriarcais. É muito dúbia a relação dela com o tal pai-pastor (que parece não ser o verdadeiro pai) e que pode ter engravidado a jovem, pode tê-la violado - os sinais estão na violência com o que o irmão bate a porta do carro nele, no fato de o jovem voltar à comunidade e meio que apoderar-se da cadeira que era do pai, agora ausente da casa. Mas nada é certo, tudo é deliberadamente dúbio nesse terreno. Menos, é claro, a crescente barriga de um filho real que ela carrega.
Magic Mike: Divertidíssimo! Esse Channing Tatum é belíssimo, e dança muito bem, claro. Além dele, o Matthew McConaughey faz um esforço de leão (a gente percebe) para estar à altura do deus grego e faz um número de dança bom. Comédia para homens e mulheres se divertirem, mas acho que as mulheres e os homens que gostam de homens vão aproveitar mais as belezas naturais de tudo ali.
FestRio 2012 - As sessões; Indomável sonhadora;
Hoje vi três filmes, mas achei cansativa a meia maratona, salvo pelo fato de ter encontrado uma grande amiga de juventude, foi ótimo conversar com ela e amanhã talvez nos vejamos de novo, estamos na mesma sessão de Mais um ano, do Mike Leigh.
De todo modo, um dos filmes interessantes que vi até agora (indicado pelo cinéfilo Egídio La Pasta Jr) foi As sessões, que mostra um fiapo de vida sendo vivido intensamente por um personagem imobilizado numa cadeira de rodas (e dormindo numa cama-balão-de- oxigênio), mas que tem um vida mental intensa e um órgão sexual igualmente intenso.
Esse ser será virgem até os trinta e seis anos, quando nós, espectadores, o encontramos vivenciando suas primeiras experiências com uma terapeuta sexual, interpretada pela ótima Helen Hunt (ele eu não conhecia, o ator John Hawkes). Tudo no filme é interessante, mas a intensidade que esses dois atores emprestam a seus personagens será um dos suportes para o filme segurar o interesse até o fim. Além disso, tem um padre super cúmplice, eu diria quase voyeur, de todas as maluquices que passam pela cabeça do personagem - e quando ele se confessa ao padre (sim, ele é católico), viramos também confidentes de seus mais íntimos desejos. Gostei de ver como a Hunt tem se poupado pouco das rugas, mas acho que em breve seus lábios sofrerão uma pequena (espero que pequena mesmo) intervenção. Filme ótimo, divertido e parece que baseado em fatos reais, o que me parece muito alentador.
Outro filme forte, por tudo que mostra e pela forma como aborda os limites da miséria absoluta, é Beasts of the Southern Wild (penso que a tradução para Indomável sonhadora não é muito eloquente para o que se vê), primo daquele universo de Slumdog millionaire, o filme britânico de 2008, mas sem o humor e a quase irreverência com que a pobreza é tratada ali, embora trabalhe todo o tempo com a energia, a força e a imaginação desmedida de uma criança, uma menina paupérrima, vivendo com seu pai (ótimo ator, por sinal) numa região à beira de todas a inundações, de onde ela retira os personagens imaginários com os quais conversa e que a fortalecem para a diária conquista da vida.
Ela é a grande xamã do filme: pequena, louca, forte, feroz, assustada, terrivelmente convincente - a atriz com nome estranhíssimo - Quvenzhane Wallis -, premiada em Sundance e Cannes, carrega a magia da história em sua interpretação, e também sua dureza. Alguém escreveu que é difícil falar sobre interpretação de crianças, porque ela ainda não tem o domínio das nuances dos inúmeros sentimentos e vivências acumulados pelo adulto. Mas Wallis nos convence de que é possível sobreviver àquilo - logo, a tudo, talvez pelo contraste entre sua imaginação fértil (de onde vem uma certa inocência) e a dureza das condições que o ambiente em que vive lhe oferece. Filme duro, exigente - como Hushpuppy, sua personagem.
De todo modo, um dos filmes interessantes que vi até agora (indicado pelo cinéfilo Egídio La Pasta Jr) foi As sessões, que mostra um fiapo de vida sendo vivido intensamente por um personagem imobilizado numa cadeira de rodas (e dormindo numa cama-balão-de- oxigênio), mas que tem um vida mental intensa e um órgão sexual igualmente intenso.
Esse ser será virgem até os trinta e seis anos, quando nós, espectadores, o encontramos vivenciando suas primeiras experiências com uma terapeuta sexual, interpretada pela ótima Helen Hunt (ele eu não conhecia, o ator John Hawkes). Tudo no filme é interessante, mas a intensidade que esses dois atores emprestam a seus personagens será um dos suportes para o filme segurar o interesse até o fim. Além disso, tem um padre super cúmplice, eu diria quase voyeur, de todas as maluquices que passam pela cabeça do personagem - e quando ele se confessa ao padre (sim, ele é católico), viramos também confidentes de seus mais íntimos desejos. Gostei de ver como a Hunt tem se poupado pouco das rugas, mas acho que em breve seus lábios sofrerão uma pequena (espero que pequena mesmo) intervenção. Filme ótimo, divertido e parece que baseado em fatos reais, o que me parece muito alentador.
Outro filme forte, por tudo que mostra e pela forma como aborda os limites da miséria absoluta, é Beasts of the Southern Wild (penso que a tradução para Indomável sonhadora não é muito eloquente para o que se vê), primo daquele universo de Slumdog millionaire, o filme britânico de 2008, mas sem o humor e a quase irreverência com que a pobreza é tratada ali, embora trabalhe todo o tempo com a energia, a força e a imaginação desmedida de uma criança, uma menina paupérrima, vivendo com seu pai (ótimo ator, por sinal) numa região à beira de todas a inundações, de onde ela retira os personagens imaginários com os quais conversa e que a fortalecem para a diária conquista da vida.
Ela é a grande xamã do filme: pequena, louca, forte, feroz, assustada, terrivelmente convincente - a atriz com nome estranhíssimo - Quvenzhane Wallis -, premiada em Sundance e Cannes, carrega a magia da história em sua interpretação, e também sua dureza. Alguém escreveu que é difícil falar sobre interpretação de crianças, porque ela ainda não tem o domínio das nuances dos inúmeros sentimentos e vivências acumulados pelo adulto. Mas Wallis nos convence de que é possível sobreviver àquilo - logo, a tudo, talvez pelo contraste entre sua imaginação fértil (de onde vem uma certa inocência) e a dureza das condições que o ambiente em que vive lhe oferece. Filme duro, exigente - como Hushpuppy, sua personagem.
domingo, 30 de setembro de 2012
FestRio 2012 - Planeta solitário
Dos cinco filmes do FestRio que vi até agora, dois eu não entendi - literalmente, e ambos foram vistos hoje. Num deles - Planeta solitário, o não entendimento é sobre a proposta, o projeto - qual é o sentido de ver durante duas horas o Gael Garcia Bernal e uma moça que eu vejo no programa chamar-se Hani Furstenberg, mais o guia dos dois, feito pelo ator Bidzina Gujabidze, caminharem extensivamente por uma paisagem de montanhas, rios, pedras, matos, infinitamente, até o sem fim do mundo - o que me fez lembrar de Into the wild, mas esse filme é um pouco diferente, ele é mais plano, mais horizontal, não tem as intermitências do viver que o personagem do outro tinha.
Ou seja, há uma grande paisagem, uma natureza ainda intocada, e três pessoas caminham por ela, caminham, caminham sem parar; sobem montanhas, atravessam rios, cortam matas e andam, andam, enquanto em minha cabeça um outro filme vai registrando alguns pensamentos: que temeridade se embrenhar no meio do nada com um desconhecido; como ir tão longe e tão só sem um plano de volta? como não ficar à mercê, se os dois nada conhecem daquele mundo? Mas, continuo pensando, são jovens, e cabe aos jovens gastar a vida, vivendo-a e expondo-a ao que se deseja.
De repente, out of the blue, um grupo de três homens surge (na verdade, um velho e dois jovens quase adolescentes) e há uma altercação com o guia, até que o velho, muito repentinamente também, aponta uma espingarda (ou talvez fuzil, não sei) em direção ao rosto do personagem de Gael que, num movimento involuntário, empurra imperceptivelmente sua noiva para frente, de modo que ela serve de escudo a ele, numa cena bem rápida; logo em seguida, e muito rapidamente também, a empurra para trás dele, onde ela fica escondida durante toda a cena - quando os minutos crescem e se alongam, na espera do tiro bem no meio da testa do jovem - que não vem. O velho parece aceitar aquela talvez invasão de seu território e retiram-se os três, ele sorrindo da atitude do homem, provavelmente aprovando sua coragem ao proteger a mulher.
De todo modo, esse é o mote, parece, sobre o qual gira todo o filme - as longas duas horas de caminhada circulam como ondas concêntricas, aproximando-se e afastando-se, esse mínimo espaço de tempo em que o homem expôs a mulher amada, arrependeu-se e a protegeu com seu próprio corpo. Acho que poderia levar horas escrevendo duzentas interpretações possíveis para a brusca mudança de atitude da mulher, do casal, enfim, a partir dessa cena minimal. Mas, in the long run, é muita paisagem em volta de um acontecimento tão minúsculo. E a pedrinha no sapato dela - não há metáfora que justifique tão longos passos e caminhos tão íngremes para tão pouca ação. Ou então eu li mal o que mais houve, ou haveria.
Ou seja, há uma grande paisagem, uma natureza ainda intocada, e três pessoas caminham por ela, caminham, caminham sem parar; sobem montanhas, atravessam rios, cortam matas e andam, andam, enquanto em minha cabeça um outro filme vai registrando alguns pensamentos: que temeridade se embrenhar no meio do nada com um desconhecido; como ir tão longe e tão só sem um plano de volta? como não ficar à mercê, se os dois nada conhecem daquele mundo? Mas, continuo pensando, são jovens, e cabe aos jovens gastar a vida, vivendo-a e expondo-a ao que se deseja.
De repente, out of the blue, um grupo de três homens surge (na verdade, um velho e dois jovens quase adolescentes) e há uma altercação com o guia, até que o velho, muito repentinamente também, aponta uma espingarda (ou talvez fuzil, não sei) em direção ao rosto do personagem de Gael que, num movimento involuntário, empurra imperceptivelmente sua noiva para frente, de modo que ela serve de escudo a ele, numa cena bem rápida; logo em seguida, e muito rapidamente também, a empurra para trás dele, onde ela fica escondida durante toda a cena - quando os minutos crescem e se alongam, na espera do tiro bem no meio da testa do jovem - que não vem. O velho parece aceitar aquela talvez invasão de seu território e retiram-se os três, ele sorrindo da atitude do homem, provavelmente aprovando sua coragem ao proteger a mulher.
De todo modo, esse é o mote, parece, sobre o qual gira todo o filme - as longas duas horas de caminhada circulam como ondas concêntricas, aproximando-se e afastando-se, esse mínimo espaço de tempo em que o homem expôs a mulher amada, arrependeu-se e a protegeu com seu próprio corpo. Acho que poderia levar horas escrevendo duzentas interpretações possíveis para a brusca mudança de atitude da mulher, do casal, enfim, a partir dessa cena minimal. Mas, in the long run, é muita paisagem em volta de um acontecimento tão minúsculo. E a pedrinha no sapato dela - não há metáfora que justifique tão longos passos e caminhos tão íngremes para tão pouca ação. Ou então eu li mal o que mais houve, ou haveria.
Assinar:
Postagens (Atom)