sábado, 30 de outubro de 2010
dois tempos
Isso é para ver se as cores voltam, a vida vibra e a beleza se impõe.
Essa é outra maneira de dizer o que está dito aí em cima!
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alma penada 2 e Gullar
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Saí para ver Suprema felicidade, do Jabor, mas ando tão sem paciência que as mais de duas horas do filme me pareceram excessivas e não tive vontade de entrar no cinema. Tomei um café, voltei e vou tentar ler alguma coisa. Já li livros que não tenho tido vontade de comentar - Em alguma parte alguma, do Gullar, por exemplo, de que gostei muito. Não vou comentá-lo, mas copio um poema belo sobre a grande dama:
A morte
A morte não tem avenidas iluminadas
não tem caixas de som atordoantes
tráfego engarrafado
não tem praias
não tem bundas
não tem telefonemas que não vêm nunca
a morte
não tem culpas
nem remorsos
nem perdas
não tem
lembranças doídas de mortos
nem festas de aniversário
a morte
não tem falta de sentido
não tem vontade de morrer
não tem desejos
aflições
o vazio vazio da vida
a morte não tem falta de nada
não tem nada
é nada
a paz do nada (p. 63)
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Ferreira Gullar, Em alguma parte alguma. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 2010.
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Saí para ver Suprema felicidade, do Jabor, mas ando tão sem paciência que as mais de duas horas do filme me pareceram excessivas e não tive vontade de entrar no cinema. Tomei um café, voltei e vou tentar ler alguma coisa. Já li livros que não tenho tido vontade de comentar - Em alguma parte alguma, do Gullar, por exemplo, de que gostei muito. Não vou comentá-lo, mas copio um poema belo sobre a grande dama:
A morte
A morte não tem avenidas iluminadas
não tem caixas de som atordoantes
tráfego engarrafado
não tem praias
não tem bundas
não tem telefonemas que não vêm nunca
a morte
não tem culpas
nem remorsos
nem perdas
não tem
lembranças doídas de mortos
nem festas de aniversário
a morte
não tem falta de sentido
não tem vontade de morrer
não tem desejos
aflições
o vazio vazio da vida
a morte não tem falta de nada
não tem nada
é nada
a paz do nada (p. 63)
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Ferreira Gullar, Em alguma parte alguma. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 2010.
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sexta-feira, 29 de outubro de 2010
duas almas penadas
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Perdi o sono, como sói acontecer agora com frequência, e vejo que tenho companhia de um gato - ou gata - pingada no blog, dá uma certa curiosidade de saber quem está às 3 horas da manhã perdido nas letras, ou fotos, desse linha. Bem vindo, notívago, espero que seu sono chegue logo, eu já fiz tudo que podia pra dormir e até agora nada, mas vou deitar e ficar quietinha, quem sabe o maledetto do sono chega. Beijo, à demain :)
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Perdi o sono, como sói acontecer agora com frequência, e vejo que tenho companhia de um gato - ou gata - pingada no blog, dá uma certa curiosidade de saber quem está às 3 horas da manhã perdido nas letras, ou fotos, desse linha. Bem vindo, notívago, espero que seu sono chegue logo, eu já fiz tudo que podia pra dormir e até agora nada, mas vou deitar e ficar quietinha, quem sabe o maledetto do sono chega. Beijo, à demain :)
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domingo, 24 de outubro de 2010
fait divers
Flashes sobre alguns filmes que vi:
Comer, Rezar, Amar: equivocado do começo ao fim, muito ruim, triste ver aquela atriz pagando tamanho mico, e o belo só se salva porque entra já no finalzinho, para fazer o mais agradável: seduzir. E mesmo assim ainda paga mico falando em suposto português (mas continua sedutor, sempre);
O pequeno Nicolau: fofo, mesmo para adultos, muito interessante;
Eu e meu guarda-chuva: crianças entre 7 e 12 anos se esbaldam; meio chatinho para adultos, embora frases inteligentes e alguns truques non-sense tornem o filme medianamente razoável;
Antes que o mundo acabe: lindo, bem feito, atores jovens dando o recado direitinho, orgulho e prazer de ver;
Cinco vezes favela, agora por nós mesmos: a palavra que me veio assim que saí do cinema: frescor. Todas as histórias são bem contadas, têm uma espécie de "alma carioca", algumas são bem engraçadas e as que não são cativam o espectador. O filme todo é ótimo.
Quando me apaixono: quis muito gostar da protagonista, porque admiro o trabalho da Helen Hunt, mas achei mal costurado do começo ao fim. Não achei um filme ruim, como Comer, Rezar, Amar é um filme ruim, mas um filme mal feito, há diferença, só não sei explicar.
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Fui ver a Primavera do livro, andei um pouco, olhei, mas só comprei um livrinho do Ondjaki, E se amanhã o medo, para conhecer o rapaz. Não tenho mais onde colocar livros e há muitos não lidos por aqui. Achei o ambiente do lugar ótimo, mas se alguém for comer algum daqueles doces que eles dizem ser de Portugal, não peçam a bomba de chocolate, é uma bomba de nada vezes nada, só calorias sem sabor algum. Reclamei bastante do engodo e não paguei nada, tampouco.
Comer, Rezar, Amar: equivocado do começo ao fim, muito ruim, triste ver aquela atriz pagando tamanho mico, e o belo só se salva porque entra já no finalzinho, para fazer o mais agradável: seduzir. E mesmo assim ainda paga mico falando em suposto português (mas continua sedutor, sempre);
O pequeno Nicolau: fofo, mesmo para adultos, muito interessante;
Eu e meu guarda-chuva: crianças entre 7 e 12 anos se esbaldam; meio chatinho para adultos, embora frases inteligentes e alguns truques non-sense tornem o filme medianamente razoável;
Antes que o mundo acabe: lindo, bem feito, atores jovens dando o recado direitinho, orgulho e prazer de ver;
Cinco vezes favela, agora por nós mesmos: a palavra que me veio assim que saí do cinema: frescor. Todas as histórias são bem contadas, têm uma espécie de "alma carioca", algumas são bem engraçadas e as que não são cativam o espectador. O filme todo é ótimo.
Quando me apaixono: quis muito gostar da protagonista, porque admiro o trabalho da Helen Hunt, mas achei mal costurado do começo ao fim. Não achei um filme ruim, como Comer, Rezar, Amar é um filme ruim, mas um filme mal feito, há diferença, só não sei explicar.
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Fui ver a Primavera do livro, andei um pouco, olhei, mas só comprei um livrinho do Ondjaki, E se amanhã o medo, para conhecer o rapaz. Não tenho mais onde colocar livros e há muitos não lidos por aqui. Achei o ambiente do lugar ótimo, mas se alguém for comer algum daqueles doces que eles dizem ser de Portugal, não peçam a bomba de chocolate, é uma bomba de nada vezes nada, só calorias sem sabor algum. Reclamei bastante do engodo e não paguei nada, tampouco.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Desde Buenos Aires
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Bom, desta vez minha estadia em Buenos Aires foi um pouco melhor, apesar dos reveses, que foram basicamente dois: os joelhos incharam por conta de dois lances de escadas no primeiro hotel, onde fiquei dois dias (já estou fazendo fisioterapia), na verdade um B&B com donos super gentis, mas que só é adequado para jovens ou senhores de ossos inteirinhos; e a preguiça que ainda me fez comer mal algumas (poucas) vezes.
O que foi ótimo: estar no Hotel Querido, de Mariana e Ali, ela baiana, ele inglês, ambos pessoas ótimas, que ajudam o quanto podem para tornar os dias de seus hóspedes mais felizes. O hotel é lindo, clean, adequado, quartos muito bons, ponto excelente. Ou melhor, o lugar é uma perdição, porque em torno dele há várias ruas só de outlets de marcas, com promoções que mesmo não sendo de preços baixíssimos, são tentadoras e não creio que haja cristão que consiga se eximir de deixar uns bons pesos por lá. Eu, pelo menos, não consegui, com toda dor nos joelhos, até porque a lembrança de Gabriel não me deixava, nem a dos outros sobrinhos, e tem uma marca chamada Grisino que tem coisas lindinhas para os babies; também a Cheeky, onde achei o mais macio macacão de bebê que já toquei, e em promoção de verdade. Enfim, lugar excelente para comprar.
O show abre de forma impactante, com dois cavalos brancos e lindos subindo ao palco duas vezes; os dançarinos dançam muito; o cantor canta bem demais e achei tudo ótimo, mas muito caro lá dentro - uma garrafa de água, que foi tudo que pedimos, custava 25 pesos, em torno de 13 reais, foi a água mais cara que já tomei, e ainda ficou meia garrafa.
Não se pode fotografar nada quando o show começa, mas já no final muita gente pega a máquina e fotografa o que dá, eu também, claro. Pena que não fotografei os cavalos, lindíssimos.
Também andei no ônibus de turismo que faz o percurso pelos bairros mais conhecidos, gostei muito também.
Depois Puerto Madero, onde fiquei um pouco mais e fiz a escolha péssima de restaurante, melhor não comentar. Quando ia pegar o ônibus para continuar o passeio, começou a chover e resolvi voltar de táxi, foi só entrar nele e caiu um toró daqueles. Aliás, passei bastante frio por lá, mesmo tendo visto no Weather Channel que ia fazer sol todos os dias em que lá estaria, isso não ocorreu, ou melhor, havia sol mas também muito frio. Então, se for a Buenos Aires nessa época leve casaco, mesmo que o canal do tempo mostre um solzão.
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Bom, desta vez minha estadia em Buenos Aires foi um pouco melhor, apesar dos reveses, que foram basicamente dois: os joelhos incharam por conta de dois lances de escadas no primeiro hotel, onde fiquei dois dias (já estou fazendo fisioterapia), na verdade um B&B com donos super gentis, mas que só é adequado para jovens ou senhores de ossos inteirinhos; e a preguiça que ainda me fez comer mal algumas (poucas) vezes.
O que foi ótimo: estar no Hotel Querido, de Mariana e Ali, ela baiana, ele inglês, ambos pessoas ótimas, que ajudam o quanto podem para tornar os dias de seus hóspedes mais felizes. O hotel é lindo, clean, adequado, quartos muito bons, ponto excelente. Ou melhor, o lugar é uma perdição, porque em torno dele há várias ruas só de outlets de marcas, com promoções que mesmo não sendo de preços baixíssimos, são tentadoras e não creio que haja cristão que consiga se eximir de deixar uns bons pesos por lá. Eu, pelo menos, não consegui, com toda dor nos joelhos, até porque a lembrança de Gabriel não me deixava, nem a dos outros sobrinhos, e tem uma marca chamada Grisino que tem coisas lindinhas para os babies; também a Cheeky, onde achei o mais macio macacão de bebê que já toquei, e em promoção de verdade. Enfim, lugar excelente para comprar.
Essa é apenas uma das ruas mortais, há várias outras por perto.
Dentre outras coisas boas, fui ver um show de tango chamado Senhor Tango e amei. Aproveitei a companhia de Vanessa e Artur, duas gracinhas de pessoas que estavam hospedadas no Querido, e lá fomos nós. O lugar é muito bonito, uma espécie de galpão enorme, cheio de coisas estranhas e interessantes, entre elas a estátua de Borges sentadinho olhando por nós. O show abre de forma impactante, com dois cavalos brancos e lindos subindo ao palco duas vezes; os dançarinos dançam muito; o cantor canta bem demais e achei tudo ótimo, mas muito caro lá dentro - uma garrafa de água, que foi tudo que pedimos, custava 25 pesos, em torno de 13 reais, foi a água mais cara que já tomei, e ainda ficou meia garrafa.
Não se pode fotografar nada quando o show começa, mas já no final muita gente pega a máquina e fotografa o que dá, eu também, claro. Pena que não fotografei os cavalos, lindíssimos.
Das comilanças, a melhor de todas foi esse pollo que comi no Minga restaurante, junto com uma salada transcendental, que veio compensar um purê de batatas...doce. Pedi purê e veio aquela coisa doce, purê propriamente dito chamam de pasta, só aprendi depois que paguei pelo erro. Mas valeu pela salada, a melhor que já comi, ever.
Também andei no ônibus de turismo que faz o percurso pelos bairros mais conhecidos, gostei muito também.
Fui a Camiñito, que é mesmo bem simples, parecido com o Porto Seguro de décadas atrás, com aquela feirinha simples e restaurantes espalhados pela rua, cujos empregados ficam chamando as pessoas.
Depois Puerto Madero, onde fiquei um pouco mais e fiz a escolha péssima de restaurante, melhor não comentar. Quando ia pegar o ônibus para continuar o passeio, começou a chover e resolvi voltar de táxi, foi só entrar nele e caiu um toró daqueles. Aliás, passei bastante frio por lá, mesmo tendo visto no Weather Channel que ia fazer sol todos os dias em que lá estaria, isso não ocorreu, ou melhor, havia sol mas também muito frio. Então, se for a Buenos Aires nessa época leve casaco, mesmo que o canal do tempo mostre um solzão.
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domingo, 17 de outubro de 2010
As eleições e as boas defesas
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Pedi a ela para copiar aqui esses três parágrafos de um longo e excelente texto que a Ana Paula posta hoje aqui, em que ela focaliza com minúcias os projetos de país com os quais sonha. O sonho dela é também o meu, e acredito que de toda pessoa lúcida.
A síntese que ela faz no final é primorosa, e diz com clareza por que um projeto de país de um candidato importa para nós mais do que o outro. E eu sei exatamente do que Ana fala quando menciona os inúmeros problemas por que os professores e as universidades públicas passaram na era FHC. Eu lembro bem, e não gosto do que lembro.
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Nós estamos diante de dois modelos diferentes de pensar, administrar e conduzir o país a esse patamar que todo mundo promete. Acredito que, em sã consciência, todo mundo defende, minimamente, que o país possa oferecer condições de trabalho, moradia, segurança, educação e saúde para todos os seus habitantes. O que quase ninguém se pergunta é como conseguir isso. E o que quase todo mundo no fundo quer é que se consiga isso sem mexer no seu próprio bolso e na sua posição. Se bem que tem bastante gente que olha com ressentimento para o fato de que os mais pobres agora andem de avião ou frequentem o mesmo supermercado e tenham a mesma televisão de plasma que eles. Que absurdo o pobre morar num barraco e querer ter tv de plasma (!!!).
Esses dois modelos diferentes têm consequências e rebatimentos na vida de todos nós: eles nos afetam, afetam nossos empregos, as relações sociais constituídas, afetam a estrutura social e econômica nacional, não apenas durante os quatro anos de mandato, mas deixando frutos e resultados, para o bem ou para o mal. Se o Serra ganhar (toc, toc, toc), eu sobreviverei. Minhas chances de bolsa no doutorado (supondo que eu passe) diminuirão, e minha perspectiva de fazer concurso público para alguma universidade federal num horizonte mais próximo também diminuirá muito (tomando como parâmetro o que foi a administração do PSDB no governo FHC e nos governos estaduais). Eu moro em casa própria, meus filhos estão praticamente encaminhados, um na faculdade e outro quase lá, a gente se vira. Mas muita, muita gente será devolvida a um estado de pouca esperança, a um estado de pouca ou nenhuma dignidade. E eu não quero isso.
É nisso que eu acredito e é por isso que eu luto, dentro das minhas possibilidades, com meus erros e limitações. Idealista? Sonhadora? Talvez. Mas se eu não tiver um ideal para iluminar e nortear o meu caminho, que sentido tem passar pelos perrengues que a gente passa na vida? Essa sou eu. Quem é você?
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Pedi a ela para copiar aqui esses três parágrafos de um longo e excelente texto que a Ana Paula posta hoje aqui, em que ela focaliza com minúcias os projetos de país com os quais sonha. O sonho dela é também o meu, e acredito que de toda pessoa lúcida.
A síntese que ela faz no final é primorosa, e diz com clareza por que um projeto de país de um candidato importa para nós mais do que o outro. E eu sei exatamente do que Ana fala quando menciona os inúmeros problemas por que os professores e as universidades públicas passaram na era FHC. Eu lembro bem, e não gosto do que lembro.
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Nós estamos diante de dois modelos diferentes de pensar, administrar e conduzir o país a esse patamar que todo mundo promete. Acredito que, em sã consciência, todo mundo defende, minimamente, que o país possa oferecer condições de trabalho, moradia, segurança, educação e saúde para todos os seus habitantes. O que quase ninguém se pergunta é como conseguir isso. E o que quase todo mundo no fundo quer é que se consiga isso sem mexer no seu próprio bolso e na sua posição. Se bem que tem bastante gente que olha com ressentimento para o fato de que os mais pobres agora andem de avião ou frequentem o mesmo supermercado e tenham a mesma televisão de plasma que eles. Que absurdo o pobre morar num barraco e querer ter tv de plasma (!!!).
Esses dois modelos diferentes têm consequências e rebatimentos na vida de todos nós: eles nos afetam, afetam nossos empregos, as relações sociais constituídas, afetam a estrutura social e econômica nacional, não apenas durante os quatro anos de mandato, mas deixando frutos e resultados, para o bem ou para o mal. Se o Serra ganhar (toc, toc, toc), eu sobreviverei. Minhas chances de bolsa no doutorado (supondo que eu passe) diminuirão, e minha perspectiva de fazer concurso público para alguma universidade federal num horizonte mais próximo também diminuirá muito (tomando como parâmetro o que foi a administração do PSDB no governo FHC e nos governos estaduais). Eu moro em casa própria, meus filhos estão praticamente encaminhados, um na faculdade e outro quase lá, a gente se vira. Mas muita, muita gente será devolvida a um estado de pouca esperança, a um estado de pouca ou nenhuma dignidade. E eu não quero isso.
É nisso que eu acredito e é por isso que eu luto, dentro das minhas possibilidades, com meus erros e limitações. Idealista? Sonhadora? Talvez. Mas se eu não tiver um ideal para iluminar e nortear o meu caminho, que sentido tem passar pelos perrengues que a gente passa na vida? Essa sou eu. Quem é você?
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Pendengas e imbroglios
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É mais ou menos o que eu penso a respeito do confuso imbroglio com os meios de comunicação que está permeando essa eleição.
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Sufocando pluralismo jornais estimulam censura - Marcelo Semer
URL: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4731106-EI16410,00-Sufocando+pluralismo+jornais+estimulam+censura.html
A demissão da colunista Maria Rita Kehl logo após e em razão de um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo já seria ruim por si só se representasse apenas um ato de intolerância.
Como lembrou Eugênio Bucci, nas mesmas páginas do Estadão, a intolerância desacredita e desautoriza, sobretudo, o próprio intolerante.
Mas a punição fez um estrago ainda maior. Introduziu, de vez, e pela porta dos fundos, a imprensa no centro do debate eleitoral. É certo que no primeiro turno, o embate que não ocorria entre a candidata favorita que evitava se expor e o candidato de oposição, que evitava se opor, acabou sendo substituído por um debate de alta intensidade entre o presidente da República e a grande imprensa, com acusações mútuas.
Lula atribuía à imprensa o papel disfarçado de partido de oposição e recebia como resposta a pecha de autoritário e censor. O resultado desse custoso confronto foi o de fazer com que jornais, como o próprio Estadão, explicitassem suas preferências na eleição. Por coincidência, o artigo de Maria Rita se iniciava justamente com o elogio à franqueza do jornal, por ter comunicado aos leitores seu apoio a José Serra.
O desgaste político com as declarações do presidente e a contenda generalizada com a grande imprensa provocaram um ambiente exageradamente belicoso e o assunto da parcialidade foi sendo amenizado na campanha petista. Senão por convicção, ao menos por conveniência.
A demissão de Maria Rita Kehl reintroduziu involuntariamente o tema, em especial nas redes sociais, que o vivenciaram de forma intensa e instantânea.
Não se poderá contar a história da eleição de 2010 sem discutir o papel nela desempenhado pela grande imprensa.
E como o debate político entre as duas candidaturas seguiu esvaziado de conteúdo, inclusive pela introdução proposital de falsas questões que o atrapalharam, como o caso do aborto, o tema cresceu de importância.
É mais ou menos como se parássemos o jogo do Brasil, em face uma narração enviesada de Galvão Bueno, ao invés de discutir os gols de Kaká, ou a falta deles. Trata-se de uma regra de ouro do jornalismo, em que o repórter deve evitar, o tanto quanto possível, tornar-se ele mesmo a própria notícia, obscurecendo os fatos que pretendia cobrir.
Mas essa, apesar de tudo, ainda não foi a conseqüência mais drástica do evento.
Um jornal censurado, como o Estadão, que reproduz tal informação diariamente há mais de um ano em suas páginas, como insígnia, jamais podia estimular uma punição pela opinião.
Este é o cerne da liberdade de expressão - que as pessoas não sejam punidas pela exposição de suas idéias.
A liberdade de opinião é o combustível da democracia, mas não é possível tragar a chama apenas para si, sufocando o oxigênio dos demais. No estado democrático de direito, as liberdades não são excludentes.
O jornal Folha de S. Paulo, por sua vez, ajuizou ação para proibir uma sátira realizada por blog independente, que lhe parodiava de forma crítica.
Segundo o jornal, não se trata de censura, mas apenas da defesa de marca.
Não discuto aqui o mérito da ação ou da decisão judicial.
Apenas observo que os políticos que buscam a Justiça para esconder escândalos das páginas dos jornais também alegam que não pleiteiam censura, mas tão-somente preservar a intimidade ou o seu direito à honra.
Sinto-me à vontade para criticar a ambos, pois tenho escrito, inclusive nesta coluna, que é a ação de juízes que revigora a censura na democracia, com as proibições prévias de artigos ou matérias, supostamente justificados pela defesa de reputações.
É preciso criar uma cultura de tolerância e um ambiente de liberdade para a imprensa, justamente porque não há democracia sem ela. Mas quando é a própria imprensa quem estimula o clima de censura e punições, só podemos imaginar que alguma coisa está fora da ordem.
Há quem possa dizer que a colunista não passa de uma funcionária do jornal e pode ser livremente demitida por escrever contra sua linha editorial.
É verdade. Mas trata-se aqui de defender, então, não a liberdade de expressão, e sim a propriedade privada.
Até mesmo a propriedade privada deve atender a sua função social. Isso é mais do que um panfleto ou palavra de ordem, é um princípio constitucional.
É evidente que não se pode controlar o que um jornal publica. Toda forma de censura será, sempre, um exercício arbitrário de poder.
Tampouco é possível exigir objetividade, tal qual se aprendia nos antigos manuais de jornalismo. Mesmo o quem, como, quando, onde, dependem do espectador e as mais diversas influências interferem criando diversidade de olhares. Assim também são os juízes, que interpretam diferentemente as normas, sem que uns ou outros, possam ser culpados por agirem assim.
Por tudo isso, nos resta o pluralismo, como escape e defesa da liberdade. Está em seu exercício a responsabilidade social dos jornais.
O pluralismo é a premissa da liberdade de expressão. Ela existe justamente para garanti-lo.
Somos livres, sobretudo, para expressar nossas diferenças.
Sufocar o pluralismo em nome do exercício da liberdade não é apenas um contra-senso. É um verdadeiro paradoxo.
Nenhuma democracia prescinde do pluralismo. E a responsabilidade dos órgãos de imprensa, livres em uma sociedade livre, é estimulá-lo e não amputá-lo. Os interesses pessoais, empresariais ou mesmo partidários, inclusive durante uma eleição, jamais podem sobrepujá-lo.
O pluralismo é o pai do "outro lado", da contraposição, da alteridade.
É a voz que expressa a opinião que não nos pertence, da qual não gostamos, aquela que mais nos incomoda. E justamente por isso é tão necessária. Porque não seríamos capazes de formulá-la por nós mesmos.
A Constituição outorga à imprensa a estatura de interesse social.
Não a reduz a uma mera atividade comercial.
Proíbe expressamente toda forma de censura, para garantir sua liberdade, e lhe concede imunidade tributária, como incentivo custeado por toda a sociedade para o desempenho de uma atividade relevante para o bem comum.
O que se espera dos órgãos de imprensa é que ajam com a mesma responsabilidade social com que foram tratados pela lei, abrindo oportunidades para que as opiniões possam circular livremente.
Porque o jornalismo não pode encontrar limites na democracia. Mas a propaganda sim.
Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.
Fale com Marcelo Semer: marcelo_semer@terra.com.br
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É mais ou menos o que eu penso a respeito do confuso imbroglio com os meios de comunicação que está permeando essa eleição.
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Sufocando pluralismo jornais estimulam censura - Marcelo Semer
URL: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4731106-EI16410,00-Sufocando+pluralismo+jornais+estimulam+censura.html
A demissão da colunista Maria Rita Kehl logo após e em razão de um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo já seria ruim por si só se representasse apenas um ato de intolerância.
Como lembrou Eugênio Bucci, nas mesmas páginas do Estadão, a intolerância desacredita e desautoriza, sobretudo, o próprio intolerante.
Mas a punição fez um estrago ainda maior. Introduziu, de vez, e pela porta dos fundos, a imprensa no centro do debate eleitoral. É certo que no primeiro turno, o embate que não ocorria entre a candidata favorita que evitava se expor e o candidato de oposição, que evitava se opor, acabou sendo substituído por um debate de alta intensidade entre o presidente da República e a grande imprensa, com acusações mútuas.
Lula atribuía à imprensa o papel disfarçado de partido de oposição e recebia como resposta a pecha de autoritário e censor. O resultado desse custoso confronto foi o de fazer com que jornais, como o próprio Estadão, explicitassem suas preferências na eleição. Por coincidência, o artigo de Maria Rita se iniciava justamente com o elogio à franqueza do jornal, por ter comunicado aos leitores seu apoio a José Serra.
O desgaste político com as declarações do presidente e a contenda generalizada com a grande imprensa provocaram um ambiente exageradamente belicoso e o assunto da parcialidade foi sendo amenizado na campanha petista. Senão por convicção, ao menos por conveniência.
A demissão de Maria Rita Kehl reintroduziu involuntariamente o tema, em especial nas redes sociais, que o vivenciaram de forma intensa e instantânea.
Não se poderá contar a história da eleição de 2010 sem discutir o papel nela desempenhado pela grande imprensa.
E como o debate político entre as duas candidaturas seguiu esvaziado de conteúdo, inclusive pela introdução proposital de falsas questões que o atrapalharam, como o caso do aborto, o tema cresceu de importância.
É mais ou menos como se parássemos o jogo do Brasil, em face uma narração enviesada de Galvão Bueno, ao invés de discutir os gols de Kaká, ou a falta deles. Trata-se de uma regra de ouro do jornalismo, em que o repórter deve evitar, o tanto quanto possível, tornar-se ele mesmo a própria notícia, obscurecendo os fatos que pretendia cobrir.
Mas essa, apesar de tudo, ainda não foi a conseqüência mais drástica do evento.
Um jornal censurado, como o Estadão, que reproduz tal informação diariamente há mais de um ano em suas páginas, como insígnia, jamais podia estimular uma punição pela opinião.
Este é o cerne da liberdade de expressão - que as pessoas não sejam punidas pela exposição de suas idéias.
A liberdade de opinião é o combustível da democracia, mas não é possível tragar a chama apenas para si, sufocando o oxigênio dos demais. No estado democrático de direito, as liberdades não são excludentes.
O jornal Folha de S. Paulo, por sua vez, ajuizou ação para proibir uma sátira realizada por blog independente, que lhe parodiava de forma crítica.
Segundo o jornal, não se trata de censura, mas apenas da defesa de marca.
Não discuto aqui o mérito da ação ou da decisão judicial.
Apenas observo que os políticos que buscam a Justiça para esconder escândalos das páginas dos jornais também alegam que não pleiteiam censura, mas tão-somente preservar a intimidade ou o seu direito à honra.
Sinto-me à vontade para criticar a ambos, pois tenho escrito, inclusive nesta coluna, que é a ação de juízes que revigora a censura na democracia, com as proibições prévias de artigos ou matérias, supostamente justificados pela defesa de reputações.
É preciso criar uma cultura de tolerância e um ambiente de liberdade para a imprensa, justamente porque não há democracia sem ela. Mas quando é a própria imprensa quem estimula o clima de censura e punições, só podemos imaginar que alguma coisa está fora da ordem.
Há quem possa dizer que a colunista não passa de uma funcionária do jornal e pode ser livremente demitida por escrever contra sua linha editorial.
É verdade. Mas trata-se aqui de defender, então, não a liberdade de expressão, e sim a propriedade privada.
Até mesmo a propriedade privada deve atender a sua função social. Isso é mais do que um panfleto ou palavra de ordem, é um princípio constitucional.
É evidente que não se pode controlar o que um jornal publica. Toda forma de censura será, sempre, um exercício arbitrário de poder.
Tampouco é possível exigir objetividade, tal qual se aprendia nos antigos manuais de jornalismo. Mesmo o quem, como, quando, onde, dependem do espectador e as mais diversas influências interferem criando diversidade de olhares. Assim também são os juízes, que interpretam diferentemente as normas, sem que uns ou outros, possam ser culpados por agirem assim.
Por tudo isso, nos resta o pluralismo, como escape e defesa da liberdade. Está em seu exercício a responsabilidade social dos jornais.
O pluralismo é a premissa da liberdade de expressão. Ela existe justamente para garanti-lo.
Somos livres, sobretudo, para expressar nossas diferenças.
Sufocar o pluralismo em nome do exercício da liberdade não é apenas um contra-senso. É um verdadeiro paradoxo.
Nenhuma democracia prescinde do pluralismo. E a responsabilidade dos órgãos de imprensa, livres em uma sociedade livre, é estimulá-lo e não amputá-lo. Os interesses pessoais, empresariais ou mesmo partidários, inclusive durante uma eleição, jamais podem sobrepujá-lo.
O pluralismo é o pai do "outro lado", da contraposição, da alteridade.
É a voz que expressa a opinião que não nos pertence, da qual não gostamos, aquela que mais nos incomoda. E justamente por isso é tão necessária. Porque não seríamos capazes de formulá-la por nós mesmos.
A Constituição outorga à imprensa a estatura de interesse social.
Não a reduz a uma mera atividade comercial.
Proíbe expressamente toda forma de censura, para garantir sua liberdade, e lhe concede imunidade tributária, como incentivo custeado por toda a sociedade para o desempenho de uma atividade relevante para o bem comum.
O que se espera dos órgãos de imprensa é que ajam com a mesma responsabilidade social com que foram tratados pela lei, abrindo oportunidades para que as opiniões possam circular livremente.
Porque o jornalismo não pode encontrar limites na democracia. Mas a propaganda sim.
Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.
Fale com Marcelo Semer: marcelo_semer@terra.com.br
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segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Um senhor filme
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Antes de falar sobre minhas peripécias em Buenos Aires, preciso dizer que Tropa de elite 2 é um filme extraordinário, e digo isso ainda sob o impacto de tê-lo recém visto. Gente, o que é aquilo? José Padilha acaba de tornar-se, para mim, o grande cronista do embate entre as forças que se digladiam pelo poder no Rio de Janeiro, e que o atravessam em suas complexas vertentes, nas esferas policiais, políticas e administrativas.
O filme é grandioso, violento, tecnicamente primoroso, com um Wagner Moura magistral, daqueles desempenhos de emocionar até pedra, visceral, no sentido de que nada, nenhum movimento de seu rosto, nenhuma expressão extra ou errada atrapalha a intensidade de sua emoção, a maneira de expressá-la, de criá-la para nós, seus espectadores submissos à força de seu personagem e de sua interpretação. Vivemos intensamente tudo que ele vive, suas contradições, suas iras e dilacerações entre matar ou matar.
(Na verdade, todo o elenco está irrepreensível, com um ótimo Irandhir Costa vivendo um defensor dos direitos humanos que, quase no final, faz acontecer um dos momentos mais bonitos e esperançosos do filme).
De todo modo, nada aqui é simples, preto ou branco, bandido de um lado, mocinho de outro. Tudo é muito intenso e muito complicado ao mesmo tempo. Não se trata apenas de matar o bad boy, trata-se de viver em constante mobilidade entre as várias forças do mal, que se multiplicam e vicejam em constante deslocamento, muito além de sua concreta realização sob a forma de traficante e/ou de milícia. Há os políticos, há os agentes da lei, há os chefes dos chefes, há os homens em altos cargos, há os policiais em todos os níveis, há todo um contingente de pessoas do mal que se disfarçam e a seus interesses, e que se enfrentam violentamente com o fim único de se dar bem à custa do que for preciso.
O personagem Nascimento nos leva a compreender melhor a complexíssima engrenagem que move o sistema político e marginal na cidade, onde essa aliança se mostra de modo mais claro e mais devastador. Por isso, em vários momentos chorei mesmo, porque o filme nega qualquer possibilidade de saída fácil para esse labirinto de desconcertos que rege a cidade, cidade que seus habitantes amam de paixão, e cujas fraturas o filme expõe sem piedade.
A última cena, com a câmera saindo da cidade e chegando ao Alvorada, encaminha a questão política como central para esse e tantos outros problemas com que temos e teremos de nos defrontar - em época de eleição, ele nos lembra que tudo é político, todo gesto importa e toda escolha é fatal, porque tenho a impressão de que, no Brasil, como em outros lugares em que a maioria ainda não conquistou a cidadania, ninguém está na vida a passeio.
Ah, e ver o cinema brasileiro dando esse banho de qualidade faz um bem enorme, apesar de tudo - ou por isso mesmo.
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Antes de falar sobre minhas peripécias em Buenos Aires, preciso dizer que Tropa de elite 2 é um filme extraordinário, e digo isso ainda sob o impacto de tê-lo recém visto. Gente, o que é aquilo? José Padilha acaba de tornar-se, para mim, o grande cronista do embate entre as forças que se digladiam pelo poder no Rio de Janeiro, e que o atravessam em suas complexas vertentes, nas esferas policiais, políticas e administrativas.
O filme é grandioso, violento, tecnicamente primoroso, com um Wagner Moura magistral, daqueles desempenhos de emocionar até pedra, visceral, no sentido de que nada, nenhum movimento de seu rosto, nenhuma expressão extra ou errada atrapalha a intensidade de sua emoção, a maneira de expressá-la, de criá-la para nós, seus espectadores submissos à força de seu personagem e de sua interpretação. Vivemos intensamente tudo que ele vive, suas contradições, suas iras e dilacerações entre matar ou matar.
(Na verdade, todo o elenco está irrepreensível, com um ótimo Irandhir Costa vivendo um defensor dos direitos humanos que, quase no final, faz acontecer um dos momentos mais bonitos e esperançosos do filme).
De todo modo, nada aqui é simples, preto ou branco, bandido de um lado, mocinho de outro. Tudo é muito intenso e muito complicado ao mesmo tempo. Não se trata apenas de matar o bad boy, trata-se de viver em constante mobilidade entre as várias forças do mal, que se multiplicam e vicejam em constante deslocamento, muito além de sua concreta realização sob a forma de traficante e/ou de milícia. Há os políticos, há os agentes da lei, há os chefes dos chefes, há os homens em altos cargos, há os policiais em todos os níveis, há todo um contingente de pessoas do mal que se disfarçam e a seus interesses, e que se enfrentam violentamente com o fim único de se dar bem à custa do que for preciso.
O personagem Nascimento nos leva a compreender melhor a complexíssima engrenagem que move o sistema político e marginal na cidade, onde essa aliança se mostra de modo mais claro e mais devastador. Por isso, em vários momentos chorei mesmo, porque o filme nega qualquer possibilidade de saída fácil para esse labirinto de desconcertos que rege a cidade, cidade que seus habitantes amam de paixão, e cujas fraturas o filme expõe sem piedade.
A última cena, com a câmera saindo da cidade e chegando ao Alvorada, encaminha a questão política como central para esse e tantos outros problemas com que temos e teremos de nos defrontar - em época de eleição, ele nos lembra que tudo é político, todo gesto importa e toda escolha é fatal, porque tenho a impressão de que, no Brasil, como em outros lugares em que a maioria ainda não conquistou a cidadania, ninguém está na vida a passeio.
Ah, e ver o cinema brasileiro dando esse banho de qualidade faz um bem enorme, apesar de tudo - ou por isso mesmo.
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sábado, 2 de outubro de 2010
Dois filmes e seus entornos
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Um dia escrevi um post sobre estar nas margens da vida, habitá-la através de um atalho, quando a doença, sobretudo, nos escolhe para conhecer o seu modo seco e duro de ser. Hóspede desse lugar por algum tempo, fica-se muito mais atento aos movimentos da vida quando ela volta a surpreender-nos a horas tantas, quase sem se anunciar. Ela mesma vai se apresentando de novo, nos pequenos acontecimentos que se iluminam aqui e ali e sugerem novas cores, novas percepções para eles, e a gente pode até esbarrar com momentos de inesperada (e clariceana) felicidade.
Por exemplo, a gente sabe quando um dia chegou perto de ser quase perfeito quando:
* Se mantém na lembrança o rosto do bebê que já sorri lindamente aos apelos dos adultos enamorados, e essa lembrança alimenta vários momentos do dia;
* Vai-se cumprir uma formalidade chata, para a qual a gente se prepara internamente bastante tempo antes, e nas duas vezes em que se cumpre tal ritual ao longo do dia se é recebido de forma muito inesperada com abraços calorosos de uma parte, e muitas gentilezas de outra; em ambos os momentos, fica uma sensação boa de "o que foi isso"?
* A chuva que começou a cair justamente na hora de ir ao cinema não atemorizou a ponto de desistência, e não desistir trouxe a alegria da decisão mais acertada, porque a chuva amainou e os dois filmes vistos foram, um, excelente, e o outro, maravilhoso;
* Vai-se tomar um cafezinho no intervalo entre dois filmes, na livraria fora do cinema em que se está, e o bar ali está quase vazio, ao contrário da longa fila da lanchonete anterior; toma-se então um ótimo café, come-se um croissant bastante bom e engrena-se um papo ótimo com alguém que viu o mesmo filme que você – Quebra-cabeça – e tem idéias interessantes, diferentes das suas, sobre os sentidos do filme, e aí você percebe como é bom deixar-se levar pelo inesperado, pelo desconhecido que te acolhe, que você valoriza também e se diz "que bom é um bom papo, sobretudo com alguém desconhecido".
* De uma outra conversa com uma senhora um pouco mais idosa, mas super esperta com relação ao FestRio, ouve a sugestão e uma breve sinopse de outro filme. Vai vê-lo e – maravilha! – o filme é muito mais divertido, interessante, inventivo, inteligente do que jamais pensara. O filme é mil e se chama MicMacs, quase genial e muito, muito engraçado.
* Volta-se para casa de metrô e alguém gentilmente lhe cede o lugar; ao passar no supermercado perto de casa, já próximo de seu fechamento, compra-se um pacote de biscoitos cream cracker com gergelim, um pedaço de queijo de coalho e um bombom, desses de cupuaçu que ficam perto do caixa. Percebe-se que a moça atendente está cansada, imagina-se que a última meia hora de trabalho deve ser a mais difícil, pela perspectiva do fim do expediente. A moça coloca as compras na sacola, e gentilmente o bombom é devolvido para cima da caixa registradora. Ela olha a freguesa e dá o sorriso mais bonito do dia, um agradecimento verdadeiro aparece em seu rosto, junto com a surpresa feliz pelo gesto que não esperava. Sai-se dali com a certeza de que pelo menos este, se tiver sido apenas um, terá sido um gesto que valeu o dia, e que o tornou, em meio a tantos sinais de intensidades da vida, perfeito.
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Um dia escrevi um post sobre estar nas margens da vida, habitá-la através de um atalho, quando a doença, sobretudo, nos escolhe para conhecer o seu modo seco e duro de ser. Hóspede desse lugar por algum tempo, fica-se muito mais atento aos movimentos da vida quando ela volta a surpreender-nos a horas tantas, quase sem se anunciar. Ela mesma vai se apresentando de novo, nos pequenos acontecimentos que se iluminam aqui e ali e sugerem novas cores, novas percepções para eles, e a gente pode até esbarrar com momentos de inesperada (e clariceana) felicidade.
Por exemplo, a gente sabe quando um dia chegou perto de ser quase perfeito quando:
* Se mantém na lembrança o rosto do bebê que já sorri lindamente aos apelos dos adultos enamorados, e essa lembrança alimenta vários momentos do dia;
* Vai-se cumprir uma formalidade chata, para a qual a gente se prepara internamente bastante tempo antes, e nas duas vezes em que se cumpre tal ritual ao longo do dia se é recebido de forma muito inesperada com abraços calorosos de uma parte, e muitas gentilezas de outra; em ambos os momentos, fica uma sensação boa de "o que foi isso"?
* A chuva que começou a cair justamente na hora de ir ao cinema não atemorizou a ponto de desistência, e não desistir trouxe a alegria da decisão mais acertada, porque a chuva amainou e os dois filmes vistos foram, um, excelente, e o outro, maravilhoso;
* Vai-se tomar um cafezinho no intervalo entre dois filmes, na livraria fora do cinema em que se está, e o bar ali está quase vazio, ao contrário da longa fila da lanchonete anterior; toma-se então um ótimo café, come-se um croissant bastante bom e engrena-se um papo ótimo com alguém que viu o mesmo filme que você – Quebra-cabeça – e tem idéias interessantes, diferentes das suas, sobre os sentidos do filme, e aí você percebe como é bom deixar-se levar pelo inesperado, pelo desconhecido que te acolhe, que você valoriza também e se diz "que bom é um bom papo, sobretudo com alguém desconhecido".
* De uma outra conversa com uma senhora um pouco mais idosa, mas super esperta com relação ao FestRio, ouve a sugestão e uma breve sinopse de outro filme. Vai vê-lo e – maravilha! – o filme é muito mais divertido, interessante, inventivo, inteligente do que jamais pensara. O filme é mil e se chama MicMacs, quase genial e muito, muito engraçado.
* Volta-se para casa de metrô e alguém gentilmente lhe cede o lugar; ao passar no supermercado perto de casa, já próximo de seu fechamento, compra-se um pacote de biscoitos cream cracker com gergelim, um pedaço de queijo de coalho e um bombom, desses de cupuaçu que ficam perto do caixa. Percebe-se que a moça atendente está cansada, imagina-se que a última meia hora de trabalho deve ser a mais difícil, pela perspectiva do fim do expediente. A moça coloca as compras na sacola, e gentilmente o bombom é devolvido para cima da caixa registradora. Ela olha a freguesa e dá o sorriso mais bonito do dia, um agradecimento verdadeiro aparece em seu rosto, junto com a surpresa feliz pelo gesto que não esperava. Sai-se dali com a certeza de que pelo menos este, se tiver sido apenas um, terá sido um gesto que valeu o dia, e que o tornou, em meio a tantos sinais de intensidades da vida, perfeito.
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