Voltávamos do pequeno sítio onde
habitava a mãe do meu pai, tínhamos ido em busca de alimento, já que o pai
estava fora há muitos dias, nas mesas de jogo que ele frequentava como se não
houvesse amanhã, sabe-se lá onde.
Voltávamos com minha mãe
tangendo o burrico, cabresto puxado por meu irmão, o mais velho de nós, uma
filha em cada caçuá, um de cada lado do animal. Eis que, em certo momento, teríamos
de atravessar uma pequena ribanceira, passando para o outro lado do rio, que
havia secado completamente e era só graveto e pedras, ao longo e ao largo dele.
Meu irmão devia ter uns doze
anos, não muito mais que isso, e vinha na frente, com a brava tarefa de descer
com o animal de modo que ele mantivesse o equilíbrio e não deixasse cair os caçuás,
onde estávamos, eu a irmã caçula. Vínhamos bem, até que se deu o inevitável: o
burrico tropeçou nas pedras do caminho, tombou e os cestos caíram sobre nós, eu
e a outra filha, sob os gritos desesperados de minha mãe, cujas frases de
imenso desespero ainda repercutem longinquamente dentro de mim: perdi minhas
filhas, matei minhas filhas, numa exasperação e agonia excruciantes.
Demorou um tempo até que
conseguissem, ela e o filho, levantar o animal e desvirar os caçuás, onde
acharam as duas meninas vivas, creio que bem, só não sei se com algum
ferimento, até aí não vai minha lembrança.
Voltamos para casa, e não foi apenas
nesse momento que houve pedra no meio de nosso caminho. Mas caminhamos, e
estamos aqui, contando causos dessa mulher extraordinária, minha mãe Maria do
Socorro. [Vera Queiroz]