segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

ACC - POÉTICA

Bom, é o seguinte, como esse blog está muito deserto, vamos animar alguma alma falante interessada em receber a Poesia completa de Ana Cristina Cesar - doarei a quem quiser e disser primeiro, claro. 

Por quê? Porque comprei dois sem me dar conta, por razões que desconheço - ou melhor, uma sim, a mais óbvia parece ser o amor a sua poesia, já escrevi sobre quando produzia os ensaios obrigatórios das pesquisas acadêmicas, daí o que era obrigação virava prazer porque eu tentava só escolher os amados e as amadas.

Por que não vendo? Porque não preciso vender, mas poderia doar a um aluno, mas todos os meus são ex com os quais perdi o contato, e quando voltei de Fortaleza fiz um encontro de uma tarde com um grupo bom de alunos e doei muitos, umas oito caixas grandes, porque sabia que ia me aposentar pela última vez - e achei tão bom ver a alegria com que eles receberam os livros que passei a gostar de doar livros. Também já vendi no site da estantevirtual, mas me retirei de lá e acabei vendendo há uns dois anos uma nova ruma de livros para um sebo aqui do Catete. Logo, gosto de dar livros, e livros que importam, como me parece ser o caso desse aqui. 

Então, em querendo o belo, e a bela poesia de Ana, diga sim e mande email para arepo@terra.com.br que mando pelo correio, ou se morar pelos arredores do bairro, pega na portaria - e ainda escrevo bilhetinho à guisa de autógrafo.

Veja a sinopse da Livraria Cultura:

Ana Cristina Cesar deixou em sua breve passagem pela literatura brasileira do século XX uma marca indelével. Tornou-se uma das mais importantes representantes da poesia marginal que florescia na década de 1970, justamente pela singularidade que a distanciava das 'leis do grupo'. Criou uma dicção muito própria, que conjugava a prosa e a poesia, o pop e a alta literatura, o íntimo e o universal, o masculino e o feminino - pois a mulher moderna e liberta, capaz de falar abertamente de seu corpo e de sua sexualidade, derramava-se numa delicadeza que podia conflitar, na visão dos desavisados, com o feminismo enérgico, característico da época.
Entre fragmentos de diário, cartas fictícias, cadernos de viagem, sumários arrojados, textos em prosa e poemas líricos, Ana Cristina fascinava e seduzia seus interlocutores, num permanente jogo de velar e desvelar. 'Cenas de abril', 'Correspondência completa', 'Luvas de pelica', 'A teus pés', 'Inéditos e dispersos', 'Antigos e soltos' - livros fora de catálogo há décadas estão agora novamente disponíveis ao público leitor, enriquecidos por uma seção de poemas inéditos, um posfácio de Viviana Bosi e um farto apêndice. A curadoria editorial e a apresentação couberam ao também poeta, grande amigo e depositário, por muitos anos, dos escritos da carioca, Armando Freitas Filho. Esta obra reúne os volumes independentes do começo da carreira aos livros póstumos da autora.
Poética. CESAR, Ana Cristina. São Paulo:Cia das Letras, 2013. 496 p.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Resenha da Coleção Ensaios Brasileiros Contemporâneos - Funarte

Coleção de ensaios da Funarte discute gênero, cidade e música
Selo mostra como o gênero inaugurado se manifesta no Brasil na virada do século XXI     POR DANIEL SALGADO   28/01/2017 12:00

ÚLTIMAS DE LIVROS
Como pensar a produção de algo que, por natureza, se recusa a definir os seus conceitos? Com lançamento previsto para o dia 7 de fevereiro, na Livraria da Travessa do Leblon, a coleção Ensaios Brasileiros Contemporâneos, publicada pela Funarte, encara o desafio e se propõe a entender como o gênero inaugurado por Montaigne se manifesta no Brasil na virada do século XXI. Em nove volumes (os quatro primeiros saem agora; os restantes, no segundo semestre), a antologia chama a atenção pela pluralidade de vozes, temas e formas. A premissa é que, ainda que “a gestação do ensaio seja permanente”, como disse o português João Barrento, por aqui a forma alcançou um estágio importante.
— O ensaio, no Brasil, atingiu um nível de maturidade. Parafraseando aquela expressão conhecida do Antonio Candido, em que ele fala de um sistema literário plenamente maduro no romantismo, hoje podemos falar de um sistema ensaístico maduro no país — diz Francisco Bosco, que organizou um dos volumes e participou da criação do projeto enquanto foi presidente da Funarte, entre fevereiro de 2015 e maio do ano passado. — Já se tem uma tradição de ensaístas brasileiros a que esses autores podem se reportar.
A leva que chega agora às livrarias traz os volumes “Cidades”, com organização de Raquel Rosnik e Ana Fernandes; “Problemas de gênero”, sob os cuidados de Carla Rodrigues, Luciana Borges e Tânia Regina Oliveira; “Música”, sob a batuta de Marcos Lacerda; e “Indisciplinares”, coordenado pelo próprio Bosco, por Eduardo Socha e Josélia Aguiar e recheado de textos que não se encaixam em debates específicos de nenhum grande tema. Trata-se do volume com preocupações mais próximas do ensaísmo puro, abrindo espaço para temas como a voz do ex-presidente Lula, linguística, torcedores de futebol e até um elogio ao torresmo.
— O ensaio convida um leitor não especializado a se familiarizar com interpretações teóricas muito inventivas e sofisticadas — argumenta Bosco. — Por isso, haverá espaço para livros dedicados a literatura, política, artes visuais, psicanálise e filosofia. Então essa coleção também tem essa premissa de que se trata de um gênero com potencial formativo enorme.
As primeiras antologias levaram quase dois anos para ficar prontas. No prefácio do volume “Cidades”, Raquel e Ana comentam a abrangência de sua temática: “é impossível falar sobre todas (as cidades), mas é necessário falar sobre muitas, a partir de diversos olhares, recortes e posições”.
Com nomes como Daniel Galera, Noemi Jaffe, Alice Sant'Anna, Tales Ab’Saber e Carlos Vainer, a coleção traz, de fato, diversos olhares, recortes e posições. Na coleção, ficcionistas, acadêmicos e poetas encontram no ensaio, o gênero inquieto, um ponto de intersecção.



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/livros/colecao-de-ensaios-da-funarte-discute-genero-cidade-musica-20836628#ixzz4X4ecbmuk
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sábado, 21 de janeiro de 2017

Problemas de gênero - Coleção ensaios brasileiros contemporâneos

Problemas de gênero. Org. Carla Rodrigues, Luciana Borges, Tania Regina Oliveira Borges. Rio de Janeiro: Funarte, 2016. 504 p. (Ensaios brasileiros contemporâneos). 

Recebi o volume há dois dias, embora o convite para dele participar, com o texto já indicado, tenha-me chegado no ano passado. 

Trata-se de uma coletânea de ensaios escolhidos pelas organizadoras - Carla Rodrigues, Luciana Borges, Tânia Regina Oliveira Ramos - com o propósito de repensar algumas questões relacionadas ao gênero, de modo a reunir um conjunto expressivo do pensamento brasileiro não apenas sobre o tema, mas também mapear a multiplicidade da produção ensaística brasileira que vem tratando do assunto há já algumas décadas. 

Segundo as organizadoras, na Apresentação, "Não se trata mais de feministas intelectuais representando ativistas, de mulheres brancas falando em nome de mulheres negras, de mulheres urbanas representando mulheres rurais, de mulheres burguesas falando por mulheres proletárias. Textos escolhidos não representam 'o melhor' da produção, mas buscam exemplificar abordagens, temas recorrentes, problemas em diferentes áreas". (p.3).

Meu ensaio - "Linhas de força femininas no cânone literário brasileiro" - foi publicado originalmente em 2000, depois em 2003, e basicamente constitui a apresentação de uma pesquisa que apresentei ao CNPq, que seria desenvolvida depois, em bases um pouco diferentes do que está aqui descrito. De todo modo, ele inicia uma conversa em torno dos diversos tributos que as obras de algumas escritoras prestam aos 'fundadores' do cânone literário brasileiro, a partir de algumas de suas obras, e avento hipóteses a respeito de alguns veios abertos pelas obras de Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Marilene Felinto, Lya Luft (a ficcionista, não a cronista) e Hilda Hilst, com o suporte teórico, sobretudo, de Harold Bloom e sua A angústia da influência

Uma pena que minha, talvez, última publicação acadêmica, que só ocorreu por se tratar de um convite, feito em julho do ano passado, tenha saído sob a égide de um presidente golpista, que não reconheço, e acredito que grande parte dos pesquisadores aqui elencados tampouco.

PS. Disponibilizei o índice porque pode ser útil a algum(a) pesquisador(a) da área e/ou do tema. Caso haja interesse no livro, ou em textos específicos do volume, enviar email para arepo@terra.com.br .












E já que estamos tratando do último, talvez convenha expor todos. Aqui vai.



Manchester à beira-mar

Manchester à beira-mar. Dir Kenneth Lonergan. Com Casey Affleck, Michelle Williams, Kyle Chandler, Lucas Hedges.

Desses filmes em que saio da sessão querendo voltar e ver de novo, e mesmo agora, tendo visto pela segunda fez (a primeira no FestRio), ainda agora quero rever, e o farei. Por quê? Não sei, mas tem a ver com as feridas jamais cicatrizadas que todos carregamos, suponho. Aquela dor que o personagem Lee Chandler - em interpretação visceral de Affleck - carrega passa a ser nossa e ela vai pesando à medida que vai sendo mostrada em flash-backs, ao mesmo tempo que vamos entendendo a enorme tristeza que constitui o ser inteiro de Lee. 

Além de uma história muito bem contada, cheia de som e fúria, há essa cidade no inverno, com fotografia que para nos detalhes, ou nas paisagens cartões-postais - os barcos no mar sob a neblina e o frio, as casas, os detalhes delas, enfim, há sempre detalhes do cotidiano dos personagens, da vida simples dos moradores de Manchester, tudo se compõe para mostrar como a vida transcorre ali, sem grandezas ou glamour, apenas o cotidiano das pessoas simples, e mais a dor, que permeia tudo e parece jamais abandonar Lee. 

O entendimento com o sobrinho Patrick (vivido por Lucas Hedges com leveza e inteligência), um jovem cheio de energia e bem resolvido, vivendo as atribulações de estudante e querido pelos amigos, essa aproximação vai-se reconstruindo aos poucos, e nesse processo Lee também vai-se refazendo, muito lentamente, em contato com a cidade onde viveu e de onde partiu há anos por ocasião da tragédia. 

Há também uma trilha sonora belíssima, e tudo nesse filme é para ver com calma, semelhante à construção do filme, de forma lenta, apaziguadora, como uma cicatriz que demora a fechar, e estará sempre ali, mas que pode parar de doer, um dia. Como diz Randi (a ex-mulher de Lee, vivida com força e intensidade por Michelle Williams) há que seguir a vida, quando não se está ainda morto.

Filme belíssimo, triste, que deixa no espectador um sentimento de nostalgia e ao mesmo de força, com vontade de estar ao lado de Lee até ele se refazer, até ele entender e, quem sabe, voltar a viver.  

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A criada

A Criada, dir. Chong-Wook Park, com Kim Min-hee, Kim Tae-ri, Ha Jung-woo, Jo Jin Woong, So-ri Moon.

Notações esparsas sob espanto, ou conversa sobre a sordidez dos homens:

1) Os vários planos funcionam como folhas (de livros raros), ou véus, capas, silêncios e segredos que vão aos poucos sendo desvendados, surpreendendo e fascinando cada vez mais o espectador;

2) Assim como se dá com a leitura dos livros - raros, exóticos, eróticos, detalhistas - feita pela herdeira e dona do dinheiro, a quem o tio subjuga desde a infância, até a encontrarmos adulta e bela, em plena função de leitora de histórias para uma platéia formada por homens ávidos de perversidades e/ou prazeres voyeurísticos - o filme também encena um certo Kama Sutra, com delicadeza e extrema eroticidade: há as técnicas do jogo nas páginas dos livros, e também as vemos na descoberta dos corpos por e entre as duas mulheres. Nesse momento, há deslumbramentos, cenas inovadoras e convincentes no campo do desejo e da expressão sexual femininos, que nos alumbram em seu mister de: ver, tocar, emaranhar-se, encantar-se - todos os instrumentos de seus corpos ativos, como tantos anos daquelas leituras adestraram, fizeram conhecer, tornaram o que era papel uma coisa real, visceral, a partir de onde - saberemos em breve, outra do parafuso acontecerá. Na verdade, outras. Mais: tudo está no cérebro, e na linguagem, e então nos corpos.

3) As tramas imbricam-se, penetram-se, reviravoltam-se, e o que parecia um caminho mostra-se outro, e depois outro, e vamos de surpresa em surpresa, de encantamento em encantamento pela sagacidade do diretor ao tornar as duas protagonistas sábias em tramas, disfarces, engenhos. Engenhosidade que diz respeito tanto ao modo de filmar, como ao modo de narrar as histórias todas, que ora se imbricam, ora se distanciam do que se esperava, num jogo de esconde que permeia o filme inteiro. 

4) O tio centraliza o poder masculino, esse que será solapado à medida que o engenho e a astúcia das moças se aprimoram. Ao poder patriarcal opõe-se então uma sabedoria feminina ancestral, que usa aqueles que se julgam seus donos para sabotá-los, sem declarar qualquer guerra, somente seguindo um código próprio, e inteligência, tecendo (as moças) como fiandeiras seu destino em outro lugar, enquanto encenam o que delas se espera, como num jogo de xadrez sofisticadíssimo, em que o xeque-mate deixa o oponente sem saída, sem perdão, sem destino.

Um dos filmes mais feministas que vi esse ano, no sentido amplo de que toma pelas mãos duas mulheres e faz com que elas conquistem vários domínios e espaços - reais e imaginários - antes império dos homens, seus donos e senhores. Elas revertem todo o aparato opressor e empreendem a conquista da liberdade - de si, de seus corpos, de sua sexualidade, sua vida, sua história - como as querem, e onde, e quando. Como diz meu neto, com relação às sobremesas que crio para ele: nota mil!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

La La Land

La La Land - Dir. Damien Chazelle, com Ryan Gosling, Emma Stone, John Legend, Rosemarie DeWitt, Sonoya Mizuno, me pareceu over rated, com os 'milhares' de prêmios que vem acumulando. Vale (para mim) os prêmios de ator, trilha, apesar da canção principal ser um chiclete que só gruda ao longo do filme, as coreografias ensaiadíssimas, mas faltou a) empatia entre o casal; b) roteiro mais coeso, amarrado, mas talvez os gaps tenham sido necessários para dar um panorama do longo tempo em que as vidas e as carreiras dos protagonistas se gestam.

De qualquer modo, não vibrei em nenhum momento, bocejei algumas vezes, e mesmo a cena de abertura, que se quer impactante, herdeira de tantos outros filmes do gênero, mesmo essa cena bonita, ágil, jovem, de algum modo achei um tanto artificial, como todas as cenas de dança me pareceram excessivamente ensaiadas - o que se chama rigor, claro, mas eu vejo como um certo artificialismo. Como se o musical precisasse se reafirmar como tal a cada momento, talvez porque eu não curta muito o musical como gênero, acho que em sua estrutura ele é necessariamente artificial, em função dos passos, da coreografia, dos movimentos coordenados milimetricamente etc.

Esse filme também se mostra uma produção cuidadosíssima, em que os atores dançam bastante, embora cantem menos. E Gosling, que faz um pianista amante do jazz, parece que estudou o instrumento e, ele sim, emociona com a firmeza que imprime ao personagem Sebastian, e as canções que toca, canta, e dança. Mas nela, Emma Stone, já não vi essa força - ela canta quase nada, dança bem, mas achei tudo ali meio forçado, sobretudo a cena em que Mia, sua personagem, faz o último teste para o filme em Paris, e que vai deslanchar sua carreira - mesmo ali, onde ela se mostra mais à vontade para ser 'a story telling woman' que lhe dizem ser, quando ela começa a 'cantar' a história afetiva da tia, que mergulhou no Sena etc, fiz um muxoxo. Gostei mais da saída que se oferece para o final, um corte certeiro no ultra romantismo.

De todo modo, o filme vale ser visto, e os jovens, sobretudo, ou os velhinhos menos ranzinzas, vão encontrar muitas razões para amar.

sábado, 7 de janeiro de 2017

Passageiros; Minha mãe é uma peça

Passageiros (direção Morten Tyldum, com Jennifer Lawrence, Chris Pratt, Michael Sheen e uma participação luxuosa de Laurence Fishburne) é um blefe, um filme absolutamente dispensável no panteão dos filmes intergaláticos. Precisava dele, realmente? 

Sim, para ganhar dinheiro, claro. E muito - são dois atores carismáticos que seguram o filme todo, e ganham uma fortuna considerável, mais o Fishburne, que entra só pra morrer, e por isso deve (e merecia) ter levado uma pequena, ou grande, fortuna, mais o robozinho feito por Sheen. E o que acontece no filme? Nada, rigorosamente nada. O plot é uma bobagem: acontece uma pane numa nave espacial e um passageiro (o belo Chris) acorda 90 anos antes do previsto. Ele não aguenta ficar sozinho e decide acordar uma passageira bem legal (adivinha quem?) pra dividir o perrengue que é viver ali nos ares conversando apenas com um barman robô. E toma de romance misturado com consertos de peças da nave e plantio de árvores e blá blá blá. 

Quase bocejei, mas fiquei olhando os belos passeando e nadando naquela tela, com o universo bonito ao redor, foi só pra isso que o filme se fez. Fim. 

Minha mãe é uma peça 2 (direção César Rodrigues, com Paulo Gustavo, Mariana Xavier, Rodrigo Pandolfo, Herson Capri, Alexandre Richter, Samantha schmutz, Suely Franco, Patrícia Travassos) diverte menos do que o primeiro, achei, talvez porque para mim as piadas se mostraram meio repetitivas, e os acontecimentos são frágeis. Tentando lembrar do que acontece: os filhos crescem, saem do ninho da mãe e ela aceita mais ou menos a nova realidade, vai atrás deles, claro, e a filha acaba se revelando uma boa atriz, mesmo sendo bombardeada pela mãe à exaustão por estar fora do peso. Esse é o momento mais interessante da história, mesmo sendo politicamente corretíssimo, porque se conseguiu achar um personagem ótimo para a atriz na peça inventada para ela brilhar. Foi um dos bons momentos do filme. 

Há outros pequenos achados, como a conversa com Thales no avião, muito boa sacada, embora eu pense que a voz dele poderia ser trabalhada para ficar bacana (sim, eu acho voz importante em qualquer pessoa, gosto de ouvir uma voz convincente). Ator ele ainda não é, mas nem precisa para fazer ponta, e depois ele já está casado com uma força viva da natureza: Paulo Gustavo é realmente um espanto em termos de vitalidade, energia e talento, claro. E por ele, por essa energia incansável e aparentemente inesgotável, o filme já está com mais de 4 milhões de espectadores - acho bacana isso, um filme brasileiro batendo na marra alguns blockbusters estrangeiros. Torço pra que ele supere o filme comentado acima, se ainda não o fez.

Mas o que importa nesse filme é esse adendo, que faço hoje, 10/01, porque sigo o insta do Paulo Gustavo (e o do marido, Thales Bretas) e as mensagens que ele tem recebido dos fãs é de uma importância colossal, sobretudo num momento de retrocesso social e de intervenção política realizada através de um golpe civil que tirou uma dirigente legitimamente eleita da presidência da República, golpe esse que colocou no poder um grupo de homens brancos, ricos, misóginos, autoritários e homofóbicos. 

O filme foi visto até agora por mais de CINCO MILHÕES de espectadores, e eles e elas estão levando a família toda ao cinema, como forma de se assumir, orgulhar-se do que são, e se sentem encorajados em assumir a homoafetividade por conta da força que Paulo inspira. Isso é muito, muito além de um simples filme, e claro que muitíssimo mais importante do que meu gosto pessoal, cuja importância, nesse contexto, é zero. Fico imensamente feliz pelo êxito do filme, do Paulo e dos resultados para as vidas reais das pessoas que ele toca, e que vem tocando com seu trabalho (e vida) assumidamente gay. 


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

L'avenir; A última lição

L'avenir, de Mia Hansen-Love, com Isabelle Huppert, André Marcon, Roman Kolinka, Edith Scob. 

Os franceses gostam de fazer filmes sobre temas tabu, e não temem falar sem compostura e/ou enfeites sobre a morte, o fim, a decadência, a velhice sem glamour, a vida como ela aparece para o comum dos mortais, e L'Avenir trabalha nessa clave de modo eficiente, ao retratar a vida de uma mulher, professora de filosofia, interpretada com empenho e força por Isabelle Huppert. 

Acho que o filme move-se muito bem em torno dessa força da cultura francesa, ou seja, um certo modo blasé de lidar com traições amorosas, relações afetivas, família e suas interdependências etc. São culturas bem diferentes, as nossas, destituídas aquela das paixões e excessos sentimentais com que estamos acostumados a lidar no campo afetivo.

Também achei bom ver não apenas a Huppert, que vem fazendo trabalhos muito bons com fortes personagens femininos, mas o protagonismo da mulher não apenas nas tarefas que lhe são imputadas culturalmente, mas no campo profissional também, onde ela está muito bem posicionada, e no modo como não se transforma em refém ou coitadinha pela traição do marido. 


A última lição, de Pascale Pouzadoux, com Sandrine Bonnaire, Marthe Villalonga, Antoine Duléry, Gilles Cohen, Emmanuelle Galabru.


Esse filme deveria ser um drama sobre o fim da vida de uma mulher idosa que resolve morrer quando decide que é hora de morrer - aliás, en passant, esse também é meu projeto, se eu puder realizá-lo, ou seja, se estiver com as mínimas habilidades disponíveis para tal por volta dos 90 - e se chegar até lá, bien sûr. Acho, como a personagem Madeleine, que não se precisa viver até o fim dos fins, há um momento em que a vida dói, e ela precisa terminar.

De todo modo, o filme cumpre alguns de seus requisitos, tais como não ser um melodrama excessivo sobre o fim, ou sobre a decisão da senhora em ir-se quando ainda pode decidir sobre si - não há moralismos indevidos, apenas o drama dos filhos que não conseguem aceitar a decisão dela - o que parece lógico, porque acredito também que o sofrimento maior é perder algo, ou alguém.

Mas também não me convenci muito, nem vi verdade real nem no excesso de sentimentos do filho, nem no excesso de cumplicidade da filha. Ambos me pareceram um tanto além da conta. Talvez eu seja suspeita para comentar, sob qualquer ângulo, tal relação - sou hoje a filha responsável pelos cuidados e administração da vida de minha mãe, que tem 91 anos e um certo nível de demência, talvez entrando em Alzheimer, mas com certeza bastante instável quanto à sanidade. Não, ela não está no mesmo nível de lucidez da protagonista, aliás um ótimo trabalho de Marthe Villalonga, mas mesmo assim achei aqueles arroubos entre mãe e filha um pouco além da realidade - Sandrine Bonnaire, a filha Diana, sorri demais, a coisa toda é tudo menos pra rir. Ou não tenho mesmo como olhar pra essa tela com olhos objetivos.

Mas Amor (Michael Haneke, 2012) me veio à mente - Amor e sua tragicidade inamovível, a real história da velhice e da morte, vivida pela magnífica Riva e pelo ótimo Trintignant - esse é o chão da coisa, para mim. A coisa mesma.


segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Animais Noturnos


Algumas cenas comentadas de Animais noturnos (direção e roteiro de Tom Ford, com Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Aaron Taylor-Johnson, Armie Hammer, Laura Linney, Isla Fisher, Karl Glusman) um dos filmes mais impactantes que vi nos últimos tempos - apenas para quem viu o filme, trata-se aqui de uma conversa sem preocupação com spoilers.

1. A abertura: impactante o jorro de gorduras rebolantes, de mulheres fora do padrão estético de peso, forma, beleza, que podem fluir sem alardes em sites de sexo exótico, mas causam certo frisson num filme para público mediano, comum. A ideia era essa mesma, penso - chocar pelo contraste da bela e alta estética que vigora na Galeria de arte de Susan e o mundo real, banal, onde também transcorre sua história pessoal, de amor e fracasso, e a história do livro que ela lerá daqui a pouco.

2. O filme dentro do filme - quando me vi, depois do glamour da abertura da exposição, em meio a um filme dos irmãos Cohen, tipo Fargo, sem seu humor, mas com o terror psicológico que em geral acompanha esses road movies bem próprios da indústria estadunidense, em que uma família burguesa será assediada até a morte por uma gangue numa estrada deserta - aquelas planícies enormes, quentes e vazias, e os caras doidões aprontando todas - quando essa história começa, a gente quase nem se dá conta, de repente está ali, presa, sem conseguir sair daquele universo de que não se quer fazer parte, se sente meio traída - a gente quer a outra coisa, o glamour, a mulher que sofre num casamento falido, mas onde o marido é bonito, e tudo é clean, limpo, chique.

Então, o livro que o ex-marido Edward escreve e envia para ela com dedicatória, essa história do romance é que vai aparecendo na tela e 'sabotando' nosso filme glamouroso. Nessa terra de perdição, vão-se fundindo a história tétrica da família destruída por aqueles 'sem eira nem beira', o romance ótimo que o ex-marido, finalmente, resolvera escrever, com os flashes da vida a dois do autor com a leitora, Susan, no passado, confrontados com os fatos da vida dela hoje, no presente. Tal romance, na verdade, é uma história banal, mesmo sendo tétrica. É uma história de REVENGE, o nome da tela que aparece numa das paredes da galeria, et pour cause. Nela, o homem que perde a filha e a mulher volta, vinga-se, mas morre. 

3. Ao mesmo tempo que a história do livro desenvolve-se na tela, e toma a dimensão quase total do filme, Susan vai-se lembrando da relação com ex-marido (também vivido pelo brilhante Gyllenhaal, em papel duplo), e se dando conta de como ela o sabotou, e à história deles, o amor deles. Aí, nesse lugar, se imbricam o tema do abandono e da vingança, ambos começam a delinear-se claramente. O filme vai imergindo nos dois universos - o passado de Susan, sua relação com Edward, a traição; a percepção da chegada daquele momento que a mãe previra, a filha que se vai aproximando do que negara na mãe quando jovem, e já mais velha percebe como traiu não apenas o marido, mas a si mesma, seus valores, sua juventude. 

4. Daí chegam os momentos finais, quando Susan envia um email cumprimentando o ex-marido pelo romance, e sobretudo a cena final, quando ela, elegante e sexy, espera (im)pacientemente que ele apareça ao encontro marcado, sentada à mesa do restaurante chique. Ali ela espera, espera, espera. A câmera vai-se aproximando de seus olhos lentamente, e vemos seu olhar nublando-se - de um certo regozijo pela expectativa de revê-lo para um crescente desânimo, até espanto ao final, quando vemos no olhar dela que ela entendeu - ele respondeu com o romance a traição passada, e ecoa também nessa ausência a frase fatal: "quando a gente ama tem que ser responsável por esse amor - ele pode nunca mais voltar". 

Não voltou. E o romance podia até ser bom, mas não era a vida real, não era ele. Dá-lhe, Tom Ford - muito bom seu filme. Muito triste, muito duro de aceitar que algumas decisões estão feitas para sempre. As traições, sobretudo.