Depois da guerra, dir Annarita Zambano, com Barbora Bobulova, Giuseppe Battiston, Orfeo Orlando. Já entrei na sala com o filme começado (me perdi no detestável horário de verão), mas acho que vi o que importava - cheguei no momento em que o protagonista, Marco, dá uma entrevista à repórter sobre sua participação nos "crimes de guerra" cometidos por ativistas políticos há 20 anos atrás, na Itália, quando um juiz foi assassinado em frente de casa. Nesse momento, crime semelhante ocorre na Itália, e Marco começa a ser caçado na França, onde se asilou, e tem uma filha adolescente.
Os acontecimentos vão rapidamente se deteriorando, sobretudo para os parentes de Franco que permanecem na Itália e, num clima de pânico, vemos ele e a filha em processo de fuga, que não se concretiza, por um acidente que me pareceu ao acaso, mas nada impede a leitura de vingança política. Enfim, uma história de passado político violento, de regimes ditatoriais, cujas sequelas jamais cessam de viger para quem deles fez parte ativa, sobretudo quando no mundo se reacendem as vontades políticas totalitárias e obscurantistas, às quais o Brasil vem ensaiando, igualmente, um triste retorno. Muito bom, atual e necessário, talvez.
Os Meyerowitz: família não se escolhe, dir Noah Baumbach, com Adam Sandler, Ben Stiller, Dustin Hoffman, Emma Thompson, Elizabeth Marvel, Candice Bergen, Rebecca Miller, Adam Driver. Apesar de ter comprado dois ingressos para dias diferentes desse filme, acabei vendo-o na Netflix, o que me deixou meio sem paciência com ele. Mas o filme ganha o espectador, revela-se bem interessante, com aquela família cheia de personagens complicados, com seus problemas explícitos (comumente chamadas 'famílias disfuncionais', nem sei bem por quê - todas o são, afinal, num nível ou noutro) que são tratados a sangue frio, sem muito lero-lero, mas com a ternura necessária a esses seres complexos, como sói acontecer com os trabalhos do diretor (de Francis Ha, 2012, ainda guardo muito boas lembranças).
O que sustenta a qualidade superior do filme é, em grande medida, seu elenco, não apenas estelar, mas trabalhando com entrosamento, sem apelações, sobretudo os dois atores que têm carreira na comédia (Stiller, Sandler) defendem muitíssimo bem seus personagens tensos, dramáticos, enrolados com as ausências paterna e materna, cada um a sua maneira lidando com o peso dessa herança de carências afetivas, e um certo acerto de contas ocorre a partir do momento em que o patriarca - em atuação ótima de Hoffman - interna-se por um problema de saúde, e precisa ser assistido pelos familiares no hospital.
De todo modo, vigoram alguns mal-entendidos nas situações de vida de todos os membros da família, mas é sobretudo o relativo desprestígio e decadência com que a arte do patriarca vem sendo mensurada que está na raiz das atuais asperezas do grupo: um pai artista-que-se-acha-gênio se recusa a aceitar a gradual e irreversível obsolência; a mãe ausente afetivamente; a madrasta alcoólica que ainda tem os pés em Woodstock e cozinha muito mal; uma filha saindo da adolescência que ganha a vida fazendo filmes porno-satíricos (ou coisa semelhante), com a anuência do pai que, ao final, reconhece seu grande talento nesse ramo de atuação; a irmã que foi molestada na infância por um dos melhores amigos do pai - enfim, há um largo espectro de problemas em cada um daqueles que compõem o núcleo familiar do grupo que, ao fim e ao cabo, revela-se engraçado, leve, divertido e cheio de singularidades interessantes - como se dá com o filme, aliás.
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
domingo, 15 de outubro de 2017
Um filme e meio: Thelma; Zama
Thelma, de Joachim Trier, foi um dos filmes mais interessantes que vi nesse Festival, em razão da história mesma, e do trabalho da atriz, Eili Harboe, que vive uma jovem super reprimida pelos pais conservadores e cristãos, e começa a ter ataques estranhos, semelhantes à epilepsia, em contato com situações inusitadas, sentimentos fortes, tipo tesão por uma nova amiga que vem a conhecer, por exemplo. Daí vamos não só acompanhar o presente de Thelma em sua entrada na Universidade, mas também seu passado, a partir dos exames a que se submete para investigar as possíveis causas de suas crises. Tudo que sabemos dela, a partir de então, será uma sucessão de acontecimentos inusitados, estranhos, surreais, com uma pitada de terror, em razão de que a batalha que ela terá de enfrentar face aos pais, à tradição familiar e a seus próprios valores e crenças religiosas, tal batalha só poderá ser vencida com ajuda de elementos surreais, sobrenaturais e de uma certa violência, que ela internaliza por absoluta necessidade, e joga de volta - quando, finalmente, ganha o jogo, a batalha contra o que a sufocava, e uma vida. Bom demais - falando assim não parece, mas é muito muito interessante, e ótimo de ver.
Zama, dir. Lucrécia Martel, só fui assistir por causa do Matheus Nachtergaele, mas já sabia que o universo onde o filme transita não me interessava: homens vivendo numa região como funcionários de um rei espanhol onipresente, mas ausente, de que veem apenas os desequilíbrios e as relações de exploração dos negros e das negras escravas, o viés colonialista, a degradação, esse mundo sobretudo de poder masculino e uso do corpo da mulher escrava, nada disso me interessa ver hoje, sob qualquer viés, e como já estávamos no meio do filme e Matheus nada de aparecer (ele deve ser o bandido que caçam depois, não sei) resolvi que nada daquele mundo me pertencia e parti, sem me arrepender. Fim.
PS: Como se sabe, isso aqui não é, nem nunca se pretendeu ser crítica de cinema - na verdade, são anotações, pequenos comentários escritos para eu não esquecer que vi, nem do que vi, já que os alemães se avistam a caminho, e podem bater à porta, who knows.
De todo modo, o Bernardo Carvalho escreveu hoje, 29/10, um texto bem interessante sobre esse filme na Folha, aqui.
Zama, dir. Lucrécia Martel, só fui assistir por causa do Matheus Nachtergaele, mas já sabia que o universo onde o filme transita não me interessava: homens vivendo numa região como funcionários de um rei espanhol onipresente, mas ausente, de que veem apenas os desequilíbrios e as relações de exploração dos negros e das negras escravas, o viés colonialista, a degradação, esse mundo sobretudo de poder masculino e uso do corpo da mulher escrava, nada disso me interessa ver hoje, sob qualquer viés, e como já estávamos no meio do filme e Matheus nada de aparecer (ele deve ser o bandido que caçam depois, não sei) resolvi que nada daquele mundo me pertencia e parti, sem me arrepender. Fim.
PS: Como se sabe, isso aqui não é, nem nunca se pretendeu ser crítica de cinema - na verdade, são anotações, pequenos comentários escritos para eu não esquecer que vi, nem do que vi, já que os alemães se avistam a caminho, e podem bater à porta, who knows.
De todo modo, o Bernardo Carvalho escreveu hoje, 29/10, um texto bem interessante sobre esse filme na Folha, aqui.
sábado, 14 de outubro de 2017
Três filmes: Amores de chumbo; Alguma coisa assim; Unicórnio

Unicórnio, dir. Eduardo Nunes, com Barbara Luz (ótima), Patrícia Pillar, Zécarlos Machado, me levou a tentar lembrar dos textos de Hilda Hilst em que o filme se baseia - O unicórnio, de Fluxo-Floema, e Matamoros, de Tu não te moves de ti.
Encenar qualquer texto de Hilst implica numa aventura pelo terreno da poesia, do excesso e do estranhamento, já que é disso, em grande parte, que trata sua altíssima obra literária. O filme, então, toma emprestado dessas duas novelas o esmero com a "escritura", ou seja, com o modo de contar uma história singela entre uma menina e sua imaginação, que vê para nós, e conosco, a alienação do pai, isolado em uma câmera branca, e com quem ela entretém-se em conversas sobre o sentido de quase tudo ("para onde vão os trens, meu pai? Para Mahal, Tamí, para Camirí, espaços no mapa, e depois o pai ria: também para lugar algum meu filho, tudo podes ir e ainda que se mova o trem, tu não te moves de ti"); o isolamento da mãe, com o afastamento desse pai, e a gradual aproximação da senhora-quase-viúva do jovem e belo guardador de cabras, por quem a jovem também nutre sentimentos confusos, de natureza afetivo-sexual, com rompantes de culpa e auto-mutilação.
Essa trama será levada a efeito num cenário ora de claustro, onde conversam pai e filha, ora de uma exuberância extrema, onde se dão os encontros entre os três - menina, mãe, rapaz - e onde surge também esse ser impossível e pleno de estranhamento, em que cabem todas as questões do outro lugar, do entre-lugar, em que vigoram o mundo animal e a fantasia. O unicórnio pode representar esse indecidível, que tanto a literatura de Hilst busca, e que o filme persegue de forma poética, e belíssima. Um feito e tanto, me parece, trabalhar com uma obra tão intensa, em que a palavra se encena de todas as formas, e conseguir um resultado, no mínimo, muitíssimo eficaz. Eu gostei muito.
sexta-feira, 13 de outubro de 2017
Dois filmes: Severina; A natureza do tempo
Acho que a melhor definição, dentre outras, para Severina, vem de seu diretor e criador, que li aqui : "Para mim, e não para todos, Severina é um filme sobre os cadáveres que ocupam nossos sofás durante os relacionamentos amorosos, familiares. [...] Sobre como temos que aceitar, tratar, nos livrar e com o tempo nos transformar neles. Primeiro como novios (namorados) depois como padres (pais)".
Perfeitíssimo! E o filme cumpre ao pé da letra o enunciado: há essa estranha personagem de nome Ana, que rouba livros de várias livrarias, e os lê, e que se faz acompanhar de um homem mais velho, que primeiro ela diz ser o noivo, depois o pai, e que ao final se transforma num estorvo, de que será preciso se livrar, e ela o fará.
Há muitas qualidades no filme, e uma das mais interessantes é mesmo essa conversa imagética sobre livros - tudo gira em torno de livros: os saraus de poesia, e há um em especial muito criativo, em que um poema vai sendo literalmente desenrolado de uma imensa folha em tiras, que vai passando por todos e todos a leem; também as conversas dos escritores que se reúnem para falar de coisas literárias, e de abobrinhas; e a chegada de Ana à vida dele, que ninguém sabe se é Ana, ou que nome tem - no hotel, ela tem outro nome, e afinal não importa o nome, mas o lugar que ocupa no coração dos livros, e dos homens. Um filme muitíssimo interessante, como as histórias antigas das Mil e uma noites.
Já A natureza do tempo
é uma história em três atos, que se passa numa Argélia conflitada, em que os personagens vivem situações que em algum momento tocam a dos outros dois grupos.
Achei interessante a da moça que vai casar, mas está ainda envolvida com o motorista do pai, que leva a família para a cidade onde ocorrerá o casamento, e onde ela encontrará o futuro marido. De todas as histórias, essa me parece a mais legal porque a mulher infringe a norma que a empurra ao casório e, por uma circunstância inesperada (os pais vão para o hospital com uma infecção intestinal), ela fica num hotel com esse motorista, quando então ocorrem duas lindezas: uma dança belíssima dela e dele num espaço do hotel e, evidentemente, o encontro amoroso dos dois.
Depois tem a história do médico, que também é interessante, e mostra que ainda há homens que, mesmo um tanto coagidos, retornam para corrigir posturas omissas, num país corrupto e em guerra; e a história de Mourad, um corretor de imóveis que vive uma situação estranha numa madrugada, ao presenciar um
espancamento de um jovem, quando se vê obrigado a fazer um desvio em seu caminho, e vai dar num lugar meio abandonado. Lá, ele presencia tal violência, e se acovarda, esconde-se dos homens que espancam o jovem, deixando em nós esse sentimento amargo - uma covardia foi cometida, e duas vezes: pelos homens, e pelo que vê e não ajuda, ao contrário, foge amedrontado.
Mas há outras qualidades no filme: cenários belíssimos, trilha sonora ótima, e mesmo uma cena de dança e canto de um grupo que me pareceu um número musical do "rap árabe" - não sei o que era aquele ritmo, mas adorei.
Perfeitíssimo! E o filme cumpre ao pé da letra o enunciado: há essa estranha personagem de nome Ana, que rouba livros de várias livrarias, e os lê, e que se faz acompanhar de um homem mais velho, que primeiro ela diz ser o noivo, depois o pai, e que ao final se transforma num estorvo, de que será preciso se livrar, e ela o fará.
Há muitas qualidades no filme, e uma das mais interessantes é mesmo essa conversa imagética sobre livros - tudo gira em torno de livros: os saraus de poesia, e há um em especial muito criativo, em que um poema vai sendo literalmente desenrolado de uma imensa folha em tiras, que vai passando por todos e todos a leem; também as conversas dos escritores que se reúnem para falar de coisas literárias, e de abobrinhas; e a chegada de Ana à vida dele, que ninguém sabe se é Ana, ou que nome tem - no hotel, ela tem outro nome, e afinal não importa o nome, mas o lugar que ocupa no coração dos livros, e dos homens. Um filme muitíssimo interessante, como as histórias antigas das Mil e uma noites.
Já A natureza do tempo
é uma história em três atos, que se passa numa Argélia conflitada, em que os personagens vivem situações que em algum momento tocam a dos outros dois grupos.
Achei interessante a da moça que vai casar, mas está ainda envolvida com o motorista do pai, que leva a família para a cidade onde ocorrerá o casamento, e onde ela encontrará o futuro marido. De todas as histórias, essa me parece a mais legal porque a mulher infringe a norma que a empurra ao casório e, por uma circunstância inesperada (os pais vão para o hospital com uma infecção intestinal), ela fica num hotel com esse motorista, quando então ocorrem duas lindezas: uma dança belíssima dela e dele num espaço do hotel e, evidentemente, o encontro amoroso dos dois.
Depois tem a história do médico, que também é interessante, e mostra que ainda há homens que, mesmo um tanto coagidos, retornam para corrigir posturas omissas, num país corrupto e em guerra; e a história de Mourad, um corretor de imóveis que vive uma situação estranha numa madrugada, ao presenciar um
espancamento de um jovem, quando se vê obrigado a fazer um desvio em seu caminho, e vai dar num lugar meio abandonado. Lá, ele presencia tal violência, e se acovarda, esconde-se dos homens que espancam o jovem, deixando em nós esse sentimento amargo - uma covardia foi cometida, e duas vezes: pelos homens, e pelo que vê e não ajuda, ao contrário, foge amedrontado.
Mas há outras qualidades no filme: cenários belíssimos, trilha sonora ótima, e mesmo uma cena de dança e canto de um grupo que me pareceu um número musical do "rap árabe" - não sei o que era aquele ritmo, mas adorei.
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
Dois filmes: Histórias de amor que não pertencem a este mundo; Uma casa à beira-mar
Os dois de filmes de hoje foram ótimos, cada um a seu modo, mas eu confesso que estou cansadíssima, quero que chegue logo ao fim esse Festival. E não comprarei mais passaporte, esse foi o último ano, acho que perdi o pique.
O primeiro que vi, Histórias de amor que não pertencem a este mundo, é basicamente uma história de amor contemporânea, no sentido de que a mulher é louca, ama histericamente o homem, ambos professores na mesma Universidade, mas ela é intempestiva, falastrona, castrante, impositiva, tagarela, autoritária, enfim, um verdadeiro pesadelo em forma de amor. E há amor, tanto nele, quanto nela. Mas a vida em comum não pode acontecer, porque ela é intensa demais, deseja demais, ama demais, e quer tudo. E não dá, ninguém suporta tanto, e separam-se - ele sai da relação, ele não aguenta.
Num certo momento, bem depois, uma aluna se aproxima dela, quando já separada do tal amado, e ambas vivem uma transa bem explícita, cuja finalidade última na trama é sugerir, ou mostrar, a diferença entre o gozo masculino e o feminino, daí o "contemporâneo" do começo. Aliás, tem um diálogo sobre o ponto G do prazer feminino que é hilário, muito bom mesmo. E só numa época pós-feminista uma mulher pode amar homens, se relacionar sexualmente com uma aluna lésbica e tudo bem, sem traumas, sem lero-lero, tudo na maior tranquilidade, e a história segue seu fluxo rumo a um entendimento do que seja o amor, e a vida a dois - seus possíveis e suas impossibilidades, seus quereres, e seus interditos. Muito bom, a gente aprende e se diverte o tempo todo.
Já Uma casa à beira-mar eu procurei ver em função dos dois atores que protagonizam o filme: Ariane Ascaride e Jean-Pierre Darroussin, que fizeram um dos casais de As neves do Kilimandjaro (2012), um filme interessantíssimo, de que costumo me lembrar sempre que preciso pensar em algo bom, que faça bem à alma.
Aqui eles fazem dois irmãos que se reencontram no lugar de origem, uma belíssima região rodeada de um mar deslumbrante, onde o pai, o fundador daquelas casas lindas, está inerte numa cama, já em estágio avançado de demência senil, talvez, porque já não se alimenta, está no soro, não reage a nada, nem a ninguém, situação em que pode viver muitos e muitos anos - mais um filme em que a velhice assombra. Ali os irmãos são informados da herança do espólio, e ficamos sabendo da história de cada um: a morte por afogamento da filha da filha, vivida por Ariane, que culpa o pai, avô da criança, por esse descuido fatal; as obrigações de cuidador, assumidas pelo filho que ficou com o pai; as frustrações do outro filho (Darroussin), escritor raté que começa a se reencontrar em contato com o lugar de sua infância.
Enfim, o filme termina sob aquela mesma perspectiva meio socialista-cristã, que deu tão certo em As neves - suas cenas finais remetem ao acolhimento dos deserdados da terra, nesse caso, os imigrantes (árabes?) que se perderam de seus parentes, ficando apenas três crianças que os irmãos descobrem no meio da floresta, e estão sendo caçados pela polícia. Os três irmãos adultos resolvem não apenas ficar morando de novo no lugar de sua infância, como assumem as crianças estrangeiras, as protegem e escondem da polícia. Gosto de tudo, sobretudo dessa pegada humanitária, por mais irreal que pareça no mundo atual. Ou por isso mesmo, talvez.
O primeiro que vi, Histórias de amor que não pertencem a este mundo, é basicamente uma história de amor contemporânea, no sentido de que a mulher é louca, ama histericamente o homem, ambos professores na mesma Universidade, mas ela é intempestiva, falastrona, castrante, impositiva, tagarela, autoritária, enfim, um verdadeiro pesadelo em forma de amor. E há amor, tanto nele, quanto nela. Mas a vida em comum não pode acontecer, porque ela é intensa demais, deseja demais, ama demais, e quer tudo. E não dá, ninguém suporta tanto, e separam-se - ele sai da relação, ele não aguenta.
Num certo momento, bem depois, uma aluna se aproxima dela, quando já separada do tal amado, e ambas vivem uma transa bem explícita, cuja finalidade última na trama é sugerir, ou mostrar, a diferença entre o gozo masculino e o feminino, daí o "contemporâneo" do começo. Aliás, tem um diálogo sobre o ponto G do prazer feminino que é hilário, muito bom mesmo. E só numa época pós-feminista uma mulher pode amar homens, se relacionar sexualmente com uma aluna lésbica e tudo bem, sem traumas, sem lero-lero, tudo na maior tranquilidade, e a história segue seu fluxo rumo a um entendimento do que seja o amor, e a vida a dois - seus possíveis e suas impossibilidades, seus quereres, e seus interditos. Muito bom, a gente aprende e se diverte o tempo todo.
Já Uma casa à beira-mar eu procurei ver em função dos dois atores que protagonizam o filme: Ariane Ascaride e Jean-Pierre Darroussin, que fizeram um dos casais de As neves do Kilimandjaro (2012), um filme interessantíssimo, de que costumo me lembrar sempre que preciso pensar em algo bom, que faça bem à alma.
Aqui eles fazem dois irmãos que se reencontram no lugar de origem, uma belíssima região rodeada de um mar deslumbrante, onde o pai, o fundador daquelas casas lindas, está inerte numa cama, já em estágio avançado de demência senil, talvez, porque já não se alimenta, está no soro, não reage a nada, nem a ninguém, situação em que pode viver muitos e muitos anos - mais um filme em que a velhice assombra. Ali os irmãos são informados da herança do espólio, e ficamos sabendo da história de cada um: a morte por afogamento da filha da filha, vivida por Ariane, que culpa o pai, avô da criança, por esse descuido fatal; as obrigações de cuidador, assumidas pelo filho que ficou com o pai; as frustrações do outro filho (Darroussin), escritor raté que começa a se reencontrar em contato com o lugar de sua infância.
Enfim, o filme termina sob aquela mesma perspectiva meio socialista-cristã, que deu tão certo em As neves - suas cenas finais remetem ao acolhimento dos deserdados da terra, nesse caso, os imigrantes (árabes?) que se perderam de seus parentes, ficando apenas três crianças que os irmãos descobrem no meio da floresta, e estão sendo caçados pela polícia. Os três irmãos adultos resolvem não apenas ficar morando de novo no lugar de sua infância, como assumem as crianças estrangeiras, as protegem e escondem da polícia. Gosto de tudo, sobretudo dessa pegada humanitária, por mais irreal que pareça no mundo atual. Ou por isso mesmo, talvez.
quarta-feira, 11 de outubro de 2017
Os dois de hoje: Discreet; The Florida project
Discreet foi o primeiro filme que vi na vida (até onde minha memória alcança) do qual saí me dizendo - mas que droga foi essa que acabei de ver? Não entendi nada, nadinha de nádaras. Aí fui ler a sinopse, e fez-se a luz - de novo, foi a primeira vez que uma sinopse me disse o que era a história de um filme para esclarecê-lo (em geral, sinopses falam de outro filme, e não do que eu vi). Bom, o fato é que a história de um rapaz (aliás, bem gato) que volta à cidade natal pra visitar a mãe ex-alcoólica ativa e descobre que seu algoz de infância, o lobo pedófilo, ainda vive, nos é contada de uma forma totalmente louca, com cortes e encaixes de cenas que não têm coisa alguma aparente a ver com qualquer outra não aparente.
Ou seja, acho que o problema do filme está nos cortes, na montagem - o personagem fica o tempo todo filmando grandes avenidas, de repente encontra o velho que já está em adiantado estado de demência, não reconhece nada nem ninguém, não fala, enfim, um quase morto-vivo. Daí ele não consegue matá-lo, e as coisas vão seguindo meio à deriva, e do mesmo modo que começa, termina, ou seja, sem nexos, ou conexões. Tá confuso? Pois é. Então você entendeu o filme.
Mas eu preciso ser justa e dizer que há vários momentos importantes nesse trabalho, sobretudo a faceta do rapaz-que-vai-matar e a mudança que ele sofre ao ver a morte quase já instalada no corpo daquele velho. Há um momento em que ele deita ao lado de velho, e se enrodilha um pouco em torno de seu corpo - é muito tocante essa aproximação, porque o presente se impõe a toda uma história de dor e de violação. A morte ali já entrou, mas como resiste ainda, residindo no corpo do velho, só resta ao homem jovem ampará-los - ao velho, e sua morte, que ele carrega.
Já The Florida project é um filme onde uma criança, em especial, brilha por sua atuação espontânea e cheia de frases engraçadas, e acaba se transformando no filtro através do qual acompanhamos a vida de um grupo de pessoas que vive hospedada num desses hotéis onde os americanos pousam por um certo tempo, um tipo de moradia barata para aqueles que praticamente vivem às expensas do auxílio social, meio à margem do sonho americano, e certamente à margem de sua classe média.
O grupo de crianças é liderado por ela, essa menina esperta interpretada pela gracinha da Brooklin Prince, inteligente e super safa, que vive sua infância um pouco à margem das dificuldades que os adultos vivenciam, e sua mãe ajuda um pouco a tornar sua vida mais leve, pois ao mesmo tempo é jovem, irresponsável, meio doidinha e leviana, mas ama a vida e ama a filha, portanto, as bases estão certas, os caminhos é que entortaram um pouco, como o de todos aqueles que não nasceram em berço esplêndido - lá, cá ou alhures.
En passant, observo que a cidade precária em que vivi quando era criança na idade dela (6 anos) tem muitas semelhanças com essa Florida empobrecida, e minhas peripécias infantis, de criança solta no mundo a minha volta, têm muito em comum com as dela. Somos irmãs de trapalhadas e descobertas. E me achei parecida com ela, fisicamente também.
Ou seja, acho que o problema do filme está nos cortes, na montagem - o personagem fica o tempo todo filmando grandes avenidas, de repente encontra o velho que já está em adiantado estado de demência, não reconhece nada nem ninguém, não fala, enfim, um quase morto-vivo. Daí ele não consegue matá-lo, e as coisas vão seguindo meio à deriva, e do mesmo modo que começa, termina, ou seja, sem nexos, ou conexões. Tá confuso? Pois é. Então você entendeu o filme.
Mas eu preciso ser justa e dizer que há vários momentos importantes nesse trabalho, sobretudo a faceta do rapaz-que-vai-matar e a mudança que ele sofre ao ver a morte quase já instalada no corpo daquele velho. Há um momento em que ele deita ao lado de velho, e se enrodilha um pouco em torno de seu corpo - é muito tocante essa aproximação, porque o presente se impõe a toda uma história de dor e de violação. A morte ali já entrou, mas como resiste ainda, residindo no corpo do velho, só resta ao homem jovem ampará-los - ao velho, e sua morte, que ele carrega.
O grupo de crianças é liderado por ela, essa menina esperta interpretada pela gracinha da Brooklin Prince, inteligente e super safa, que vive sua infância um pouco à margem das dificuldades que os adultos vivenciam, e sua mãe ajuda um pouco a tornar sua vida mais leve, pois ao mesmo tempo é jovem, irresponsável, meio doidinha e leviana, mas ama a vida e ama a filha, portanto, as bases estão certas, os caminhos é que entortaram um pouco, como o de todos aqueles que não nasceram em berço esplêndido - lá, cá ou alhures.
En passant, observo que a cidade precária em que vivi quando era criança na idade dela (6 anos) tem muitas semelhanças com essa Florida empobrecida, e minhas peripécias infantis, de criança solta no mundo a minha volta, têm muito em comum com as dela. Somos irmãs de trapalhadas e descobertas. E me achei parecida com ela, fisicamente também.
Os três de ontem: Corpo e alma; The leisure seeker; A teus olhos
Com um pé no surrealismo, Corpo e alma vai ganhando o espectador pela crescente cumplicidade que a protagonista estabelece a partir da compreensão que temos de que ela é mesmo muito tímida, e tem grandes dificuldades para relacionar-se com outros humanos. Quando seu chefe estabelece uma certa empatia com ela, passamos a torcer para que eles se entendam e se aproximem amorosamente, embora tudo pareça ir contra esse projeto - nosso e deles. Daí a saída para que ambos tenham os mesmos sonhos parecer surrealmente adequada para ambos. O filme é leve, engraçado em alguns momentos, e persegue a delicadeza das almas, e dos sentimentos. Gostei bem.
The leisure seeker, é um road movie de dois idosos, que se escafedem dos dois filhos controladores e partem numa van para uma última aventura, já que ela está em seus últimos momentos de vida, com câncer terminal, e ele está em franca degenerescência senil, talvez com Ahzheimer, cada dia mais esquecido. O casal de idosos vivido por Helen Mirren e Donald Sutherland passa por várias situações engraçadas, outras dramáticas, ao longo do percurso que dura o filme, quando então ela decide como e onde vão findar seus dias. Gostei muito, me diverti, e achei o final absolutamente adequado.
En passant, acho muito interessante ver a indústria curvar-se ao inarredável fato de que alguns de seus (e nossos) mitos estão entrando no terço final de suas vidas, estão ficando velhinhos, e há mais e mais filmes abordando aspectos variados dessa senilidade - Jane Fonda e Robert Redford, vistos há pouco em Nossas noites, na Netflix; a mesma Jane, junto com Lily Tomlin, em série super interessante, no mesmo canal; Charlotte Rampling, com todas a rugas a que tem direito, mais um pouco de botox (errado, inclusive) vivendo de forma magistral a protagonista de Hannah; e jamais esquecer de 2013, quando compartilhamos o final de vida daquele casal extraordinário de Amor - Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant. Para mim, os primeiros grandiosos velhos que se despedem da vida na tela, diante de meus olhos ávidos por compreender, e pertíssimo de todo esse universo há mais de sete anos, já que a senilidade entrou em minha vida sem que eu percebesse, a partir de 2010, e dos vários embates na saúde de minha mãe, em sua gradual, e agora rápida, entrada na perda de memória, e na demência senil. Estou mais próxima deles do que jamais, imersa em tal universo mais a cada dia - e posso dizer com franqueza: é duro, não vejo a poesia que os filmes mostram, mas gosto muito que ela exista ao menos nas telas.
Por fim, ontem vi ainda A teus olhos, uma bela e dolorosa reflexão de Carolina Jabor a respeito de um tema difícil, que também está no centro de Hannah, mas aqui parece próximo a nós, é como se fosse na escola aqui perto, e esse professor, vivido tão bem por Daniel de Oliveira, fosse meu colega de trabalho, e ele está destruído, um tsunami veio pela falta de escrúpulos de uma mãe infeliz na vida, infeliz no casamento, na maternidade, enfim, uma mulher num momento ruim resolve "agir" - e o raio de ação dela vira a vida do outro de ponta cabeça, destrói, corrói, detona. Tudo muito bem feito, muito intenso, muito triste. Filmaço - atores, direção, roteiro.
The leisure seeker, é um road movie de dois idosos, que se escafedem dos dois filhos controladores e partem numa van para uma última aventura, já que ela está em seus últimos momentos de vida, com câncer terminal, e ele está em franca degenerescência senil, talvez com Ahzheimer, cada dia mais esquecido. O casal de idosos vivido por Helen Mirren e Donald Sutherland passa por várias situações engraçadas, outras dramáticas, ao longo do percurso que dura o filme, quando então ela decide como e onde vão findar seus dias. Gostei muito, me diverti, e achei o final absolutamente adequado.
En passant, acho muito interessante ver a indústria curvar-se ao inarredável fato de que alguns de seus (e nossos) mitos estão entrando no terço final de suas vidas, estão ficando velhinhos, e há mais e mais filmes abordando aspectos variados dessa senilidade - Jane Fonda e Robert Redford, vistos há pouco em Nossas noites, na Netflix; a mesma Jane, junto com Lily Tomlin, em série super interessante, no mesmo canal; Charlotte Rampling, com todas a rugas a que tem direito, mais um pouco de botox (errado, inclusive) vivendo de forma magistral a protagonista de Hannah; e jamais esquecer de 2013, quando compartilhamos o final de vida daquele casal extraordinário de Amor - Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant. Para mim, os primeiros grandiosos velhos que se despedem da vida na tela, diante de meus olhos ávidos por compreender, e pertíssimo de todo esse universo há mais de sete anos, já que a senilidade entrou em minha vida sem que eu percebesse, a partir de 2010, e dos vários embates na saúde de minha mãe, em sua gradual, e agora rápida, entrada na perda de memória, e na demência senil. Estou mais próxima deles do que jamais, imersa em tal universo mais a cada dia - e posso dizer com franqueza: é duro, não vejo a poesia que os filmes mostram, mas gosto muito que ela exista ao menos nas telas.
Por fim, ontem vi ainda A teus olhos, uma bela e dolorosa reflexão de Carolina Jabor a respeito de um tema difícil, que também está no centro de Hannah, mas aqui parece próximo a nós, é como se fosse na escola aqui perto, e esse professor, vivido tão bem por Daniel de Oliveira, fosse meu colega de trabalho, e ele está destruído, um tsunami veio pela falta de escrúpulos de uma mãe infeliz na vida, infeliz no casamento, na maternidade, enfim, uma mulher num momento ruim resolve "agir" - e o raio de ação dela vira a vida do outro de ponta cabeça, destrói, corrói, detona. Tudo muito bem feito, muito intenso, muito triste. Filmaço - atores, direção, roteiro.
segunda-feira, 9 de outubro de 2017
Barrage; Hannah
Os filmes que vi até agora, todos eles, envolvem mulheres, nos títulos, nos papéis principais e, sobretudo, fazendo trabalhos soberbos, como acontece no Barbara, ou em As boas maneiras.
Nos dois de ontem não foi diferente. Barrage, com Isabelle Huppert e sua filha, Lolita Chammah vivendo mãe e filha, numa história que envolve ainda a filha da última, criada desde bebê pela avó. As razões para o abandono vão sendo aos poucos insinuadas a partir da volta dessa mãe, que de cara se percebe ter um certo nível de desequilíbrio. O filme então, é uma delicada aproximação no mundo do amor entre mães e filhas, do ponto de vista de quem abandona porque não tem, e não teve, condições psíquicas para ter o filho, menos ainda para mantê-lo. É bonito, delicadíssimo, triste, terno, verdadeiro, humanamente trágico, e necessário. Atuações impecáveis das duas Huppert - não conhecia o trabalho, muito bom, da filha dessa incansável atriz, que além de primoroso, me pareceu muito adequado ao personagem, até por ser parecidíssima com a mãe.
Já Hannah é uma obra prima, sobretudo o trabalho forte e delicadíssimo de Charlotte Rampling, melhor atriz em Veneza esse ano por esse tour de force. No filme, tudo passa pela sensação dela, por sua percepção de fatos que são apenas indiciados, sugeridos, e que vão revelando sua natureza de foma muito esgarçada e, por isso, mesmo, violenta, porque só imaginamos como deve se sentir aquela mulher ao ter de lidar com a trágica e avassaladora descoberta a respeito de seu marido. A gente vê que uma vida inteira foi vivida com um homem que era outra pessoa também, doente, e que vai para a prisão por causa dela. Um dia, uma goteira força a mudança do armário no quarto, e ela descobre as fotos. E ela não tem saída, ela não tem outra vida, ela não pode compartilhar - aliás, compartilhar o quê? O filme vai mostrando, acho, o emparedamento dessa mulher dentro dela mesma, numa falta de saída monumental. E tudo minimalisticamente, devagar, nos detalhes, ao tempo do pensamento que se forma, da dor que se acumula, do intangível que se anuncia, da solidão mais absoluta que se vislumbra para ela - o filho recusa sua presença no aniversário do neto, ela é praticamente banida do último elo familiar que possui.
A cena final é forte, mas eu preciso confessar: pensei que ela ia pular, esperei isso, achei que fosse o caminho menos doloroso. Ela não pulou. Chorei.
Charlotte merece todos os prêmios, todos. Depois de Emmanuelle Riva, esse é um dos mais emblemáticos trabalhos femininos sobre a dor, a perdição de si, o sufoco da vida que se esvai, tecido na clave da contenção e da altíssima arte.
Nos dois de ontem não foi diferente. Barrage, com Isabelle Huppert e sua filha, Lolita Chammah vivendo mãe e filha, numa história que envolve ainda a filha da última, criada desde bebê pela avó. As razões para o abandono vão sendo aos poucos insinuadas a partir da volta dessa mãe, que de cara se percebe ter um certo nível de desequilíbrio. O filme então, é uma delicada aproximação no mundo do amor entre mães e filhas, do ponto de vista de quem abandona porque não tem, e não teve, condições psíquicas para ter o filho, menos ainda para mantê-lo. É bonito, delicadíssimo, triste, terno, verdadeiro, humanamente trágico, e necessário. Atuações impecáveis das duas Huppert - não conhecia o trabalho, muito bom, da filha dessa incansável atriz, que além de primoroso, me pareceu muito adequado ao personagem, até por ser parecidíssima com a mãe.
A cena final é forte, mas eu preciso confessar: pensei que ela ia pular, esperei isso, achei que fosse o caminho menos doloroso. Ela não pulou. Chorei.
Charlotte merece todos os prêmios, todos. Depois de Emmanuelle Riva, esse é um dos mais emblemáticos trabalhos femininos sobre a dor, a perdição de si, o sufoco da vida que se esvai, tecido na clave da contenção e da altíssima arte.
sábado, 7 de outubro de 2017
A câmera de Claire; As boas maneiras
Embora tenha comprado ingressos para ver três filmes, abri mão do terceiro porque não voltaria ao centro da cidade, onde fica o Odeon, mais tarde da noite, nem sob chibata.
Dito isso, vi A câmera de Claire, um filme curtinho com a Isabelle Huppert que parece mais uma brincadeira com as câmeras, ambas - tanto a câmera fotográfica que a protagonista usa para congelar instantes de transeuntes desconhecidos, e mesmo brincar com seus destinos atuais e futuros, quanto a câmera do diretor, que brinca um pouco de fazer cinema com a cumplicidade de uma ótima atriz, com um fiapo de história, mas criativa, de que resulta um produto final simples, que se vê com grande prazer. O quase nada vira obra, por força dos talentos envolvidos.
Já As boas maneiras tem muito mais pretensões, e as alcança, de uma forma ou de outra. Trata-se de um filme em três atos, ou seja, quando parece que uma história terminou de se contar, ela continua agora sob outro viés, e depois mais outro. Para ser franca, eu achei que o filme deveria ter terminado no nascimento da criança. Ali acabou uma história, para mim. Mas o filme não é meu, e fiquei lá vendo a história mudar de foco e mudar o rumo da estupenda atriz portuguesa Isabél Zuaa. Se Marjorie Estiano brilha na primeira parte da história, e o faz com louvor, a partir do segundo terço o filme vai-se tornando cada vez mais dela, dessa atriz extraordinária, e me parece ter sido por ela, por sua presença e atuação estupendas, que fui ficando, ficando até o final desse trabalho estranhamente interessante, e com marcas inesperadas de tantos gêneros, inclusive musical. Os efeitos especiais são muito bons, achei quase coisa de cinemão americano (os craques da categoria).
O final, quase épico e um tanto intempestivo, não me incomodou, e me senti reconciliada com essa coisa de "amor de mãe" - até porque me pareceu, ao fim e ao cabo, que o filme trata de amor, tout court, em suas variadas intensidades.
Dito isso, vi A câmera de Claire, um filme curtinho com a Isabelle Huppert que parece mais uma brincadeira com as câmeras, ambas - tanto a câmera fotográfica que a protagonista usa para congelar instantes de transeuntes desconhecidos, e mesmo brincar com seus destinos atuais e futuros, quanto a câmera do diretor, que brinca um pouco de fazer cinema com a cumplicidade de uma ótima atriz, com um fiapo de história, mas criativa, de que resulta um produto final simples, que se vê com grande prazer. O quase nada vira obra, por força dos talentos envolvidos.
Já As boas maneiras tem muito mais pretensões, e as alcança, de uma forma ou de outra. Trata-se de um filme em três atos, ou seja, quando parece que uma história terminou de se contar, ela continua agora sob outro viés, e depois mais outro. Para ser franca, eu achei que o filme deveria ter terminado no nascimento da criança. Ali acabou uma história, para mim. Mas o filme não é meu, e fiquei lá vendo a história mudar de foco e mudar o rumo da estupenda atriz portuguesa Isabél Zuaa. Se Marjorie Estiano brilha na primeira parte da história, e o faz com louvor, a partir do segundo terço o filme vai-se tornando cada vez mais dela, dessa atriz extraordinária, e me parece ter sido por ela, por sua presença e atuação estupendas, que fui ficando, ficando até o final desse trabalho estranhamente interessante, e com marcas inesperadas de tantos gêneros, inclusive musical. Os efeitos especiais são muito bons, achei quase coisa de cinemão americano (os craques da categoria).
O final, quase épico e um tanto intempestivo, não me incomodou, e me senti reconciliada com essa coisa de "amor de mãe" - até porque me pareceu, ao fim e ao cabo, que o filme trata de amor, tout court, em suas variadas intensidades.
FESTRIO 2017: Milla; Bárbara
Essa é a grade, o que é possível, vamos ver se consigo ver pelo menos esses vinte e poucos filmes nesse ano.
O primeiro que vi hoje - Milla, levou mais de duas horas para contar a história de um rapaz e uma moça que vivem meio à deriva, sem trabalho, sem projetos, sem perspectivas, sem quase nada. Sim, claro que a ideia é mostrar exatamente a situação de empobrecimento a que estamos submetidos em qualquer parte do mundo onde capital e trabalho travam sua costumeira e, atualmente, cruel batalha. O filme busca pontuar o que falta, o que não há, a ausência, tipo assim - os ossos que restam do que foi comido pela avidez do dinheiro (dos outros), mas acaba ficando bastante cansativo porque um filme precisa de uma história com um miolo forte, e não apenas de seus entornos, ou contornos, ou vazios, ou etc. Nem a criança que nasce resolve a questão, nem mesmo como símbolo de qualquer esperança - ali tudo me pareceu árido, e o filme, um árido movie.
Já o segundo - Bárbara - é mais sofisticado, também longo, mas envolvente na medida em que trabalha com alguns níveis de situações entremeados: trata-se de um filme sobre uma atriz-cantora (aliás, de voz belíssima, Jeanne Balibar), dirigido por um homem que a conheceu quando criança e de quem ele se tornou um admirador perpétuo. Roda o filme, então, como uma espécie de tributo a essa mulher, a sua arte, a seu talento, àquele encontro que marcou sua história e sua vida. A protagonista, portanto, é essa atriz e cantora e pianista e mulher de muitos talentos, além de vigor, que também tem suas crises pessoais, como toda diva. Enfim, o filme se vê muito bem, é bom, porque há uma atriz que fica em cena o tempo todo, fazendo tudo que faz em termos de artes muito bem, o tempo todo.
PS: Para saber mais sobre essa figura de atriz super, ver:
https://www.publico.pt/2009/05/16/culturaipsilon/noticia/um-monstro-chamado-jeanne-balibar-231452
sábado, 23 de setembro de 2017
Mãe!
Mãe! Dir. Darren Aronofsky, com Javier Bardem, Jennifer Lawrence, Michelle Pfeiffer, Ed Harris
Achei chato, pretensioso, um pesadelo ver a Jennifer all the time na telona fazendo caras e bocas de espanto e medo, menos um pouco o Javier Bardem fazendo o artista sem inspiração, e o homem-marido sem tesão pela mulher.
Sim, quase todas as leituras sobre as experiências de viver o ato de criação e sua seca são possíveis, mas claro que aqui tudo se passa numa clave hiper over dimensionada. Menos do que a questão da criação e seu desejar onívoro, vi ali uma encenação dos egos inflados pela cultura contemporânea dos likes e selfies, sem os quais o homem-que-cria, ou o-que-pensa, passa a quase não existir. O artista hoje parece enlouquecido pelo aqui e agora do gostar público, e o diretor filma tanto o desejo absoluto por uma platéia faminta de sua obra, como a violência dessa aproximação e desse desejo sem limites.
No final, uma das cenas mais kitschs do filme me deixou com o sentimento de - putz!, mas precisava aquilo? O coração de mãe é assim tão visceral? Tenho minhas ressalvas e dúvidas, e se o coração de mãe, como símbolo de amor absoluto, doação e entrega máximas, permeia a ideia da cena final, ela se segue a sequências que me pareceram mais um episódio da série-que-nunca-segui, onde vigoram os zumbies. Tais os adoradores do poeta! Do poeta!
Em mais uma boutade que só se pode ler como soberba ironia, a grande arte, a magnífica arte que arrebata o público e enlouquece os fãs do artista não pertence ao universo imagético, como sói acontecer na atual cultura, mas ao mundo da p.a.l.a.v.r.a!!! Aquela multidão amorfa e enlouquecida quer um poema, uma obra que incendeia o coração e arrebata as almas feita de palavras?? Essa só pode ser uma grande e escandalosa piada, pensei - e fui deixando a sala, entre irritada e impaciente.
Achei chato, pretensioso, um pesadelo ver a Jennifer all the time na telona fazendo caras e bocas de espanto e medo, menos um pouco o Javier Bardem fazendo o artista sem inspiração, e o homem-marido sem tesão pela mulher.
Sim, quase todas as leituras sobre as experiências de viver o ato de criação e sua seca são possíveis, mas claro que aqui tudo se passa numa clave hiper over dimensionada. Menos do que a questão da criação e seu desejar onívoro, vi ali uma encenação dos egos inflados pela cultura contemporânea dos likes e selfies, sem os quais o homem-que-cria, ou o-que-pensa, passa a quase não existir. O artista hoje parece enlouquecido pelo aqui e agora do gostar público, e o diretor filma tanto o desejo absoluto por uma platéia faminta de sua obra, como a violência dessa aproximação e desse desejo sem limites.
No final, uma das cenas mais kitschs do filme me deixou com o sentimento de - putz!, mas precisava aquilo? O coração de mãe é assim tão visceral? Tenho minhas ressalvas e dúvidas, e se o coração de mãe, como símbolo de amor absoluto, doação e entrega máximas, permeia a ideia da cena final, ela se segue a sequências que me pareceram mais um episódio da série-que-nunca-segui, onde vigoram os zumbies. Tais os adoradores do poeta! Do poeta!
Em mais uma boutade que só se pode ler como soberba ironia, a grande arte, a magnífica arte que arrebata o público e enlouquece os fãs do artista não pertence ao universo imagético, como sói acontecer na atual cultura, mas ao mundo da p.a.l.a.v.r.a!!! Aquela multidão amorfa e enlouquecida quer um poema, uma obra que incendeia o coração e arrebata as almas feita de palavras?? Essa só pode ser uma grande e escandalosa piada, pensei - e fui deixando a sala, entre irritada e impaciente.
sábado, 12 de agosto de 2017
O filme da minha vida
Sim, gostei muito de O filme da minha vida (quem não?), embora ele pudesse ser só um pouquinho mais enxuto. Antes de falar por que eu gostei dele, devo observar que nunca, never, em nenhum outro momento de nossa produção cinematográfica recente, eu vi uma equipe divulgar de modo tão avassalador, e profissional, um filme brasileiro - nem em Tropa de elite eu vi isso.
Mas talvez porque eu esteja na midia social mais adequada a tais projetos culturais - o instagram, em que pequenos vídeos e fotos passam na timeline, não tomam muito tempo, mas causam efeitos. Assim, Selton Mello, mais a produtora Vânia Catani, têm dado um show de competência e inundado as redes com todo tipo de divulgação, sejam pequenos depoimentos dos espectadores, sejam flashes do filme e de seus bastidores, bem como premières pelo país com cinemas lotados e conversas dos artistas, sobretudo de Selton, com vários apresentadores de programas de TV. Enfim, o diretor tem sido incansável, e o filme tem correspondido a essa divulgação massiva.
Então, meu sentimento em relação ao que vi (na estreia, primeira sessão do cinema Odeon, quase vazio, delícia) foi a de estar no território do simples, do que faz bem à alma, no campo dos afetos que aparentemente se perderam, mas nunca morreram, e continuam espraiando sua força e sua vida nas vidas dos personagens, até que finalmente tecem seus fios e vão alongando seus desejos para reafirmar-se mais à frente, sem grandes abalos, nem perfídias, nem vinganças, nem ressentimentos.
Um filme cheio de bons sentimentos, todos, até os que torcem o caminho do amor o fazem sem crueldade, apenas por aproveitar um atalho que a vida ofereceu - o personagem do Selton nem é mau, só tolo, maladroit, e um pouco aproveitador da chance que o outro lhe deu, e sequer chega a realizar o desejo secreto que o moveu. Achei bonito o modo como o filho reconquista sua história, como o cinema o ajuda a se recompor com o pai, com sua infância e, sobretudo, como a generosidade é um ativo para toda aquela comunidade.
Um filme de onde se sai melhor do que se entrou, mesmo que por alguns instantes. Nem dá vontade de fazer contraponto com o país - não cabe nesse mundo da tela a barbárie real em que estamos mergulhados.
Merci, Selton! Você tem trabalhado feito um estivador para fazer o filme andar - e acho que tem valido a pena, e o esforço.
quarta-feira, 26 de julho de 2017
De canção em canção
Cansada para falar De canção em canção, Terrence Malick, com Natalie Portman, Michael Fassbender, Ryan Gosling, Rooney Mara, Cate Blanchett. Achei muito impressionante a coisa toda, e por vezes entediante o por onde ele nos leva naquele mundo delirante em busca de uma liberdade que não existe, jamais existirá para nenhum humano, não naquelas sendas trilhadas por seus personagens, todos artistas do meio musical, mais perdidos do que centrados, uns mais que outros, vão-se esbarrando - e a palavra é essa mesma, eles se esbarram, transam, procuram no outro o que falta no caminho de cada um, no sentimento, na vida, na história, no amor que não há, até que vão entendendo, e os que acham o amor, acham; os que não, se matam - acho justo, acho digno. Mas as mulheres sempre chorando mais que os homens, porque eles aprontam mais? Não, porque mulher chora mais mesmo, e eu detesto mulher chorosa, ou chorona. Enfim, sobram os pedaços de uns, os inteiros possíveis de outros, mas a fotografia é sempre belíssima, os cenários estranhos e mutáveis todo o tempo, um mundo mental entre o onírico e o simplesmente delirante, louco.
De todos os cacos que formam esse vitral fílmico, os cacos relacionados à performance musical dos astros mais me irritaram, por estereotipados, salvo as cenas quase lindas com a Patti Smith - terna figura, meio-bruxa, meio-sábia, sendo generosa com a personagem de Rooney Mara.
E de tal colcha de retalhos, quase nada me deslumbrou, como parece ser o desejo do filme: - olhem, admirem o fim de tudo que é desejo, amor ou ilusão de afeto. A vida é estilhaço, apenas - foi o que as imagens cortantes e cortadas me disseram. Eu ouvi, vi, e me retirei, entre cabisbaixa e decepcionada. Há mais, Malick, e há outras formas mais bacanas desse mais. Ou desse menos.
De todos os cacos que formam esse vitral fílmico, os cacos relacionados à performance musical dos astros mais me irritaram, por estereotipados, salvo as cenas quase lindas com a Patti Smith - terna figura, meio-bruxa, meio-sábia, sendo generosa com a personagem de Rooney Mara.
E de tal colcha de retalhos, quase nada me deslumbrou, como parece ser o desejo do filme: - olhem, admirem o fim de tudo que é desejo, amor ou ilusão de afeto. A vida é estilhaço, apenas - foi o que as imagens cortantes e cortadas me disseram. Eu ouvi, vi, e me retirei, entre cabisbaixa e decepcionada. Há mais, Malick, e há outras formas mais bacanas desse mais. Ou desse menos.
sexta-feira, 7 de julho de 2017
Soundtrack
Soundtrack. Direção 300ml, com Selton Mello, Ralph Ineson, Seu Jorge.
Há pouco tempo fui andar por São Paulo e acabei vendo (com duas amigas virtuais paulistas que se tornaram presenciais) a peça Constelações, com Marília Gabriela (a quem sigo no instagram) e Caco Ciocler. As duas amigas detestaram, mas eu simplesmente amei a peça.
Gostei de tudo: das repetições, do trabalho de atriz de Marília, sobretudo o controle da voz que ela empreende, o esforço hercúleo que deve ter sido ela mudar seu tom de voz firme e contundente, que usa em seu trabalho de jornalista, e moldá-la para ser a voz hesitante e suave de Marianne, aquela que vai-se mostrando ao longo da história de modo mais intenso. A peça é difícil, repete-se infinitamente, e vai modulando nessas repetições uma história que vai ficando cada vez mais interessante, para mim, que fui ficando cada vez mais presa em tudo e em todos os pequenos detalhes, e amei cada momento. No final, aplaudi de pé.
Tudo isso pra dizer que esse filme da dupla 300 ml (mais informações sobre eles aqui ) é diferentão, estranho, e belíssimo. Não importa que não tenha quase história, mas ter sido filmado sob (e sobre) o gelo mais gélido e numa paisagem quase toda branca todo santo dia - tudo isso me interessou muitíssimo, além do trabalho magnífico de Selton Mello, com seu inglês perfeito, e de seu colega Ralph Ineson, os que mais ativamente contracenam, e por onde a história circula melhor.
Acho que o filme propõe uma discussão sobre os limites da arte e da vida, além de confrontar o valor da ciência frente à arte para o avanço da vida entre nós, terráqueos. Na primeira vertente, ele trabalha a ideia de até onde se pode ou deve ir para fazer o que parece necessário a fim de construir um objeto de arte conforme o desejo que se impõe ao artista, além de constituir-se como metáfora da solidão criativa - em sua concretude de cenário, de personagem, de projeto, e das relações hesitantes, difíceis mesmo, que eles intentam criar no exíguo espaço que lhes cabe compartilhar.
Enfim, vi o filme como uma história sobre aproximações humanas, e sobre a inexorável fome do artista em face de sua arte.
Há pouco tempo fui andar por São Paulo e acabei vendo (com duas amigas virtuais paulistas que se tornaram presenciais) a peça Constelações, com Marília Gabriela (a quem sigo no instagram) e Caco Ciocler. As duas amigas detestaram, mas eu simplesmente amei a peça.
Gostei de tudo: das repetições, do trabalho de atriz de Marília, sobretudo o controle da voz que ela empreende, o esforço hercúleo que deve ter sido ela mudar seu tom de voz firme e contundente, que usa em seu trabalho de jornalista, e moldá-la para ser a voz hesitante e suave de Marianne, aquela que vai-se mostrando ao longo da história de modo mais intenso. A peça é difícil, repete-se infinitamente, e vai modulando nessas repetições uma história que vai ficando cada vez mais interessante, para mim, que fui ficando cada vez mais presa em tudo e em todos os pequenos detalhes, e amei cada momento. No final, aplaudi de pé.
Tudo isso pra dizer que esse filme da dupla 300 ml (mais informações sobre eles aqui ) é diferentão, estranho, e belíssimo. Não importa que não tenha quase história, mas ter sido filmado sob (e sobre) o gelo mais gélido e numa paisagem quase toda branca todo santo dia - tudo isso me interessou muitíssimo, além do trabalho magnífico de Selton Mello, com seu inglês perfeito, e de seu colega Ralph Ineson, os que mais ativamente contracenam, e por onde a história circula melhor.
Acho que o filme propõe uma discussão sobre os limites da arte e da vida, além de confrontar o valor da ciência frente à arte para o avanço da vida entre nós, terráqueos. Na primeira vertente, ele trabalha a ideia de até onde se pode ou deve ir para fazer o que parece necessário a fim de construir um objeto de arte conforme o desejo que se impõe ao artista, além de constituir-se como metáfora da solidão criativa - em sua concretude de cenário, de personagem, de projeto, e das relações hesitantes, difíceis mesmo, que eles intentam criar no exíguo espaço que lhes cabe compartilhar.
Enfim, vi o filme como uma história sobre aproximações humanas, e sobre a inexorável fome do artista em face de sua arte.
quinta-feira, 29 de junho de 2017
Três filmes, mais um
Paris pode esperar. Dir. Eleanor Coppola, com Diane Lane, Alec Baldwin, Arnaud Viard.
Tudo a ver com Sob o sol da Toscana (2003), em que a mesma atriz protagoniza um filme romântico de semelhante extração - bonito, bem feito, em cenários de cidades onde quase qualquer pessoa pode desejar viver, bem como experimentar as aventuras leves, divertidas, sem culpas, tranquilas, superficiais e sensatas, com direito a paquera amorosa e tour gastronômico com o casal, nessa ótima história. Tudo corre lindo, leve e solto no filme, que foi feito para nos proporcionar prazer, alegria e bem estar, na medida certíssima do bom senso e da sobriedade. Eu agradeço todas as delicadezas, gostei demais de sentar às mesas todas dos restaurantes onde o casal esteve, amei os passeios todos e vi feliz esse filme que não me exigiu nada além da entrega - o que fiz com prazer.
Quero a sequência com os casal aos 70 anos, espero ainda estar viva até lá para continuar nossa aventura sob o signo da leveza.
PS: Tomara que ela aceite o convite dele e vá aonde ele marcou.
Na vertical. dir. Alain Guiraudie, com Damien Bonnard, India Hair, Raphaël Thiéry.
Se em Um estranho no lago, filme anterior do diretor, o sexo entre homens é o tema e leitmotiv, misturado a um certo clima de mortes e mistérios, aqui parece haver um escancaramento na proposta de abordar o sexo, agora como uma espécie de compulsão - o protagonista passa por várias situações um tanto confusas, até se tornar pai e, de certo modo, ficar paralisado naquele papel - ele não avança em seu caminho de vida, não sabe o que fazer daquele dom que descobriu em si, nem do bebê propriamente dito, já que não consegue cuidar dele, nem instalar-se em algum lugar que sirva de lar, abrigo, ou proteção para a criança.
O filme fica banzando como o pai, de lá pra cá, e meio que se finca nas cenas fortes, três ao menos, que impressionam e impactam o espectador - um parto em amplo close; uma cena de cunnilingus também em close, e uma penetração entre homens que eu achei meio artificial (pelo tamanho que me pareceu exagerado, ou falso, do pênis), mas que ao cabo se mostrou extremamente erótica, sobretudo pela relação imediata com a morte e, na sequência, com o pós orgasmo, como o nomeiam os franceses, e está em nosso imaginário - la petite mort.
De todo modo, a par dessas cenas contundentes, achei o filme meio sem destino, e talvez tenha sido essa sua proposta.
Kiki - os segredos do desejo. Dir. Paco Léon, com Natalia de Molina, Álex García, Anna Katz.
Dégradé. Dir. Tarzan Nasser, Arab Nasser, com Hiam Abbas, Maisa Abd Elhadi, Manl Awad.
Talvez pelo espaço de confinamento em que se transforma o salão de cabelereiro onde as mulheres se encontram, e terminam meio aprisionadas, o filme também acabou me cansando, mesmo sendo uma história necessária em seu empenho de retratar uma guerra infindável, ao mesmo tempo que encena o outro lado da vida: as necessidades do cotidiano e do universo femininos, representadas pela mulher que vai ter um filho; pela outra que vai casar e precisa estar maquiada e bem penteada para a cerimônia etc - situações que parecem nunca chegar ao fim, em razão dos transtornos trazidos por uma sequência de ataques violentos na rua em frente, de que só se ouvem os fortes ecos.
Enfim, um filme que sufoca, menos pela questão da violência explícita da guerra, do que pelo confinamento das mulheres a tão restrito espaço - mental e físico.
Tudo a ver com Sob o sol da Toscana (2003), em que a mesma atriz protagoniza um filme romântico de semelhante extração - bonito, bem feito, em cenários de cidades onde quase qualquer pessoa pode desejar viver, bem como experimentar as aventuras leves, divertidas, sem culpas, tranquilas, superficiais e sensatas, com direito a paquera amorosa e tour gastronômico com o casal, nessa ótima história. Tudo corre lindo, leve e solto no filme, que foi feito para nos proporcionar prazer, alegria e bem estar, na medida certíssima do bom senso e da sobriedade. Eu agradeço todas as delicadezas, gostei demais de sentar às mesas todas dos restaurantes onde o casal esteve, amei os passeios todos e vi feliz esse filme que não me exigiu nada além da entrega - o que fiz com prazer.
Quero a sequência com os casal aos 70 anos, espero ainda estar viva até lá para continuar nossa aventura sob o signo da leveza.
PS: Tomara que ela aceite o convite dele e vá aonde ele marcou.
Na vertical. dir. Alain Guiraudie, com Damien Bonnard, India Hair, Raphaël Thiéry.
Se em Um estranho no lago, filme anterior do diretor, o sexo entre homens é o tema e leitmotiv, misturado a um certo clima de mortes e mistérios, aqui parece haver um escancaramento na proposta de abordar o sexo, agora como uma espécie de compulsão - o protagonista passa por várias situações um tanto confusas, até se tornar pai e, de certo modo, ficar paralisado naquele papel - ele não avança em seu caminho de vida, não sabe o que fazer daquele dom que descobriu em si, nem do bebê propriamente dito, já que não consegue cuidar dele, nem instalar-se em algum lugar que sirva de lar, abrigo, ou proteção para a criança.
O filme fica banzando como o pai, de lá pra cá, e meio que se finca nas cenas fortes, três ao menos, que impressionam e impactam o espectador - um parto em amplo close; uma cena de cunnilingus também em close, e uma penetração entre homens que eu achei meio artificial (pelo tamanho que me pareceu exagerado, ou falso, do pênis), mas que ao cabo se mostrou extremamente erótica, sobretudo pela relação imediata com a morte e, na sequência, com o pós orgasmo, como o nomeiam os franceses, e está em nosso imaginário - la petite mort.
De todo modo, a par dessas cenas contundentes, achei o filme meio sem destino, e talvez tenha sido essa sua proposta.
Kiki - os segredos do desejo. Dir. Paco Léon, com Natalia de Molina, Álex García, Anna Katz.
Já esse Kiki, que prometia pelo trailer um filme bem centrado nas questões de sexo, fica mais no nível das brincadeiras eróticas, das taras bem leves e com alguma graça dos personagens. Um filme que se vê sem grandes arroubos, mas com algumas boas risadas.
Dégradé. Dir. Tarzan Nasser, Arab Nasser, com Hiam Abbas, Maisa Abd Elhadi, Manl Awad.
Talvez pelo espaço de confinamento em que se transforma o salão de cabelereiro onde as mulheres se encontram, e terminam meio aprisionadas, o filme também acabou me cansando, mesmo sendo uma história necessária em seu empenho de retratar uma guerra infindável, ao mesmo tempo que encena o outro lado da vida: as necessidades do cotidiano e do universo femininos, representadas pela mulher que vai ter um filho; pela outra que vai casar e precisa estar maquiada e bem penteada para a cerimônia etc - situações que parecem nunca chegar ao fim, em razão dos transtornos trazidos por uma sequência de ataques violentos na rua em frente, de que só se ouvem os fortes ecos.
Enfim, um filme que sufoca, menos pela questão da violência explícita da guerra, do que pelo confinamento das mulheres a tão restrito espaço - mental e físico.
sexta-feira, 23 de junho de 2017
O círculo
Achei tudo meio - se não inverossímel - bobinho demais, excessivo, com furos de plot - afinal, ninguém mais sabia da existência do personagem Ty Kalden, criador do programa mais ambicioso da empresa? Não achei convincente que ele possa ser tão invisível quanto deseja, num universo mental e ambiente profissional onde expor-se é regra básica de qualquer iniciante. Enfim, achei que tem furos, me pareceu inconvincente, e o que de melhor vi ali foi a atuação de Tom Hanks, muito bom e muito à vontade no meio da garotada. Deu de dez.
sábado, 10 de junho de 2017
Neve negra
Neve negra. Martin Hodara. Com Ricardo Darín, Laia Costa, Dolores Fonzi, Leonardo Sbaraglia.
Achei Neve negra uma obra prima. Obríssima mesmo, tudo perfeito para mim: síntese, direção, fotografia (na Patagônia gélida, mais que gélida, eu mesma senti frio ao longo do filme todo), roteiro, atuação magistral de Darín, e também dos outros dois atores que trabalham o tempo todo.
Não achei furo na história, não vi as antecipações que menciona o Janot, fui entendendo à medida que os fatos iam sendo rememorados, junto com os flashbacks de Marcos, e só fui perceber o inteiro teor da coisa quando o diretor quis que eu soubesse. Amei, me assustei, me emocionei, fiquei com raiva, claro, e saí do cinema com o peso de ter entendido o nível de solidão daquele homem, a quem Darín incorporou tão bem: a expressão, o olhar, a dureza, a alma angustiada e o jeito simples dos homens inteiros, que sobreviveram a formas variadas de expiação.
Um filme para não esquecer, para pensar em nossos limites, e nos limites das instituições que nos configuram; nos abandonados da terra, nos puros e nos que reconhecem pelo cheiro os que lhe são pares. Farejadores. Víboras cujas línguas se cruzam, se casam. Os que causam mal, e os que sobrevivem a quase tudo, contando com sua própria força - aquela que foi sendo gestada e tecida na solidão de um cenário inóspito, cruel, absoluto. Os absolutos. Os absolutamente sós. Enfim, um puta filme.
Achei Neve negra uma obra prima. Obríssima mesmo, tudo perfeito para mim: síntese, direção, fotografia (na Patagônia gélida, mais que gélida, eu mesma senti frio ao longo do filme todo), roteiro, atuação magistral de Darín, e também dos outros dois atores que trabalham o tempo todo.
Não achei furo na história, não vi as antecipações que menciona o Janot, fui entendendo à medida que os fatos iam sendo rememorados, junto com os flashbacks de Marcos, e só fui perceber o inteiro teor da coisa quando o diretor quis que eu soubesse. Amei, me assustei, me emocionei, fiquei com raiva, claro, e saí do cinema com o peso de ter entendido o nível de solidão daquele homem, a quem Darín incorporou tão bem: a expressão, o olhar, a dureza, a alma angustiada e o jeito simples dos homens inteiros, que sobreviveram a formas variadas de expiação.
Um filme para não esquecer, para pensar em nossos limites, e nos limites das instituições que nos configuram; nos abandonados da terra, nos puros e nos que reconhecem pelo cheiro os que lhe são pares. Farejadores. Víboras cujas línguas se cruzam, se casam. Os que causam mal, e os que sobrevivem a quase tudo, contando com sua própria força - aquela que foi sendo gestada e tecida na solidão de um cenário inóspito, cruel, absoluto. Os absolutos. Os absolutamente sós. Enfim, um puta filme.
quarta-feira, 7 de junho de 2017
Mulher maravilha!
Filme blockbuster ótimo, com o charme extra de mostrar a força e a extrema qualidade da diretora e da protagonista, ambas excedendo em seu métier num universo-gênero cuja primazia tem sido solitariamente masculina desde que o cinema existe. Espero que seja uma franquia também de muito sucesso, e que mais mulheres ousem nesse nível de excelência!
Ah! @QueroMaisMulherMaravilha!
E todas as outras maravilhas de que somos capazes.
Ah! @QueroMaisMulherMaravilha!
E todas as outras maravilhas de que somos capazes.
domingo, 28 de maio de 2017
Comeback
Vi ontem 'Comeback - um matador nunca se aposenta', e gostei muito, mas muito mesmo do trabalho magistral de Nelson Xavier, sem o qual não haveria o filme. Ou seja, a história só existe porque o ator a faz existir, com seu carisma, seu talento, seu magnetismo, mesmo que por vezes, entre algumas cenas de violência sem histeria, haja alguns tempos mortos, repetições, vagares, que são parte do contexto de decadência em que vive o protagonista, mas também se reflete no andamento da ação, num certo vai e vem, sobretudo nas cenas sobre a máquina caça-níqueis que, se conseguem várias risadas da platéia, também a horas tantas cansam um pouco. Acho que o filme tem falhas, mas ver o último e excelente trabalho de Xavier vale muito a ida ao cinema.
segunda-feira, 22 de maio de 2017
Três comentários curtos: Norman, confie em mim; Vermelho russo; Corra!
Norman, confie em mim. Não estou certa de que esse tipo de personagem seja inerente à sociedade estadunidense; acho que pelo menos a carência absurda que comanda sua vida pertence a qualquer pessoa, em qualquer lugar. Mas talvez o modus operandi seja próprio das sociedades mega capitalistas e competitivas, essa coisa de influenciar e conectar as pessoas para dali tirar benefícios financeiros, o jogo de poder que o conhecimento da pessoa certa pode trazer. Apesar de um pouco longo, o filme mostra de forma contundente o enorme vazio na vida desse homem, interpretado de modo intenso e convincente por Richard Gere - e como ele transforma o "fazer pelos outros" no sentido de sua vida. Não se trata de generosidade, no sentido cristão de doar-se sem esperar recompensa; ao contrário, trata-se de criar os laços possíveis, não de afetos, mas de pontes entre as necessidades dos outros. Norman é o que se faz ponte, já que não consegue, e nunca foi capaz, de criar laços. Um filme sobre a esterilidade das relações, o uso que se faz das e entre as pessoas, e sobre a carência absoluta de um homem.
Vermelho russo. As duas atrizes que vão fazer um curso de teatro na Rússia (Moscou?) são ótimas, o plot é muito bom, porque se fala de interpretação ao mesmo tempo em que nas relações pessoais das duas vão acontecendo desgastes, rupturas, atritos normais entre pessoas que se conhecem, se gostam, mas estão vivendo uma experiência quase de exílio, num país de cultura extremamente diversa. Mas o que me comoveu mesmo, de verdade, foi o subtexto: o lugar onde elas ficam é uma espécie de hostel, ou um tipo de pousada de baixo custo, em que vivem vários velhinhos, bem como enfermeiras que cuidam deles (parece um serviço custeado pelo estado, mas não fica clara essa situação). O fato é que a velhice e uma certa nostalgia do passado dessas pessoas acabaram se tornando o filme para mim. Vi ali uma Rússia derrotada pelo capitalismo, e seu povo empobrecido, em cujas vidas o brilho vem de um lugar lá atrás, quando havia energia, frescor, vivacidade. Situação que, acredito, ocorrerá em algumas décadas no Brasil - eu, particularmente, já a vivo na velhice de extrema carência de minha mãe, que me coube suprir, por falta de outros apoios -, sobretudo se não conseguirmos reverter o golpe fascista que tomou o país de assalto e vai deixar o povo, os velhos sobretudo, de joelhos, mais pobres do que sempre foram.
Corra! Ótimo trabalho que envolve questão de raça e terror, num approach fortemente diferenciado quanto ao preconceito e ao arianismo fascista de uma parcela branca cínica da América, ou de qualquer outro lugar. Muito bem feito, só aos poucos a trama vai-se revelando em toda sua estrondosa bizarrice e crueldade. Mas a volta por cima do herói retoma um pouco aqueles filmes vermelho-sangue-serrotes, sem nunca chegar à breguice deles. Gostei muitíssimo.
Vermelho russo. As duas atrizes que vão fazer um curso de teatro na Rússia (Moscou?) são ótimas, o plot é muito bom, porque se fala de interpretação ao mesmo tempo em que nas relações pessoais das duas vão acontecendo desgastes, rupturas, atritos normais entre pessoas que se conhecem, se gostam, mas estão vivendo uma experiência quase de exílio, num país de cultura extremamente diversa. Mas o que me comoveu mesmo, de verdade, foi o subtexto: o lugar onde elas ficam é uma espécie de hostel, ou um tipo de pousada de baixo custo, em que vivem vários velhinhos, bem como enfermeiras que cuidam deles (parece um serviço custeado pelo estado, mas não fica clara essa situação). O fato é que a velhice e uma certa nostalgia do passado dessas pessoas acabaram se tornando o filme para mim. Vi ali uma Rússia derrotada pelo capitalismo, e seu povo empobrecido, em cujas vidas o brilho vem de um lugar lá atrás, quando havia energia, frescor, vivacidade. Situação que, acredito, ocorrerá em algumas décadas no Brasil - eu, particularmente, já a vivo na velhice de extrema carência de minha mãe, que me coube suprir, por falta de outros apoios -, sobretudo se não conseguirmos reverter o golpe fascista que tomou o país de assalto e vai deixar o povo, os velhos sobretudo, de joelhos, mais pobres do que sempre foram.
Corra! Ótimo trabalho que envolve questão de raça e terror, num approach fortemente diferenciado quanto ao preconceito e ao arianismo fascista de uma parcela branca cínica da América, ou de qualquer outro lugar. Muito bem feito, só aos poucos a trama vai-se revelando em toda sua estrondosa bizarrice e crueldade. Mas a volta por cima do herói retoma um pouco aqueles filmes vermelho-sangue-serrotes, sem nunca chegar à breguice deles. Gostei muitíssimo.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017
Moonlight; Eu não sou seu negro; Lion; A espera; Toni Erdmann; Insubstituível

Dir. Barry Jenkins. Com Trevante Rhodes, Mahershala Ali, Janelle Monae.
Tudo que eu tinha a dizer sobre o filme, Justin C Chang, aqui , do Los Angeles Times, diz de forma brilhante, junto com uma precisa análise do 'acontecimento' único e inédito na história do Oscar - o engano quanto ao vencedor do prêmio principal. (Foto de Robert Gauthier / Los Angeles Times).
Mas a mim impressionou o modo como o diretor trabalha para desconstruir todos os estereótipos relacionados ao amor entre dois homens, que além de serem negros, vivem em situação de pobreza, e a mãe de um deles tem uma bagagem de dependência que impõe ao jovem certos matizes de sua conduta. Por esse desenho da estrutura familiar e social dos personagens nada levaria a supor que a delicadeza no tratamento do amor fosse tão forte e, por isso, perturbadora. Nunca havia visto nada parecido - um amor quieto, tímido, delicado e incomensurável habitando o corpo de um homenzarrão cujas credenciais, já na vida adulta, nem de longe deixariam supor o que vemos. Esse filme, para mim, foi um acontecimento extraordinário de belo, de bom, de único.
Eu não sou seu negro.
Dir. Raoul Peck. Narração de Samuel L. Jackson
Uma discussão atual, forte e necessária a partir da visão que James Baldwin deixou expressa em seu livro inacabado, onde discute a história da repressão social e política dos negros estadunidenses a partir do pensamento de alguns de seus líderes fundadores: Medgar Evers, Malcolm X, Martin Luther King Jr. O diretor avança e enlaça as questões postas por Baldwin e traça um largo roteiro da opressão ao negro, mas que baliza o problema do preconceito que não tem fronteiras, nem bandeiras - tudo que aqui se diz sobre a intolerância naquele país, serve para todos nós, anywhere.
Lion
Dir. Garth Davis. Com Dev Patel, Rooney Mara, Nicole Kidman
Narra-se aqui a jornada de uma criança que se perde do irmão numa estação de trem na India, será adotada por um casal não muito jovem, e antes de entrar para a Universidade decide fazer o percurso em busca de sua origem. Gostei muito do trabalho de Dev Patel, que virou um ator com letra maiúscula nesse filme, para mim, que o conheço de alguns outros poucos, e bons. A história é ótima, bem conduzida, os personagens estão todos muito bem, mas Patel e o menino destacam-se, por expressivos e convincentes.
A espera.
Dir. Piero Messina. Com Juliette Binoche, Lou de Laâge.
Gostei muito do clima claustrofóbico desse drama, em que Juliette Binoche vive de modo contido e, por isso mesmo, exacerbado, a dor de uma mãe que perdeu o filho e recebe a visita da namorada dele, que o espera sem saber que ele não virá. A protagonista compartilha de uma forma tensa e ambígua essa ausência com a moça, e as lacunas em tudo - na casa, nas conversas, no que se diz e no que se cala - caminham de mãos dadas com a vulnerabilidade e o desalento de tão vasta perda. Um filme que me tocou forte.

Dir. Maren Ade. Com Peter Sominischek, Sandra Hüller, Machael Wittenborn.
Achei o filme muito bom, naquele seu modo estranho de apresentar um pai que ama e vive de forma excêntrica sua relação com a filha, num momento em que ele está um tanto à deriva na vida, quando vai procurá-la. Acho que é dessa deriva que ele vai aos poucos aumentando o tom de sua existência, como um som que precisa se tornar audível, e vai aumentando e com isso o ruído aparece, na forma de comportamentos bizarros, estranhos, excêntricos, mas que são extremamente humanos, no sentido de o espectador compreender, aceitar e se tornar cúmplice daqueles excessos. A vida, às vezes, precisa zumbir pra gente entender os sons todos, sua bizarrice. A filha demora a 'ouvi-lo', ou a vê-lo, ou a compreendê-lo - mas no fim, ela acerta a melodia. Só acho que se tudo tivesse sido reduzido em mais de meia hora ficaria melhor ainda.
Dir. Thomas Lilti. Com François Cluzet, Marianne Denicourt, Isabelle Sadoyan.
Lindíssima estória de um médico do interior da França, que recebe um diagnóstico de doença grave e precisa encontrar um substituto para continuar o trabalho de atendimento às pessoas, em geral, idosas e sem recursos, que são monitoradas pelos serviços da assistência social francesa. Não sei o que há de fantasioso e idealizado na composição desse personagem e, sobretudo, desse projeto de medicina pública muito ativa, humana, comprometida com o bem estar do paciente, sob uma ótica de fazer o melhor para ele, e não para os interesses públicos - mas fiquei encantada com todo esse universo e, por utópico que seja, é o que desejo para qualquer um de nós, jovens ou velhos, e vejo semelhança no que se tentou aqui, de forma muito incipiente embora, e abortada pelo golpe político de direita, com a contratação dos médicos cubanos, que preenchiam vagas de trabalho no interiorzão do país, onde nossos profissionais médicos nunca quiseram morar, ou trabalhar. Esse filme mostra uma província, com um projeto de medicina e de suporte familiar que espero um dia podermos alcançar, nem que seja daqui a um século.
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