quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Não só de pão

Nem só de pão

Da varanda do quinto andar ela viu o homem idoso, muito magro, caminhando com dificuldade, dando um passinho, bem devagar, depois outro, e parar por vários minutos, recuperando o fôlego, para tentar arrancar nova passada, lenta.

Ela já o vira antes, nesse mesmo percurso, de uma ponta a outra do quarteirão, duas calçadas compridas, cuja travessia custava ao homem uma eternidade. Na esquina da rua, ele parou, ficou um tempo em pé, segurando no poste encimado pelo nome da rua. Depois foi-se arrastando e sentou no parapeito do jardim, ofegante.

Ela olhava lá de cima, atenta, curiosa, querendo entender por que tanto esforço naquele corpo magro. Até que ele acendeu o cigarro – era para isso, para fumar escondido, todo esforço e sacrifício daqueles passos trôpegos. O corpo magro, quase esquálido, mostra que a calçada, tortuosa embora, é o espaço inescapável do prazer, e do tormento.

Fuma por um tempo, e se levanta, devagar, começando o caminho de volta. Apoia-se na parede e avança dois passos, para diante da obra no caminho, estaca e descansa longamente em pé - ele fica longamente parado no meio da calçada, equilibrando-se.

Dois garotos de uniforme vêm conversando em sua direção, brincando, e ela se angustia – se encostarem nele, apenas triscarem nele, o derrubam, e os ossos à mostra se quebrarão. Mas eles se esquivam, pressentem talvez o desastre, e seguem seu caminho. O velho passa do portão onde deveria entrar – ela sabia que ele morava ali, já o observara nesse mesmo percurso antes. 

Dessa vez ele seguiu, passos cada vez mais trôpegos, até a esquina, e parou. E ficou lá, olhando para o outro lado da rua. Ela pensou: ele quer atravessar, mas não pode – se o fizer, com suas passadas lentíssimas, será atropelado.

Ela segue a cena – ele parado, instável, hesitante, na esquina do prédio e da rua. As pessoas passam por ele, ela teme, vendo lá do alto, que alguém esbarre nele e o derrube. Ela decide descer, ver se ele quer atravessar, ajudá-lo, fazer parar os carros para que seus ossos passem. Desce, chega perto e pergunta: o senhor quer atravessar? Ele responde baixo, voz rouca, quase inaudível, mostrando uma nota de cinco reais: quatro pãezinhos, por favor, e olha em direção à padaria em frente. Ah, era isso. Ela pega o dinheiro, atravessa a rua. Está aflita, sentindo que ele deve estar no limite de suas forças, tanto tempo em pé, pode desabar a qualquer momento.

Ela compra os pães, fala com as moças da padaria sobre ele, aponta do outro lado, diz – como o deixam sair sozinho, tão frágil? A moça no caixa responde: ele sai pra fumar escondido.

Ela leva os pães, entrega a ele, pergunta coisas: qual o seu nome? – Abílio. O senhor mora sozinho? Ele, baixinho, quase inaudível – Com a nora. Pergunta onde ela mora, ela aponta o prédio, diz que o viu da varanda. Ele segura seu braço com força, caminham devagar de volta a seu portão. Antes de chegar, ele pede a sacola com os pães, diz que ali está bom, pode deixá-lo. Ela deixa, mas bate no portão e chama o porteiro: - esse senhor precisa de ajuda, ele mora aqui.