Para Egídio
Menos do que sobre a morte de uma jovem, o filme explora a questão do olhar, da fotografia como elemento formal de conhecimento do mundo - além do protagonista ser fotógrafo por profissão (vivido pelo neto do cineasta, Ricardo Trepa), ele é também um homem obsedado por capturar instantes de vida através da lente, e quando ele fotografa o corpo inerte de uma jovem morta, durante a sessão de fotos ela abre os olhos e sorri para ele. A partir daí sua alma esvai-se, ele não tem mais domínio sobre si, nem sobre a realidade que o circunda - o que, afinal, caracteriza um dos estágios agudos da paixão.
Apaixonado pela figura bela e plácida que ele retrata, sua vida foge a seu controle, e apenas fotografar pode trazê-lo ao chão da vida: as fotos que faz dos homens trabalhando a terra resumem alguns temas primordiais aqui: fotografias realistas ao extremo, e belíssimas, assemellham-se a quadros da pintura clássica; a adesão irrestrita aos valores vigorosos de uma certa tradição do trabalho manual, do trabalho com a terra; a escuta dos cantos de trabalho, uma tradição rural que se apaga mais e mais com a velocidade das mudanças contemporâneas, e que Oliveira põe-nos a ouvir, em sintonia com uma paisagem deslumbrante das terras, das colinas, das árvores, dos casarões antigos (a igreja, a casa de chão rangente, martelando os passos dos vivos, onde habita a morta; a pensão, cujos aposentos ecoam ruídos estranhos durante a noite).
E há as conversas entre os hóspedes da pensão, conversas que beiram o non sense a princípio, mas que vão revelando uma ligação com o aspecto surreal que tomou a paixão do fotógrafo: a par dos voos noturnos do protagonista com sua amada, realizados em estado de transe hipnótico, os homens ao redor da mesa e a mulher brasileira, uma engenheira emérita vivida por Ana Maria Magalhães, entretêm uma dessas conversas estranhas, mas que, de algum modo, explica a um Isaac confuso e à beira da exaustão, a possibilidade quase real de haver um sentido para suas viagens noturnas com o, talvez, ectoplasma de sua amada morta. Ele ouve tudo de pé, afastado do grupo de hóspedes, como será sua postura em relação a eles todo o tempo - estranho ao cotidiano da casa, de certo modo estrangeiro ao mundo contemporâneo, de que se afastará mais e mais.
Um filme estranho, belo e difícil para o olhar acostumado à velocidade dos tempos atuais. Mas que nos deixa pregados diante da tela, imersos num mundo onde a beleza caminha de um modo original, e intransigentemente pessoal.