Hoje foi uma tarde muito boa. Fui com Antonio ao CCBB ver a exposição Elles, de que gostei de algumas obras. Depois andamos por ali e eu o convenci a almoçar uma feijoada ótima, num lugar supimpa também - adorei. Mais tarde fomos ao Arteplex, onde vimos um filme assim assim.
Sobre a exposição, um moço veio me avisar que não podia fotografar, falando muitas bobagens, mas já tinha feito essas fotos aí embaixo, que bom. Gostei de ter visto logo de início algumas fotografias que compõem o trabalho de Sophie Calle, de que já falei aqui , mas a impressão que me deu, mesmo com o texto explicativo exposto na entrada da sala, é que o tipo de arte que ela faz precisa expor-se num contexto mais amplo, para render toda a graça e originalidade de que se compõe - é o conjunto, que se move por uma mecânica bem obsessiva, que faz dele o que ele é.
O quadro da Frida Kahlo que vi é bem pequeno, tive a mesma decepção que a maioria das pessoas parece ter tido ao ficar frente a frente com a Mona Lisa - dizem que seu tamanho decepciona (só o tamanho, claro, mas eu nunca a vi). No caso desse trabalho da Kahlo, tamanho e forma não me inquietaram em nada, há muitos outros trabalhos seus mais fortes e impactantes, que eu gostaria de conhecer.
Fiquei meio indiferente a grande parte das pinturas, salvo algumas poucas, como essa aí embaixo, de cuja autora (sinto muito) não anotei o nome (péssimo, eu sei). Os vídeos... bem, vi umas coisas estranhíssimas - por exemplo, uma sala com uma tela onde passava um filme composto de algumas linhas que iam e vinham, indefinidamente - mais chato impossível (um senhor que saía quando entramos disse: esse é para dormir. Concordei). Vi depois um vídeo erótico, ou talvez pornô, não sei: vários casais fazendo sexo, um casal a cada vez, num espaço teoricamente voltado para expor obras de arte, como se dá com a exposição - é o quê, erótico ou pornô? Eu chamo aquele que vi de erótico-pornô, mas não vou discutir sobre a diferença entre eles, porque a cobra desse imbroglio sempre engole seu rabo (sem trocadilhos).
Houve um trabalho de que gostei muito, um projeto que misturava vídeo-imagem e literatura, em que só reparei depois de ler os textos, a partir dos quais as imagens fizeram sentido, porque aconteceu de eu ver primeiro os filminhos em telas gigantes - um sobre o Ibirapuera, onde encontramos um rapaz de São Paulo com quem engatamos um papo bem agradável; um que mostrava a praça Paris, na Glória; e um outro que mostrava um espaço amplo em Taipei. Eu passei meio batida pelas telas, até que cheguei aos textos, daí fiz o movimento em sentido contrário, mas foi perfeito porque depois de ler esses poemas, voltei e fiquei muito tempo olhando tudo de novo, e então tudo fez um sentido intenso, diferente, outro. Foi uma experiência nova para mim, e a melhor de toda a exposição. De todo modo, aqui vão algumas fotos, inclusive da Casa França Brasil, que eu vergonhosamente não conhecia, por negligência.
sábado, 25 de maio de 2013
Dois : Elena; Terapia de risco
I don't buy it - foi o que pensei ao fim da exibição do filme Elena (Petra Costa), a despeito dos esforços poéticos no terço final, onde se vêem belas imagens de figuras femininas boiando na água. Para mim, ficou uma experiência pessoal demais, uma história muito particular da neura de uma irmã que comete suicídio sem que eu tenha visto uma razão que me tocasse, que me dissesse respeito, a não ser o fato, também muito pessoal, de que a cidade de Nova Iorque pode talvez desorganizar emocionalmente um ser que já está fragilizado, por ter eu mesma vivido uma experiência de desconcerto nos poucos dias que lá passei. O fato é que as cenas finais, de um lirismo explícito, me pareceram uma espécie de exercício poético, e mesmo acadêmico, para 'épater' a audiência e tornar o filme bonito, para emocionar mesmo. O que achei mais interessante, em termos de 'verdade documental' foi a presença da mãe, seu modo de ver a coisa toda, sua personalidade meio fugidia e aérea, sua beleza e verdade ao narrar os sentimentos, as ações da filha. Mas não foi suficiente. O filme me pareceu uma colcha de algumas belas imagens, sem força nas costuras, nem no conjunto das cenas.
Já Terapia de risco (Steven Soderbergh) traz uma história um tanto confusa, que vai se transformando ao longo da fita, mas continuei achando bem interessante todo o tempo, sobretudo porque tem um bonito Channing Tatum vivendo o marido da protagonista, que passa pouco tempo na tela; um Jude Law muito, muito bom; uma excelente Rooney Mara, que revejo pela primeira vez depois do brilhante Os homens que não amavam as mulheres, e a Catherine Zeta-Jones, convincente. A história é meio maluca, de um assassinato e um golpe que a personagem de Mara dá no psiquiatra vivido por Law, mas que na verdade esconde um astucioso plano para ganhar milhões da indústria farmacêutica, misturada ao colapso financeiro de 2009, enfim, várias vertentes que acabam encontrando-se numa espécie de policial com final bacana. Gostei da Mara, que está com visual diferentíssimo do filme anterior, com jeito de mulherona, e linda, e fiquei me perguntando onde estava essa mulher naquela outra, e gostei sobretudo da atuação de Jude Law, com nuances e forças expressivas.
Já Terapia de risco (Steven Soderbergh) traz uma história um tanto confusa, que vai se transformando ao longo da fita, mas continuei achando bem interessante todo o tempo, sobretudo porque tem um bonito Channing Tatum vivendo o marido da protagonista, que passa pouco tempo na tela; um Jude Law muito, muito bom; uma excelente Rooney Mara, que revejo pela primeira vez depois do brilhante Os homens que não amavam as mulheres, e a Catherine Zeta-Jones, convincente. A história é meio maluca, de um assassinato e um golpe que a personagem de Mara dá no psiquiatra vivido por Law, mas que na verdade esconde um astucioso plano para ganhar milhões da indústria farmacêutica, misturada ao colapso financeiro de 2009, enfim, várias vertentes que acabam encontrando-se numa espécie de policial com final bacana. Gostei da Mara, que está com visual diferentíssimo do filme anterior, com jeito de mulherona, e linda, e fiquei me perguntando onde estava essa mulher naquela outra, e gostei sobretudo da atuação de Jude Law, com nuances e forças expressivas.
sexta-feira, 10 de maio de 2013
Varilux 2013: Prenda-me; Adeus, minha rainha; A datilógrafa
Começa aí um tour de force entre ela, em seu desejo implacável de ser presa por ter empurrado do parapeito da varanda o marido violento, espancador, sádico, que a violentou ao longo desses dez anos, e a policial vivida por Miou-Miou, que se recusa a aceitar a culpa e a prisão dessa mulher. Como se não bastasse, o filho vai crescendo sem o pai e vai-se tornando ele também um sádico, espalhando ano após ano retratos do homem ausente pela casa, até cobrir quase todo o espaço com a memória - eu diria - do mal.
Fiquei muito irritada a maior parte do tempo, sem paciência com aquela determinação e sem entender por que uma pessoa fica tão doente, mas tão doente que aceita passivamente ser espancada e ainda por cima conviver por longos anos com uma culpa indevida, porque ela não matou o marido, já que, primeiro, apenas encostou no infeliz e ele caiu quase sozinho, porque estava bêbado; segundo, foi legítima defesa, porque o monstro a estava espancando. Então, torcia pra que a policial vencesse aquela arengação de uma vez por todas. E ela vence, finalmente.
A mulher sai já de manhã, derrotada, mas livre. Só que de repente a policial aparece à porta da delegacia e diz a frase fatal: que pode fazer o boletim de ocorrência com data de ontem, antes da prescrição do crime, que ela pode ser presa ainda, se quiser. A mulher volta, é presa e na cena seguinte e última ela está atrás das grades tendo uma conversa muito importante e esclarecedora com o filho. Nessa conversa entendemos por que ela queria tanto ser presa. Ela realmente precisava desse ato libertador - por paradoxal que seja - porque foi o único pela qual assumiu inteira responsabilidade: ter matado o marido deu sentido aos anos todos de tortura a que fora submetida - ela havia feito alguma coisa a respeito: ela o havia matado. Pena que somente na cena final o espectador sinta-se, finalmente, livre daquele peso.
O filme vai pontuando muito mais os esforços da rainha para proteger sua amada e as nuances do devotamento de sua serva, que culmina com a fuga do país disfarçada com as roupas da amante de Antonieta, Gabrielle. Ao reconhecer-se longe daquela a quem serviu com desvelo e amor, Sidonie vê-se sem identidade, sem saber quem é a partir de então. Achei meio excessivo no tempo, mas interessante.
A comédia versa sobre uma secretária meio desastrada, excelente datilógrafa, muito rápida nos teclados, que se apaixona pelo jovem patrão, um esportista fracassado, que decide treiná-la para ser campeã mundial do concurso de datilografia (sim, isso existia, e talvez exista ainda na terra das competições). Ela vai vencendo as etapas até chegar à final nos EUA. Ele será convencido de que com amor ela não terá a dureza necessária para ganhar o campeonato, e parte. Ela continuará sozinha sua maratona. No final... bom, o óbvio acontece, claro.
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Talvez não caiba aqui uma sessão nostalgia, mas reconheço inteiramente aquela moça, sou de um tempo em que uma menina pobre aprendia, ao invés do tricô e crochê do tempo da mãe, a datilografia e a estenografia, instrumentos necessários para tentar entrar no mercado de trabalho. Fiz ambos os cursos, embora nunca tenha conseguido usar os caracteres estenográficos. Mas foi o inglês do Ibeu (com bolsa) o fundamental para meu futuro profissional .Ah, e também fiz tricô bem, e bordei. O filme me fez habitar esse espaço da memória por algum tempo - breve como poeira leve.
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Talvez não caiba aqui uma sessão nostalgia, mas reconheço inteiramente aquela moça, sou de um tempo em que uma menina pobre aprendia, ao invés do tricô e crochê do tempo da mãe, a datilografia e a estenografia, instrumentos necessários para tentar entrar no mercado de trabalho. Fiz ambos os cursos, embora nunca tenha conseguido usar os caracteres estenográficos. Mas foi o inglês do Ibeu (com bolsa) o fundamental para meu futuro profissional .Ah, e também fiz tricô bem, e bordei. O filme me fez habitar esse espaço da memória por algum tempo - breve como poeira leve.
quarta-feira, 8 de maio de 2013
Varilux 2013: Aconteceu em Saint-Tropez; Pedalando com Molière
Hoje vi Aconteceu em Saint-Tropez (Danièle Thompson) e Pedalando com Molière (Philippe Le Guay). O segundo acho que chega perto de uma obra-prima, não sei.
O primeiro é uma delícia de 'comédia de erros', imbroglios mil acontecem entre os membros de uma família, cujos 'personagens' são muito peculiares: dois irmãos, com suas mulheres e filhas, opostos um do outro em temperamentos e profissões; duas primas, filhas deles, que se amam como irmãs; a mulher do empresário de diamantes, vivida pela linda e ótima Monica Belluci; a mulher do músico erudito (Kad Merad), que morre logo no início da trama atropelada quando vai comprar um sanduíche de pastrami para o marido, ao final de um concerto. Essa morte ocasiona uma série de desdobramentos na história, quase todos tragicômicos. Por exemplo, o cadáver, por uma série de acontecimentos engraçados, será velado na casa do irmão rico (Eric Elmonisno, muito bom) onde está também acontecendo o casamento da filha dele. Há muitos fios unindo essa família de loucos engraçadíssimos, sobretudo o avô meio senil (Ivry Gitlis), meio escrachado que, como quase todos os velhos experientes, tem noção de que os filhos já o vêem morto a qualquer hora. O final é muito bonitinho, mas totalmente improvável, mesmo numa família daquele calibre, dadas as humanas condições ainda vigentes.
O segundo é basicamente um tour de force esplêndido entre dois atores magistrais: Fabrice Luchini e Lambert Wilson, cujo mote será a encenação da peça O misantropo, de Molière.
Luchini faz um ator, Serge Tanneur, que se retirou do mundo teatral, decepcionado com sua falsidade e hipocrisia, e exilou-se numa pequena cidade da França, Île de Ré, chuvosa e fria na ocasião. Ele será visitado pelo antigo amigo Gauthier, um famoso ator de seriado televisivo, aclamado pelo público e reconhecido por onde vai. Ele visita o antigo colega e o convida para encenar com ele a peça de Molière. Todo (ou quase todo) o filme será então o ensaio feito por esse dois atores, ao longo de cinco dias, ao fim dos quais Tanneur decidirá se volta ou não aos palcos.
O que me pareceu espantosamente bom, ao longo de quase duas horas de filme, foi o entrosamenteo entre os dois atores, a destreza com que eles falam "os versos" da peça de Molière, bem como a vivacidade com que a realidade de cada um vai preenchendo as falas de seus personagehs, sejam eles Alceste ou Philinte (cujos papeis revezam), ou melhor, como cada personagem vai-se infiltrando na postura de cada um deles.
Há uma espécie de guerra entre os dois, não apenas de egos, mas de talentos - tanto no palco do teatro que fingem, quanto no 'palco' da tela. Ao final - li que o Lambert Wilson não gostou do desfecho escolhido - fica-se sem saber se o personagem de Luchini incorporou de vez o misantropo da peça que ensaiava, ou se o ensaio serviu para que o misantropo que ele efetivamente era fizesse afinal sua morada definitiva naquele ser. Acho viáveis as duas possibilidades. Mesmo vê-lo encarando o horizonte sem fim, numa praia deserta de gente ou de bicho, e recitando seu ódio à humanidade, deixa no espectador um gosto de: bem feito, quem mandou ser tão maldoso? Ou: Nossa, ninguém nunca foi tão só no mundo.
Luchini faz um ator, Serge Tanneur, que se retirou do mundo teatral, decepcionado com sua falsidade e hipocrisia, e exilou-se numa pequena cidade da França, Île de Ré, chuvosa e fria na ocasião. Ele será visitado pelo antigo amigo Gauthier, um famoso ator de seriado televisivo, aclamado pelo público e reconhecido por onde vai. Ele visita o antigo colega e o convida para encenar com ele a peça de Molière. Todo (ou quase todo) o filme será então o ensaio feito por esse dois atores, ao longo de cinco dias, ao fim dos quais Tanneur decidirá se volta ou não aos palcos.
O que me pareceu espantosamente bom, ao longo de quase duas horas de filme, foi o entrosamenteo entre os dois atores, a destreza com que eles falam "os versos" da peça de Molière, bem como a vivacidade com que a realidade de cada um vai preenchendo as falas de seus personagehs, sejam eles Alceste ou Philinte (cujos papeis revezam), ou melhor, como cada personagem vai-se infiltrando na postura de cada um deles.
Há uma espécie de guerra entre os dois, não apenas de egos, mas de talentos - tanto no palco do teatro que fingem, quanto no 'palco' da tela. Ao final - li que o Lambert Wilson não gostou do desfecho escolhido - fica-se sem saber se o personagem de Luchini incorporou de vez o misantropo da peça que ensaiava, ou se o ensaio serviu para que o misantropo que ele efetivamente era fizesse afinal sua morada definitiva naquele ser. Acho viáveis as duas possibilidades. Mesmo vê-lo encarando o horizonte sem fim, numa praia deserta de gente ou de bicho, e recitando seu ódio à humanidade, deixa no espectador um gosto de: bem feito, quem mandou ser tão maldoso? Ou: Nossa, ninguém nunca foi tão só no mundo.
Varilux 2013: Além do arco-íris; Uma dama em Paris
Mais dois filmes ótimos vistos ontem - Além do arco-íris (Agnès Jaoul) e Uma dama em Paris (Ilmar Raag).
O primeiro é uma história que retoma o conto de fadas às avessas. Dirigida pela mesma atriz que faz a mãe de uma das meninas em Feito gente grande, Agnès Jaoul, que também trabalha no filme como uma atriz que produz peças infantis, usando em seu trabalho a varinha mágica dos contos maravilhosos que, de algum modo, fará a narrativa funcionar.
Na trama, uma jovem apaixona-se à primeira vista por um jovem músico, cujo pai trata-o com frieza e distância, é muito racional e a quem uma cartomante há anos previra a morte para muito em breve. Há também um crítico de arte, muito rigoroso e respeitado, que um dia vem a conhecer o jovem músico e aprecia muito suas composições, sugerindo que o grande Horowitz poderá tocar seu último concerto. Esse mesmo crítico vem a conhecer a jovem apaixonada pelo músico, numa situação em que ela está perdida em uma bifurcação da floresta e ele sugere-lhe um desafio sobre o caminho a tomar, dependendo de ela ser pragmática ou romântica. O filme, então, aproxima todos esses personagens por algum viés, seja ele do amor, do trabalho, da descoberta, da solidariedade ou do medo. Ao final, o que parecia ser de um jeito, acaba se transformando em outra coisa. Muito interessante, sobretudo a dureza com que a mocinha acaba descobrindo que o caminho romântico desejado não corresponde exatamente à realidade, conforme o tapa que recebe do ex-amante pra acordar de um porre. O filme segura o espectador em todas as situações, e a Jaoul sobressai em cena por conta da intensidade do olhar, sobretudo, e da rapidez na expressão verbal - certos tiques de linguagem permanecem conosco ainda depois (não sei repetir porque são sons, não palavras, ou parecem).
Uma dama em Paris seria talvez o menos dinâmico do conjunto, acho que porque as ações basicamente acontecem dentro do apartamento onde mora Frida, a estoniana que vive há muitos anos em Paris e parece ter tido uma vida cheia de aventuras e liberdade sexual, razão por que seus compatriotas próximos a detestam. Hoje ela é uma mulher idosa muito solitária, muito enfezada e muito rebelde, que se recusa a aceitar ajuda da cuidadora, chamada pelo ex-amante porque ela já tentara se matar. O papel é vivido por uma decadente e perfeita Jeanne Moreau. Perfeita porque o papel é mesmo o de uma mulher que já foi muito livre e encontra-se hoje em decadência física, embora brigando contra isso. A Moreau segura o papel, com seu talento e aquelas roupas lindas e elegantes, mas conta muito também a atriz Laine Mäge, que faz a cuidadora, muito boa. Ela também tem a função de flanar por Paris e assim nos mostrar alguns encantos da cidade - mas não há um olhar turístico nela, há o olhar de quem veio para ficar, ou seja, é comedido, não é deslumbrado. No final, a velha dama tem a atitude mais acertada para todos, e resume uma das facetas mais interessantes não apenas de sua personalidade - a liberdade -, mas igualmente um dos traços culturais com que são identificados os franceses: não há como ser fiel ou monogâmico no amor.
Na trama, uma jovem apaixona-se à primeira vista por um jovem músico, cujo pai trata-o com frieza e distância, é muito racional e a quem uma cartomante há anos previra a morte para muito em breve. Há também um crítico de arte, muito rigoroso e respeitado, que um dia vem a conhecer o jovem músico e aprecia muito suas composições, sugerindo que o grande Horowitz poderá tocar seu último concerto. Esse mesmo crítico vem a conhecer a jovem apaixonada pelo músico, numa situação em que ela está perdida em uma bifurcação da floresta e ele sugere-lhe um desafio sobre o caminho a tomar, dependendo de ela ser pragmática ou romântica. O filme, então, aproxima todos esses personagens por algum viés, seja ele do amor, do trabalho, da descoberta, da solidariedade ou do medo. Ao final, o que parecia ser de um jeito, acaba se transformando em outra coisa. Muito interessante, sobretudo a dureza com que a mocinha acaba descobrindo que o caminho romântico desejado não corresponde exatamente à realidade, conforme o tapa que recebe do ex-amante pra acordar de um porre. O filme segura o espectador em todas as situações, e a Jaoul sobressai em cena por conta da intensidade do olhar, sobretudo, e da rapidez na expressão verbal - certos tiques de linguagem permanecem conosco ainda depois (não sei repetir porque são sons, não palavras, ou parecem).
segunda-feira, 6 de maio de 2013
Varilux 2013: Camille Claudel 1915; Anos incríveis; Os sabores do palácio; Feito gente grande
Nem percebi e já estamos de novo compartilhando filmes ótimos nesse Festival. Gosto de ouvir a língua francesa, de observar como essa cultura tem aspectos interessantes, insights bem diferentes das mega produções com recursos tecnológicos de última geração, a que estamos acostumados no cinemão - de que gosto também, diga-se de passagem. Mas é bom poder partilhar esse outro universo mental, cheio de delicadezas e de outras energias. Há senões também, claro, e pelo menos dois filmes franceses recentes, do Festival ou não, me irritaram um pouco por seu viés meio excessivo no culto às divas - ou assim compreendi.
Vi quatro filmes até agora. O primeiro, Camille Claudel 1915, já comentei aí embaixo.
Anos incríveis (Michel Leclerc) é uma comédia divertida sobre um grupo de amigos anarquistas que cria um canal de TV com fins revolucionários. A graça do filme está na tarefa quixotesca desses jovens meio radicais, meio à margem, de vencer o sistema a partir de esquetes quase mambembes, e nas tentativas de furar o bloqueio do principal canal aberto. Tudo é um tanto gauche, esmolambado, mas o humor está exatamente nesse descompasso entre as regras vigentes da cultura de massa e a enorme pretensão, tão própria aos jovens, de mudar tudo com tão poucos recursos. Emmanuelle Béart faz uma apresentadora daquele tipo de programa apelativo e sensacionalista, e parece mesmo fisicamente decadente, combinando à perfeição com seu personagem.
Já Os sabores do palácio (Christian Vincent), com Catherine Frot vivendo uma cozinheira cheia de charme, vigor e personalidade, traz vários presentes ao espectador, todos relacionados ao preparo com esmero de pratos arrasadores - sim, a horas tantas parece até covardia, e claro que dá vontade de comer todas aquelas maravilhas, produzidas pela talentosa artista. Acho que há um pequeno parentesco com A festa de Babette, nesse lugar único em que a cultura francesa se diferencia, ou seja, na reverência absoluta com que compreende e atualiza a gastronomia como forma de arte. E também uma sutil notação sobre as consequências dessa cozinha para os mortais corpos que não estejam em ótimo estado: os médicos impõem restrições aos alimentos que o Presidente poderá consumir a partir de um certo momento. E assim, há também curvas na estrada de Hortense, não é um filme polarizado apenas na cozinha, embora ela seja seu foco e seu dínamo. As razões pelas quais ela está agora, no tempo presente, cozinhando prum bando de marmanjos numa estação gélida da Antártica vai-se revelando aos poucos, enquanto conhecemos sua interessante história, apresentada em flash back.
Feito gente grande (Carine Tardieu), com Agnès Jaoul, Denis Podalydès, Isabelle Carré é um filmaço com duas crianças estupendas, não apenas duas atrizes ótimas, mas duas personagens inesquecíveis. O filme é delicado e belo, ao mesmo tempo que as duas meninas arrasam com seu humor um tanto escatológico. Há solidão, alegrias, fantasmas difíceis de lidar, incompreensões, sofrimentos - é como se o diretor filmasse abaixado, na mesma altura das meninas, olhando com elas os sentimentos mais fortes, os baques, as faltas, as dúvidas, a presença constante da morte, sempre na perspectiva delas, com sua imprecisão, mas também com sua energia enorme em direção inelutável à vida - sempre mais vida, mesmo quando a grande dama passa entre elas. É muito bonito, muito terno, muito alegre e triste também. Ou seja, um ótimo filme, e ainda tem a Isabella Rossellini fazendo uma terapeuta na medida perfeita. Bom demais.
Vi quatro filmes até agora. O primeiro, Camille Claudel 1915, já comentei aí embaixo.
sábado, 4 de maio de 2013
Camille Claudel 1915
O filme é decepcionante porque transformou a vida de uma artista inquieta, intensa, forte, dramática, talentosa em um único momento de um único ano dessa vida, expondo basicamente o dia a dia de um manicômio e seus habitantes, talvez para enfatizar a crueldade dos que impuseram aquele mundo à artista. Eu esperava mais. Esperava que o filme discutisse, nem que fosse em flashbacks, as grandes questões que imprimiram intensidade à vida da protagonista - dela, com certeza, se pode dizer que 'sua vida daria um romance', quiçá um filme menos monocromático. Nem mesmo o irmão, o poeta Paul Claudel, vivido por um inexpressivo Jean-Luc Vincent, deixa de ser figurado como um quase beato, impassível diante da dor da irmã. Teria sido necessário aglutinar os outros personagens que fizeram da história de Camille esse beco sem saída, de modo que o espectador compreendesse melhor por que ela foi encarcerada; que papel teve Rodin em seu martírio; de que modo os dois artistas autofagicamente se engalfinharam; sob que condições a mãe, a família, enfim, pode infligir tão cruel castigo à filha. Enfim, sempre houve, e haverá, perguntas demais em torno da vida de Camille - não será esse o filme que vai discuti-las, ou mesmo expô-las.
Como se apresenta, penso que a história serve basicamente à expressão de uma atriz, é um solo de Juliette Binoche, um filme para ela, e não um filme para ou sobre a vida de Camille. Pena. Vendo essa versão, continuo achando mais fiel e interessante o drama Camille Claudel (Bruno Nuytten, 1988), com uma Adjani belíssima e trágica, um Depardieu intenso como Rodin, enfim os personagens que viveram em torno da vida da artista e imprimiram sua marca numa das mulheres mais interessantes e talentosas da passagem do século dezenove para o vinte (1864-1943), cujo enigma se mantém ainda vivo e nos interessa até hoje.
quarta-feira, 1 de maio de 2013
Dez: A visitante francesa; Vai que dá certo; Oblivion; Chamada de emergência; Ginger e Rosa; Bárbara; 2 dias em Nova Iorque; Um bom partido; O abismo prateado
Tentei de várias formas consertar o layout desse post, mas não consigo, tudo volta a ficar assim, acho que teria de re-escrever tudo para endireitá-lo. Então, considero que ele escolheu sua própria forma, e espero que essa forma não seja para todos os outros. Siga assim, então, ao menos se pode ler. Sorry, folks.
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O quarteto (Dustin
Hoffman) pertence à rara (embora cada vez menos raro, ainda bem) categoria de
filmes sobre as atribulações nas vidas de pessoas idosas. Seria mesmo um
desperdício deixar de assistir na tela, no teatro ou onde quer que seja a essa
extraordinária Maggie Smith que, praticamente por ela mesma, já vale o filme.
Mas há um ótimo time batendo bola com ela (Tom Courtenay, Billy Connolly,
Pauline Collins, Michael Gambon) e o filme torna-se uma diversão de altíssimo
nível.
A
visitante francesa (Hong Sang-soo), com Isabelle
Huppert, é uma coisa assim, como direi - chatinha? Pois a volta dela em
situações diferentes mostra seu talento, sim, mas não conseguiu me interessar a
ponto de não ficar irritada com tanto vaivém. No final, só torcia pra não ter
mais uma historinha a ser contada, com ou sem o talento da Huppert. Acho que
ela é ótima, mas esse tipo de exercício de interpretação me pareceu um tanto
vaidoso demais.
Vai que
dá certo (Maurício Farias), com Danton Mello,
Lucio Mauro Filho. A gente ri, sim, mas tem um pouco de vergonha desse riso.
Não queria bancar a politicamente correta, mas a leveza com que os guapos
rapazes cometem as infrações e acham uma graça enorme de tudo; o modo
sorrateiro como eles acreditam que o que fizeram não terá consequências e o
final assim meio fingidamente surpreso com a retomada das funções equívocas,
tudo muito naturalizado, tudo bacana - não sei não, achei um tanto frouxo em
tudo, meio esquisito e não sei explicar direito exatamento onde, ou por quê.
Oblivion (Joseph Kosinski), com Tom Cruise, Olga Kurylenko et alii.
Cumpre tudo que promete, mas que é um tantinho confuso, é. E aquele final
absolutamente convencional e piegas, ninguém merece. Mas dá pra assistir até o
fim sem dormir.
Chamada
de emergência (Brad Anderson), com Halle
Berry, Abigail Breslin. Gostei, a Halle está ótima, a moça que era a miss
Sunshine também colabora, e a tensão segura o espectador o tempo todo. Só tenho
restrição à cena final - acho que estou ficando uma senhora moralista, oh
céus.
Ginger e Rosa (Sally Potter), com Elle Fanning,
Alice Englert , além de uma Annette Bening envelhecida e ótima. Fui ver
instigada pela década de sessenta, mas o que se vê é menos uma imersão nessa
época do que uma investigação sobre as dificuldades de uma jovem diante não
apenas do mundo exterior, com a ameaça de hecatombe pela bomba atômica, mas
também de suas próprias divisões e esfacelamentos face às questões da vida em
geral - amizade, família, sociedade, tudo um pouco desmorona em torno dela, que
vai sucumbindo junto. É um filme bonito e triste, vale a pena ser visto.
Bárbara (Christian Petzold) com Nina Hoss, Ronald Zehrfeld. Já vi há
algum tempo, mas lembro da intensidade dessa atriz, Nina Ross, e lembro de que gostei
desse filme cheio de mistérios, suspenses, segredos, coisas inquietantes
acontecendo até tudo ser esclarecido, destinos mudados e finais imprevistos.
Ela, a atriz, é dona completa do filme, e faz um senhor trabalho.
2 dias em
Nova Iorque (Julie Delpy). Julie Delpy,
Chris Rock. A gente ri um pouco, mas as piadas são meio infames. O lugar comum
impera, e nem Chris Rock querendo ser sério, ou a Delpy fazendo-se de francesa
(que ela efetivamente é), misturado àquele humor geral meio grotesco, junto com
as conversas horrorosas do Chris com a imagem do Barack Obama, enfim é tudo
muito esquisito e estapafúrdio, um tanto over e quase nada se salva.
Um bom
partido (Gabriele Muccino). Gerard
Butler, Uma Thurman, Catherine Zeta-Jones, Jessica Biel. Ele - Gerald Butler -
até que está um gato com aquelas rugas e cabelo meio dourado ondulado, mas essa
penca de atrizes lindas, poderosas e talentosas fazendo personagens que só vêem
a sua frente uma transa com o treinador George é um pouco excessivo até para o
Butler. De resto, a Biel faz a contento a mocinha que se separa do marido
perdedor, mas continua uma apaixonada enrustida por ele, embora esteja numa
relação de três anos com um sujeito aparentemente centrado, organizado e o
oposto do ex, como se poderia esperar. Tudo previsível, mesmo o final que parecia
ser um, e continuou sendo o previsto pelo lugar comum - família unida jamais
será vencida.
O abismo prateado (Karim Anouïz). Alessandra Negrini, Thiago Martins, Otto Jr. Acho que o povo na faixa dos trinta vai gostar do filme. Eu confesso pouca paciência para esse tipo de temática - o abandono do marido comunicado à mulher por uma mensagem telefônica - mesmo reconhecendo que a Alessandra Negrini faz um ótimo trabalho - e olha que ela não sai de cena quanse nunca, faz a sofrida e confusa e perdida com muita competência. Mas não me vi atraída pela história, pelo filme ou pelo modo de olhar a situação do Anouiz aqui, embora goste muito do trabalho dele. Talvez seja mesmo só um hiato geracional e o filme seja melhor do que meus olhos puderam ver.
Mais uma observação: há uma cena da Negrini numa boate, dançando catártica e loucamente, que achei bonita - é forte, tudo que ela está vivendo está ali, naquele momento, sendo exorcizado. E a menina que faz a filha do Thiago Martins - ambos meio à deriva na história e na vida (deles e de Violeta), é uma graça de atriz. Vasculhei a rede em busca do nome dela e não encontrei em lugar algum. Ela está na foto acima, ao lado do pai. E aqui:

Mais uma observação: há uma cena da Negrini numa boate, dançando catártica e loucamente, que achei bonita - é forte, tudo que ela está vivendo está ali, naquele momento, sendo exorcizado. E a menina que faz a filha do Thiago Martins - ambos meio à deriva na história e na vida (deles e de Violeta), é uma graça de atriz. Vasculhei a rede em busca do nome dela e não encontrei em lugar algum. Ela está na foto acima, ao lado do pai. E aqui:

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