sábado, 29 de dezembro de 2012

No. Si.

O que eu mais gostei em No, com Garcia Bernal, foi vê-lo atuando lindamente, mas foi sobretudo a visão sobre a História e a ditadura de Pinochet, tão aterrorizante quanto a nossa, ou mais, acho que pior que a  nossa, se se pode dizer que uma ditadura é menos ruim que outra. Ficou uma vontade de conhecer melhor a história real daquele trabalho publicitário, até onde ele foi mesmo importante para a queda do ditador chileno, ou se as condições de sua saída foram impostas pelo imperialismo estadunidense, como parece ter sido o caso - lá e cá.

Também gostei muito do olhar renovado do jovem, que não embarca no discurso realista mas já retrógrado dos -istas do momento (comunistas, socialistas) quanto ao modo de fazer a campanha: mais denúncias, mais depoimentos, ou mais olhar pro futuro, mais o que se quer - a alegria, por supuesto. Me lembrou a volta de nossos exilados, a tanguinha do Gabeira, os baianos, toda uma efervescência que a pós ditadura trouxe para o país. O que não quer dizer que tenha esquecido, mesmo não tendo sofrido na pele nenhuma violência: vinte anos da minha vida foram vividos sob um regime de exceção. Mas também muitas histórias de cumplicidade, sobretudo com Maritza Portela, minha guru das esquerdas, que iluminou nossa imensa ignorância sobre a miscelânea de tendências em que se desdobrava a esquerda de então, que ainda vigora nas várias e confusas vertentes que compõem o que sobrou do PT. Maritza já está em outra dimensão, mas às vezes a vejo sorrindo pra mim, aqui e ali, o que me deixa muito feliz.

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Indo para Vitória amanhã passar o final de ano longe - de tudo, e principalmente do Rio, cada vez mais irritante. Ficar em hotel com ar direto, se eu quiser, sem problemas pra pagar a conta de luz depois, como fico aqui (pago contas de três casas - claro que vou falir esse mês). De todo modo, cada vez mais me convenço de que não quero ficar aqui, quero morar numa cidade menor, mais provinciana, embora com atendimento médico decente, e perto daqui, porque aqui ainda estão todos os (poucos) amigos e o que resta da família.

Acho que o Rio já deu para mim, e essa coisa de cidade-maravilha tem um tanto de propaganda enganosa - esse sol escaldante, os serviços (quaisquer serviços) péssimos e caríssimos, o atendimento à saúde no lixo (público, claro, mas o privado também, a não ser que se tenha um plano em nível de alto executivo), as escolas idem, salvo as muito caras. Acho que a cidade é boa pra visitar, pras celebridades e pseudo-celebridades, pra cultura em geral e quem pode pagar por ela, e pra torrar ao sol nas praias, onde um coco custa cinco reais, fora cadeira, guarda-sol etc. Então, até a praia ficou cara nessas plagas. Talvez Vitória pudesse ser uma alternativa, curto muito seu jeito simples de cidade pequena. O único e forte senão: as salas de cinema são poucas, e ficam em shoppings, argh. Mas eu quero a província, sim.

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Gostei muito de ter lido e terminado - o que está se tornando um tour de force atualmente - o livro do Amós Oz, O mesmo mar. Minha impressão é que ele não conseguia parar de escrever porque estava praticando um tipo de escrita muito livre, fazendo exercícios de liberdade, com maestria e talento. Alguns núcleos narrativos expandidos, que se encontravam aqui e ali, num regime imagético e formal de poema, longos poemas em prosa - e poemas porque ele trabalhou todo o tempo em versos - livres, mas versos, poucos trechos em prosa corrida. Difícil não gostar do universo que ele cria, difícil não sublinhar quase tudo. Muito talento esse homem tem para inventar e para organizar sua invenção em frases tão belas e questões tão próprias e ao mesmo tão nossas.


Da minha imensa pilha dos 'a ler', levarei o Vila-Matas (Ar de Dylan ou Suicídios exemplares) e/ou A visita cruel do tempo, da Jennifer Egan, que eu tentei ler ainda na forma de posts em inglês, mas levei uma surra do idioma. Vamos ver se em português eu consigo achar as razões por que ela ganhou o Pullitzer de ficção do ano passado.

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Que 2013 nos abençoe a todos - que possamos ser melhores, mais úteis a quem necessita, e mais alegres.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Mais dois: Qual o nome do bebê; O hobbit - uma jornada inesperada

Esse Qual o nome do bebê é um típico filme francês, no sentido de colocar em discussão, numa comédia divertidíssima, questões éticas e morais, que serão discutidas numa reunião de família, como talvez tantas que acontecerão hoje, dia 24 de dezembro, nas ceias de Natal do mundo cristão.

O imbroglio fica divertido por conta da atuação de um conjunto de excelentes atores, sobressaindo Patrick Bruel, o pai do filho a nascer e responsável pelas canastrices mais divertidas em cena, além, especialmente, da atriz que faz a dona de casa, Valérie Benguigui. O cerne da graça se dá basicamente em torno de uma picuinha, mais ou menos séria, a respeito da escolha do nome do filho do personagem de Bruel; à medida que a confusão em torno desse nome aumenta, começa uma daquelas terríveis discussões em família, que descambam em acusações mútuas, cobranças, gritarias, enfim, o pacote completo, muitas vezes recorrente nessas épocas do ano.

Ao longo dos acontecimentos, todos os atores têm oportunidade de fazer um pequeno e intenso número de interpretação, cada um a seu momento, e assim o filme mostra sua origem teatral, de que fui informada aqui . No final, tudo termina bem e saímos da sala convictos de que ali há muito boa diversão - e alguma reflexão séria, claro.

O hobbit - uma jornada inesperada foi frustrante para quem ama o universo de Tolkien. Imagino que tenha custado uma fortuna, mas acho que foi um equívoco filmá-lo depois da grandeza da trilogia magistral que constitui O senhor dos anéis. Percebemos que o filme vem dali, mas fica muito aquém seja da trilogia, seja de seu universo épico. Não acontece a magia, nem mesmo quando surge Gandalf, esse imenso personagem vivido por um ator tão forte como Ian McKellen. Acho que nos resta aguardar os outros dois filmes para ver se, ao final, eles compõem a obra à altura tanto do autor, quanto do diretor.





Três filmes: Paris-Manhattan; As aventuras de Pi; O impossível;

Já tinha visto Paris-Manhattan, de Sophie Lellouche, no Festival de Cinema Varilux, mas havia esquecido e vi de novo ontem: gostei do mesmo jeito dessa história despretensiosa, com atores simpaticíssimos, que falam de amor de uma forma simples e ao mesmo tempo sensível. Tudo que está ali interessa, é vivo, engraçado, e os dois protagonistas, vividos por Alice Taglioni (Alice) e Patrick Bruel (Victor) (aliás, o mesmo ótimo ator de Qual é o nome do bebê?) são mesmo convincentes, ótimos atores, divertidos e compõem quase toda a graça da história. Há um detalhe divertido, quase imperceptível, que diz respeito a um momento em que Alice e Victor vasculham a casa da irmã em busca de pistas da traição do marido. Alice abre o armário procurando provas e tira de lá, rapidamente, um objeto, um patinho prateado com bico cor de rosa forte, desses que se usam em banheira de crianças, e vendido em geral nas lojas Sephora. Acaba sendo engraçada a sutileza da sugestão.

O filme do Ang Lee - As aventuras de Pi - mostrou-se uma decepção para mim, que estava ansiosa para vê-lo. Acho que faltou densidade dramática na maior parte da  história, não se sustentou o embate entre o menino e o tigre, embora haja força em alguns momentos. Na verdade, há cenas bonitas, mesmo de intensidade épica, mas muitos momentos mortos, em que nada acontece a não ser aqueles dois botes, com aqueles dois seres, na imensidão do mar. O que de mais interessante eu vi foi a cena em que ele grita com Deus durante uma furiosa tempestade - esta sim, uma grande cena épica.

Fiquei pensando como o mundo do cinema é curioso, e como fazer um filme, mesmo um blockbuster, que interesse a todos parece uma tarefa difícil. Lembrei de Náufrago, em que Tom Hanks fica quase o filme todo falando sozinho até criar um amigo a partir de uma carcaça de coco, e com ela contracenar em cenas tocantes.

No filme de Lee, a coisa não rola, não acontece o milagre da interação entre o que se representa e o espectador, embora tudo esteja dado para que tal aconteça. Não saberia explicar por quê, mas não aconteceu comigo.

Hoje vi O impossível e tampouco achei dele o que esperava. O filme precisava ter ido além daquela família, mesmo tendo-a como ponto de partida, porque aquele acontecimento foi devastador demais para todos que se encontravam ali, e as cenas do tsunami propriamente dito, o momento em que as ondas chegam arrastando tudo e todos, que vimos na TV quase em tempo real, abismados diante do que parecia mais invenção do que realidade - nesse momento crucial o filme mostra apenas esses dois na foto, filho e mãe, como se não houvesse centenas e centenas de outros sendo arrastados bem ali, ao lado deles.

Isso tira muito da credibilidade do filme, como ficção mesmo, não estou pensando em documentário. Achei chata também a estratégia de filmar em grandes closes nos rostos, para marcar dramaticidade, suponho, técnica que me parece desgastada. O que achei muito bom foi a reconstituição do tsunami ele mesmo - as imensas catedrais de água vindo e devastando tudo que tocavam; os escombros em que o mundo sob ele se tornou. E a interpretação excelente do menino mais velho, vivido por Tom Holland: o filme é dele, mais do que de Naomi Watts ou Ewan McGregor. Ele não apenas leva o filme para além da família, como age em todas as direções dentro do hospital, fazendo-nos conhecer um pouco mais das dimensões abissais da catástrofe, tornando a coisa toda mais verossímel, já que o milagre de todos naquela família terem se salvado e se encontrado parece realmente de bom tamanho. De todo modo, sua atuação é brilhante, e torna o filme melhor do que ele é.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A viagem de Ieda

Queria deixar um pensamento nesse final de ano, alguma coisa que fizesse um sentido forte para mim, alguma coisa que tivesse realmente importância, face a tantas bobagens que as mídias instantâneas nos aportam no dia a dia.

Pensei no que fiz ao longo desse ano, mas nada teve assim um caráter especial - segui a vida, caminhei no fluxo, cuidando dos meus próximos, como sempre faço, me sentindo responsável pelo bem estar daqueles que vivem sob minha guarda. Acho que estou cumprindo um papel na vida dessas pessoas, um papel que as forças cósmicas me outorgaram, que eu aceitei, claro, de fazer a vida circular, ir para um bom lugar, fazendo-a fluir melhor para os que de algum modo possam estar momentaneamente paralisados - eu os ajudo a caminhar.

Mas nada se compara à viagem que essa minha companheira de aspirações está fazendo logo ali, na Índia, e que relata em seu blog, que recomendo vivamente.

Não conheço Ieda pessoalmente, mas sinto que ela está num estágio existencial para além de qualquer pessoa próxima, e nesse estágio eu gostaria também de já ter podido chegar. Ela já viajou o mundo todo - é só ler um pouco de sua vida contada em vários posts -, trabalhando em cada canto, mas resolveu voltar à India e parar ali, em Bodhgaya, um vilarejo pobre como são os vilarejos onde vivi alguns anos de minha infância. Lá ela lutou e construiu, com amigos movidos à mesma energia e força, uma sala de aula que, basicamente, é um cômodo onde as crianças aprendem sentadas onde der. Agora, mais recentemente, ela cismou que é preciso ir além - sempre será preciso ir mais além - e está construindo um posto de atendimento médico, cuja história comovente ela registra com emoção no blog - em textos e fotos belas, expressivas como essa das crianças estudando, com o rosto mais lindo do mundo, uma das fotos de Ieda por que sou apaixonada.

Então, nesse final de ano, em que sinto uma certa aflição no ar pelo exasperado apelo ao consumo e pelo excesso de coisas insustentavelmente leves demais, parar e olhar as crianças e os pacientes por quem Ieda vela tem sido uma forma de chegar perto da vida, de sua instância mais primordial - da vida que importa, ou do que importa definitivamente na vida. Obrigada, Ieda. Essa menina que eu fui sente-se à vontade com seu povo, que é meu também. E agradece.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O homem da máfia

O que O homem da máfia tem de inovador, e bem interessante, é uma crítica clara, aberta e explícita às ideologias fajutas da América do Norte, que sua indústria de cinema acostumou-se a repetir ad nauseam em quase todo blockbuster sobre qualquer tema: as bobagens sobre a América ser a terra da liberdade; a defesa dos altos valores morais de um povo especialmente talhado para a grandeza; o país ser o timoneiro das liberdades individuais e coletivas; o respeito aos direitos humanos onde quer que eles sejam ou tenham sido infringidos; a luta pelo bem coletivo por um povo em geral figurado como metonímia da humanidade redimida - tudo isso constitui um blá-blá-blá que todos nós, com tantos anos vendo e vivendo à sombra dos filmes (e das ideologias) produzidos em massa por essa indústria, estamos cansados de ouvir, bem como de ver, sem disfarces, a presença da bandeira do país, indefectível símbolo a ratificar a origem de tantas grandezas daquele vasto espírito (e império) de nobreza, desse emérito povo, altivo e desprendido - toda essa bobagem é varrida do horizonte nos poucos minutos de uma fala arrasadora.

Pois que pela primeira vez, salvo ignorância minha, um personagem vivido por alguém do calibre de Brad Pritt - nenhum rosto seria tão mais belamente adequado para representar a figuração da grande indústria do cinema estadunidense - diz as frases com clareza, rispidez e transparência inequívocas, parodiando um dos pais de tais ideologias, Thomas Jefferson, na cena final, do último take da película.

Se ao longo de toda a história os discursos dos candidatos a Presidente dos EUA aparecem e são ouvidos em todo lugar, quando nessa última cena o sentimental e, ao mesmo tempo, frio matador vivido por Pitt ouve Obama enaltecer esse espírito de união, de todos somos um grande e altivo povo e blá blá blá, ele não apenas ironiza tal balela como esclarece a postura nada grandiosa de Jefferson, bem como a relaciona à situação particular da dívida, do ali e agora, das contas a ajustar, do que importa, e sempre importou naquele território: money e business. A América, ao contrário do que diz o político e a política, é a terra do cada um por si, é o espaço por excelência dos negócios, do pay me back - e o bandido que ele encarna encerra a enrolação, curto e grosso: fiz o serviço e quero o pagamento todo, agora. E ponto final.

Mas, é claro, há nele outras inestimáveis qualidades: atores não menos que excelentes, todos. Trilha sonora interessantíssima, fazendo contrastes com a violência explícita das várias cenas de matanças, em câmera lenta (que eu me recusei a ver em sua completa extensão - ninguém precisa mais ver bala estourando miolos). Mas se há esses atores brilhantes, em atuações marcantes, e um Pitt pra lá de bonito, além de ator de primeira, há umas lentidões, umas falas excessivas, um ritmo que impacienta um pouco. Nada que prejudique demais, e que a cena final não justifique inteiramente a ida ao cinema. Para mim, pelo menos, ela será antológica.