quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Um conto de Clarice

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Como é último dia do ano, eu ainda estou por aqui e já apresentei o livrinho de contos de Clarice ali embaixo, observo o seguinte:
Os comentários que acompanham os contos, em geral, são fraquíssimos (e fiquei boba de ver como a Fernanda Torres, com o prestígio de atriz que tem, e sendo a cronista boa que acho que é dos textos da Veja Rio, permitiu-se escrever nesse livro tamanha bobagem em letra de forma - e impressa), mas, enfim, alguns comentários se salvam, outros são razoáveis e outros ainda são bons, sobretudo os de Luiz Fernando Veríssimo, José Castello, Cora Rónai, Marina Colasanti, Adriana Lisboa, Benjamin Moser.
Embora eu ache que o projeto editorial seja um tanto comercial demais para meu gosto, valeu a seleção de contos dos convidados, alguns deles são obras primas, e este que escolhi para ficar como o último texto de 2009 tem uma apresentação simples e eficaz de Cora Rónai.
Relendo esse texto, de que não me lembrava mais, achei-o deslumbrante, um conto que caminha junto e sublinha toda a beleza do filme A festa de Babette, uma das obras primas eternas do cinema, para mim, que eu não vejo sem me emocionar, assim como a (re)leitura do conto me emocionou demais, porque, mais do que de comida, fala dessa comunhão fraterna absoluta em torno da alegria de um dos sentidos, da plenitude possível e da surpresa face à inesperada e gratuita generosidade. Enfim, uma Clarice das melhores.

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A Repartição dos Pães  -  Clarice Lispector

Era sábado e estávamos convidados para o almoço de obrigação. Mas cada um de nós gostava demais de sábado para gastá-lo com quem não queríamos. Cada um fora alguma vez feliz e ficara com a marca do desejo. Eu, eu queria tudo. E nós ali presos, como se nosso trem tivesse descarrilado e fôssemos obrigados a pousar entre estranhos. Ninguém ali me queria, eu não queria a ninguém. Quanto a meu sábado – que fora da janela se balançava em acácias e sombras – eu preferia, a gastá-lo mal, fechá-la na mão dura, onde eu o amarfanhava como a um lenço. À espera do almoço, bebíamos sem prazer, à saúde do ressentimento: amanhã já seria domingo. Não é com você que eu quero, dizia nosso olhar sem umidade, e soprávamos devagar a fumaça do cigarro seco. A avareza de não repartir o sábado,ia pouco a pouco roendo e avançando como ferrugem, até que qualquer alegria seria um insulto à alegria maior.

Só a dona da casa não parecia economizar o sábado para usá-lo numa quinta de noite. Ela, no entanto, cujo coração já conhecera outros sábados. Como pudera esquecer que se quer mais e mais? Não se impacientava sequer com o grupo heterogêneo, sonhador e resignado que na sua casa só esperava como pela hora do primeiro trem partir, qualquer trem – menos ficar naquela estação vazia, menos ter que refrear o cavalo que correria de coração batendo para outros, outros cavalos.

Passamos afinal à sala para um almoço que não tinha a bênção da fome. E foi quando surpreendidos deparamos com a mesa. Não podia ser para nós...

Era uma mesa para homens de boa-vontade. Quem seria o conviva realmente esperado e que não viera? Mas éramos nós mesmos. Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro. Constrangidos, olhávamos.
A mesa fora coberta por uma solene abundância. Sobre a toalha branca amontoavam-se espigas de trigo. E maçãs vermelhas, enormes cenouras amarelas, redondos tomates de pele quase estalando, chuchus de um verde líquido, abacaxis malignos na sua selvageria, laranjas alaranjadas e calmas, maxixes eriçados como porcos-espinhos, pepinos que se fechavam duros sobre a própria carne aquosa, pimentões ocos e avermelhados que ardiam nos olhos – tudo emaranhado em barbas e barbas úmidas de milho, ruivas como junto de uma boca. E os bagos de uva. As mais roxas das uvas pretas e que mal podiam esperar pelo instante de serem esmagadas. E não lhes importava esmagadas por quem. Os tomates eram redondos para ninguém: para o ar, para o redondo ar. Sábado era de quem viesse. E a laranja adoçaria a língua de quem primeiro chegasse.

Junto do prato de cada mal-convidado, a mulher que lavava pés de estranhos pusera – mesmo sem nos eleger, mesmo sem nos amar – um ramo de trigo ou um cacho de rabanetes ardentes ou uma talhada vermelha de melancia com seus alegres caroços. Tudo cortado pela acidez espanhola que se adivinhava nos limões verdes. Nas bilhas estava o leite, como se tivesse atravessado com as cabras o deserto dos penhascos. Vinho, quase negro de tão pisado, estremecia em vasilhas de barro. Tudo diante de nós. Tudo limpo do retorcido desejo humano. 'Tudo como é, não como quiséramos. Só existindo, e todo. Assim como existe um campo. Assim como as montanhas. Assim como homens e mulheres, e não nós, os ávidos. Assim como um sábado. Assim como apenas existe. Existe.

Em nome de nada, era hora de comer. Em nome de ninguém, era bom. Sem nenhum sonho. E nós pouco a pouco a par do dia, pouco a pouco anonimizados, crescendo, maiores, à altura da vida possível. Então, como fidalgos camponeses, aceitamos a mesa.

Não havia holocausto: aquilo tudo queria tanto ser comido quanto nós queríamos comê-lo. Nada guardando para o dia seguinte, ali mesmo ofereci o que eu sentia àquilo que me fazia sentir. Era um viver que eu não pagara de antemão com o sofrimento da espera, fome que nasce quando a boca já está perto da comida. Porque agora estávamos com fome, fome inteira que abrigava o todo e as migalhas. Quem bebia vinho, com os olhos tornava conta do leite. Quem lento bebeu o leite, sentiu o vinho que o outro bebia. Lá fora Deus nas acácias. Que existiam. Comíamos. Como quem dá água ao cavalo. A carne trinchada foi distribuída. A cordialidade era rude e rural. Ninguém falou mal de ninguém porque ninguém falou bem de ninguém. Era reunião de colheita, e fez-se trégua. Comíamos. Como uma horda de seres vivos, cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como quem lavra a existência, e planta, e colhe, e mata, e vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de quem não engana o que come: comi aquela comida e não o seu nome. Nunca Deus foi tão tomado pelo que Ele é. A comida dizia rude, feliz, austera: come, come e reparte. Aquilo tudo me pertencia, aquela era a mesa de meu pai. Comi sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E sem me oferecer à esperança. Comi sem saudade nenhuma. E eu bem valia aquela comida. Porque nem sempre posso ser a guarda de meu irmão, e não posso mais ser a minha guarda, ah não me quero mais. E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos.  Pão é amor entre estranhos. (p.103-108).
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Clarice na cabeceira. Org. Teresa Montero. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
Site de origem do conto:  http://www.releituras.com/clispector_paes.asp
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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

um dia e tanto

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Movida pelo impulso de sair da mesmice e da chatice, rumei por volta das 13h para o CCBB e acabei fazendo um programa ótimo. Não ia lá há algum tempo e conheci a livraria nova, que está maior e cheia de coisas lindas para tentar qualquer cristão.




Claro que alguma coisa eu tinha de levar, e aproveitando meus novos ares musicais, me dei de presente essa coleção do Oscar Peterson, que ouço enquanto escrevo aqui e estou amando.

Tinha uma música muito bonita tocando lá enquanto eu bisbilhotava e acabei trazendo também o CD Quiet is the new loud, de dois rapazes noruegueses que compõem o Kings of Convenience. Nunca tinha ouvido falar, eles fazem um som bem light, agradável, tranquilo, enfim, quase zen, sem ser chato. Gostei deles.  Gosto eclético, esse meu, fazer o quê. 
O livro não estava nos planos, mas comecei a ler as apresentações de alguns contos de Clarice feitas pelas pessoas mais inusitadas (nada acadêmicas) e achei a idéia ótima, é quase uma conversa de blogue, baseada sobretudo na opinião e no gosto pessoal. Os comentários são breves, dizem um pouco da história de leitura deles, gostei muito, e aproveito para reler esses ótimos contos.


Depois de ficar um tempão na livraria, havia uma escadinha que levava ao andar de cima, onde fica a Brasserie Brasil. Lá almocei essa coisa linda aí da foto, estava bom demais esse peixe, o tempero de ervas lembrava (sei que ninguém vai acreditar) orvalho, juro :)




E por fim, vi a exposição Linha de sombra, de Regina Silveira, uma senhora de 70 anos que faz uma arte entre o figurativo e alguma coisa geométrica mas também abstrata, é muito original e forte o trabalho dela. Esse desenho que as sombras fazem na abóbada do CCBB é lindíssimo.






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sábado, 26 de dezembro de 2009

Hanami - cerejeiras em flor

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O que achei muito bom em Hanami - cerejeiras em flor foi a sensação de que o filme foi pensado em termos de uma sucessão de fotografias magistrais: cada cena tem tudo para se tornar uma foto magnífica, eu teria gostado de ter feito todas elas. Mas além da fotografia, tem uma atriz muitíssimo interessante, Hannelore Elsner, que faz uma personagem contida, além de um tanto servil ao marido e à rotina de um longo casamento, e cujo traço físico mais marcante me pareceu a lindíssima boca, que não serve apenas para falar, mas tem expressividade própria, que não sei dizer o que é.

Também o ator que faz o marido, Elmar Wepper, convence e acabei me rendendo a ele, em sua saga através da indiferença dos filhos e seu pânico de que os pais lhes pesem mais do que eles querem em suas vidas, onde, aliás, não há lugar para a velhice, para o afeto filial, para a solidariedade, para quase nada além das memórias de uma convivência onde sempre faltou algo. Nesse sentido, a história escancara a distância entre os membros dessa família em que ninguém praticamente se (re)conhece.

Um dos trunfos do filme é a aproximação do agora combalido marido (em razão da morte repentina da esposa) e de uma jovem que ele encontra dançando butô em um parque, encenando todo dia o encontro com a mãe morta, e abraçando sua sombra. Esse menina será fundamental para tudo que virá a seguir, pois ela o guiará em direção ao Monte Fuji, local que a mulher sempre havia desejado conhecer, e que ele o fará por ela e, de certo modo, com ela (ou sua 'sombra').

Há muita delicadeza em torno dos sentimentos desses seres que se encontram e desencontram, quase nada é como talvez devesse ser, a vida em suas instâncias aproxima e afasta pessoas e situações, às vezes um tanto aleatoriamente, e tudo é um pouco lento, mas como são cenas sempre belíssimas, assistimos a tudo com atenção e saímos do filme certos de que um naco consistente de vida se desenrolou ali, a nossa frente.

(Só uma dúvida não consegui deslindar, não sei se é importante, mas queria muito saber: teria a menina aceitado o presente do amigo?).
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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A vida íntima de Pippa Lee

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A vida íntima de Pippa Lee é um filme estranho, e as questões dele estão meio distantes de mim, acho que ele retrata um pouco o mundo atribulado das celebrities, onde provavelmente a autora e diretora, Rebecca Miller, se inspirou.

De todo modo, acompanhei bem a saga da menina Pippa e sua mãe, que se entope de pílulas para conseguir viver, até que, adolescente, resolve dar um fim naquilo e sai de casa. Vai morar com a tia, esposa da personagem de Julianne Moore, com quem tem uma empatia imediata. Ao ser flagrada fazendo fotos pouco ortodoxas na cama, será expulsa da casa e aí começa para ela uma jornada de marginália mesmo, em que sexo e drogas parecem compor o cardápio diário (mas não vemos as cenas, só um pouco da decadência resultante). Ela é ainda uma jovem em torno de 16 anos quando conhece seu futuro marido, um homem então com 50, escritor, que vira depois editor de livros.

O filme caminha entre o passado da jovem e o presente da mulher - vivida na fase adulta por Robin Wright Penn, muito bonita, mas praticamente anoréxica de tão magra -, agora com dois filhos (uma jovem que a detesta e um rapaz afetuoso), até que algo rompe a placidez de uma vida besta de dedicação ao marido, à casa e aos filhos - sabemos que eles acabaram de se mudar para essa cidadezinha onde vivem agora, estão em fase de adaptação, mas Pippa se torna sonâmbula, e seu trajeto noturno a leva quase sempre para o lugar onde trabalha - quem? quem? - o belo e jovem personagem do Keanu Reeves.

Já próximo ao desenlace é que sabemos todos (personagens e público) da traição do marido com uma grande amiga, e ela, afinal, toma coragem de sair daquela vida meio letárgica que vivia há tanto tempo.

A estranheza do filme é a defasagem dessa mulher em relação a seu próprio tempo : ninguém que viveu a barra pesada que ela viveu quando jovem poderia se acomodar por tantos anos àquela pasmaceira. Precisou se tornar sonâmbula para ter coragem de se aproximar de um sujeito com o charme irrecusável de um Reeves e, enfim, se libertar. Meio inverossímel.
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PS. Só para dexar registrado, a crítica feita por um senhor na revista Programa do JB (18 a 27/12/09) é uma das mais vergonhosas que eu já li. Essa pessoa ainda ganha para escrever um lixo daqueles? Pérola de preconceito, machismo e misoginismo. 

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sábado, 19 de dezembro de 2009

conversa mole

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Esse é o sonzinho que me permite ouvir a música que está de volta a mi vida, inspirada pelo osvjor.

Também esses são todos os CDs que tenho, ainda não sei do que continuo gostando mais desse pacote, não ouço há tempos, inclusive descobri um tal de Yanni que nunca havia visto antes, não lembro de ter comprado esse CD, ouvi e achei mais ou menos.

Pelo andar da carruagem, falar de livros vai ficar para o próximo ano.
Que venha 2010!

































Esses CDs de música clássica são de fazer corar um amante verdadeiro de música, eu devia me envergonhar de mostrá-los aqui, mas é isso mesmo, sou amadoríssima em música.






Gosto muito do Hermínio Bello de Carvalho, esse verso "explico que eu não navego, quem me navega é o mar" é de Timoneiro, uma canção lindinha e título de um dos cinco CDs que compõem a caixa com sua produção (quase) completa, na voz de vários artistas (uma vez o encontrei no Arteplex, e num movimento espontâneo fui falar com ele, me sentia como se o conhecesse há anos, ele disse então que nessa caixa só havia parte de suas composições). O homem é um manancial incrível dessa música popular brasileira de que gosto tanto. 
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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Avatar

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Nossa, Avatar é ótimo! Várias pessoas aplaudiram no final (eu, inclusive) porque são muitas e fortes sensações, e acho que faz diferença ver em 3D ou não. Achei uma experiência intensa ter alguns galhos de plantas quase na minha mão, ou sentir bem próximo um soldado em cima de uma ave voando rapidíssimo em minha direção.


Mas sobre o filme é o seguinte: o James Cameron realmente enlouqueceu de vez e fez um filme absurdamente belo e ágil nas cenas de ação, juntando tudo de melhor de todas as outras mega produções semelhantes.

Por exemplo, o chefão dos soldados maus usa aquela arma em forma de robô de Transformers; a Sigourney Weaver faz uma cientista que pesquisa os conhecimentos milenares de Pandora, e entra numa urna para se tornar uma avatar que lembra as viagens feitas com seus aliens; a batalha final tem muito dos seres alados de O senhor dos anéis, enfim, há algo de tudo mas o que importa é que ele consegue ir além das possíveis referências e cria um mundo deslumbrante, em que o bem está aliado à terra e seus magníficos seres. As cenas no mundo de Pandora são espetaculares, tudo é mágico e belíssimo.

Já o mundo dos humanos me parece a parte mais fraca do filme, porque quase todo ancorado nos preceitos da guerra – eles querem o minério valioso que existe em Pandora e há todos aqueles velhos truques e velhas falas sobre matar os bárbaros e conquistar seu território que já vimos em todos os filmes de guerra, com seus respectivos homens maus representativos e estereotipados.

De todo modo, não é esse o mundo que mais interessa, ele existe para fazer contraponto a Pandora, pois o que importa mesmo é a floresta, é Pandora com seus seres alados, seus bichos estranhos, suas cores magníficas, suas profundezas, sua atmosfera que alguém chamou de quase lisérgica, e é pura verdade. Embora lá também possam existir alguns clichês, tipo os Na’Vis constituem uma nação em moldes semelhantes aos povos indígenas, muitos de seus rituais são tomados à cultura dessas nações, sobretudo o culto a uma sabedoria inerente ao mundo da natureza, em que a seiva das árvores cura, nessa parte do filme há uma cosmogonia forte, bela e convincente.

O espectador é facilmente cooptado por e para esse universo onírico, a gente quer estar lá, ser um Na’Vi e lutar com eles para que aquele mundo (na verdade, em parte é do nosso mundo que se trata) vença a luta contra o mal e os maus, o terror e a destruição.

Parece que o diretor quer fazer uma sequência do filme, ou várias. Verei todas, claro, mas acho que o universo dos soldados maus precisa ser retrabalhado, porque não dá para ver os mesmos caras que querem dominar o mundo destruindo Pandora tantas vezes. 

Diferentemente de O senhor dos anéis, um épico sobre as grandes façanhas do homem para salvar-se a si e à sua terra, baseado nos altos valores da amizade, da solidariedade, da grandeza dos povos, aqui os soldados meio que amesquinham o valor da contenda, eles são adversários vulgares demais para esse mundo da floresta, onde tudo é (e deve parecer) grandioso. 

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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Mulheres aquém

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Ontem saí para ver A vida íntima de Pippa Lee, mas já no Arteplex percebi que ele só vai estrear a partir de sábado, então entrei na sala de Um namorado para minha esposa, que tem uma protagonista fazendo o papel de uma das mais chatas mulheres de todo o universo. Se eu fosse o marido daquele ser já teria talvez arrancado sua (dela) língua, mas ele tem uma idéia mais atirada, embora também eficaz: arranja um sujeito que tem por missão fazê-la apaixonar-se por ele, além de também dar um jeito em sua ociosidade, arrumando-lhe um emprego de locutora, cujo salário ele (o marido) paga, tudo isso contado num tom entre a comédia e a farsa.

Claro que nem tudo sai como esperado - todo mundo percebe que aquele trato não vai dar muito certo. O filme também tem altos e baixos, mas no geral a comediazinha cumpre seu papel, sem grandes arroubos. Mas a mulher continua chata até o fim.

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Já Partir é mais complicado de comentar, porque é um bom filme, o espectador fica ligado na estória, tem cenas mui calientes de amor entre ele (Sergi Lopez) e ela (Kristin Scott Thomas, muito bonita), mas há alguma coisa de retrógrado nesse dramalhão amoroso que não tem fim.

Basicamente, achei que a personagem vive esse romanção meio extemporaneamente, ou melhor, meio adolescentemente. A mulher já deve ter uns 40 anos e fica total e absolutamente tomada de paixão pelo homem de outro nível social e econômico, o que é muito comum. Incomum é o ficar, naquela altura de sua vida, totalmente à mercê da paixão, do marido, do acaso e, quero crer, da burrice. Porque ela não raciocina - e isso não quer dizer que o amor-paixão seja mesmo irracional. Ela não raciocina para os tempos atuais, para o tempo dela, para o meu tempo, para qualquer parâmetro. Até o filho adolescente tem mais tino do que ela. Por quê?

Vejamos: o marido (médico, rico e burguês) enraivecido e ciumento tira tudo dela, depois de muitos anos de casamento - a casa, o emprego, os filhos, o cartão de crédito e todo o resto. Ela fica na miséria e só lhe resta o amante e a paixão, que aos poucos vai degringolando à míngua de recursos materiais (essa coisa de um amor e uma cabana nunca deu certo nem em priscas eras...).
Ela não atina com uma solução inteligente para nada, só consegue aproveitar a saída da família num fim de semana para pilhar objetos de valor da casa e se dá mal. Sempre se dá mal, e me irritou muito essa desmedida falta de tino.

Enfim, a gente percebe que aquilo não vai dar em lugar nenhum. Mas ela dá um fim a tudo, e tome mais dramalhão. Ficamos, no final, com a imagens dos dois amantes no alto do morro, ela chorando abraçada a ele. Mais clichê, impossível!

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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

correndo só por avatar

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Comprei ingresso na rede para ver Avatar na pré-estreia do Cinemark Botafogo. Eu e centenas de adolescentes, espero que não totalmente histéricos. Que Alá me proteja :)

Enquanto isso, nenhuma vontade de escrever sobre livros que já li, acho que é a síndrome de fim de ano, ou preguiça mesmo. Virei o carro-chefe daquele movimento ultracontemporâneo, em torno de viver mais ou menos em slow motion, acho a teoria muito boa pra mim por agora.

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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Desembarque imediato


Há muito tempo não via um filme brasileiro tão interessante e divertido quanto Embarque imediato. Marília Pera dá um banho de talento, humor e versatilidade, contracenando com um inexperiente Jonathan Haagensen, que ela generosamente acolhe e faz funcionar no papel, e com um José Wilker convincente, apesar das caretas, que acho sempre excessivas.


Mas o filme é de Marília, totalmente dela, que faz um trabalho incrível, na linha do Amélia (2000), da Ana Carolina, aquele também um filme magistral. Mas talvez este seja ainda melhor, sobretudo porque ela está quase todo o tempo em cena, o que torna possível desdobrar várias facetas de seu enorme talento - e como canta a moça! Eu nunca vi nenhum de seus musicais no teatro, sabia que ela tinha grande preparo de voz, mas é mais que isso – ela canta muito.

Além disso, faz um tipo de comédia que beira o pastelão, em algumas cenas, o que acaba por carregar ainda mais o humor porque sugere uma espécie de jogo duplo, em que se encena a comédia amorosa e suas desilusões, ao mesmo tempo em que também se desconstroi histrionicamente a breguice dessas situações lacrimejantes, tornando tudo bem engraçado.


(Só mais uma observação quanto ao Jonathan Haagensen: ele fica quase todo o tempo em cena com a Marília, que eu acho que sustenta não apenas o filme, mas o rapaz também. Apesar de me parecer bem inexpressivo como ator, tem de se louvar sua determinação de, pelo menos, não fazer feio. Aliás, feio é tudo que não se aplica ao guapo rapaz).

(Última observação, essa totalmente irrelevante, mas vendo esse trabalho de atriz em tão alto nível e com tamanha técnica, todo aquele imbroglio em torno da minissérie parece ainda mais mesquinho. Marília está mesmo num patamar muito acima daquela média toda).

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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Da curiosidade

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Para a Melissa matar a curiosidade :)














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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Livros no Natal

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Presentes de Natal e Ano Novo que me dei (até porque se não sou eu, quem mais poderia ser?), com cheirinho de livro novo, muito bom :)  

Outra coisa ótima é que a Cosac dá um desconto de 40% para professores, então esses livros magníficos ficaram ao preço de um livro comum, beleza.


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Los abrazos rotos

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Sobre Los abrazos rotos, do Almodóvar, penso que não é o melhor dele, nem o mais bem resolvido, segundo minha subjetivíssima opinião, mas gostei de algumas coisas.


Antes, não é o melhor porque os filmes mais ferinos são os de que gosto mais - o humor irônico e escrachado, as mulheres únicas, excessivas, dramáticas e fakes - isso torna os filmes dele muito particulares, como todos sabemos, e o faz ter uma marca única, que todos reconhecemos, assim como a de Woody Allen, por exemplo, também com seus altos e baixos.


Depois, não é o mais bem resolvido porque tem uns brancos, uns momentos em que eu me perguntei para que servia aquela cena, não tem função alguma - por exemplo, quando a assistente do diretor, já no terço final do filme, está contando sua versão dos acontecimentos passados, estando na mesa ele, ela e o filho, buscando demonstrar suas dificuldades com as lembranças do passado, ela lança mão da bebida para dar-se força e quer mais, mas não pede ao maître - ela afasta-se da mesa, chega ao balcão do bar, pede outra dose ao barman, que enche seu copo apenas com vodka, e fica com a parte da água suspensa no ar, porque a mulher sai e senta na mesa outra vez. Parece longa a descrição? Pois foi assim que senti o filme todo - meio longo, muitas e muitas histórias acontecendo, e tudo poderia ser mais enxuto, parece que faltou coragem na edição.


Mas há muitas cenas interessantes naquele imbroglio todo, e tem uma Penelope Cruz deslumbrante, bela como jamais a vi tão bela, e fazendo um excelente trabalho. Parece mais intensa a sintonia com Almodóvar nesse filme, talvez porque ambos estão maduros, numa fase da vida de grandes realizações, qui le sait. Enfim, vale a ida ao cinema demais.
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domingo, 6 de dezembro de 2009

de sumiços e voltas

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Esse blogue sumiu por algum tempo, eu mesma não tinha acesso a ele, mas acho que o reencontrei, ufa e enfim! De todo modo, o Velox não está funcionando desde ontem, sábado, e não sei quando vou voltar a entrar na rede, estou numa lan house, vou ao cinema tentar esquecer que hoje o Rio de Janeiro para pelo Flamengo.

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Ainda na Idade das Trevas nesta segunda, e sem saber quando a Oi/Telemar vai se dignar fazer o reparo no Velox. É só o meu ou todo mundo está fora do ar? Que empresa safada, essa. Mas também, nesse país sem lei nem grei - só com panetones e dinheiros nas cuecas - quem se importa em prestar serviços decentes? Solução: nem precisa apagar a luz quando sair...

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Voltando à Terra Média das conexões, com elfos e hobbits resgatando o Velox, até não sei quando, mas enfim, teclando de casa.

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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Dois filmes estranhos

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Quem gosta de ver sangue e filme de vampiro não deve perder Deixa ela entrar, que é um filme estranhíssimo, lento, com grandes brancos de ação, e muita, muita neve, mas interessantíssimo, porque tomando o bullying numa escola sueca como pretexto trata, na verdade, da solidão abissal de um casal de preadolescentes - ele tem 12 anos e ela também, mas ela está nessa idade há muitos anos.

Os dois são diferentes dos outros meninos/as, não têm qualquer glamour, são quase feinhos, e essa estranheza é um dos pilares do filme, porque ficamos esperando que alguma coisa aconteça para dar um sentido àquelas vidas. E acontece, claro. A menina precisa viver, então alguém precisa morrer, simples assim. O menino, quando descobre tudo, tem uma escolha a fazer - e a faz. Escolhe a parceira, porque já sabia o que era ser sozinho há muito tempo, e não era bom.

Ah, e tem sangue, muito sangue, mas nada chocante demais, só um pouco, sobretudo porque ela só faz o que precisa ser feito - seja para defender o amigo, seja para sobreviver. Então aceitamos o inevitável. Mas é um filme lento, e branco branco de neve (às vezes vermelho de sangue), então tem de ter alguma paciência para conviver com um mundo bem estranho.

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No meu lugar é outro filme bem leeento, também um tanto estranho, mas que eu não quis abandonar de jeito nenhum, embora pensasse nisso todo o tempo, porque precisava saber o que já pressentira desde mais ou menos o meio da projeção. Acho que ele é meio descosido, não ata bem os miolos das histórias: afinal, aquele pai e filha são ou não incestuosos? por que a mãe do rapaz briga tanto com a nora? os adolescentes estão meio perdidos agora por causa do acidente, ou porque são adolescentes? Algumas dentre outras perguntas que fiz ao longo da projeção.

No fim, o que ficou mais forte para mim foi o desempenho do Raphael Sil - é dele que vem a mensagem de nossa miséria, de nossa degradação, de como a falta de dinheiro envilece e de como isso não tem saída. Ele é muito bom ator, e Márcio Vito também, o tal policial que erra o alvo e mira no que não podia.

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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A saga vampiresca

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Depois de ver Crepúsculo mais de uma vez na TV, onde tem passado insistentemente, resolvi ir ao cinema ver Lua nova. Os dois protagonistas continuam atuando de forma medíocre, mas ninguém desgruda os olhos da tela. O que tem essa saga para prender a atenção até de uma old lady como essa escriba, que nem gosta tanto dos romances-folhetim do século dezenove, salvo talvez Senhora, do Alencar, porque Aurélia joga duro com Fernando antes de sucumbir e é uma grande personagem?


Enfim, voltando à saga, acho que o mais poderoso chamariz de ambos os filmes é o erotismo mesmo, o desejo desses dois que não vai nunca além de beijos muito castos e cuidadosos para não atiçar a sanha vampiresca do rapaz. Então, a moça sofre de uma paixão desmedida, ele também, claro, e há a tensão camuflando o tesão, o que nos leva a outro aspecto bem século dezenove, que diz respeito à pudicícia.


Num século que quase não tem mais novas maneiras para despir os homens ou as mulheres publicamente, nem como mostrar o sexo e a vulgaridade, os dois personagens passam os dois filmes vestindo jeans e camiseta, e quando ele, no final deste último filme, tira a blusa em close num gesto de quase suicida, o que se vê é um ser com baixíssimo sex appeal, se se leva em conta o modelo de beleza física masculina atual, magérrimo, desvanecendo-se todo. O outro rapaz apaixonado pela moça - o amigo lobo - parece ter feito intensivo de malhação e seria o protótipo dessa beleza padrão, este sim, um homão musculoso, mas, hélas, não é ele o amor de Bella.


Então, diria que o que prende na saga é também o que faz todo filme ultra romântico funcionar : amor impossível, sacrifícios pelo amado ou amada, muitas lutas e aventuras em sua defesa e, nesse caso específico, um vampiro tão bom sujeito que a gente torce demais para que ele, afinal, dê a mordida pela qual Bella espera há tanto tempo e o desejo possa realizar-se.

Mas não foi ainda agora que isso ocorreu. Primeiro, ele há de pedi-la em casamento, o que faz com aquela carinha empoada de branco e o batom meio excessivo mais inacreditáveis da face da terra. Aguardemos, pois, os próximos lances desse jogo. Chegaremos a ver os filhotes vampirinhos do casal? Qui le saurait jamais... Seria o caso de ler o próximo livro e descobrir? Menos, Clara, menos...


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