sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Slumdog millionaire. E um livro.



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Delícia de filme, bom demais de ver, apesar dos cenários muitas vezes chocantes e da situação miserável das crianças, o filme é ágil, um musical meio trágico, meio cômico, cheio de cores, muitas cores, e de intensidades diversas no percurso daquelas crianças, e depois adolescentes. Não pensei em glamourização da pobreza quando a câmera se afasta sobre aqueles blocos maciços de miséria coloridíssima, sempre acompanhada freneticamente de ritmos pops, dançantes e ótimos.

Há estilos para quase todos os paladares: há tragédia, há drama, há comédia romântica, há luta épica pela sobrevivência, há policial surrando mocinho e muito mais, mas o filme acerta porque é muito bem dirigido, as histórias se entrelaçam sem dar tempo ao espectador de tomar fôlego. Quando a gente pensa que vai ficar deprimido vendo as condições absolutamente miseráveis daquelas pessoas no lado paupérrimo da Índia, com aquelas vidas à beira do esgotamento, eles levantam e sacodem a poeira, e correm, correm muito ao longo dos vários acontecimentos. Até mesmo uma cena altamente coprológica (literalmente, um mergulho de um garoto num buraco cheio de merda) consegue fazer rir mais do que parecer trágica.

O filme, certamente, é pop, e a dança final dos personagens, no rastro das comédias holywoodianas, ilustra um de seus veios. Isso não é um defeito, ou um 'a menos' - é apenas um dos pilares desse mosaico de cores, música, miséria e alegria que compõem sua diversidade e sua graça.


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Por coincidência, estou nas págianas finais de um livro, no mínimo, intrigante: O tigre branco, de Aravind Adiga, uma longa carta do protagonista ao primeiro-ministro da China, no qual aprendi muito sobre essas duas Indias (a da Luz e a da Escuridão), numa narrativa cheia de humor cáustico contando a trajetória desse homem saído da mais absoluta miséria, que só consegue se tornar alguém através de um crime. Um pouco de seu estilo:


Como todas as boas histórias de Bangalore, a minha começa bem longe daqui. Com V. Exª pode ver, estou na Luz agora, mas nasci e cresci na Escuridão.
Mas não estou falando da parte do dia, sr. primeiro-ministro!
Estou me referindo a uma região da Índia que ocupa pelo menos um terço do país; um lugar fértil, cheio de arrozais e de trigais; no meio deses campos, há lagos cobertos de lótus e de lírios-d'água, e os búfalos entram nesses lagos para comer os lótus e os lírios. As pessoas que vivem ali chamam o lugar de Escuridão. Tente entender, por favor, Excelência, que a Índia são dois países em um: um Índia de luz, e outra de Escuridão. O oceano traz a luz ao meu país. Qualquer ponto do mapa da Índia que fique perto do mar é próspero. Mas o rio traz a escuridão à Índia - o rio negro". (p. 18).


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O recente episódio de espancamento de uma das crianças do filme pelo pai, porque ela estava cansada e não queria mais dar entrevistas aos jornalistas que rondam sua casa na Índia, parece emblemático dessas duas situações antagônicas : numa hora ele é o herói da cidade e na seguinte está tomando porrada por querer ser a criança que é.

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terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O lutador



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Detestei ter ido ver O lutador. Se há uma coisa que me expulsa de seu universo quase automaticamente é a luta, seja como esporte, seja a real.

Me lembro de que havia, há muitos anos, um programa chamado Telecatch, abominável, que fazia muito sucesso na TV, e eu jamais entendi por que tantas pessoas viam aquilo. O filme é um Telecath mais sofisticado, com doses maciças de drama e de patético e de tristeza e de desalento, tudo isso carregado inteiramente nas costas do Mickey Rourke, cuja história pessoal se mistura à história vivida na tela (por coincidência - mais provável que não - quando li a respeito do filme não sabia nada sobre o que havia acontecido com aquele deus que fizera Humble fish num passado distante (1983), por quem todas nós suspiramos, hélas, mas acabei lendo uma longa matéria (talvez na Veja) sobre a trajetória de destruição do ator, uma coisa de dar dó mesmo, que apareceu bem na época de seu lançamento).


De todo modo, fui ver o filme esperando essa tão extraordinário atuação do Mickey e também porque pensei que havia mais coisas fora do ringue do que dentro do ringue. Engano, há muita porrada, mas muita mesmo, coisas horrorosas como pregar grampos pelos corpos uns dos outros, cenas chocantes e bárbaras, de um mundo masculino por excelência em seu estado bruto e bruto. Não olhei muito para aquilo, mas claro que vi alguma coisa, senão ia ficar o filme quase todo de cabeça baixa.


Quanto ao resto - bem, é o resto mesmo. Tudo é resto para esse cara - perde a saúde, perde o coração, perde a filha, perde a mulher, perde o subemprego e perde, afinal e provavelmente, a vida. Então ficamos acompanhando a trajetória rumo ao fim desse ser tocado pelos deuses da morte e da solidão - nunca vi uma solidão mais absoluta do que essa. Ele sabe que não tem saída, porque o único espaço de afeto e reconhecimento que ele vivenciou até então parece ser o da luta. Nele, vai tentar fazer um último contato com o humano. E perde.


A atuação de Mickey Rourke fica um tanto comprometida, na minha singela opinião, porque acho que ele mais expressou-se do que representou, mas pode ser apenas crueldade minha, para ficar dentro do espírito do filme.


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Pitaco sobre a festa


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Houve bastante inovação na festa do Oscar, eles dão a impressão de que trabalharam duro para fazer a festa de uma das indústrias mais importantes do país brilhar o que precisa nessa fase de crise violenta.

Sean Penn foi o prêmio mais merecido (merecidíssimo) e fez um discurso muito bonito. Aliás, ele todo é muito bonito.

Hugh Jackman mostrou que canta, e bem, e fez um ótimo trabalho.


Sobre a premiação de cada um, o Chico já disse bastante em
http://www.interney.net/blogs/filmesdochico/


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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O casamento de Rachel



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Antes de O casamento, uma observação: será que é só na sociedade estadunidense que existe essa obsessão pelas festas de casamento longas, um fim de semana todo dedicado à celebração? Há vários filmes sobre o assunto, e como somos cerc(e)ados por essa cultura (fílmica, mas não apenas) vejo com frequência essas manifestações com olhos quase de antropóloga. E sempre me assombro com a coisa toda que, em geral, é motivo de uma baita lavagem de roupa suja, envolvendo membros próximos e distantes da família.


Nesse filme, as coisas não são diferentes. Kym (Anne Hathaway), irmã da tal Rachel, é o verdadeiro apocalipse - onde ela pisa não nasce grama (estou exagerando...). A menina é uma addict em recuperação (já tem minha simpatia aí), está voltando temporariamente depois de longa internação e tem contas a ajustar com a família, claro (até porque ninguém é maluco sozinho), e a gente percebe durante longo tempo que ela tem sido o bode expiatório daquele trem todo. Aliás, o filme existe para que ela resolva afinal esse imbroglio do passado com os 'queridos parentes'.


De todo modo, tirando a estranheza de mais uma festa de casamento interminável, a Anne está muito bem, consegue a solidariedade imediata do espectador, apesar de tantos micos que paga. Seu desespero soa verdadeiro e pungente, a gente quer que ela seja perdoada pelo que quer que tenha feito, quer que ela 'move on', como eles dizem, e que encontre um ponto qualquer de equilíbrio naquele seu mundo psicológico tão precário.

Também achei boa demais a pequena participação da Debra Winger, fazendo a mãe da moça em questão. A Debra é como uma antiga companheira de jornadas, vejo filmes com ela há milênios e gosto muito daquele jeito de sorrir atravessado que ela tem. Gosto dela.

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sábado, 21 de fevereiro de 2009

Milk


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Antes de Milk, observo que ir ao Arteplex parece que será uma batalha desgastante demais. À saída, não havia táxi, então fui em direção ao metrô e aquele pedacinho do início da são clemente até lá estava meio deserto e escuro, esquisito mesmo. Estação cheia e dentro mais cheio ainda de uma gente suada, homens sem camisa bebendo latinhas de cerveja, olhando para uns travestis com olhos pouco amigáveis, enfim, lugar onde eu não queria estar de jeito nenhum. Saltei no largo do machado (minha estação está fechada) e esperei bastante por um táxi. Nada foi melhor do que estar em frente a meu prédio, talvez só o fato de que os botecos da rua estão no mais absoluto silêncio, e estou desconfiada, porque esmola demais o santo desconfia.


Milk é ótimo basicamente por causa da atuação de Sean Penn, absolutamente deslumbrante, leva o filme nas costas. É uma caracterização minimalista, no sentido de que explora cada detalhe na composição do personagem: há os gestos, a postura das mãos, os detalhes faciais, as sobrancelhas (e fiquei desconfiada de que ele usa uma prótese dentária, mas não tenho certeza). Penn carrega sempre um olhar irônico ou trágico, dependendo do personagem que interpreta. Aqui, a ironia fica doce com frequência, ele mostra um gay doce, mas não afeminado ou estereotipado.

O filme em si tem momentos muito bons, emociona em outros e é meio vergonhoso pensar que hoje, século vinte e um, as questões que ele levanta ainda são pertinentes não apenas na América, mas em tantas partes do mundo, Brasil incluído.



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Outro Todorov

Quem estudou na década de setenta sabe que as faculdades de Letras eram um campo fértil para os diversos estruturalismos, formalismos et caterva. Estudava-se e ensinava-se a literatura como campo de experimentação para as mais estranhas acrobacias matemáticas, em que gráficos, linhas, conjuntos, pertencimentos e não (na semiótica, sobretudo), semas, sememas, estruturas e modelos narrativos e tantas outras elaborações críticas eram apropriadas sem muita noção real do que aquilo significava, tanto por professores que tentavam ser up to date antenados com a última palavra teórica, quanto por alunos, que repetiam as ladainhas sem muita convicção do que estavam fazendo.

Isso tudo para dizer do meu espanto ao ler um livrinho despretensioso do Tzvetan Todorov - A literatura em perigo, que achei há pouco, em que ele diz coisas bem subjetivas, pessoais e 'humanistas' sobre o valor e a função da literatura - ele, que foi um dos teóricos desses tempos duros do estruturalismo e formalismo, cujas obras Poética da prosa, As estruturas narrativas ou A gramática do Decameron eram referências obrigatórias para os estudos no campo.

Olhando sua produção mais atual, vejo que há vários outros livros dele (que não li) cujos títulos sugerem essa guinada para o que parece ser uma "história da cultura e das idéias", conforme o prefaciador do livro em questão.

De todo modo, parece um tanto engraçado ver esse movimento para a subjetividade em frases como:

"Muitos argumentos me inclinam na direção de uma concepção dos estudos literários mais próxima do modelo da história do que da física, da literatura como capaz de conduzir ao conhecimento de um objeto exterior, em vez de buscar os arcanos da disciplina." (p. 30)

"Nós - especialistas, críticos literários e professores - não somos, na maior parte do tempo, mais do que anões sentados em ombros de gigantes." (p. 31)

Para quem já trabalhou por uma 'gramática' que desse conta de quase todas as formas narrativas populares, essa é uma virada e tanto.

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Tzvetan Todorov. A literatura em perigo.  Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Seize the day



Quando eu era menina, por volta dos 15 anos, estudava inglês no IBEU (do Méier) com bolsa, portanto tinha de tirar sempre notas acima de 70 para não perdê-la e estudava muito (aliás, sempre gostei de estudar, sempre senti que minha alforria estaria nos estudos e assim foi).
Um dia, procurava na biblioteca do curso algo para praticar o idioma e dei de cara com um livro chamado Seize the day, do Saul Bellow. Não lembro nada da estória, nem do estilo, nem sabia nada do autor, mas tenho até hoje a sensação de haver lido um grande romance, e o nome do Bellow sempre me remete a um sentimento de compartilhamento de algo muito precioso, muito forte.

Isso vem a propósito de que Philip Roth, no livro Entre nós ("Relendo Saul Bellow", p. 150-172), comenta os romances (acho que todos) do autor de modo bem pessoal e afetivo, e sobre esse em questão observa:


"Agarre a vida (1956)

Três anos após The adventures of Augie March, Bellow publica Agarre a vida, uma novela que é a melhor antítese ficcional de Augie March. Trata-se de um livro enxuto, compacto, densamente organizado e doloroso; a história se passa num hotel para idosos no Upper West Side de Manhattan, e os personagens são em sua maioria velhos, doentes e moribundos, enquanto Augie March é uma obra vasta, esparramada, loquaz, transbordando de tudo, inclusive entusiasmo autoral, tendo como cenário todos os lugares em que é possível captar em êxtase a plenitude da vida. Agarre a vida conta a história do momento culminante, ocorrido num único dia, da desestruturação de um homem que é o oposto de Augie March sob todos os aspectos relevantes". (p. 155).

Como se vê, minhas escolhas e empatias literárias sempre pontuaram um certo sentido do trágico, que me habita. Claro que vou ler Seize the day (desta vez em tradução) para atualizar minha impressão de outrora e (re)conhecer, afinal, o que tanto me marcou então.


sábado, 14 de fevereiro de 2009

Sábado



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Acabei lendo Sábado com certo prazer, do segundo terço em diante, embora tenha achado a discussão sobre a guerra do Iraque entre pai e filha meio chata, bem como todas as descrições minuciosas das cirurgias e procedimentos que o cirurgião faz.

Acho que certas intervenções no mundo ficcional de problemas reais sempre enfraquecem uma obra, mesmo tendo sido feitas com o maior cuidado pelo autor, que as insere numa discussão perfeitamente verossímel entre pai e filha, que vivem um pouco o clássico conflito de gerações e pontos de vista divergentes sobre guerra - e sobretudo sobre essa guerra, por todos os motivos -, mas ainda assim, para mim, ficou um momento panfletário e de 'romance de tese'.


Quanto ao uso dos termos médicos, eles me chamaram imediatamente para a realidade do trabalho de pesquisa (que o autor reconhece ao final, agradecendo aos cirurgiões que o ajudaram), soaram artificiais e um pouco como "vejam como tudo está perfeitamente adequado ao universo médico-cirúrgico". Não me importa que esteja tudo certo, mas erudição artificial em ficção não me pega.


Há, ainda, digressões demais, parece que o McEwan esqueceu a qualidade da síntese nesse romance, quase tudo poderia ter sido dito melhor em menos.

Um momento em que me senti na mesa de cirurgia, visualizando com angústia coisas como:

"Antes de levantar a aba do osso, examina os fragmentos da fratura com afundamento. Pede um dissector Watson Cheyne e os levanta, delicadamente, com um movimento de alavanca. Eles saem com facilidade, e Henry os coloca na bandeja em formato de rim, cheia de betadina, que Emily lhe oferece." (p. 301).


Em compensação, as observações sobre música, inspiradas pelo trabalho do filho, são tocantes e delicadas:

"Existem esses raros momentos em que, juntos, músicos atingem algo mais doce do que tudo o que já obtiveram antes, nos ensaios e nas apresentações, algo além da mera competência técnica e cooperativa, quando a expressão deles se torna tão fácil e elegante quanto a amizade e o amor. É então que nos proporcionam um relance do que poderíamos ser, do que temos de melhor, e de um mundo impossível em que damos para os outros tudo que temos, mas sem perdermos nada." (p. 208).


Posso reconhecer isso, comungo com essa percepção e a reconheço como parte de mim. Não há quebra do pacto ficcional, porque são impressões que podem ser compartilhadas por qualquer leitor que já tenha imergido na música, qualquer música.

E embora já esperasse a cena da agressão desde que ocorre o incidente com Baxter e Nigel na rua sem saída, o momento em que o revide acontece surpreende, e todo esse entrecho na casa é muito bom - tenso, denso, forte.

Mesmo um pouco piegas, é bonitinho quando Daisy-menina e futura poeta descobre o sentido da literatura:

"... a encontraram chorando, debaixo de uma árvore, perto do pombal, não por causa da história, mas porque tinha terminado, e ela saíra de um sonho, para se dar conta de que era tudo criação de uma mulher que ela jamais conheceria. Chorava, explicou Daisy, de admiração, de alegria, por coisas assim poderem ser inventadas". (p. 161).


Pois é, ainda bem que coisas assim continuam sendo inventadas, e continuarão sempre, acho.


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Ian McEwan. Sábado. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Cia das Letras, 2005.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Revolutionary Road



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Filme triste, triste, dá dó de ver os dois empacados naquela vida sem futuro algum, especialmente ela, que parece uma fera enjaulada numa vida sem perspectivas e sem futuro. Acho que traça um retrato preciso, especialmente, da condição feminina na década de cinquenta - ela pressente que aquela não é a vida que poderia estar vivendo, quer mais, naturalmente, do que ele, porque é ela quem paga o preço maior pela vida medíocre de dona de casa e mãe sem muita vocação. Se já pagava o preço maior, o filme também se encontra com um certo dramalhão ao puni-la no fim tão "moralmente" (e realisticamente, claro). É possível pensar que naquele então as mulheres ainda precisavam morrer por desejar viver sonhos e projetos e outras dimensões da vida afetiva.

De todo modo, achei interessante o tom teatral das discussões do casal (não fora a personagem de Winslet uma atriz), que às vezes resvala para o dramalhão e se nutre igualmente da tragédia grega, com um personagem fazendo as vezes de um Tirésias, que sopra no ouvido de ambos (e dos outros também) as verdades que fingem não ver.

Leonardo e Kate estão muito bem, e a melhor resenha que li, embora não concorde com tudo, está em


http://www.interney.net/blogs/filmesdochico/2009/02/10/foi_apenas_um_sonho/


ps. mas concordo com o mico da tradução do título, a que o autor se refere...

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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Duas cenas e uma nota


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Cena imperdoável de Dúvida: como arrepender-se e chorar ao final, pedindo a simpatia do espectador, sua solidariedade, sua misericórdia? Como? E o que fez ao pároco, chorar e ter dúvidas redimem o feito? Eu fiquei meio irritada, me senti manipulada. Acho que os crimes sexuais são dificilmente perdoáveis (me lembrei da Briony, como perdoá-la?). O trabalho dos atores está acima de qualquer mediania, merece todos os prêmios.


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Já em O leitor, o filme todo encaminha o espectador para alinhar-se com certa indulgência ao lado da protagonista, embora Kate Winslet a faça tosca e endurecida e meio parva (e extremamente sensual nessa suposta aridez).
A cena em que o rapaz percorre o campo de concentração absolutamente vazio, e num silêncio sepulcral, não consegue a força de denúncia que pretende.

É um filme mais para comover (e comove, quase todo mundo sai chorando) do que para refletir sobre as contradições e complexidades da situação de guerra (e do holocausto, claro). A ação final dela também penso que dá uma simplificada braba nas contradições e nos problemas, sobretudo dele, do ex-amante.

Kate Winslet tem uma atuação extraordinária, e o ator jovem, mais talvez do que o personagem adulto vivido pelo Ralph Fiennes, também dá show.

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E tenho a desconfiança de que uma certa benevolência em torno da guarda nazista tenha a ver com a literatura. Sabemos que essa grande dama (a literatura, não a mulher) tem cumprido tais funções na sociedade: educar; moralizar; dignificar; aprimorar o espírito, engrandecê-lo etc.
A personagem de Kate ama ouvir as histórias que lhe são contadas, e quando passa a receber as fitas na cadeia com essas histórias, dá-se um destino, o mais nobre: aprende a escrever ouvindo o som e comparando com as palavras do livro (tomado à biblioteca da prisão). Um feito e tanto, não há como negar. E altivo. E nobre. Enfim, a literatura lhe dá consistência, quiçá consciência, o que nos leva ao gesto final, à redenção etc.



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Parabéns, senhora



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Ontem foi um dia agradável, acabei indo almoçar num restaurante que eu frequento muito e minha irmã, que é muito assanhada, falou pro garçom que eu fazia aniversário. Daí a pouco ele chegou com uma torta e velinha, colocou uma música horrorosa de parabéns e as pessoas que estavam lá cantaram também. Inusitado e engraçado. E foi assim o aniversário.

Como esse blog está ficando meio desativado, e parece que os chegantes só gostam de ler sobre livros e/ou sobre alegrias e felicidades e ups e ohs, aqui vai meu bolo de vel(h)inha para as comemorações:




sábado, 7 de fevereiro de 2009

Coisas que deixamos pelo caminho

Há um momento de Beleza americana em que Sam Mendes filma um vento forte levando suavemente papéis e coisas pelo ar. É uma espécie de dança levíssima e delicada, em que tudo se move sem direção, semelhante a um bailado, e parece ter havido um jogo com o acaso ali - houve a cena ou ela foi criada em estúdio? - que não podia deixar de ser flagrada e incorporada ao filme. O que se vê é quase um parêntese nos acontecimentos narrados, mas incorporou-se à história de forma magistral, porque o breve encanto será paradigmático do que a vida pode ser em alguns momentos: matéria rara e rala, palha volátil, mas de uma beleza absurdamente pungente.

Por duas vezes passou no telecine Coisas que perdemos pelo caminho, que não havia visto no cinema, e fiquei completamente tomada pelo filme nas duas vezes - pela história, pelas atuações de Halle Berry e Benício del Toro, comoventes ambos, mais ele do que ela, talvez, que dá conta de expressar o tormento de um viciado em heroína tentando ficar limpo, isso tudo sem perder um certo ar de desdém no olhar que o faz passar pela tragédia de modo denso, mas leve, se isso é possível. Halle convence quase todo o tempo, salvo na cena do choro catártico, talvez, mas está ótima a maior parte do tempo. Um filme sobre perdas irreparáveis, sobre como superar-se e às mais violentas tragédias mas, sobretudo, um filme sobre a compaixão - o que faz alguém tomar a mão de outra pessoa e caminhar com ela um tempo, mostrar os pés para alguém que esqueceu como andar. Bonito e tocante.

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Há algum tempo estou envolvida com a leitura de Sábado, do Ian McEwan, e de A louca da casa, de Rosa Montero, ambos quase no fim, mas leituras feitas em meio a crises, nem sempre muito concentrada. De todo modo, o segundo tem momentos muito bons em que se discute com competência questões importantes a respeito de literatura e autores, e a linguagem aparentemente simples da jornalista não deixa de revelar uma leitora voraz e sofisticada, além de ótima contadora de casos e histórias em torno de livros e autores.

Já o livro do McEwan não consigo abandonar, mas tampouco leio com paixão. Parecem excessivas as minúcias com que aborda cada acontecimento na vida daquele cirurgião, além de soarem meio artificiais os termos médicos pesquisados e utilizados sem muita parcimônia ao longo da obra, ou os voleios e exasperações durante as partidas de tênis. Pode ser meu estado de espírito, mas em alguns momentos achei cansativos. Ainda não terminei.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

back slowly



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Para dar uma espairecida, fui rever Vicky Cristina aqui no Museu, também para ficar em um ambiente mais fresco, longe desse calor de deserto que tem feito. Gostei demais do filme, mais do que da primeira vez. Talvez porque minha vida está um caos, mas também muito sem perspectiva, totalmente sem graça, eu achei tudo que via na tela tão luminoso, tão novo - vidas cheias de entusiasmo, de desejos e vontades de encontrar o inusitado, os momentos em que as coisas brilham e fazem um sentido forte.

Como é estimulante a vida vivida quando aberta a novas experiências, novas sensações e descobertas. Há frescor naquelas pessoas, há vitalidade, há beleza e há uma música inebriante acompanhando os momentos, e o conjunto todo faz enorme bem a uma alma desencantada como esta minha no momento.

Me pergunto quando foi que desisti de mergulhar na vida com essa curiosidade, como foi que me acomodei dessa maneira e deixei a vida ficar esse cinza, essa coisa sem intensidade e sem brilho. Não acho que a doença apenas explique, embora tenha tido um peso preponderante.
Chegar aos sessenta (o que acontece na próxima semana, com a ressalva de que talvez sejam 59, se se levar em conta que a mãe não sabe bem o ano em que nasci, pois que os documentos foram lavrados depois e não se tem certeza do evento...). Mas enfim, fazer sessenta, tendo passado por esse acontecimento no meio da minha vida, que me levou a sair fora da atividade acadêmica (embora eu pudesse ter optado por ficar, mas não optei) ou de qualquer outra atividade laboral obrigatória, como soeu (acreditam que existe essa forma verbal?) acontecer all my life, está sendo ainda um prato indigesto de engolir e uma realidade difícil de encarar.

De todo modo, não me sinto com essa idade, mas também não sei qual seria. Sei que tenho talvez mais uns 10 anos, se tiver sorte, para procurar algum encanto, em algum canto desse mundo velho. Há de haver um lugar, dentro ou fora, em que pequenas mas consistentes alegrias sejam possíveis. Abrir os olhos. O coração também, o mais difícil.


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(E foi ontem mesmo que comemorei meio século, estava bem felizinha e achando um marco e essas bobagens. O que houve? Onde foram parar esses dez anos? Não são dez dias, ou dez meses. São dez anos que não sei o que fiz deles (se eu bebesse, diria que fiquei dez anos de porre). Caracas, se os próximos dez forem assim - vapt vupt - estou ferrada... )

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(Pensando melhor, eu sei o que fiz deles (eu sei o que você fez na noite passada... argh), mas se mesmo esse post nem deveria ter sido publicado, imagina esses dez anos de minha vida).

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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Pesou



Como já devem ter notado, a barra por aqui pesou - mãe doente, hospital, estresse, a tralha toda.
Volto quando os ares serenarem, ou eu mesma serenar.