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Nada a dizer sobre Eu sou a lenda, só que a atriz brasileira está muito bem e fala um inglês ótimo. É verdade que o papel dela é qualquer coisa, mas o filme todo é mesmo qualquer coisa.
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Já Estamos bem mesmo sem você é um filme para se pensar em vários aspectos da família, da mulher, da solidão, da infância, dos desejos, das impossibilidades inescapáveis de cumprir os papéis reservados sobretudo à mulher nos arranjos desse modelo de família que, parece, já deu o que tinha de dar. É também um filme sobre a dor, a perda, o crescimento de um menino.
Interessante é que, em geral, as meninas amadurecem mais cedo e mais rápido do que os meninos, mas o filme muda essa perspectiva, talvez porque seja a mãe o nó da família, e os acontecimentos são meio que vistos junto com ele. Assim, o menino, por imposição das circunstâncias, de sua história e de sua vida, vai virando o adulto que já era desde o início.
Um belo filme, e doloroso.
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quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
desvarios no brooklyn
Estou há algum tempo para falar sobre o livro Desvarios no Brooklyn (Paul Auster), mas fico adiando porque é difícil mesmo. Há várias coisas a serem observadas, a primeira das quais é que Auster é um grande escritor, domina a escrita literária com maestria e vigor, tem uma frase que diz imediatamente a que vem, então você lê o livro com prazer, vai lendo, vai lendo e... aí temos um problema. O livro não empolga e me pareceu um logro com relação ao que promete. Isso porque depois daquele início apocalíptico, em que ele anuncia um protagonista que teve câncer e que havia passado por todo o processo doloroso e exaustivo das medicações e prescrições, achei que estaria diante de um grande romance trágico, para dizer o mínimo.
Qual não é minha surpresa quando, logo em seguida a essa cena, o personagem já está curado, e sua volta ao Brooklin, aos 59 anos (onde morou até os três anos de idade), que deveria se constituir num ajuste de contas com a vida, a morte, a dor, a miséria de sermos falíveis e mortais ou o que quer seja que tenha densidade e complexidade, ou seja, aquilo que ele prometeu quando nos apresentou a morte em sua crueza de doença-que-não-tem-cura, não se concretiza, e ele faz uma espécie de folhetim das peripécias banais das pessoas que vai conhecendo e re-conhecendo ao longo do tempo e do caminho: o sobrinho intelectual que abandonou a tese e virou motorista de táxi, o homem gay que vende livros usados e depois o emprega, a menina problema, a mulher madura com quem ele se envolve, a filha desta mulher que vem a ter um caso amoroso com sua sobrinha, enfim, para cada um desses personagens temos muitos lugares-comuns, muita abobrinha, muita bobagem e alguma boa literatura. Exemplo: para falar da tese abortada do sobrinho, Tom, ele faz digressões pseudo-inteligentes sobre os estudos acadêmicos, sobre os grandes autores da tradição anglo-americana e aproveita para mostrar "erudição" contando "causos" sobre a vida deles, sobretudo de Poe, que devem ter sido recolhidos numa pesquisa rápida no google.
Bom, a gente sabe do apreço que os estudos culturais têm pela relação vida-obra, e nem nego que possa haver interesse para a literatura nessa interseção, mas no livro a coisa me pareceu meio cínica, e pouco proveitosa. De todo modo, a sensação ao final do livro é que o narrador me prometia um magnífico romance trágico e no final recebi uma conversa sobre banalidades, algo como um tititi de comadres, para ser mais precisa - e cruel, claro, porque o autor é bom demais para se permitir um romance menor do que ele.
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Paul Auster. Desvarios no Brooklin. Trad. Beth Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2005.
Qual não é minha surpresa quando, logo em seguida a essa cena, o personagem já está curado, e sua volta ao Brooklin, aos 59 anos (onde morou até os três anos de idade), que deveria se constituir num ajuste de contas com a vida, a morte, a dor, a miséria de sermos falíveis e mortais ou o que quer seja que tenha densidade e complexidade, ou seja, aquilo que ele prometeu quando nos apresentou a morte em sua crueza de doença-que-não-tem-cura, não se concretiza, e ele faz uma espécie de folhetim das peripécias banais das pessoas que vai conhecendo e re-conhecendo ao longo do tempo e do caminho: o sobrinho intelectual que abandonou a tese e virou motorista de táxi, o homem gay que vende livros usados e depois o emprega, a menina problema, a mulher madura com quem ele se envolve, a filha desta mulher que vem a ter um caso amoroso com sua sobrinha, enfim, para cada um desses personagens temos muitos lugares-comuns, muita abobrinha, muita bobagem e alguma boa literatura. Exemplo: para falar da tese abortada do sobrinho, Tom, ele faz digressões pseudo-inteligentes sobre os estudos acadêmicos, sobre os grandes autores da tradição anglo-americana e aproveita para mostrar "erudição" contando "causos" sobre a vida deles, sobretudo de Poe, que devem ter sido recolhidos numa pesquisa rápida no google.
Bom, a gente sabe do apreço que os estudos culturais têm pela relação vida-obra, e nem nego que possa haver interesse para a literatura nessa interseção, mas no livro a coisa me pareceu meio cínica, e pouco proveitosa. De todo modo, a sensação ao final do livro é que o narrador me prometia um magnífico romance trágico e no final recebi uma conversa sobre banalidades, algo como um tititi de comadres, para ser mais precisa - e cruel, claro, porque o autor é bom demais para se permitir um romance menor do que ele.
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Paul Auster. Desvarios no Brooklin. Trad. Beth Vieira. São Paulo: Cia das Letras, 2005.
sábado, 26 de janeiro de 2008
acabou o sossego
Acabou o sossego, ela volta hoje. Não vou mentir que morri de saudades, não é verdade, achei ótimo ficar sozinha, me reencontro comigo mesma assim, gosto de estar só, acho que é uma das razões por que não tive filhos. E o carnaval se aproxima, com os insistentes "tia, posso ir com meus amigos pra banda x?" Eu podia viajar, mas onde fica mais calmo no carnaval do que por aqui? Enfim, só mais alguns dias e as aulas retornam, graças.
Quando li o livro de Danuza Leão (de que gostei muito) "Quase tudo", me senti muito próxima a tudo que ela diz sobre viver só. O final do livro é maravilhoso, mas nem aquilo quero para mim nowadays.
Quando li o livro de Danuza Leão (de que gostei muito) "Quase tudo", me senti muito próxima a tudo que ela diz sobre viver só. O final do livro é maravilhoso, mas nem aquilo quero para mim nowadays.
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
Em compensação
Em compensação, um livro que eu recém comecei a ler fala de mim como se fosse eu mesma, numa frase absolutamente certeira e cortante:
"O choque do câncer tinha sido tão grande que eu ainda não confiava na possibilidade de sobreviver a ele. Eu havia me considerado morto e, depois que o tumor foi retirado, depois que passei pelos tormentos desanimadores da náusea, da tontura, da perda do cabelo, da vontade, do emprego e da mulher, passei a achar muito difícil vislumbrar como seguir adiante. Daí o Brooklin. Daí minha volta inconsciente ao lugar onde minha história começou. Eu estava com quase sessenta anos de idade e não sabia quanto tempo me restava. Talvez mais uns vinte anos; talvez só mais alguns meses. Quaisquer que fossem os prognósticos médicos para meu estado, o crucial era não tomar nada como favas contadas. E, enquanto eu estivesse por aqui, era preciso descobrir uma forma de começar a viver de novo; e, mesmo que não fosse por muito tempo, era preciso fazer mais do que apenas ficar sentado pelos cantos, à espera do fim. Como de hábito, minha filha cientista estava certa, ainda que eu fosse teimoso demais para admitir isso. Eu precisava me manter ocupado. Precisava despregar a bunda da cadeira e fazer algo."
(Paul Auster, Desvarios no Brooklin, São Paulo: Cia das Letras, 2005, p.10)
"O choque do câncer tinha sido tão grande que eu ainda não confiava na possibilidade de sobreviver a ele. Eu havia me considerado morto e, depois que o tumor foi retirado, depois que passei pelos tormentos desanimadores da náusea, da tontura, da perda do cabelo, da vontade, do emprego e da mulher, passei a achar muito difícil vislumbrar como seguir adiante. Daí o Brooklin. Daí minha volta inconsciente ao lugar onde minha história começou. Eu estava com quase sessenta anos de idade e não sabia quanto tempo me restava. Talvez mais uns vinte anos; talvez só mais alguns meses. Quaisquer que fossem os prognósticos médicos para meu estado, o crucial era não tomar nada como favas contadas. E, enquanto eu estivesse por aqui, era preciso descobrir uma forma de começar a viver de novo; e, mesmo que não fosse por muito tempo, era preciso fazer mais do que apenas ficar sentado pelos cantos, à espera do fim. Como de hábito, minha filha cientista estava certa, ainda que eu fosse teimoso demais para admitir isso. Eu precisava me manter ocupado. Precisava despregar a bunda da cadeira e fazer algo."
(Paul Auster, Desvarios no Brooklin, São Paulo: Cia das Letras, 2005, p.10)
domingo, 20 de janeiro de 2008
chororô
Não adianta, toda vez que leio o parafrancisco, choro. Mas é tão bonito esse amor, que coisa extraordinária de ver e ler. Três palavras: delicadeza, leveza, sensibilidade.
De Italo Calvino, a respeito, exatamente, da leveza, uma das seis propostas para o próximo milênio:
"Se eu tivesse que escolher um símbolo votivo para saudar o novo milênio, seria o salto ágil e imprevisto do poeta-filósofo que se eleva acima do peso do mundo, demonstrando que detém o segredo da leveza, enquanto aquela que muitos julgam ser a vitalidade dos tempos, estrepitante e agressiva, pertence ao reino da morte, como um cemitério de automóveis enferrujados”.
De Italo Calvino, a respeito, exatamente, da leveza, uma das seis propostas para o próximo milênio:
"Se eu tivesse que escolher um símbolo votivo para saudar o novo milênio, seria o salto ágil e imprevisto do poeta-filósofo que se eleva acima do peso do mundo, demonstrando que detém o segredo da leveza, enquanto aquela que muitos julgam ser a vitalidade dos tempos, estrepitante e agressiva, pertence ao reino da morte, como um cemitério de automóveis enferrujados”.
sábado, 19 de janeiro de 2008
Enfim, só
Uma semana sem ninguém -- sem som de rap, nem funk, nem desenho na tv, nem brigas, nem conversas, nem reclamações, nem nada. Só eu e eu só. Amém.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2008
(não) fazes-me falta
Nesse estágio da minha vida, não é possível ler Fazes-me falta, da Inês Pedrosa. Não é uma leitura essencial, não é uma estória e/ou um estilo que eu queira agora, não é um livro de que eu precise, não é uma literatura indispensável. E eu só posso ler coisas imprescindíveis agora, porque sou uma aged woman, sem paciência para quem ainda procura sua forma. Mas não apenas por isso.
É também porque essa literatura confessional, dos amores obsessivos e extenuantes, das paixões avassaladoras, dos desejos que parecem não ter começo nem fim, numa espécie de béance incapturável, esse tipo de paixão pertence a um certo estágio da vida, requer o mínimo de pertencimento a seu universo, e o interesse por ela (tal literatura) também.
Depois de uma conversa com rob, uma amostra do estilo da moça:
Não era a morte que te incomodava, dizias, mas o vagar dela, a tortura da doença. A História. Creio que nunca te vi doente -- a não ser de amor. Cultivavas o vício da paixão com um método implacável. Corrias em contra-relógio. Procuravas a imobilidade de um tempo-pedra que já era o teu. O nosso - mas como podíamos dizê-lo, se tínhamos de continuar vivos? Nos breves dias em que vivias desapaixonada, tornavas-te impossível. Nada te entusiasmava. Depois iniciaste uma carreira de Poder e perdeste esse gosto profundo pelo romance extático. (Fazes-me falta, São Paulo: Planeta, 2003, p.12-3).
É também porque essa literatura confessional, dos amores obsessivos e extenuantes, das paixões avassaladoras, dos desejos que parecem não ter começo nem fim, numa espécie de béance incapturável, esse tipo de paixão pertence a um certo estágio da vida, requer o mínimo de pertencimento a seu universo, e o interesse por ela (tal literatura) também.
Depois de uma conversa com rob, uma amostra do estilo da moça:
Não era a morte que te incomodava, dizias, mas o vagar dela, a tortura da doença. A História. Creio que nunca te vi doente -- a não ser de amor. Cultivavas o vício da paixão com um método implacável. Corrias em contra-relógio. Procuravas a imobilidade de um tempo-pedra que já era o teu. O nosso - mas como podíamos dizê-lo, se tínhamos de continuar vivos? Nos breves dias em que vivias desapaixonada, tornavas-te impossível. Nada te entusiasmava. Depois iniciaste uma carreira de Poder e perdeste esse gosto profundo pelo romance extático. (Fazes-me falta, São Paulo: Planeta, 2003, p.12-3).
sábado, 12 de janeiro de 2008
Desejo e reparação
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O filme é lindíssimo, trabalha na vertente dos grandes filmes de amor e guerra da tradição anglo-americana e segue muito de perto a linguagem do livro, recriando as cenas e muitas das falas tal como Ian McEwan as formulou. Muito boa, logo no início, a alternância de pontos de vista da Briony e dos outros dois personagens, Cecilia e Robbie, na cena crucial - o mergulho no lago. O que o filme traz a mais nessa cena é a Keira Knightely, absolutamente deslumbrante, surgindo como uma deusa das águas e da beleza. Também na cena do jantar ela está todas-as-mulheres-deusas-do-cinema-de-todos-os-tempos com aquele vestido verde que é qualquer coisa.
O filme é magistral, as cenas de guerra continuam, como no livro, fortes e nauseantes, os atores estão perfeitos, a gente vê de imediato a perfídia na cara do ator que faz o Paul Marshall e a safadezazinha insinuando-se na maneira como Lola Quincey adolescente fala com ele, olha pra ele, com todas os hormônios à flor da pele.
Cena inesquecível: a da biblioteca, quando Briony, errada sempre, errando sempre, flagra Cecília e Robbie se amando -- essa já se inscreveu como uma cena antológica, das mais sensuais do cinema, ever.
O final consegue ser ainda mais perfeito: colocar a Vanessa Redgrave para explicar o último livro é um achado genial, porque ela é "a" grande dama do cinema, representa uma certa nobreza da arte de representar, e está ali para dizer da grandeza da literatura, ou seja, para dizer que o romance escrito por ela reinventou o impossível, recolocou no eixo da história os dois personagens juntos, permitiu que os amantes, que ela havia separado para sempre na vida real do romance, tivessem afinal o destino que lhes cabia antes de sua intervenção. Ela está ali para conferir à literatura seu estatuto de engendrador
Porque Vanessa é um ícone na seara cinematográfica, ninguém melhor do que ela para ser essa Briony do final, que jamais será perdoada, cujo crime jamais prescreverá, mas que, no fim das contas, nos lega o romance e, assim, reinventa-se (e a nós todos) pela criação da palavra.
____de destinos, de vidas, de estórias, de criação.
O filme é lindíssimo, trabalha na vertente dos grandes filmes de amor e guerra da tradição anglo-americana e segue muito de perto a linguagem do livro, recriando as cenas e muitas das falas tal como Ian McEwan as formulou. Muito boa, logo no início, a alternância de pontos de vista da Briony e dos outros dois personagens, Cecilia e Robbie, na cena crucial - o mergulho no lago. O que o filme traz a mais nessa cena é a Keira Knightely, absolutamente deslumbrante, surgindo como uma deusa das águas e da beleza. Também na cena do jantar ela está todas-as-mulheres-deusas-do-cinema-de-todos-os-tempos com aquele vestido verde que é qualquer coisa.
O filme é magistral, as cenas de guerra continuam, como no livro, fortes e nauseantes, os atores estão perfeitos, a gente vê de imediato a perfídia na cara do ator que faz o Paul Marshall e a safadezazinha insinuando-se na maneira como Lola Quincey adolescente fala com ele, olha pra ele, com todas os hormônios à flor da pele.
Cena inesquecível: a da biblioteca, quando Briony, errada sempre, errando sempre, flagra Cecília e Robbie se amando -- essa já se inscreveu como uma cena antológica, das mais sensuais do cinema, ever.
O final consegue ser ainda mais perfeito: colocar a Vanessa Redgrave para explicar o último livro é um achado genial, porque ela é "a" grande dama do cinema, representa uma certa nobreza da arte de representar, e está ali para dizer da grandeza da literatura, ou seja, para dizer que o romance escrito por ela reinventou o impossível, recolocou no eixo da história os dois personagens juntos, permitiu que os amantes, que ela havia separado para sempre na vida real do romance, tivessem afinal o destino que lhes cabia antes de sua intervenção. Ela está ali para conferir à literatura seu estatuto de engendrador
Porque Vanessa é um ícone na seara cinematográfica, ninguém melhor do que ela para ser essa Briony do final, que jamais será perdoada, cujo crime jamais prescreverá, mas que, no fim das contas, nos lega o romance e, assim, reinventa-se (e a nós todos) pela criação da palavra.
____de destinos, de vidas, de estórias, de criação.
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
moça valente
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Li a estória dessa moça do 'hojevouassim' numa revista semanal e achei comovente, muito lúcida e muito bonita a forma como lidou com tanta dor, conforme relata no outro blog sobre o francisco, o filho dela, em parafrancisco.blogspot.com. Além disso, ela é muito interessante e fez esse blog super bem-humorado pra dizer como a vida é bonita e como vale viver. Bonito.
Li a estória dessa moça do 'hojevouassim' numa revista semanal e achei comovente, muito lúcida e muito bonita a forma como lidou com tanta dor, conforme relata no outro blog sobre o francisco, o filho dela, em parafrancisco.blogspot.com. Além disso, ela é muito interessante e fez esse blog super bem-humorado pra dizer como a vida é bonita e como vale viver. Bonito.
segunda-feira, 7 de janeiro de 2008
Sombras de goya
Gostei de ver Sombras de Goya, é um filme bonito e triste também, mas havia alguma coisa nele que eu não sabia bem o que era, algo como uma incompletude que me fazia estranhá-lo um pouco. Por sorte, encontrei uma crítica tão boa, mas tão boa do Pablo Villaça (não sei quem é, mas escreve bem demais sobre cinema), que diz tudo e mais alguma coisa sobre o filme em http://www.cinemaemcena.com.br/Ficha_filme.aspx?id_critica=
O mais alguma coisa fica por conta de um certo exagero quanto à atuação do Bardem. Ele está muito bem, mas nem tanto, nem tanto...:)
"Infelizmente, por melhor que seja o trabalho de Portman como Inès (e, de fato, é espetacular), seus esforços são comprometidos pelo roteiro: em primeiro lugar, a garota se mostra excessivamente lúcida em seu primeiro encontro com Goya depois de sair da prisão – algo incompatível com o que viera antes e com o que aconteceria em seguida. Além disso, a decisão de escalar Portman também no papel da filha de 14 anos de Inès soa como um absurdo típico (e lá vamos nós de novo) de uma novela de televisão, enfraquecendo qualquer tentativa de transformar o filme em uma narrativa mais densa do ponto de vista dramático.
Enquanto isso, Javier Bardem transforma o padre Lorenzo em uma figura extremamente complexa, encarnando-o como um homem fraco de espírito que persegue o poder como maneira de colocar-se acima de seus pares – e, para isto, não importa se sua “causa” é a perseguição aos hereges ou a defesa dos ideais da Revolução Francesa. Porém, comprovando sua inteligência como intérprete, Bardem foge do caminho óbvio (transformar Lorenzo em um vilão antipático) e demonstra compreender que, para obter sucesso em suas empreitadas, um sujeito como aquele deveria ser perfeitamente capaz de dissimular suas intenções maldosas. Com isso, o ator confere ao personagem uma cadência de fala calma que busca sugerir uma alma caridosa mesmo quando o que está sendo dito revela uma crueldade absurda.
Além disso, o rosto sempre sério e contraído de Lorenzo reflete sua absoluta incapacidade de experimentar sentimentos mais calorosos - e quando ele sorri brevemente ao ver a pintura de si mesmo feita por Goya, percebemos até mesmo sua falta de prática ao abrir o semblante, como se ele imitasse a expressão de alegria sem realmente compreender seu significado. Finalmente, Bardem recheia sua atuação com sutilezas típicas de um Brando quando, por exemplo, se vira para o lado errado ao se dirigir a Goya, que está às suas costas, ou ao tentar reerguer um cavalo que foi derrubado por um tiro. Assim, é realmente uma pena que (mais uma vez) o roteiro demonstre compreender tão pouco o personagem em seu ato final, quando Lorenzo exibe uma força “ideológica” incompatível com sua natureza corrompida, já que é óbvio que ele aceitaria qualquer tipo de acordo que lhe fosse benéfico."
O mais alguma coisa fica por conta de um certo exagero quanto à atuação do Bardem. Ele está muito bem, mas nem tanto, nem tanto...:)
"Infelizmente, por melhor que seja o trabalho de Portman como Inès (e, de fato, é espetacular), seus esforços são comprometidos pelo roteiro: em primeiro lugar, a garota se mostra excessivamente lúcida em seu primeiro encontro com Goya depois de sair da prisão – algo incompatível com o que viera antes e com o que aconteceria em seguida. Além disso, a decisão de escalar Portman também no papel da filha de 14 anos de Inès soa como um absurdo típico (e lá vamos nós de novo) de uma novela de televisão, enfraquecendo qualquer tentativa de transformar o filme em uma narrativa mais densa do ponto de vista dramático.
Enquanto isso, Javier Bardem transforma o padre Lorenzo em uma figura extremamente complexa, encarnando-o como um homem fraco de espírito que persegue o poder como maneira de colocar-se acima de seus pares – e, para isto, não importa se sua “causa” é a perseguição aos hereges ou a defesa dos ideais da Revolução Francesa. Porém, comprovando sua inteligência como intérprete, Bardem foge do caminho óbvio (transformar Lorenzo em um vilão antipático) e demonstra compreender que, para obter sucesso em suas empreitadas, um sujeito como aquele deveria ser perfeitamente capaz de dissimular suas intenções maldosas. Com isso, o ator confere ao personagem uma cadência de fala calma que busca sugerir uma alma caridosa mesmo quando o que está sendo dito revela uma crueldade absurda.
Além disso, o rosto sempre sério e contraído de Lorenzo reflete sua absoluta incapacidade de experimentar sentimentos mais calorosos - e quando ele sorri brevemente ao ver a pintura de si mesmo feita por Goya, percebemos até mesmo sua falta de prática ao abrir o semblante, como se ele imitasse a expressão de alegria sem realmente compreender seu significado. Finalmente, Bardem recheia sua atuação com sutilezas típicas de um Brando quando, por exemplo, se vira para o lado errado ao se dirigir a Goya, que está às suas costas, ou ao tentar reerguer um cavalo que foi derrubado por um tiro. Assim, é realmente uma pena que (mais uma vez) o roteiro demonstre compreender tão pouco o personagem em seu ato final, quando Lorenzo exibe uma força “ideológica” incompatível com sua natureza corrompida, já que é óbvio que ele aceitaria qualquer tipo de acordo que lhe fosse benéfico."
domingo, 6 de janeiro de 2008
bom cinema
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Pelo menos uma boa notícia: Isabela Boscov faz uma crítica excelente sobre o filme Desejo e Reparação, baseado no extraordinário Reparação, do Ian McEwan. Diz ela na última Veja (sim, eu leio Veja, e gosto) que o filme "por pouco, muito pouco, não é tão arrebatador quanto o texto em que se inspira".
Já é algum alento e me vejo na primeira sessão da próxima sexta no cinema mais próximo, feliz da vida, porque nem tudo são tristezas, há o cinema e há a literatura.
Pelo menos uma boa notícia: Isabela Boscov faz uma crítica excelente sobre o filme Desejo e Reparação, baseado no extraordinário Reparação, do Ian McEwan. Diz ela na última Veja (sim, eu leio Veja, e gosto) que o filme "por pouco, muito pouco, não é tão arrebatador quanto o texto em que se inspira".
Já é algum alento e me vejo na primeira sessão da próxima sexta no cinema mais próximo, feliz da vida, porque nem tudo são tristezas, há o cinema e há a literatura.
sábado, 5 de janeiro de 2008
literatura e vida
Durante anos eu comecei meus cursos de LB com esse poema de Adélia, com o qual abria a discussão candente sobre o ser da literatura e afins. Hoje ele está aqui porque expressa os meus sentimentos exatamente como estão hoje.
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Para tambor e voz
viola violeta violenta violada
óbvia vertigem caos tão claro,
claustro.
Lápides quentes sobre restos podres
um resto de café na xícara e mosca
(Adélia Prado, Bagagem)
quarta-feira, 2 de janeiro de 2008
sem aulas
Minha professora de alongamento, que ia ter bebê em fevereiro, acabou antecipando a "encomenda" e ela nasceu no sábado, 29/12. Ainda não consegui falar com ela, espero que esteja tudo bem, e na sexta que vem outro professor vai assumir a turma, espero que essa coisa engrene de novo porque há um tempão que não tenho aula, por motivos os mais diversos. Até nisso essa histeria de fim de ano interfere.
terça-feira, 1 de janeiro de 2008
que ano novo que nada
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Até que enfim passou o ano, passaram as festas e toda a chatice que envolve o final do ano. Dormi solenemente, fechei todas as janelas, tapei os ouvidos e apaguei, maravilha. Acho que está na hora de um ano acabar no dia 30 e o outro começar em 2, vamos pular esse circo todo que enche o saco de qualquer cristão sem paciência, como eu. O que mais abomino: minha rua é tomada pela galera de dois botequins que ficam um bem na esquina e outro logo depois, e que faz um escarcéu sem tamanho com música nefanda, num alto-falante gigante que fica dentro do porta-malas dos carros. Não satisfeitos em tomar um lado inteiro do começo da rua, agora eles também tomaram o outro lado, onde fazem churrasco, dançam, bebem e fazem outras coisas, enfim, o inferno total. E essa rua era bucólica, acreditam? Quando vim morar aqui, escolhi primeiro a rua, depois o apartamento, agora quero sair não só da rua, como do prédio, do Rio e quiçá do mundo. Oh, chatice.
Então não tem balanço nenhum de nada, só que estou viva, coisa à beça, embora ouvindo o som altíssimo de uma música chatíssima de um vizinho aqui perto. Não dá pra fechar tudo de novo, porque acho que o ar não aguenta virar dia e noite. Meu deus, tudo está muito, muito decadente ou eu estou me tornando um ser impossível.
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Até que enfim passou o ano, passaram as festas e toda a chatice que envolve o final do ano. Dormi solenemente, fechei todas as janelas, tapei os ouvidos e apaguei, maravilha. Acho que está na hora de um ano acabar no dia 30 e o outro começar em 2, vamos pular esse circo todo que enche o saco de qualquer cristão sem paciência, como eu. O que mais abomino: minha rua é tomada pela galera de dois botequins que ficam um bem na esquina e outro logo depois, e que faz um escarcéu sem tamanho com música nefanda, num alto-falante gigante que fica dentro do porta-malas dos carros. Não satisfeitos em tomar um lado inteiro do começo da rua, agora eles também tomaram o outro lado, onde fazem churrasco, dançam, bebem e fazem outras coisas, enfim, o inferno total. E essa rua era bucólica, acreditam? Quando vim morar aqui, escolhi primeiro a rua, depois o apartamento, agora quero sair não só da rua, como do prédio, do Rio e quiçá do mundo. Oh, chatice.
Então não tem balanço nenhum de nada, só que estou viva, coisa à beça, embora ouvindo o som altíssimo de uma música chatíssima de um vizinho aqui perto. Não dá pra fechar tudo de novo, porque acho que o ar não aguenta virar dia e noite. Meu deus, tudo está muito, muito decadente ou eu estou me tornando um ser impossível.
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