à memória de Mário Cesariny
Há anjos
que não
compreendem o que dizemos
que não compreendem
o próprio sentido
das palavras que,
incessantemente, repetem
da esperança
universal de que têm de nos convencer diariamente.
Há anjos que
ressonam como foles
que andam cansados
porque estão acordados há séculos
que precisam de
ser transportados às costas
alimentados
intravenosamente
protegidos da
ferocidade do mundo.
Há anjos que lêem
livros
anjos que escrevem
poemas.
Há anjos que
deixaram crescer a barba
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que gostam de se
deixar adormecer pelo comovente murmurar
das barbearias.
Há anjos que
acabaram de nascer
que têm nomes
vulgares
que viajam de
avião
que até gostam de
aeroportos.
Há anjos
secretamente apaixonados por fadas,
por longos rios
cheios de luzes
por súbitos
glaciares.
Há anjos que são
subcutâneos.
Há anjos que estão
sempre com febre
que são ingénuos
como enigmas.
Há anjos que vivem
em arranha-céus,
que trabalham em
andaimes
de onde às vezes
se precipitam de propósito.
E há anjos que são
funâmbulos.
Há anjos que
talvez nos surpreendam
que às vezes nos
saúdam, disfarçadamente, por entre a multidão
que abrem os olhos
de noite.
Que, na sua voz
interrompida, mutilada,
pedem calma.
Pedem muita calma.
António Ladeira em Resumo: a poesia em 2010
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