Acabava de saber que Marianne Faithfull dera entrada nas urgências/cuidados intensivos de um hospital de Londres e podia depreender-se que as probabilidades de sobreviver eram mínimas.
Foi este o registo que deixei:
«Leio que Marianne Faithfull foi internada num hospital londrino depois de o seu teste ao Covid-19 ter dado positivo. Acresce que Marianne Faithfull, com 73 anos, sofre de hepatite C e isso não augura nada de bom.
O António Variações dizia que quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga.
Keith Richards, na sua autobiografia Life, lamentava-se que as moças iam todas chorar no seu ombro.
Quando soube que Mick Jagger andava a comer fora, Marianne procurou o ombro de Keith.
Que há-de um homem fazer?
Por uma noite, «quem foi ao mar perdeu o lugar», Keith perdeu-se a contar outras músicas a Marianne.
Eis senão quando os dois ouvem o carro de Mick Jagger chegar.
Relato de Keith:
«Grande alvoroço, pego nos sapatos e salto janela fora para o jardim. Tinha-me esquecido das meias! Mas o Mick também não era gajo para se pôr à procura de meias. E assim ficámos com uma piada para sempre – ainda hoje, a Marianne me diz: «Ainda não consegui encontrar as tuas meias!»
Após 22 dias de internamento, Marianne acabou por dar a volta a todos os textos.
João Lisboa (Expresso de 30 de Abril) ocupa-se do último trabalho de Marianne («O Mais Belo Álbum») e referindo as notícias pessimistas que envolveram a entrada no hospital de Marianne, esperando-se o pior, diz-nos: «isso não era senão menosprezar Marianne Evelyn Gabriel Fairhfull, aliás, a baronesa Erisso Von Sacher-Masoch, sobrinha-bisneta do infame Leopold: quem ao longo da vida, já sobrevivera a uma prolongada dependência de heroína – que a lançara para a rua, sem abrigo -, à bulimia, ao alcoolismo, a diversas tentativas de suicídio, a um cancro da mama, à hepatite C e a uma fratura da anca com infecção pós-operatória, não haveria de ser um qualquer SARS-CoV-2 que a iria derrotar.»
Há semanas saiu o seu 21º álbum de estúdio, um disco que sempre desejara gravar – She Walks in Beauty.
Marianne, aos 14 anos, leu uma antologia de poetas ingleses, apaixonando-se pela poesia romântica e em entrevista ao The Guardian, respigada por João Lisboa, conta:
«Nunca tive a menor dúvida. Tinha-o na cabeça. Penso nele há tanto tempo que sabia exactamente o que pretendia. Tive sempre esta ideia de gravar o mais belo álbum de poesia com acompanhamento musical mas não conseguia imaginar quem poderia estar interessado em publicá-lo. Quando conheci estes poemas, era uma miúda esperta e bonita e imaginava que eram todos acerca de mim. Agora, creio ser a coisa mais perfeita para este momento que vivemos. Quando os leio, vejo-os como um rio, uma montanha, são belíssimos e reconfortantes. E acabei por descobrir que não tinham sido escritos sobre mim.»
A envolvência musical, que acompanha a recitação das poesias, deve-se ao arquitecto sonoro Warren Ellis, uma vida a trabalhar com Nick Cave. e os Bad Seeds.
É um belo álbum.
Ao mesmo tempo, Marianne
Faithfull e Keith Richards, ainda não encontraram as meias deixadas em casa de
Mick Jagger.
Abençoados deuses.