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sábado, 15 de maio de 2021

CAMINHANDO COM A BELEZA


Era domingo, um triste domingo daqueles dias difíceis, cruéis mesmo, de Abril de 2020.

Acabava de saber que Marianne Faithfull dera entrada nas urgências/cuidados intensivos de um hospital de Londres e podia depreender-se que as probabilidades de sobreviver eram mínimas.

Foi este o registo que deixei:

«Leio que Marianne Faithfull foi internada num hospital londrino depois de o seu teste ao Covid-19 ter dado positivo. Acresce que Marianne Faithfull, com 73 anos, sofre de hepatite C e isso não augura nada de bom.

O António Variações dizia que quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga.

Keith Richards, na sua autobiografia Life, lamentava-se que as moças iam todas chorar no seu ombro.

Quando soube que Mick Jagger andava a comer fora, Marianne procurou o ombro de Keith.

Que há-de um homem fazer?

 Por uma noite, «quem foi ao mar perdeu o lugar», Keith perdeu-se a contar outras músicas a Marianne.

Eis senão quando os dois ouvem o carro de Mick Jagger chegar.

Relato de Keith:

«Grande alvoroço, pego nos sapatos e salto janela fora para o jardim. Tinha-me esquecido das meias! Mas o Mick também não era gajo para se pôr à procura de meias. E assim ficámos com uma piada para sempre – ainda hoje, a Marianne me diz: «Ainda não consegui encontrar as tuas meias!»

Após 22 dias de internamento, Marianne acabou por dar a volta a todos os textos.

João Lisboa (Expresso de 30 de Abril) ocupa-se do último trabalho de Marianne («O Mais Belo Álbum») e referindo as notícias pessimistas que envolveram a entrada no hospital de Marianne, esperando-se o pior, diz-nos: «isso não era senão menosprezar Marianne Evelyn Gabriel Fairhfull, aliás, a baronesa Erisso Von Sacher-Masoch, sobrinha-bisneta do infame Leopold: quem ao longo da vida, já sobrevivera a uma prolongada dependência de heroína – que a lançara para a rua, sem abrigo -, à bulimia, ao alcoolismo, a diversas tentativas de suicídio, a um cancro da mama, à hepatite C e a uma fratura da anca com infecção pós-operatória, não haveria de ser um qualquer SARS-CoV-2 que a iria derrotar.»

Há semanas saiu o seu 21º álbum de estúdio, um disco que sempre desejara gravar – She Walks in Beauty.

Marianne,  aos 14 anos, leu uma antologia de poetas ingleses, apaixonando-se pela poesia romântica e em entrevista ao The Guardian, respigada por João Lisboa, conta:

«Nunca tive a menor dúvida. Tinha-o na cabeça. Penso nele há tanto tempo que sabia exactamente o que pretendia. Tive sempre esta ideia de gravar o mais belo álbum de poesia com acompanhamento musical mas não conseguia imaginar quem poderia estar interessado em publicá-lo. Quando conheci estes poemas, era uma miúda esperta e bonita e imaginava que eram todos acerca de mim. Agora, creio ser a coisa mais perfeita para este momento que vivemos. Quando os leio, vejo-os como um rio, uma montanha, são belíssimos e reconfortantes. E acabei por descobrir que não tinham sido escritos sobre mim.»

A envolvência musical, que acompanha a recitação das poesias, deve-se ao arquitecto sonoro Warren Ellis, uma vida a trabalhar com Nick Cave. e os Bad Seeds.

É um belo álbum.

Ao mesmo tempo, Marianne Faithfull e Keith Richards, ainda não encontraram as meias deixadas em casa de Mick Jagger.

Abençoados deuses.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

BILY PRESTON & SYREETA


Teve um tempo em que andou apanhadinho, quase fan-fan, pelo som Motown.

Em tempos colocou, aqui, um BestMotown e lamentava que os antologiadores tenham deixado de fora duas canções de Syreeta e do Billy Preston: A Long And Lasting Love e What We Did For Love.

É este o disco, uma capa, simplesmente, horrorosa.

Para encontrar o disco foi uma carga de trabalhos.

Praticamente já dele se esquecera quando o encontrou na Grande Feira do Disco, na Rua Forno de Tijolo, estava a casa a dar as últimas.

De 1973 a 1977, Billy Preston, nos teclados, fez parte dos Rolling Stones. Keith Richards manifesta a opinião de que ele trouxera aos Stones um novo som. As coisas corriam bem em estúdio mas, ao vivo, o Billy não ficava descansado enquanto não punha o selo bem escarrapachado em cada canção.

Uma noite, em Glasgow, tocava tão alto que abafava o resto da banda.

Keith chamou-o aos bastidores, mostrou-lhe a naifa e disse: Sabes o que é isto, Bill? Caro William, se não baixas imediatamente o volume dessa merda, vais conhecê-la de perto. Isto não é um concerto dos Rolling Stones e do Billy Preston. Tu és o teclista dos Rolling Stones.

Em Life, Keith Richards, conta o resto da história:

O Billy morreu de complicações provocadas por todo o tipo de excessos, em 2006. Não tinha de ser assim; ele bem podia ter continuado em espiral ascendente. Tinha todo o talento do mundo. Talvez estivesse no meio há demasiado tempo; tinha começado muito novo. Era gay numa altura em que ninguém o podia ser abertamente, o que lhe trouxe dificuldades acrescidas. A maior parte das vezes o Billy era de matar a rir, mas às vezes também se passava. Uma vez, num elevador, tive de o impedir de dar porrada ao namorado. «Billy ou te acalmas ou rasgo-te a peruca.» Ele usava aquela peruca afro enorme e ridícula, quando o seu cabelo natural, que fazia lembrar o Billy Eckstine, não lhe ficava nada mal.»


domingo, 5 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


Hoje é domingo.

Merdoso domingo, chove e faz frio.

A cidade envolta numa sinfonia de silêncio.

Leio que Marianne Faithfull foi internada num hospital londrino depois de o seu teste ao Covid-19 ter dado positivo. Acresce que Marianne Faithfull, com 73 anos, sofre de hepatite C e isso não augura nada de bom.

O António Variações dizia que quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga.

Keith Richards, na sua autobiografia Life, lamentava-se que as moças iam todas chorar no seu ombro.

Quando soube que Mick Jagger andava a comer fora, Marianne procurou o ombro de Keith.

Que há-de um homem fazer?

Por uma noite, «quem foi ao mar perdeu o lugar», Keith perdeu-se a contar outras músicas a Marianne.

Eis senão quando os dois ouvem o carro de Mick Jagger chegar.

Relato de Keith:

«Grande alvoroço, pego nos sapatos e salto janela fora para o jardim. Tinha-me esquecido das meias! Mas o Mick também não era gajo para se pôr à procura de meias. E assim ficámos com uma piada para sempre – ainda hoje, a Marianne me diz: «Ainda não consegui encontrar as tuas meias!»

Momento adequado para ir buscar um velho vinil da Marianne, em que a primeira canção do lado 2 é «Ballad of Lucy Jordan, o sol da manhã a tocar, no seu quarto branco, na cidade suburbana branca, levemente os olhos de Lucy Jordan, uma canção que, não por acaso, acompanha as loucuras de Susan Sarandon e Geena Davis em «Thelma & Louise», filme de Ridley Scott.




Finalize-se voltando a Keith Richards, às suas memórias de Marianne Faithfull:

«Só depois disso chegaram os dois a Tânger, acompanhados da Marianne, que ia ter com o Mick a Marraquexe. O Brian estava tão combalido que a Anita e a Marianne, qual competentes enfermeiras, tiveram a brilhante ideia de lhe dar ácido no avião, para ver se ele arrebitava. Elas próprias acabavam de passar uma noite em branco e a ácido. Quando finalmente chegaram a Tânger, um incidente junto à loja do Ahmed instalou o pânico. O sari da Marianne (única peça de roupa que trazia vestida) ficou preso algures e desenrolou-se, deixando-a subitamente nua no casbá.»

Rápidas melhoras, pequena, tu que, um dia, disseste que os vícios tornam as canções mais reais.

1.

A Fnac Portugal, um dos maiores retalhistas na área da cultura, entretenimento e tecnologia, solicitou um processo de lay-off por um mês, renovável por igual período, com efeitos retroactivos a partir do passado dia 1 de Abril, que abrange cerca de 1650 (91%) dos 1800 trabalhadores ao seu serviço.

É um fartar vilanagem.

Só os cegos e os incondicionais daquela trampa de loja se podem espantar.

A Fnac, em algum dia, foi uma livraria, uma loja de venda de discos?

Não terá sido antes um olhar ingénuo e distraído sobre a novidade que nos levou a pensar que…?

Enquanto foi novidade, a Fnac agradou pela diversidade, alguma competência. Depois começou lentamente a derrapar até chegar à javardice que hoje é.

Quando apareceu em Portugal, conseguiu arrasar literalmente com toda a concorrência nacional.

Qual árvore de borracha, secou tudo em volta.


Lembram-se das grandes, médias e pequenas livrarias, das pequenas discotecas de Lisboa, das lojas Valentim de Carvalho, Loja da Música, Discoteca Roma e outras? Até a Virgin!

Deram cabo de tudo e hoje a Fnac mais não é que uma loja de venda de equipamentos informáticos, relógios, outras tretas e onde reina a ignorância, a incompetência, a má educação.

Sindicatos contestam e afirmam que a  Fnac não está em crise.

2.

Em Portugal já recorreram ao lay-off cerca de 32 mil empresas.

«A situação de emergência em que vivemos apela à partilha de sacrifícios e à solidariedade. No entanto, nas últimas semanas, têm-se multiplicado atropelos gritantes à lei laboral. As denúncias feitas incluem o recurso à chantagem sobre os assalariados, levando-os a renunciarem “livremente” ao exercício de direitos fundamentais.»

- de uma carta ao governo assinada por diversas personalidades.

3.

Com quase todo o comércio fechado, a possibilidades da máquina de lavar, a torradeira, a televisão, o micro-ondas   avariarem, uma pequena tremideira instala-se e acabamos por lembrar aquela frase do Woody Allen:

«Não só Deus não existe como é difícil encontrar um canalizador a um domingo.»

sábado, 6 de abril de 2019

AINDA NÃO CONSEGUI ENCONTRAR AS TUAS MEIAS


Passei longos dias e noites a gravar cassettes, mais tarde Cds, com as músicas e as canções preferidas.

As torradas matinais, o chá, para além do sorriso da Aida, têm músicas e às vezes um livro que não largo enquanto não acabo a leitura ou releitura, sim, agora estou mais no tempo das revisões das leituras feitas.

Hoje, uma das canções seleccionadas no CD, tinha  «Boulevard of Broken Dreams» na interpretação da Marianne Faithfull, uma pequena muito do meu tempo: ela é de Dezembro de 46 e eu sou, mais ou menos, de um ano antes.

A interpretação da Marianne é assim como só ela sabe cantar mas, não sei bem explicar o porquê, prefiro a de Tony Bennett, a solo, ou em dueto com Sting.

Mas com Marianne à mão, nunca resisto a contar aquela história que vem na Life do Keith Richards.

Ele conta que as mulheres de Mike Jagger, quando sabiam que ele andava a petiscar por fora, tinham tendência para procurar o seu ombro para curtir mágoas.

Numa dessas noites de encostar a cabecinha no ombro, Keith e Marianne ouvem o carro de Jagger a chegar.

«Grande alvoroço, pego nos sapatos e salto janela fora para o jardim. Tinha-me esquecido das meias! Mas o Mick também não era gajo para se pôr à procura de meias. E assim ficámos com uma piada para sempre – ainda hoje, a Marianne me diz: «Ainda não consegui encontrar as tuas meias!»




domingo, 9 de outubro de 2016

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


No 2º dia de Dezembro, os Rolling Stones lançam Blues & Lonesome.

Vai ser um bom Natal.

O álbum marca o regresso dos Stones à pureza inicial da sua música. – os blues.


O que eu procurava era o âmago da música – a expressão. Não teria havido jazz se não fossem os blues e não teria havido blues sem escravatura; essa versão particular e mais recente de escravatura, diferente daquela que nós, pobres celtas, tivemos de sofrer às mãos do império romano. Os poderosos sempre sujeitaram povos inteiros à miséria, não apenas na América. Mas quem sobrevive à escravatura produz algo de primordial. Algo que não vem da cabeça, vem das entranhas. Algo que está para lá da sua própria musicalidade; esta pode assumir as formas mais diversas. Há imensos tipos de blues. Há tipos de blues muito leves, há tipo de blues mais pesados, pantanosos. É nos pantanosos que eu me situo. Ouçam o John Lee Hocker. Toca de um modo muito arcaico. As mais das vezes ignora a progressão harmónica, que é sugerida, mas não tocada de modo explicito. Os músicos que tocam com ele podem segui-la; ele não, fica onde está, inamovível. Implacável. Outra coisa crucial no John Lee Hocker, fora aquela grande voz e a implacável guitarra, era o seu bater de pé, que fazia lembrar o rastejar de uma boa. Ampliava o som da batida com uma caixa chinesa, cinco centímetros por dez.

Na net já pode ser encontrado um excerto de uma das faixas do disco: Just Your Fool que remete para a harmónica de Little Walter.


sábado, 15 de agosto de 2015

SÓ PODIAM ESTAR A BRINCAR


Em matéria de country, dou-me muito bem com o Willie Nelson e com o Merle Haggard. Toquei com eles em três ou quatro programas de televisão. O Willie é fantástico. Ele tem um tipo a trabalhar para ele, com um frisbee virado ao contrário cheio de erva, e toca a enrolar, enrolar, enrolar. Aí está um verdadeiro amante de haxe. Mal se levanta, fuma uma ganza. Eu, pelo menos, espero dez minutos! Que grande compositor. Um dos melhores. Texano, também ele. Entendemo-nos mesmo bem. Sei o quanto o preocupa a situação dos pequenos agricultores na América; a maior parte das coisas que fizemos juntos foi em prol dessa causa. Os grandes conglomerados estão a abarbatar-se de tudo; é contra isso que ele luta, e que belo combate lhes está a oferecer. Um tipo generosíssimo. Imperturbável, inabalável, de uma fidelidade absoluta à sua causa, aconteça o que acontecer. Só aos poucos me apercebi de que tinha crescido ao som da sua música, porque muito antes de começar a cantar e tocar o Willie já compunha; Crazy e Funny How Time Slips Away. Sempre me senti algo intimidado quando tipos como ele, diante dos quais sempre me tinha ajoelhado, me vinham perguntar; «Queres tocar comigo?» Achava que só podiam estar a brincar.

Keith Richards em Life

terça-feira, 28 de julho de 2015

IDEIAS NO FUNDO DA CABEÇA


Uma das primeiras colaborações tive-a com o Tom Waits, em meados dos anos 80. Só mais tarde descobri que ele nunca antes tinha escrito nada a meias com ninguém, a não ser com a Kathleen, a sua mulher. O tom é um espécime único e maravilhosos, um escritor de canções particularmente original. Fazer alguma coisa com ele era uma ideia que sempre tinha estado no fundo da minha cabeça.

Keith Richards em Life

Nota de Tom Waits: Mick Jagger entrou em três canções de Rain Dogs: em Union Square, em Blind Love, onde cantámos juntos, e em Big Black Mariah, onde tocou uma guitarra ritmo impecável. Para mim, só isso bastou para pôr o disco lá em cima. Quero lá saber de quanto vendeu. Na parte que me tocava, já estava amais que vendido.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

ACABAS PRESO NA TUA GAIOLA



Se só tocar com os Stones, sinto-me fechado numa bolha. Até com os Winos isso pode acontecer. Para mim, é muito importante trabalhar também noutros contextos. Tocar com a Norah Jones ou com o Jack White foi uma experiência inspiradora, tal como com o Toots Hibbert – gravámos juntos duas ou três versões de Presure Drop. Se não tocas com outros gajos, acabas preso na tua gaiola. Quietinho no teu poleiro, qualquer bala te rebenta com os miolos.

Keith Richards em Life

segunda-feira, 1 de junho de 2015

JUNTA-SE À BANDA OUTRO GAJO


Quando tocamos ao ar livre, junta-se à banda outro gajo – São Pedro. Ou ele está bem disposto ou manda vir um vento na direcção errada, desviando o som consigo. Alguém acaba por levar com o melhor som dos Stones do mundo – a três quilómetros de distância e sem sequer o ter pedido. Felizmente, tenho a minha varinha mágica. Antes de o concerto começar, na altura do controlo de som, repito sempre o mesmo ritual: pego numa das minhas varetas e faço uns sinais cabalísticos para o céu e no chão do palco. «Já está; vai haver bom tempo.» É um fetiche, mas se apareço num concerto ao ar livre sem uma vareta, toda a gente acha que estou doente. Normalmente, pouco antes de o espectáculo começar, o tempo fica bom.
Alguns dos nossos melhores concertos decorreram sob as piores condições inimagináveis. Em Bangalore, da primeira vez que tocámos na Índia, a monção rebentou a meio da primeira canção e manteve-se até ao fim. Eu mal podia ver os trastes da guitarra, com tanta chuva a jorrar e salpicar. «Monção em Bangalore»; ainda hoje, é assim que nos referimos a essa noite. Granizo, neve, chuva, seja o que for – o público aguenta sempre. Se lá ficares com ele, por piores que sejam as condições, não arreda pé: fica ali a curtir o rock e a ignorar a meteorologia. O pior é quando vem uma vaga de frio. Quando tens os dedos gelados, torna-se mesmo difícil trabalhar. Nas raras vezes em que acontece -, o Pierre arranja-nos uns sacos térmicos para aquecermos os dedos por uns minutos antes da canção seguinte, só para ter a certeza de que não enregelam.

Keith Richards em Life

sábado, 16 de maio de 2015

... E UM BAR AO FUNDO


 O nosso maior problema com os grandes estádios e recintos ao ar livre era o som. Como é que podes converter um estádio num club? O sítio perfeito para um concerto de rock and roll seria uma garagem enorme, com paredes de tijolo e um bar ao fundo. Uma coisa que não existe; em todo o mundo, não há um único espaço concebido para acolher, nas circunstâncias ideais, este tipo de música. Tens de te amanhar, de te adaptar a sítios que foram pensados para outros fins. Do que nós gostamos é de ambientes controláveis. Há salas de teatro como o Astoria; belíssimos alões de baile como o Roseland, em Nova Iorque; o Paradiso em Amsterdaão. Em Chicago há um sítio óptimo, o Checkerboard. A nossa música pede um espaço e dimensões muito específicos. Nos grandes palcos ao ar livre, nunca sabes bem o que te espera.

Keith Richards em Life





sexta-feira, 15 de maio de 2015

B.B. KING (1925-2015)


B.B. King morreu aos 89 anos.
Keith Richards no seu Life, escreveu que nenhuma miúda o afastaria de ouvir B.B. King.
Em Novembro de 1969, na digressão pelos Estados Unidos B.B. King, também Ike e Tina Turner, tocava, antes dos Stones e só eles valiam o preço do bilhete.


terça-feira, 21 de abril de 2015

UM HOMEM DAS ARÁBIAS


Algures na sua Life, Keith Richards regista a sua admiração por Willie Nelson.

Ele tem um tipo a trabalhar para ele, com um frisbee virado ao contrário cheio de erva, e toca a enrolar, enrolar, enrolar, Aí está um verdadeiro amante de haxe, Mal se levanta, fuma uma ganza. Eu, pelo menos espero dez minutos.

De Willie contam-se centenas e centenas de histórias, qual delas a mais maluca.

Willie Nelson é um dos meus cromos de estimação.

Há uns anos, em Louisiana, numa operação stop, foi mandado parar.

Um daqueles polícias americanos, que nos filmes aparecem gingões, de óculos escuros espelhados e a mascar chiclet, aproximou-se.

Quando Willie abriu o vidro da janela, para lhe mostrar os documentos, uma enorme nuvem de marijuana envolveu o bófia.

Foi um sarilho.

Estavam à espera de quê?

Que o velho Willie exalasse delicados aromas de Paco Rabanne?

Mas agora os jornais do mundo noticiaram que Willie Nelson vai lançar marca própria de... marijuana.

A marca vai ser vendida em estados que permitem consumo de drogas leves.

Vai chamar-se Willie’s Reserve e quer ser a melhor no mercado de cannabis dos Estados Unidos da América.

Willie Nelson tem 82 anos.

Abençoada erva!

sexta-feira, 17 de abril de 2015

CONTRATO VINCULATIVO


Era lá que o Roy todas as noites, presenteava o público com a sua delirante versão de stand-up comedy. Nessa noite o Roy tinha cozinhado uma refeição enorme: borrego assado, pudim de Yorkshire e ainda crumble de maçã e creme de ovos.
- Isto é crene de ovos a sério? – perguntei-lhe eu.
- Claro que sim.
- Não é nada, compraste-o enlatado.
- Fui eu que o fiz, meu anormal! Vem em pó num pacote e eu é que juntei o leite.
Tivemos uma discussão exaltada e lembro-me de lhe ter atirado com um copo do outro lado da mesa.
Com os meus melhores amigos, aqueles de longa data, tudo começa sempre do mesmo modo: assim que os conheço, sinto uma ligação instantânea. Consigo detectá-los num segundo; algo me diz que poderemos confiar um no outro. É um contrato vinculativo. O Roy é um deles, desde essa noite. Uma vez criado o laço, deixar ficar mal um amigo é para mim o pior dos pecados. Significa que não percebeste o verdadeiro sentido da amizade, da camaradagem, que são as coisas mais importantes do mundo.
Sem os meus amigos, eu não seria nada.


Keith Richards em Life

sexta-feira, 3 de abril de 2015

NADA COMO UMA MULTIDÃO PARA TE SENTIRES TÃO SÓ


Se há uma canção que prima pela longevidade, que parece nunca dar sinais de desgaste é Before They Make Me Run. Cantei-a eu próprio, como um grito saído das entranhas. Mas o processo da sua criação deixou a banda de rastos. Foram cinco dias em que não saí do estúdio.

Toquei nos bares e barracas de feira do país da penumbra

Nada como uma multidão para te sentires tão só
E a dor foi tão real
Copos, pós e comprimidos, escolhe o teu remédio
Mais um adeus a um bom amigo.

Bem feitas as contas

Há que seguir adiante enquanto houver forças para rir
Deixem-me andar daqui antes que eles me obriguem a correr.

A canção vinha de tudo o que eu tinha sofrido - e ainda estava a sofrer - com o processo no Canadá. Era eu a dizer-lhes o que deviam fazer. Deixem-me andar daqui; deixem-me sair desta porra de processo. Quando te dão uma pena leve, costumam dizer: «Oh, they let him walk» - deixaram-no andar.

Keith Richards em Life

sábado, 21 de fevereiro de 2015

MAIS UM ADEUS A MAIS UM BOM AMIGO


Estava eu a dar uma mija com o Bobby Keys em Innsbruck, depois de um concerto – altura em que o Bobby se costumava sair com umas bocas divertidas. Mas desta vez via-o bastante sério. Até que me diz: «Tenho uma má notícia para te dar… O Gram Parsons morreu.» Foi como um pontapé no plexo solar. Olhei para ele. O Gram, morto? Eu achava que ele até limpo tinha ficado, que estava tudo a correr bem, «Não conheço os pormenores. Só sei que morreu.» Foda-se. Nunca sabes como é que uma coisa destas te vai afectar. O choque nunca vem de uma vez só. Mais um adeus a mais um bom amigo.
Soubemos mais tarde que o Gram esteve limpo até se deixar levar outra vez. Tomou uma dose normal. «É só uma dose…» Mas depois da cura o corpo tinha perdido resistência e foi quanto bastou. É o erro fatal dos agarrados. O processo de desintoxicação já é um choque em si mesmo. Depois pensam: «É só um chuto pequeno», quando na verdade estão a tomar a mesma dose que antes, quando tinham o corpo habituado e cheio de resistências – senão nem a cura era tão dura. É então que o corpo diz: «Que se foda, desisto.» Se não tens mesmo forças para resistires, então faz o seguinte: lembra-te da primeiríssima dose que tomaste e tira-lhe um terço.

Keith Richards em Life

sábado, 24 de janeiro de 2015

SABES O QUE É ISTO, BILL?


Em Setembro e Outubro de 1973, percorremos a Europa em digressão, depois de Goats Head Soup sair. Tínhamos agora na banda o Billy Preston nos teclados, sobretudo no órgão, que se manteve connosco até 1977. O Billy tinha aparecido na cena como um meteoro, tocando com o Little Richard e quase se tornando num quinto Beatle, para não falar da sua própria música, que tantos hits produziu. Nasceu em Houston, na Califórnia, e era um músico, soul e gospel que praticamente tocou com todos os melhores artistas. Acompanhavam-nos ainda dois trompetistas, dois saxofinistas e dois teclistas – O Billy no órgão e o Nick Hopkins no piano.
O Billy trouxe aos Stones um novo som. Basta ouvir o que gravámos com ele, como Melody, para perceber que ele encaixava perfeitamente na banda. Mas quando tocávamos ao vivo, o gajo não ficava descansado enquanto não punha o selo bem escarrapachado em cada canção. Estava habituado a ser uma estrela por direito próprio. Uma vez em Glasgow, estava a tocar tão alto que abafava o resto da banda. Chamei-o aos bastidores e mostrei-lhe a minha navalha. «Sabes o que é isto, Bill? Caro William, se não baixas imediatamente o volume dessa merda, vais conhecê-la de perto.» Isto não é um concerto dos Rolling Stones e do Billy Preston. Tu és o teclista dos Rolling Stones. Mas na maior parte das vezes, não era coisa que me aborrecesse. Sei que o Charlie adorava a influência jazzística e fizemos coisas óptimas juntos.

Keith Richards em Life

domingo, 11 de janeiro de 2015

AO OLHAR PARA TRÁS


Um dos grandes gozos de escrever uma canção é que não se trata de uma experiência intelectual. Podes recorrer ao cérebro aqui ou ali, mas o mais importante é capturar momentos. O Jim Dickinson, que descanse em paz – morreu a 15 de Agosto de 2009, enquanto eu escrevia este livro – voltará mais tarde para vos dizer «sobre» o que era Wild Horses, já que eu não sei dizer. Nunca escrevi uma canção como quem escreve um diário, embora hoje, ao olhar apara trás, possa reconhecer que não tenha estado assim tão longe disso.
O que é que leva alguém a querer escrever canções? De certo modo, uma vontade de chegar ao coração das pessoas, de ganhar raízes nele. Ou, pelo menos, de obter dele uma ressonância: é lá que as pessoas se tornam um instrumento muito mais potente do que qualquer guitarra. Tocar as pessoas torna-se quase uma obsessão. Escrever uma canção que é lembrada e acarinhada é uma ligação, um encontro preciosos. Uma espécie de fio que nos liga a todos. Uma facada no coração. Às vezes, penso que uma canção é uma tentativa de apertar um coração o mais possível sem provocar um ataque cardíaco.


Keith Richards em Life

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

UM PASSO EM FRENTE DECISIVO


Em Novembro de 1964, lançámos a canção Little Red Rooster, um blue puro e duro do Willie Dixon, com guitarra, slide e tudo. Foi uma decisão arrojada para a época. A ideia não agradava à editora, ao management, a mais ninguém fora nós mesmos. Mas sentíamo-nos na crista de uma onda, suficientemente confiantes para fazer finca-pé. A canção era quase um desafio à pop, o manifesto da nossa arrogância de então. I am the little rooster/Too lazy to crow for day. «Uma canção sobre um galo? Estamos mesmo a vê-la chegar a número um. Que imbecis...» Mas eu e o Mick insistimos. Vamos apertar com os gajos. É isso que se espera dos Rolling Stones. E foi esse disco que fez rebentar as comportas. De repente, tinhas o Muddy e o Howlin'Wolf e o Buddy Guy com as agendas cheias. Foi um passo em frente decisivo. E chegou mesmo ao primeiro lugar. Estou certo de que, depois disso, o Berry Gordon, na Motown, se sentiu mais confiante para exercer pressão noutras frentes. E o êxito do disco também contribuiu para o rejuvenescimento dos blues de Chicago.

Keith Richards em Life 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

FOI ELE PRÓPRIO QUEM MO DISSE


O Joe Walsh ouviu-nos ao vivo quando ainda andava no liceu e disse-me que o impressionámos imenso. Nem ele nem nenhum dos seus amigos tinha ouvido nada parecido, porque não havia. Ele praticamente só ouvia doo-wop; nunca tinha ouvido o Muddy Waters. É incrível que o seu primeiro contacto com os blues tenha sido através de nós – foi ele próprio quem mo disse. Foi também depois de nos ouvir que decidiu abraçar a carreira de trovador. E assim se deu que hoje seja impossível entrar num qualquer restaurante de estrada sem o ouvir dar à guitarra em Hotel California.


Keith Richards em Life.

Legenda: Joe Walsh

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

E TRANSFORMAMO-NOS NAQUILO


Tipos como o Bobby Womack diziam-nos: «Quando vos ouvimos pela primeira vez, julgávamos que vocês eram pretos. Perguntávamos: de onde raio é que vêm estes filhos-da-mãe?» Até a mim me custa a perceber como eu e o Mick, naquela porra de cidade, conseguimos a proeza. Talvez fosse de nos embrenharmos com tanta intensidade naquele som, dia e noite. Fazê-lo num apartamento húmido em Londres talvez não fosse assim tão diferente de o fazer em Chicago. Não tocávamos mais nada, e transformámo-nos naquilo. Não soávamos ingleses e isso surpreendeu-nos a nós próprios.

Keith Richards em Life

Legenda:  Bobby Womack