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domingo, 24 de janeiro de 2016

UMA CONCHA BURGUESA E ARISTOCRATIZANTE


Parece que é sempre assim, se atendermos ao ar enlevado com que todos olham o céu e proclamam com orgulho: “É isto a Bretanha!” Será. Um tempo intransigentemente brumoso, com a areia ensombrada pela paisagem ininterrupta das nuvens, e as pessoas atravessando invernosamente a praia, embrulhadas em camisolões de malha grossa, “kispos”, “anoraks” e “parkas”, todo um reportório de protecções para o frio cortante e a agressão das marés.
Recordo-me – mas o contexto é radicalmente diferente –dos verões passados em São Martinho do Porto, “um microclima”, como dizia o meu pai, havia sol em todo o lado, e mal nos aproximávamos das Caldas da Rainha víamos uma concentração de nuvens para os lados do Atlântico, e a alternativa era simples, ou as nuvens ficavam todo o dia, ou havia uma ventania que as varria e tornava a praia insuportável. Acordávamos e corríamos a encostar a atesta às janelas, na melancolia de uma chuva miudinha, mas sempre na esperança de que isto vai levantar, e como se sabe ao meio-dia ou carrega ou alivia. São Martinho: poucos lugares portugueses tiveram para mim este peso mágico, dunas de infância em Salir, merendas na praia, castelos de areia, o Catitinha, o homem dos barquilhos, o domingo das regatas, o bilhar à noite, a roleta, as bicicletas da rua dos cafés, o jogo do prego, as excursões colectivas ao cinema para os lugares da frente, os mais baratos, onde não estavam os pais, as idas ao Facho, a descida à Praia da Adraga, o farol e a lenda do navio encalhado, as sestas, a descoberta do amor, os amuos de fim de tarde, os passeios de barco, as leituras no pinhal, a Maria Eduarda, o Artur e os seus estudos de Direito, as discussões políticas, o ir comprar os jornais, os confrontos sarcásticos entre o Benfica e o Sporting, o efeito do 25 de Abril num lugar profundamente reaccionário, os insultos oblíquos, umas caçarolas com bifes e batata fritas que se foram reduzindo e se passaram a chamar “crises” num acto de resistência dos condes e marqueses à política do regime democrático, as conversas e loucuras do Luso Soares, o grupo, o bando, a utopia, a areia nos olhos, a felicidade, o fim do Verão. Mas São Martinho era uma concha burguesa e aristocratizante, um ninho familiar, amável, confortável e doméstico, enquanto Saint-Malo tem uma forma desabrida de nos atrair, é como se passássemos de uma aventura dos cinco para um romance do Sandokan, o tigre da Malásia, e saímos da baía, e afrontamos as ondas, e caminhamos para o mar largo, e deixamos a costa a perder de vista, e sentimo-nos definitivamente abandonados, expostos à inclemência dos céus, para sempre adultos, guiados por estrelas vacilantes, sem bússola nem mapa.

Eduardo Prado Coelho em Tudo o Que Não Escrevi”, 2º Volume

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

domingo, 28 de dezembro de 2014

MAR


No inverno, as praias desertas enchem-se de espuma
e de gaivotas. Ouço o rebentar das ondas contra a falésia;
e respiro o ar salgado com a impressão luminosa
da manhã. À noite, esta imagem transforma-se
numa simples memória: e colo-a ao vidro da alma
para não me esquecer do que vi, sabendo que um
dia a poderei usar, no poema, onde o mar se irá
transformar nesta imagem que guardei, numa
manhã de inverno.
Porém, não ouço no fundo das palavras
a rebentação da maré; nem respiro, por entre
os versos, o frio húmido de um litoral onde aprendi
as cores exactas da manhã. O poema não passa de
um mapa onde acompanho, na linha dos substantivos,
a corrente do mundo, e imagino, na mancha
de cada adjectivo, a forma das paisagens. E desfolho
as estrofes numa viagem abstracta, em busca
das grandes praias da vida.
Mas o mar continua colado ao vidro
da minha alma, embaciando o que escrevo
com o seu ritmo matinal.

Nuno Júdice

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ITINERÁRIOS


Foz do Ribeiro.
Tempo para respirar, lazeirar quanto possível.
Uma praia fluvial - Janeiro de Baixo.
O Zêzere a caminho de abraçar o Tejo em Constança.
Há luzes nos topos dos montes: são as bruxas a dançar à noite, dizem as gentes da Foz do Ribeiro.
O Cesare Pavese tem um livro a que chamou O Diabo Sobre as Colinas

terça-feira, 20 de setembro de 2011

POSTAIS EM SELO



“Quand vient la fin de l'été sur la plage”

Pierre Saka

Legenda: não foi possível identificar o nome do autor da fotografia.

MEMÓRIAS



Se há bolo vulgar de lineu, a Bola de Berlim está nesse número.

De uma simplicidade básica: um pedaço de massa frita que se envolve em açúcar.
No Natário em Viana do Castelo – e não só! – além do açúcar juntam canela.
Depois há as modalidades: com ou sem creme.

Gosto de Bolas de Berlim, mas quando elas me souberam melhor foi na infância, quando as férias eram grandes, dois meses na Trafaria, inícios dos anos 60.

Não me perguntem como era possível.

A vida dos pobres sempre foi um espanto, para lembrar o Herman.

A Trafaria foi, em tempos, terra de pescadores, que no Verão alugavam, aos banhistas idos de Lisboa, e não só, as suas casas.

Três meses em que viviam, não se sabe bem onde, nem em que condições, mas aquele dinheirinho ajudava muito.

As barracas e os toldos às riscas com cores garridas.

A Trafaria tinha quatro praias: a que ficava junto ao pontão, a do Rocha, a da Lurdes, a do César, mais à frente já era a Cova do Vapor.

Esperar a chegada da mulher dos bolos era toda a expectativa da manhã.

Tento lembrar e perceber algo sobre aquele negócio mas escapa-me muita coisa.
Algumas vinham de fora de Lisboa, alugavam quarto na zona de Belém, iam à fábrica buscar os bolos, apanhavam o barco para a outra margem. Em média vendiam quatro caixas de bolos e entre elas havia entreajudas, solidariedades várias. Transportavam também um grande saco com pacotes de batatas fritas. Vestiam um avental imaculadamente branco.



Percorriam as quatro praias; uma caixa à cabeça, outra numa das mãos, o saco das batatas na outra. Os estrados de madeira só existiam dentro do perímetro de cada praia, o resto era palmilhado pela areia, dificuldades acrescidas. Vendiam os bolos, voltavam atrás para buscar as outras caixas que guardavam no barracão de madeira que servia de apoio à praia do pontão.

Cada bolo custava oito, dez tostões.
Paravam num ponto da praia, abriam as caixas, puxavam as prateleiras, a miudagem, os pais, dirigiam-se até junto delas, venda feita, arrancavam para outro ponto da praia.

Os escudos que ganhavam valeriam tanto esforço e sacrifício?

Mas por alguma razão, todos, os anos pelo Verão, regressavam à mesma labuta, percorrer as praias com caixas de bolos à cabeça. Os tempos eram os da ditadura de Salazar que não se cansava de apregoar que a mais não podia almejar  um país pobre e simples como o nosso.

Triste, também, mesmo muito triste, digo eu agora.

A vendedora que encima o texto, já é de tempos recentes e pertence a uma reportagem publicada pelo “Público” num Verão que não consigo localizar o ano.


Em Agosto, na Praia do Castelo, ali à Caparica, dei com esta vendedora de bolos.
Nada a ver com as vendedoras dos tempos da infância, quando as férias eram grandes.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

ITINERÁRIOS


Em 2003, a Adraga foi considerada, pelo diário britânico “The Times” uma das 20 melhores praias da Europa.

O meu pai teve, em Almoçageme, uma casa alugada ao ano e, em Agosto de 1968, pela primeira vez vi a Adraga.

Uma praia quase desértica, pescadores à beira-mar, nas rochas, a pescarem sargos. Quando a maré vazava os percebes ficavam à disposição para serem apanhados. Nunca comi outros tão saborosos.

O restaurante da Suzete, hoje a armar ao pingarelho-cee, era uma tasca de terra batida com umas canas a tapar o sol. A electricidade ainda não chegara lá abaixo e o frigorífico trabalhava a gás. Os sargos saíam da imensidão do oceano para o prato e também nunca comi outros tão saborosos. Os vegetais para as grandes saladas que apareciam à mesa, provinham das hortas do pai da Suzete: as alfaces, os tomates, os pepinos, os pimentos não tinham uma gota de químicos. O vinho justamente chamava-se “Adraga”, mais para o palhete do que para o tinto, e sabia a uvas.

Este postal é o mais antigo que há aqui pela casa, não tem qualquer data, mas já é posterior a 1968, porque se vê a então tasca da Suzete, com o aspecto que hoje apresenta.

E, obviamente, os automóveis não eram na quantidade que o postal mostra. Hoje é muito pior, e foi por causa da quantidade de automóveis que a carreira, ainda não era “Rodoviária”, impossibilitada de dar a volta para regressar, deixou de ir de Almoçageme à Adraga.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS

“A Praia do Estoril é a pérola encantada da enseada azul e centro de turismo de elevada categoria. Praia deliciosa da mais aprazível atracção.”

Legenda: Imagem do livro “Portugal Século XX (1930-1940)”, Círculo de Leitores

terça-feira, 5 de outubro de 2010

OLHARES


São João da Caparica.
No dia 5 de Outubro de 2006, uma quinta-feira, o sol pôs-se às 19h 14m.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

NOS VERÕES DA INFÂNCIA O MAR FICAVA LONGE



Nos verões da infância o mar ficava longe,
atrás dos muros que davam para as falésias,
e ninguém se metia pelas ondas a não ser
os pescadores, depois de empurrarem os barcos
e puxarem as redes atrás deles. Nas esplanadas,
havia mulheres, com crianças e criadas a tratar
delas, e protegiam-se do sol com as sombrinhas
que serviam para esconder os seus olhares
furtivos, quando não queriam que vissem
para onde estavam a olhar. Nesses verões, o mar
era a única coisa que mexia, sob o céu imóvel
e um mundo que parecia tão imóvel como o céu,
enquanto as mulheres conversavam, longe
dos homens que estavam nos cafés, de fato escuro
e gravata, a discutir negócios e notícias. A burguesia
parecia eterna, nos verões antigos, e os pescadores
eram luzes longínquas, nuns barcos que a noite
escondia, e não se sabia quando voltavam, a não ser
que o farol tocasse, à noite, e já se sabia que a manhãs
eguinte era de nevoeiro. Nos cafés, os homens
não se importavam com isso, e pousavam os chapéus
à entrada, passando a manhã a discutir negócios
e notícias, até o nevoeiro se levantar, e as mulheres
encherem a esplanada de criadas e de crianças,
sem se importarem com as ondas onde nenhum
barco entrou, depois da noite de nevoeiro. Mas
as suas conversas eram mais baixas, para que ninguém
as ouvisse, e não se soubesse que o verão chegava
ao fim, como os negócios que faliam, e as notícias
que chegavam do fim do mundo a dizer
que aquele mundo chegava ao fim.

Nuno Júdice

Legenda: Fotografia de Edouard Boubat

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

OLHARES

Praia do Magoito, hoje, pelas 10,30 duma manhã chuvosa e rodeada pelo cinzento do tal microclima que, amiúde, assola a região, que vem lá da Foz do Arelho e se estende até ao Cabo da Roca.

A praia não tem gente, e apenas dois sufistas se divertem com as ondas, apesar do mar, como eles gostam de dizer estar “flat”.

O lento entardecer do Verão. Não tardam as mães vivas.

O areal encher-se-á, então, dos mais diversos objectos e de pedaços de madeira, trazidos pelas marés, quais destroços de um qualquer barco que naufragou, delírio de quem viu filmes e leu livros a mais.

Alguma mensagem numa garrafa?

As praias no Outono, as praias no Inverno, as melhores praias, digo eu, agora que as de Verão se vão despedindo, já sem celebridades fúteis ou os horrorosos-acapachados-dos-chefes-de-gabinete-das-excelências-do-país e, em fundo começam a distinguir-se os sons das guitarras dos “Les Chats Sauvages”.



O Sol bem tentou romper a neblina sem o ter conseguido.

Voltará amanhã, para uma nova corrida, uma outra viagem.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A RIVIERA PORTUGUESA



Quando o Algarve era praias pequenas e desertas, terra de pescadores, longe da invasão de alemães e ingleses que, pelos anos 60, veio a sofrer chamavam ao Estoril a “Riviera Portuguesa”.

Hoje não sei o que lhe chamam.

Mas em 1943, Maria Archer, e Branca de Gonta Colaço escreveram um livro a que puseram o título de “Memórias da Linha de Cascais”, e chamaram ao Estoril “o fulcro irradiante da Costa do Sol.”

“O areal é pequeno, estreito inclinado, enegrecido por afloramentos de rochas, e dá pouco espaço para o espraiara da onda. A oeste, sob a água, alongam-se agora uns paredões que provocam correntes submarinas e quedas de areia na praia. Assim se conseguiu, nos últimos anos, alargar o areal para os lados do Monte Estoril.
De Verão toda a praia desaparece sob os toldos multicores.
Sobre um degrau de pedra, alto como um homem, cingido à terra, segue uma esplanada de empedrado, estendida do Monte Estoril a São João.
O “restaurant”, o balneário, com música, movimento, alegria, erguem-se na praia. A multidão espairece, Vêem-se fatos de banho janotas, tão despidos quanto o permite a lei, Vêem-se os banhistas do sol que tenteiam as audácias do nudismo, vêem-se os que nadam, os que barquejam, os que namoram, os que se exibem, os que se isolam entre o tumulto.
Uma praia da moda. A quem não encanta, diverte.
O Estoril é o mostruário da alta burguesia lisboeta.
Cada moradia, cada palacete, cada “Chalet”, ali erguidos, têm a etiqueta dum morador ou dum proprietário com situação e nome cotado e classificado no modesto caleidoscópio da vida nacional.”
Legenda: Imagem tirada do “Expresso”, 23.08.2003

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

PRAIA GRANDE

Os nossos dias mais belos não sei quais seriam mas para mim eram os longos dias de Praia Grande, mergulhos e fatos de banho molhados, secos, molhados, secos. A areia muito quente, as manhãs e tardes de neblina, a rebentação, furar ondas, nadar mais longe e mais rápido, comer batatas fritas, bolas de berlim sem creme, atirar areia aos irmãos, a todos os irmãos, embirrar, dormir, enrolar na toalha e as nossas toalhas eram de cores lisas. Azuis, encarnadas, e uma de riscas e outras duas com bolas. O António perdeu umas barbatanas, eu perdia tudo atrás de mim e a mãe besuntava-nos com um óleo que cheirava a praia, a Praia Grande e mais nada. O sol queimava a pele, a pele nunca caía, eu corria para o mar estivesse frio ou calor e agora que tenho frio quase sempre e nem sempre vou à praia, a Praia Grande era o sonho dos mais belos dias das nossas vidas. Quero dizer, da minha vida. Todos os anos confirmávamos a presença das caras familiares. Agora a praia é outra praia igualmente grande e quente e fria mas a Praia Grande, essa, a única praia da nossa infância, essa mesma, a dos mais belos longos dias de Verão é só uma e chama-se agora a da boa memória.

Texto de Autor Desconhecido

Legenda: Imagem da revista “Kapa” s/d

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

COSTA NOVA


Quando era miúdo adorava o Verão. Três meses de mergulhos na Costa Nova, três meses de futeboladas no areal molhado, três meses de namoricos com miúdas que chegavam à praia idas de sítios exóticos com Águeda, Bustos, Palhaça, New Bedford…
Três meses de banhos de mar de manhã, banhos de ria à tarde, de bolachinha americana, caranguejos pescados à linha com um pedaço de bacalhau ou apanhados à mão, três meses de sandes de Tulicreme de vala ou chocolate, de encontros debaixo da bola de Nivea e festinhas nos porões com música dos Genesis, Barclay James Harvest e por aí fora (Atenção: as casas de Ílhavo não têm caves – têm porões com cheiro a salmoura que rangem a noite inteira como um navio numa tempestade). Três meses com o mimo da minha avó, que nos ensinava orações católicas com letras de brincar para enganar os padres.
“Salve Rainha, salta para a vinha, aí vem o dono de uma vergastinha”…”
Terminava o Verão mais moreno e consolado do que um sultão das arábias. Foi na Costa que aprendi as coisas essenciais da vida: desapertar um soutien com a mão esquerda em menos de dez segundos, esmurrar um nariz com um golpe seco, enrolar um charro às escuras e contra o vento, marcar um penalti para a esquerda enquanto se olha para a direita, praguejar em alemão, estrelar um ovo, fintar a GNR, enfiar a isca num anzol sem furar um dedo. Essas coisas.
A minha Costa Nova é a da infância. Está na minha cabeça. Tem manhãs de nevoeiro, a ronca da Barra, chafarizes junto à água, água junto às casas, moliceiros e mercantéis na Ria, barracas de pano às tiras alinhadas até ao mar. Tem amonas e pirolitos, bailes no cinema velho, tendas de circo no largo do mercado, tem cheiro a urze e maraesia. Tem manhãs passadas no mar e tardes na “Biarritz” e amigos tão desinteressados que ainda hoje são meus amigos. A minha Costa Nova representa o doce delírio do primeiro amor.
A actual Costa Nova é só um lugar que tem o mesmo nome."

Rui Baptista, “Público”, s/d

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O CONTADOR DE GAIVOTAS



"Ofício difícil, este de vaguear pela praia.
Aceitei uma vaga azul,
a sul
do pararelo do Mú.
Faço-o com empenho,
mas não é fácil.
Sem horários,
o tempo é tecido nas marés,
pela dança do sol com a lua.
O recenseamento das gaivotas
é registado com rigor no quadro de areia da praia.
Mas isso tem os seus preceitos e não pode ser em qualquer sítio.
Tem que ser naquela zona onde o mar vem ler.
Desconheço o que acontece depois,
mas seguramente o mar guardará tudo na memória
em água e sal
para eterna conservação.
Tenho ainda outra missão
e dela só posso falar muito genericamente
por causa do segredo profissional.
Guardo pares de pegadas
Deixadas muito paralelamente
na areia molhada de quando a maré se agacha.
A seguir o mar, na sua regularidade,
Recolhe-as e, depois de tratada a informação,
Permite a leitura aos interessados.
É por isso que os amantes procuram a beira-mar,
sobretudo naquela hora mágica que antecede o crepúsculo.
E quando dizem “amo-te” é porque se asseguraram
que isso está escrito lá no fundo,
na horizontal do mar,
só para quem sabe ler na água."


Gregório Salvaterra, contador de gaivotas e poeta público, pode ser encontrado aqui.

Legenda: Imagem encontrada aqui.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

FORAM-LHES AOS TOLDOS...


A socialite que frequenta Armação de Pera, segundo reportagem do “Diário de Notícias”, está à beira de um ataque de nervos. Por exigência das novas regras da Administração da Região Hidrográfica, dos 510 toldos que existiam na praia, apenas são permitidos 120.

"Tínhamos sombra garantida desde há 30 anos", desabafou Maria Coelho que frequenta a praia há 30 anos.

Um toldo numa praia algarvia não é bem uma protecção para os raios de sol. É um antro de coscuvilhice, má-lingua, calhandrice pura e dura, que “tias” e “tios”, também a classe política, praticam há longos anos. O sol e o mar interessa-lhes pouco. Importante é o toldozinho, as festas, nas discotecas, pelas noites dentro.

Miguel Ferreira, termina assim a sua reportagem no “Diário de Notícias”:

“Mas, com o habitual pico sentido em Agosto, crescem as reclamações, até porque, como é reconhecido por todos, Armação de Pêra tem uma praia que sofre uma pressão anormal em relação ao resto da região do Algarve, onde é difícil vislumbrar uma ponta de areia. O areal está pintado de gente e quem vê a cena de longe fica com a sensação de que só cabem tantas pessoas porque a maioria está de pé”


Em dramático contraste, a mesma edição do “Diário de Notícias”, numa outra página, revelava que no decorrer dos primeiros seis meses do ano caíram no desemprego mais 61 200 trabalhadores, qualquer coisa como 338 por dia.


A taxa de desemprego mantém-se nos 10,6% e dos 590 mil sem trabalho, 55% são de longa duração.

Demagogicamente escrevendo, o que é isto comparado com menos 390 toldos em Armação de Pera?...

Legenda: Imagem encontrada aqui.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

POSTAIS SEM SELO



Não sei se, em criança, foste alguma vez para a beira-mar fazer buracos na areia. Começas a cavar com todo o entusiasmo, tentas cavar ainda mais fundo, mas, por mais areia que tires, o buraco mantém-se sempre na mesma, devido à inflitração da água. Cavas, cavas e, como Sísifo, estás sempre no mesmo sítio. A natureza não gosta do vazio, mal o vazio se cria, volta a enchê-lo. Enche-o com areia, folhas, microrganismos, água, ou entulho, porque o vazio não faz parte dos seus projectos.Também o homem, nos últimos três séculos de história, começou com grande empenho a esvaziar o céu da presença do Criador e, como a criança da praia, teve, durante alguns instantes, a certeza de que conseguira. O céu está vazio, o homem é finalmente livre. Livre do preconceito, livre de terrores ancestrais e da escravidão. Será mesmo assim? Ou será que o céu vazio se encheu imediatamente de outras coisas? De venusianos, marcianos, árvores-guia e animais-guia, minerais e palavras mágicas?

Susanna Tamaro em O Fogo e o Vento

terça-feira, 24 de agosto de 2010

ÓCULOS DE SOL


os meus verões são tão diversos como diversa tem sido toda a minha vida arroz de pimentos e pasteis de bacalhau aos domingos até algés ou cruz quebrada, o mar da infância ficava longe castelos na areia anos mais tarde dois meses na trafaria em casa alugada a pescadores, quando as férias eram grandes uma juke box na esplanada do marques o lucho gatica a cantar o moliendo café o marino marini a cantar honeymoon também um barrote espetado no meio do areal, um alti-falante no topo a ouvir-se o armando marques ferreira a apresentar o programa da manhã do rádio clube português as canções das praias de todos os anos uma kanimambo pelo joão maria tudela a lenda da conchinha da celly campelo o ouro negro setembro chegou vamo-nos separar os golfinhos a percorrer o tejo a caminho da barra os bailes de despedida dos banhistas no salão de festas dos bombeiros e agora senhoras minhas meus senhores o conjunto faz um pequeno intervalo damas ao bufete um enorme alguidar de zinco cheio de gelo e garrafas de vinho branco camilo alves, cada taça vinte ecinco tostões dois para esquerda um para a direita directrizes para o pezudo que sempre fui as férias da infância não se repetem o ruy belo que esperava pelo verão como por outra vida depois passei a odiar, o verão dou-me muito mal com o calor longe muito longe da sophia que dizia que metade da vida dela era maresia e eu a acreditar baixinho que o verão é um território do pecado, todos os pecados se confundem e de pecados fujo a sete pés e gozar que nem um perdido com a marilyn monroe num filme do billy wilder a dizer ao vizinho de baixo que se vai vestir à cozinha, o vizinho na cozinha porquê e ela a dizer que no verão anda nua pela casa e põe as cuecas no congelador o verão prestes a chegar o meu pai a dizer-me que em setembro voltamos a ser gente e sempre sempre os gatos selvagens e o verão a chegar sur la plage por fim mas não como última coisa há longos anos que deixei de passar férias e apenas sinto que as férias é que passam por mim a uma velocidade tão louca e muito longe da calma e serenidade das férias do sr. hulot ou brigitte bardot em 1955 de biquíni em saint-tropez, aquele grande sorriso e o resto que poderá ser um refresco de limão, muito gelo um dedal de gin e lembrar-me ainda que nunca usei óculos de sol…


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

PELA BEIRA-MAR



Costa da Caparica, Agosto de 2010.

Pela beira-mar, maré vazia, acompanhei-os durante algum tempo.

Ela apanhou umas conchinhas que meteu no saco de plástico. Ele, “mariconera” ao ombro, possivelmente uma máquina de calcular dentro, não deixou de falar ao telemóvel.

Os negócios, grandes ou pequenos, não se podem perder.

Poderá ele imaginar umas férias sem telemóvel?

Ela continuará a apanhar conchinhas que, sabe-se, quando chegarem a casa não terão o mesmo brilho de quando estavam na areia da praia mas sempre é algo mais bonito, agradável do que passar férias a falar ao telemóvel.

Quando a máquina disparou, deixei-os.

Tanto quanto foi possível alcançar, não largou o telemóvel.

domingo, 15 de agosto de 2010

O FINDAR DA SAISON



Há uns anos atrás, uma leitora, delicadamente, pediu a Eduardo Pitta informações sobre o Algarve. 

No seu blogue “Da Literatura”, o autor respondeu:

“Não sou especialista, não posso ajudar. Apenas adiantar o calendário local (i.e., Almancil, Quinta do Lago, Vale Garrão, Pine Cliffs e Vale de Lobo) que estabelece a saison entre 25 de Julho e 14 de Agosto. Quem se preocupa com o “Who’s Who” não deve ser visto no Algarve depois do meio-dia de 15 de Agosto. No limite, um almoço tardio no “Gigi”. Tem hoje a sua derradeira oportunidade, minha cara. Depois é tudo ao molho e fé em Deus. Silly…? Não diria tanto. As corporações têm regras. Eu, se fosse a si, ia para a Riviera italiana. Paga o mesmo, é melhor servida, e não tem de preocupar-se com parecer bem. Mais do que isto não lhe sei dizer.”