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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

OS DIAS VISTO DO CAFÉ DO MONTE

«É verdade: gosto de me posicionar contra Sartre a favor de Camus. A História viria a dar razão ao segundo e ainda hoje pagamos o preço de não termos dado ouvidos a Koestler. Talvez até aproveite a canícula para ler à noite, quando o cérebro supera da letargia, O Peso da Responsabilidade – Blum, Camus, Aron e o século XX francês de Tony Judt (Edições 70, 2018), ensaio sobre três homens que acabariam renegados pelo seu tempo, um pouco à semelhança do próprio Judt, que não conseguiu escapar ao rótulo de self-hatred-jew.»

Ana Cristina Leonardo, crónica no Público de 28 de Junho.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

REVISÃO DE NOTÍCIAS LIDAS


 José Carlos Ary dos Santos escreveu que «Natal é Quando um Homem Quiser». Se formos mais longe que o poeta, tudo será quando um homem quiser.

Já a Primavera corre por aí e pego num recorte do Público, 24 de Dezembro de 2023, uma crónica do Frei Bento Domingues que estive a reler:

Foi num livro do seu grande amigo Frei Pedro Meca, que viveu entre os marginalizados de Paris, que conheceu um texto de Jean-Paul Sartre sobre o presépio. Leu o texto na Missa do II Domingo do Advento e teve tal impacto que não resistiu a transcrevê-lo na sua crónica dominical no Publico a que chamou «O presépio de um Ateu»
Estamos em 1940, na Alemanha, num campo de prisioneiros franceses. Alguns padres pedem a Jean-Paul Sartre, recluso há alguns meses com eles, que redija uma pequena meditação para a véspera de Natal. Sartre, ateu, aceita. E oferece aos seus camaradas Barioná ou o filho do trovão, procurando unir crentes e não crentes. Um excerto
:


«Como hoje é Natal, tendes o direito de exigir que vos seja mostrado o presépio. Ei-lo. Eis a Virgem, eis José e eis o Menino Jesus. O artista colocou todo o seu amor neste desenho, mas vós talvez o considereis ingénuo. Vede, as personagens têm belos ornamentos, mas estão rígidas, dir-se-ia que são marionetas. Não eram certamente assim. Se fordes como eu, que tenho os olhos fechados... Mas escutai: só tendes de fechar os olhos para me ouvir e eu vos direi como os vejo dentro de mim.

A Virgem está pálida e observa o menino. O que falta pintar no seu rosto é um maravilhamento ansioso, que só aparece uma única vez numa figura humana. Pois Cristo é o seu filho, a carne da sua carne e o fruto das suas entranhas. Ela carregou-o nove meses e dar-lhe-á o seio e o seu leite tornar-se-á o sangue de Deus. E em certos momentos a tentação é tão forte que esquece que é Deus.

Ela aperta-o nos seus braços e diz: "Meu pequenino!". Mas noutros momentos permanece perturbada e pensa: "Deus está ali", e sente-se tomada por um horror religioso por este Deus mudo, por este menino terrificante. Pois todas as mães se detêm por instantes diante desse fragmento rebelde da sua carne que é o seu filho e sentem-se exiladas diante dessa nova vida que foi feita com a sua vida e que povoam de pensamentos estranhos. Mas nenhum filho foi mais cruelmente e mais rapidamente arrancado da sua mãe, porque Ele é Deus e está além de tudo o que ela pode imaginar.

E é uma dura provação para uma mãe ter vergonha de si e da sua condição humana diante do seu filho.

Mas penso que deve ter havido outros momentos, rápidos e escorregadiços, nos quais sente ao mesmo tempo que o Cristo é seu filho, o seu pequenino, e que é Deus. Ela observa-o e pensa: "Este Deus é meu filho! Esta carne divina é a minha carne. É feito de mim, tem os meus olhos e esta forma da sua boca é a forma da minha. Parece-se comigo. É Deus e parece-se comigo".

E nenhuma mulher teve da sorte o seu Deus só para si. Um Deus pequenino que se pode tomar nos braços e cobrir de beijos, um Deus quente que sorri e respira, um Deus que se pode tocar e que vive. E é nesses momentos que eu pintaria Maria, se eu fosse pintor, e tentaria representar a expressão de terna audácia e de timidez com a qual ela avança o dedo para tocar a doce pelezinha deste menino-Deus, de quem sente sobre os joelhos o peso morno e que lhe sorri.
E eis tudo para Jesus e para a Virgem Maria.

E José? José, não o pintaria. Mostraria apenas uma sombra ao fundo da granja e dois olhos brilhantes. Pois não sei o que dizer de José e José não sabe o que dizer de si mesmo. Adora e está feliz por adorar e sente-se um pouco em exílio.

Creio que sofre sem o admitir. Sofre porque vê o quanto a mulher que ama se parece com Deus, o quanto ela já está perto de Deus. Pois Deus rebentou como uma bomba na intimidade desta família. José e Maria estão separados para sempre por esse incêndio de claridade. E toda a vida de José, imagino, será para aprender a aceitar.»

domingo, 21 de janeiro de 2024

O OUTRO LADO DAS CAPAS


 

 Estamos na presença do 1º número da Colecção Teatro Vivo, dirigida por Carlos Porto: As Troianas de Eurípedes, com adaptação teatral de Jean-Paul Sartre.

Uma muito interessante colecção com o intuito de proporcionar a leitura de grandes textos dramáticos, clássicos que constituem a história do teatro.

O editores completavam o trabalho fazendo publicar material que permitisse fornecer informações sobre as peças a publicar.

Neste 1º volume, no final,  é publicada uma entrevista de Jean-Paul Sartre concedida a Bernard Pingaud.

Sartre:

«A peça acaba, pois, no niilismo total. O que os gregos sentiam como uma contradição subtil – a contradição do mundo em que se é obrigado a viver -, constitui para nós, que vemos a peça de fora, uma negação, uma recusa. Quis sublinhar este regresso ao ponto de partida: o desespero final de Hécuba, que acentuei mais fortemente, repercute a palavra terrível de Poséidon. Os deuses aniquilarão os homens, e esta morte comum é a lição da tragédia.»

quinta-feira, 23 de junho de 2022

CONVERSANDO

Camus e Sartre nunca se entenderam, nunca se compreenderam.

Os horizontes de Camus viviam das paisagens áridas, das gentes  da Algéria, nunca dos cafés de Paris onde se discutiam algo que estava muito longe do mundo de Camus.

 «Sei o que é o domingo para um homem pobre que trabalha. Sei sobretudo o que é o domingo à noite e se eu pudesse dar um sentido e uma figura ao que sei, poderia fazer de um domingo pobre uma obra de humanidade», escreve Camus nos seus Cadernos  

Sartre numa carta a Camus:

 «Nossa amizade não era fácil, lamento-o. Se hoje é quebrada, certamente é porque isso teria que acontecer. Muitas coisas nos aproximaram, poucas nos separaram. Mas esse pouco é muito: a amizade, ela também, tem tendência para ser totalitária; o acordo sobre tudo é necessário, e as mesmas indeterminações tornam-nos militantes de partidos imaginários.»

 Parece fácil perceber porque Albert Camus me interessou mais que Jean-Paul Sartre.

 Num estudo que vem em O Mito de Sísifo, escreve Liselotte Richter:

 «Para Camus não há transcendência. Também a liberdade é absurda. A liberdade de existir não existe. Existe a morte para acabar com tudo. Depois dela nada existe. Não há amanhã. Todos os objectivos burgueses são ilusão e preconceitos.»

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

O ALENTEJO É ASSIM


Quem me conhece sabe de uma velha frase: «Não sou alentejano mas gostava de ser.»

No seu Diário Inédito, Vergílio Ferreira conta uma história sobre alentejanos.

Ele escreveu história e não anedota, note-se.

«Évora, 10 de Abril de 1949

O meu amigo A.M. contou-me esta história:

Um dia, num passeio pelo campo, deserto, encontrou ele um homem sozinho, sentado numa pedra, imóvel, como abandonado ao correr do tempo.

- Ora boa tarde. Então que faz vossemecê por aqui?

- Que faço… Vinha com um camarada que foi aí adiante. Disse-me que demorava pouco e já aqui estou à espera há três dias.

O Alentejo é assim.»

Este Diário Inédito corresponde a uma diarística que Vergílio Ferreira escreveu entre 1944 e 1949, e que regista a evolução do autor como futuro escritor (estes textos quase diários começam com a idade de 26 anos e terminam aos 32 anos, a 20 de Janeiro de 1949 revela que concluiu o romance Mudança «não sei bem se o tema interessará mas a mim diz-me muito, talvez por ter ainda à sua roda o calor com que o escrevi») e que se podem considerar a base dos futuros Conta-Corrente.

São os tempos em que anda à volta de filósofos como, entre outros) Hegel, Kirkegaard, Gabriel Marcel, Julien Benda mas principalmente Jean-Paul Sartre.

Entrada diarística de 21 de Março de 1944:

«Curiosa é a ignorância repousada dos nossos modernistas. Eles clamam por Sartre.Mas saberão que Sartre prega a verdade feita pelas mãos de cada um? Ou já sabem que o que vale em Sartre não e o que ele prega mas o que desgraçadamente realiza? Em todo o caso, vou rachar estes tipos qualquer dia, com um artigo.» 

sábado, 24 de julho de 2021

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...


Nesta semana, discutiu-se, na Assembleia da República, o Estado da Nação.

O governo que nos assiste diz-se de centro-esquerda, é mais centro que esquerda, mas é preferível a um governo de direita.

O governo tem ministros que não lembrariam ao careca, mas António Costa já disse que «não está prevista nenhuma remodelação no horizonte».

Penso que não será bem assim e, mais dia menos dia, teremos por aí remodelação, provavelmente para depois das eleições autárquicas.

Diga-se, no entanto, que a oposição, que tão mal diz do governo e dos ministros, é um perfeito desastre.

Rolava a bola há alguns minutos e Adão e Silva, líder parlamentar do PSD, saiu-se com esta pérola:

«No âmbito da saúde, senhor primeiro-ministro, que fique claro: nós, PSD, somos fundadores do Serviço Nacional de Saúde [SNS]. Estamos no SNS. E senhor primeiro-ministro, não é uma questão ideológica, é uma questão prática. É uma questão de sentido prático das coisas.»

Em Setembro de 1979, a lei do Serviço Nacional de Saúde foi aprovada na Assembleia da República com os votos do PS, do PCP, da UDP e do deputado independente Brás Pinto tendo votado contra todos aqueles que já, então, estavam contra o espírito da socialização da saúde, preconizado pelo deputado socialista António Arnaut: o PS, o CDS e os deputados independentes do PSD.

O governo pode ser a coisa terrível que as direitas dizem que é, ou querem que seja, mas, como oposição, são um perfeito desastre.

António Costa bem pode estar de cadeirinha a olhar.

1.

Bonita e justa homenagem.

O Auditório do Museu do Fado passou a chamar-se Auditório Ruben de Carvalho.

2.

No mínimo dos mínimos, deveria haver um médico e um enfermeiro de saúde pública por cada 20 mil habitantes.

3.

O Cardeal Angelo Becciu, ex-responsável pelas finanças, e afastado pelo Papa Francisco em Setembro do ano passado, é a figura mais alta do Vaticano a ser acusada de crimes financeiros: desvio de fundos, fraude e abusos do poder. Em causa estão 350 milhões de euros da Santa Sé,  aplicados num negócio de imobiliário em Londres.

4.

A Câmara Municipal de Lisboa tem cerca de 13.000 funcionários, ou seja um por cada 38 habitantes da cidade. Entre os funcionários da CML contam-se 381 advogados, 159 relações públicas, 443 arquitectos e 168 historiadores, entre muitas outras profissões.

5.

«Eu então vivo sozinho, absolutamente sozinho. Nunca falo a ninguém; não me dão, não dou nada a ninguém. O Autodidacta não conta. É verdade que há Françoise, a patroa do Rendez-vous dos Ferroviários. Mas pode dizer-se que falo com ela? Às vezes, depois do jantar, quando vem servir-me uma cerveja, pergunto-lhe:

«Esta noite você tem tempo?»

Nunca diz que não, e então sigo-a a um dos quartos grandes do 1º andar, que ela aluga à hora ou ao dia. Não lhe pago senão o quarto. Ela goza (precisa dum homem por dia, e além de mim, tem muitos outros) e eu purgo-me assim de certas melancolias cuja causa conheço perfeitamente. Mas mal trocamos algumas palavras. Para quê? Cada um por si; aos olhos dela, de resto, continuo a ser, antes de mais um freguês do café. Diz-me assim, ao despir o vestido:

«Ouça lá, você conhece um aperitivo chamado Bricot? É que houve dois fregueses, esta semana, que pediram. A rapariga não sabia, veio prevenir-me. Eram caixeiros viajantes; foi coisa que beberam em Paris, com certeza. Mas não gosto de comprar sem saber. Se não se importa, não tiro as meias.»

Jean-Paul Sartre em A Náusea

terça-feira, 24 de setembro de 2019

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Li os três volumes de Os Caminhos da Liberdade após os acontecimentos de Novembro de 1975.

Na biblioteca do meu pai existiam os três volumes de Les Chemins de la Liberté, em francês, numa edição da Gallimard. Mas nunca os li porque, ao contrário do tal gato maltês, nunca toquei piano , nem falei francês.

Arrastaram-se os idos de Novembro e Dezembro de 1975.

Um dia, se fará a História.

De quem traiu e o porquê.

Como escreveu Simone Beauvoir:

É horrível assistir à agonia de uma esperança.

Nos primeiros dias do ano de 1976 comprei, na Bertrand do Chiado os três volumes de Os Caminhos da Liberdade.

Enquanto o diabo esfregava um olho, devorei as 1071 páginas que constituem a obra. O meu pai já me tinha dito que a trilogia é largamente autobiográfica e se Mathieu não é Sartre, não sei quem será.

Claro que os acontecimentos de Novembro de 1975 não são para esquecer e não seria a leitura de um livro que permitiria uma situação como essa. Mas foi uma leitura absorvente, cativante, quase inenarrável.

Mário-Henrique Leiria escrevia:

«Porque foi isto assim possível? propomos a explicação de que houve, como "originalidade" típica, muito improviso no processo revolucionário, que esqueceu a sua defesa, criando a alastrando a angústia na pequena burguesia, camada significativa na sociedade portuguesa, a que até muitos trabalhadores as piram por força das motivações que o obscurantismo fascista teve longo tempo para semear.
Angústia semelhante à que agora ressurge com o agravamento das condições de vida, a subida arrogante da reacção, a incerteza do futuro que tem que ser construído de novo.
O Povo terá pois que teimar para que respeitem a sua vontade de acabar com a exploração do homem trabalhador pelo homem esperto. Para que as condições de vida sirvam as classes desfavorecidas. Para que acabem as perseguições aos que olham o futuro sem medo da mudança. parq ue a justiça social deixe de ser uma miragem evangélica no mundo dos mortos. Para quem produz trabalhando, exerça o poder, Para que sejamos verdadeiramente um país Democrático.»

Brunet conversando com o tipógrafo Schneider:

«Os Alemães estão em Paris há quinze dias, toda a França ficou de pernas para or: há camaradas mortos, outros prisioneiros, outros que desapareceram com as suas divisões, outros na cadeia. Se queres saber o que faz o Partido neste momento, vou dizer-te: reorganiza-se.»

Não voltei a pegar em Os Caminhos da Liberdade.

Reli-os agora, em diagonal, para colocar aqui as capas.

Sabe-se que não se lê um livro da mesma maneira, não se toma banho na mesma água.

«Amanhã chegarão os pássaros negros.»

Legenda: Jean-Paul Sartre

segunda-feira, 11 de março de 2019

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Sartre realça o poder que a música pode exercer sobre a angústia.

«Madeleine, que quer ser amável para mim. Grita-me de longe, mostrando-me um disco:
«O seu disco, Sr. Antoine, aquele de que o senhor gosta; quer ouvi-lo pela última vez?»
«Pois sim, se faz favor.»

A voz da negra eleva-se.

«Some of these days», chama-se a canção.

«E, nesse momento preciso, do outro lado da existência, nesse outro mundo que se pode ver de longe, mas sem nunca lá chegarmos, uma medodiazinha pôs-se a dançar e a canta: «E como eu que se deve ser; é preciso sofrer a compasso.»

A náusea será vencida?

«… não se trata já duma doença nem dum acesso passageiro: a Náusea sou eu.»

Sartre fumava cachimbo, Também andou por outros caminhos fumegantes.

Terei lido A Náusea em finais de 1976.

Lembro-me da sensação. Das imediatas releituras que fiz para me aperceber melhor do que andava por aquelas páginas.

Comprei-o na Livraria Anglo-Americana, no Cais do Sodré, onde agora está a Caneças, uma boutique do pão. Custou-me 45 escudos, preço a lápis colocado na primeira folha pelo Eduardo Olímpio, que durante muitos anos ali trabalhou.

Voltei, agora, a pegar no livro.

Continuo sem apanhar tudo.

Não me importo muito.

Sempre estiva mais ao lado de Camus do que de Sartre, mas considero A Náusea um livro surpreendente, infernal.

«Amanhã vai chover sobre Bouville».

Teremos sempre o nosso caminho.

«Uma noite bem dormida, uma só, chegaria para me varrer da cabeça todas estas histórias».


domingo, 30 de setembro de 2018

POSTAIS SEM SELO



Quando morrer, morrerei satisfeito. Tive mais do que sonhei.

Jean-Paul Sartre

Legenda: Jean-Paul Sartre e Simone Beauvoir

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

ATÉ AGORA, DISSE NADA


Passados são oito dias desde que se soube que Bob Dylan foi distinguido com o Nobel da Literatura.

Tal como eles disseram: por ter criado novas formas de expressão poéticas no quadro da grande tradição da música americana.

A Academia Sueca revelou, agora, que desistiu de tentar contactar diretamente Bob Dylan.

Liguei e enviei 'emails' para os colaboradores mais próximos e recebi respostas muito simpáticas. Por agora, julgo que é o suficiente, disse a secretária permanente da Academia Sueca, Sara Danius.

Tudo indica que Dylan não comparecerá na cerimónia de entrega do Nobel, a 10 de dezembro, em Estocolmo.

Meteram-se na alhada de me nomearem Nobel, agora aguentem-se à bronca, deve andar Dylan a dizer a ele mesmo.

Em mais de um século de atribuição do Nobel da Literatura, o escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre recusou o galardão, em 1964, por questões de princípio de nunca aceitar prémios.

Boris Pasternak também recusou o Nobel em 1958, pressionado pelo regime da União Soviética, mas os descendentes do escritor russo acabaram por aceitá-lo oficialmente, e a título póstumo, em 1988.

Legenda: Dylan, Newport Folk Festival 1963

domingo, 5 de abril de 2015

OS IDOS DE ABRIL DE 1975


 5 de Abril de 1975

Abordando  a visita de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir a Lisboa, despediram-se hoje, o Avante publica uma nota intitulada Os Adivinhos do Passado.

Poucas coisas juntavam os comunistas a Sartre, muitas eram as que os separavam. 


 Num artigo, que há-de publicar no Jornal Novo de 17 de Abril de 1975, sobre a permanência de Sartre em Lisboa, Eduardo Lourenço, a abrir, escreve:


 Na tal conferência na Casa da Imprensa que Vergílio Ferreira diz não ter (ou não quis) ouvido quase nada, Sartre começou por responder a uma pergunta em que lhe recordavam uma entrevista ao Nouvel Observateur em que terá afirmado que as eleições são uma ratoeira para idiotas e às afirmações que agora proferira em Lisboa:
As eleições são uma ratoeira para idiotas, porque  quando se vota, individualmente,, em programas propostas por partidos, quer dizer, em pequenos grupos separados da comunidade, e que propõem um conjunto de reformas numa linha política que não representa o que o próprio individuo pensa, vota-se porque há muitos partidos para escolher e escolhe-se aquele que está menos longe do que cada um pensa. Mas não se escolhe precisamente um partido. Vota-se porque os outros votam e é preciso votar com eles. Mas, não é uma escolha. Por outro lado, para mim, as eleições são uma expressão pública caduca. Defendo pelo contrário o exercício da democracia directa, em detrimento da democracia por sufrágio universal.


Respondendo à solicitação de esclarecer a sua posição a favor das eleições ou da revolução, colocada de forma a encará-las como duas possibilidades, perante as quais certos teóricos defendem serem as eleições desmobilizadoras, afirmou:
Se a pergunta me é posta dessa maneira, revolução ou eleições eu, pessoalmente, digo revolução sim, eleições não. Mas, pergunto a mim mesmo se se coloca assim a questão? Se a questão não é a revolução e as eleições? O povo português, no seu conjunto, os camponeses do norte, por exemplo, são cidadãos livres e capazes de votar com todo o senso que esse voto implica ou, ainda não são capazes? Depois de 590 anos de ditadura, não é possível que as pessoas não conservem, embora não queiram, alguma coisa de que precisam desembaraçar-se, mas que é como que uma estrutura fascista, que esqueceram, que contestam, mas que persiste na vida portuguesa.
Para a reportagem que o matutino O Século publicou sobre a conferência de imprensa foi escolhida uma das frases que Sartre proferiu:
Fala-se muito aqui de revolução mas ele ainda não foi feita.

Fontes:
- Acervo pessoal;
Os Dias Loucos do PREC de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira.

Legenda: Sartre de «G3» nas mãos, num encontro com militares, fotografia tirada de Os Dias Loucos do PREC.

sábado, 4 de abril de 2015

OS IDOS DE ABRIL DE 1975


4 de Abril de 1975

CONFERÊNCIA de imprensa do embaixador norte-americano Frank Carlucci, no Palácio Foz, tendo ao lado o ministro da Comunicação, Correia Jesuíno.
Uma hora a dizer «não», rematando que a CIA nunca teve nem terá qualquer ingerência na situação interna portuguesa.
Num outro tempo ambém negaram que a CIA não tivera qualquer ingerência no Chile e, mais tarde, o Congresso dos Estados Unidos admitiu e condenou a responsabilidade da CIA e do governo norte-americano no derrube de Salvador Allende e no apoio, até à náusea, da ditadura de Pinochet.

VASCO GONÇALVES recebe o Cardeal Patriarca D. António Ribeiro em São Bento. O caso Rádio Renascença em agenda. A igreja receia a nacionalização da rádio, admitida dias antes pelo ministro da Comunicação Comandante Correia Jesuíno. Os bispos não gostaram da nomeação pelo Governo da Comissão Mista para mediar o conflito entre os trabalhadores e a entidade patronal.

O DECRETO-LEI nº 187/75 aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Concordata entre a Santa Sé e Portugal, admitindo o divórcio.

HÁ ALGUNS DIAS que Jean-Paul Sartre se encontra de visita a Portugal.
Tem conversado com militares, trabalhadores, intelectuais portugueses.

Vergílio Ferreira no seu Conta-Corrente regista que foi à Casa da Imprensa ouvir Sartre.

Não muita gente – jornalistas, jovens. Aguardo meia-hora, ouço enfim: «Ele aí vem.» Olho atrás: e lá vinha realmente um homenzinho baixote, casaco castanho de malha, camisa amarela sem gravata, pantalonas. E a arrastar os pés. A certa altura receio que se esbarre contra as filas de cadeiras. O Claude Roy dissera-me que está quase cego. Senta-se à secretária, batido das luzes da TV. Face arrasada e o olho azul qui louche… Salta uma pergunta. Não ouço bem, porque não há altifalante. Ele começa a rezar. Voz lenta, safada. Reza, reza. Não entendo quase nada: ouvriers… autogestion… parti comuniste… Finalmente cala-se. Leva tempo a perceber que se calou, porque as suas pausas são lentas. Outra pergunta: um jovem do MRPP. Sartre reinicia a reza. Aí uma meia hora. Pouco a pouco reparo que a sua face se me recompões ma memória que dele tenho. Acaba por ficar parecido. Chegámo-nos todos para a frente., mas não ouço melhor. Saio da sala, ele continua a resmonear a resposta com o cansaço de quem levou a vida inteira a explicar. Olho ainda atrás: a boca inesperada de charroco com um entreluzir metálico de dentes de ouro (?).

Miguel Torga, no seu Diário, também aborda a visita de Sartre, mas não o nomeia e apenas se lhe refere como um intelectual francês:

Fazem-se eco os jornais das palavras de um intelectual francês que veio espairecer o seu tédio vanguardista e bem pensante por estas buliçosas paragens. Parece que vai daqui consolado e que nos consolou também. Pobre português! Quer queira quer não, está sempre de cócoras diante de qualquer estrangeiro. O mais pundonoroso, curva-se reverentemente perante o estatuto de superioridade que de longa data outorgamos aos de fora. Todos nós nos pomos em bicos dos pés para que o mundo nos veja. Escrevemos para os outros, conspiramos para os outros, fazemos revoluções para os outros. E os outros, naturalmente, procedem em conformidade, dignando-se-lhe olhar-nos com a magnanimidade de um soberano que desce à rua e aperta a mão do manifestante.

 Fontes:
- Acervo pessoal;
Os Dias Loucos do PREC de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira.
- Conta-Corrente – Vergílio Ferreira.
- Diário – Miguel Torga

Legenda: Vasco Gonçalves e D. António Ribeiro. Fotografia do livro Os Dias Loucos do PREC.

domingo, 4 de janeiro de 2015

HÁ 55 ANOS


Morria Albert Camus.

Tinha 47 anos.

No local do desastre foi encontrada uma sacola que continha a obra em que Camus trabalhava no momento da sua morte: «O Primeiro Homem».

«Compõe-se de 144 páginas traçadas ao correr da pena, por vezes sem pontos nem vírgulas, numa letra rápida, difícil de decifrar, nunca retocadas».

(Nota de Catherine Camus para a publicação, em 1994, de «O Primeiro Homem»)

«O carro em que seguia, com o seu editor, descontrolou-se e embateu violentamente contra uma árvore.
Numa estrada deserta a meio de uma madrugada igual a tantas outras que ele vivera ardentemente durante o seu período de resistência, Albert Camus encontrou, talvez, na morte, o gozo de algo que afinal sempre tivera na pele, como um vício doloroso.»

(Maria Teresa Horta em «A Capital» de 18 de Fevereiro de 1970)

José Cardoso Pires, escreveu então que nunca mais esqueceria a capa do «Paris-Match» que noticiava o absurdo insuportável da prematura morte do escritor.

«Camus era uma aventura singular de nossa cultura, um movimento cujas fases e cujo termo final tratávamos de compreender. Representava neste século e contra a história, o herdeiro atual dessa longa fila de moralistas cujas obras constituem talvez o que há de mais original nas letras francesas. Seu humanismo obstinado, estreito e puro, austero e sensual, travava um combate duvidoso contra os acontecimentos em massa e disformes deste tempo. Mas, inversamente, pela teimosia de suas repulsas, reafirmava, no coração de nossa época, contra os maquiavélicos, contra o bezerro de ouro do realismo, a existência do fato moral. Era, por assim dizer, esta inquebrantável afirmação. Por pouco que se o lesse ou refletisse a respeito, chocávamos com os valores humanos que ele sustentava em seu punho fechado, pondo em julgamento o ato político.

Inclusive seu silêncio, nestes últimos anos, tinha um aspecto positivo: este cartesiano do absurdo se negava a abandonar o terreno seguro da moralidade e entrar nos incertos caminhos da prática. Nós o adivinhávamos e adivinhávamos também os conflitos que calava, pois a moral, se se a considera, exige e condena juntamente a rebelião. Qualquer coisa que fosse o que Camus tivesse podido fazer ou decidir a sua frente, nunca teria deixado de ser uma das forças principais de nosso campo cultural, nem de representar a sua maneira a história da França e de seu século.

A ordem humana segue sendo só uma desordem; é injusta e precária; nela se mata e se morre de fome; mas pelo menos a fundam, a mantêm e a combatem, os homens. Nessa ordem Camus devia viver: este homem em marcha nos punha entre interrogações, ele mesmo era uma interrogação que procurava sua resposta; vivia no meio de uma longa vida; para nós, para ele, para os homens que fazem com que a ordem reine como para os que a recusam, era importante que Camus saísse do silêncio, que decidisse, que concluísse. Raramente os caracteres de uma obra e as condições do momento histórico exigiram com tanta clareza que um escritor viva.

Para todos os que o amaram há nesta morte um absurdo insuportável. Mas, teremos que aprender a ver esta obra truncada como uma obra total. Na medida mesmo em que o humanismo de Camus contém uma atitude humana frente à morte que havia de surpreendê-lo, na medida em que sua busca orgulhosa e pura da felicidade implicava e reclamava a necessidade desumana de morrer, reconheceremos nesta obra e nesta vida, inseparáveis uma de outra, a tentativa pura e vitoriosa de um homem reconquistando cada instante de sua existência frente à sua morte futura.» 

(Jean-Paul Sartre, no dia a seguir à morte de Albert Camus, documento retirado da Revista Pandora.)

domingo, 17 de agosto de 2014

OLHAR AS CAPAS


Os Condenados da Terra

Frantz Fanon
Prefácio: Jean Paul Sartre
Tradução; Serafim Ferreira
Capa: Sebastião Rodrigues
Editora Ulisseia, Lisboa s/d

O colono faz a história e sabe que a faz. E como se refere constantemente à história da metrópole, indica com clareza que está aqui como prolongamento dessa metrópole. A história que escreve não é, pois, a história do país que ele despoja, mas a história da sua nação onde ele rouba, viola e espalha a fome. A imobilidade a que está condenado o colonizado não pode ser impugnada, senão quando o colonizado decide pôr termo à história da colonização, à história da pilhagem, para fazer existir a história da nação, a história da descolonização.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A TROPA PR'ÓS QUARETEIS


Primeira página do Libération, o seu nº 233, referente a 3 de Maio de 1974, uma sexta-feira, tendo como director Jean-Paul Sartre.
Para muitos, não tantos como se pensaria, a poesia ainda andava nas rua., mas já outros , na sombra dos sótãos, desenhavam os primeiros passos para que isso deixasse de acontecer.
Spínola não tinha dúvidas: os militares deveriam regressar a quarteis e deixar a política para quem de política soubesse.
Em 13 de Junho de 1974, em plenário do MFA, convocado por Spínola, reúnem-se militares e dois ministros do governo Palma Carlos: Vasco Vieira de Almeida, ministro da Coordenação Económica e Sá Carneiro.
Vieira de Almeida traçou um panorama catastrófico do poder e exigiu medidas económicas urgentes que evitassem a ruína do país.
O discurso de Sá Carneiro foi mais duro, chegando a dizer que só havia dinheiro para duas ou três semanas e depois o MFA seria responsável pela fome.
Vasco Gonçalves interveio para declarar que se não havia dinheiro nos cofres do Estado, era preciso ir busca-lo aonde o houvesse, isto é, às mãos dos capitalistas.
Sabe-se o que veio  acontecer: a demissão do primeiro-ministro Palma Carlos, Vasco Gonçalves é escolhido para o substituir, acontecerá o 28 de Setembro, o 11 de Março, um Verão muito quente que culmina a 25 de Novembro.
Os caminhos do socialismo passaram a miragem, a democracia ia-se instalar.

Ainda está por cá.

Tranquila e madura.
Fonte: Portugal Depois de Abril de Avelino Rodrigues, Mário Cardosos, Lisboa Maio de 1976.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

JANELA DO DIA


Foi cinzento o dia seguinte, o sol recusou-se a comparecer, apenas, aqui e ali, uns farrapitos.

Jean-Paul Sartre, quando em Abril de 1975 este em Portugal, perguntava:

“Será que o povo português no seu conjunto, os camponeses do norte, por exemplo, será hoje constituído por cidadãos livres e capazes de votar em todo o sentido que esta palavra implica, ou não estará ainda capaz?”

Sérgio de Almeida Ribeiro contava hoje no “Delito de Opinião” que, na mesa de voto em que esteve, uma senhora saiu da cabine com o boletim na mão e a perguntar como poderia votar em Paulo Portas, porque não viu no boletim a fotografia e não sabia qual era o partido.

Daniel  de Oliveira, hoje ,no “Arrastão”

“É provável que muitos eleitores tenham votado no PSD para se verem livres de José Sócrates.
Só que nestas eleições houve uma novidade: não há forma dos eleitores dizerem que foram enganados. Desta vez o voto contra quem está não podia ignorar o conteúdo do programa de quem vinha aí. Nunca um candidato a primeiro-ministro foi tão claro nos seus propósitos.”


Ontem, Pedro Passos Coelho, ainda a vitória borbulhava, e já estava a abrir portas para novas medidas de austeridade e, hoje de manhã, em entrevista à Agência Reuters, disse que iria surpreender indo mais longe do que a troika nos impusera.

Vitor Dias no seu “Tempo das Cerejas”

“E agora já posso dizer o que antes não podia: é que esta caracterização continha implicitamente a perfeita noção e consciência de que só assinaláveis voluntarismos, superficialidade ou inexperiência política podiam levar a pensar que os partidos à esquerda do PS desfrutavam de condições excepcionalmente favoráveis nesta batalha eleitoral em vez de terem pela frente, como sempre pensei, uma batalha dificil e especialmente complexa e exigente. Na verdade, raramente na história recente aconteceu que climas de angústia e certa desorientação colectiva, de medo do presente e do futuro, de aprisionamento numa barragem de factos consumados e de soluções asfixiantemente apresentadas como as únicas «credíveis» ou «exequíveis» fossem promissores territórios de espectaculares progressões eleitorais de forças de esquerda mais consistentes ou consequentes”.

O futuro será sempre impossível?…

Em tempo de ditadura, escrevia Miguel Torga, no seu “Diário” :

“As nossas saudades de agora são as do risonho porvir que não viveremos.”