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terça-feira, 16 de julho de 2024

SIMPLEMENTE, ASSUSTADO!...

«A liberdade está sempre ameaçada, mas existe. Estamos numa altura ingrata em relação às forças de esquerda – que eu defendo -, porque há uma ascensão preocupante da extrema-direita. Não só aqui, mas no resto da Europa. Pensar que o Trump, por exemplo, possa ser o próximo Presidente dois Estados Unidos é assustador.»

Sérgio Godinho, entrevista no Público de 20 de Março de 2024.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Esta é a capa do mês de Abril da  revista «Somos Livros» , distribuída gratuitamente, nas lojas das livrarias Bertrand.

Uma frase de Sérgio Godinho, tirada da entrevista que no corpo da revista deu a Marta Ribeiro:

«Muitas vezes, o povo não é nada sábio.»

segunda-feira, 11 de março de 2024

VIAGENS POR ABRIL


           Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                    João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

Nestas Viagens por Abril, no que refere a canções e intérpretes, já falámos de Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, Francisco Fanhais, António Macedo, Manuel Freire.

Falamos hoje de Sérgio Godidnho e ainda ficam por referir outros. Lá chegaremos.

Se me perguntassem, assim de repente, quais os cantores de Abril antes de 25, e continuaram depois, os que acreditaram, como disse o poeta, que o poema fosse microfone e falasse uma noite qualquer para que a lua estoirasse, diria:

Adriano, José Afonso, Manuel Freire, Sérgio Godinho, José Mário Branco.

Há outros?

Sim, há algunns alguns de quem gosto mesmo, Samuel, Fausto, por aí fora…

Para falar do Sérgio pego num dos muitos grandes álbuns do Sérgio Godinho: À Queima Roupa.

O melhor?

Que seja, ou não, mas possui na primeira faixa do lado A uma das melhores entradas de canções portuguesa. Só portuguesas?

«A paz, o pão, habitação, saúde, educação.»

Começado em Vancouver, onde Sérgio vivia com sua mulher, Sheila Charlesworth, continuado e finalizado em Lisboa, nos estúdios da Rádio Triunfo, com José Fortes como engenheiro de som.

Dizem que o ódio é baboseira

E que a raiva é má conselheira

Mas nós com o grande capital

Damo-nos mesmo muito mal

Damo-nos mesmo muito mal.

O grande capital

Está vivo em Portugal

E quem não o combate

É que dele faz parte.


Li  Pela Estrada Fora de Jack Kerouac antes de saber quem era o Sérgio Godinho.


Antes do álbum, chegou o EP com Romance de um Dia na Estrada, perdido não se sabe onde. Uma capa com roxos e o rosto Sérgio em negativo.

Quando ouvi a música, liguei-a, de imediato, a Kerouac. Anos mais tarde Sérgio Godinho há-de confirmar que a música tem muito do “on road”.

O LP  Sobreviventes tem outras canções fortes, que força é essa que trazes nos braços ou aprende a nadar companheiro que a liberdade está a passar por aqui, entre a rua e o país vai o passo de um anão, mas é esta a minha preferida. E Kerouac tem muito a ver com esse gosto:

«…porque as únicas pessoas autênticas para mim são as loucas, as que estão loucas por viver, loucas por falar, loucas por ser salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, aquelas que nunca bocejam ou dizem um lugar comum, mas ardem, ardem, ardem como fabulosas peças de fogo-de-artifício a explodir entre aranhas, entre estrelas…»

Há dias, pouquíssimos dias, perguntaram ao Sérgio que como estamos à beira de eleições legislativas, como é que ele olhava para a situação do país.

Não demorou  a resposta:

«Vivemos tempos estranhos, interna e externamente, mas se calhar os tempos sempre estiveram estranhos. Somos um país extremamente imperfeito em muitos setores. E parece que há coisas que emperram e que já deviam ser mais ágeis. Desde há anos que é absolutamente indispensável que todos os portugueses tenham um médico de família, o que, no fim de contas, é uma consequência do Serviço Nacional de Saúde, mas atualmente temos mais de um milhão e meio de pessoas sem médico de família. Isso é uma constatação de falência ou, pelo menos, de insuficiência. E há que trabalhar em todos esses aspetos. A Justiça, por exemplo, é outro setor que tem muito a ser trabalhado. Portanto, vivemos num país que tem uma democracia sim, mas uma democracia muito imperfeita. Mas também não gosto daquela conversa de que isto já nem é democracia. Claro que é! Simplesmente é muito imperfeita. Tanto mais que atualmente temos ameaças de extrema-direita tanto cá, como noutros países da Europa. E mais longe, na América, quando se pensa que o Trump pode ser reeleito é de arrepiar. E para além das guerras que decorrem...

Vai-se vivendo o presente, esperando que o futuro seja um bocado melhor. As utopias não são realizáveis. Temos, sim, de estar um passo à frente.»

sábado, 20 de janeiro de 2024

DEU-ME UM BAQUE!

Manuel António Pina foi colega de Sérgio Godinho no 6º e 7º Anos do liceu. 

Estavam em áreas diferentes, mas tínham cadeiras comuns. 

Foi o Pina que lhe mostrou Pela Estrada Fora do Kerouac. Foi também ele que lhe mostrou as Odes Elementares de Pablo Neruda - «Deu-me um baque!»

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

NOTÍCIAS DO CIRCO


Com o país mergulhado numa crise infernal:  falta paz, pão, habitação, saúde, educação, como cantava o Sérgio, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, não encontrou nada melhor, para enchouriçar o seu discurso de ontem, do que  determinar e mandar publicar que Lisboa irá fazer uma enorme e festiva comemoração sobre o 25 de Novembro.

E mistérios dos mistérios, os direitistas, nestes quase 50 anos, nunca organizaram qualquer manifestação comemorativa do 25 de Novembro, não por seguirem o exacto  grito lançado por  Maria Velho da Costa,  «ESTE DIA NÃO!, mas simplesmente porque  lhes faltam dedinhos para a fraca guitarra que possuem.

No Público de 26 de Novembro de 2000,  Adelino Gomes perguntava:

Quem desencadeou o 25 de Novembro? Quem deu ordem aos páras para ocuparem quatro bases aéreas? Otelo traíu os seus homens ou evitou a Guerra Civil? O PCP de que lado(s) esteve? Até onde chegavam as ligações aos MDLP? Quantos grupos funcionaram dentro do Grupo dos Nove? Qual foi a mais decisiva: a Região Militar do Norte (MN) ou a Região Militar de Lisboa (RML)?; o Posto Avançado da Amadora, comandado pelo então tenente-coronel Ramalho Eanes, ou o Posto de Comando Principal, montado em Belém, e onde ficaram o Presidente Costa Gomes e o comandante da RML e Conselheuro da Revolução, vasco Lourenço? Quantos 25 de Novembro houve naquele dia?

O 25 de Novembro existiu?

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

OLHAR AS CAPAS


Retrovisor

Nuno Galopim

Assírio & Alvim, Lisboa,  Maio de 2006

Há ainda em Campolide um tema instrumental da banda sonora de Le Soleil en Face e que representa a primeira vez que Sérgio Godinho compôs para guitarra portuguesa, sempre com a memória de Carlos Paredes a assaltá-lo: «Inspirei-me assumidamente no seu fraseado – aliás na minha memória do seu fraseado… Foi uma homenagem íntima ao seu génio e a tudo o que ele me deu. Cheguei a pensar pôr-lhe uma letra, mas não faria sentido».

sábado, 25 de fevereiro de 2023

MÚSICA PELA MANHÃ


Numa entrevista, não muito recente, Carlos Tê disse que Romance de um dia na estrada, de Sérgio Godinho, Queixa das almas jovens censuradas, poema de Natália Correia cantado pelo Zé Mário Branco, «foi algo que lhe tocou que o obrigou a pensar. Ouvi-os no Página Um do José Manuel Nunes e a sensação foi “Espera lá, alguém me está a falar de um sítio qualquer e na minha própria língua”. Foi um sinal.»

«Haverá sempre alguém, em qualquer parte do Mundo, que nunca tendo lido um livro será alcançado por um bocadinho de poesia que a canção traz. Uma arma invencível e por isso planetária. Fui tocado várias vezes. Ouvir as coisas do (Leonard) Cohen, “Songs of love and hate”, por exemplo, e sem perceber exactamente o que estava em causa ou o que ele queria dizer com aquilo, saber que estava ali poesia. Que a canção entrava pela poesia e que a poesia entrava pela canção.»

Por fim: «Nunca me lamentei por estar sozinho.»

As duas canções de que fala Carlos Tê, são as mesmas que me levaram a comprar os discos do Sérgio e do Zé Mário, duas canções notáveis, principalmente Romance de um dia na estrada, que cheguei a ter em EP, editado pela Guilda Música, Prémio de Imprensa de 1971, misteriosamente desaparecido, como tantos outros, muito antes do LP.

Andava há já vinte dias
Ao frio, ao vento e à fome
Às escondidas da sorte
Um dia fraco, outro forte
Que o dia em que se não come
É um dia a menos para a morte
Um dia fraco, outro forte

Quando um barulho de cama
A voltar-se de impaciente
Me fez parar de repente
Era noite e o casarão
Não tinhas lados nem frente
Dentro havia luz e pão
Me fez parar de repente

Ó da casa, abram-me a porta
Fiz as luzes se apagarem
Cheguei-me mais à janela
Vi acender-se uma vela
Passos de mulher andarem
E uma mulher muito bela
Chegou-se mais à janela

Não tenhas medo, eu não trago
Nem ódio nem espingardas
Trago paz numa viola
Quase que não fui à escola
Mas aprendi nas estradas
O amor que te consola
Trago paz numa viola

Meu marido foi pra longe
Tomar conta das herdades
Ela disse "Companheiro"
Eu disse "Vem", ela "Tu primeiro"
"Tu que me falas de estradas"
"E eu só conheço um carreiro"
Ela disse "Companheiro"

A contas com a nossa noite
Afundados num colchão
Entre arcas e um reposteiro
Descobrimos um vulcão
Era o mês de Fevereiro
E o Inverno se fez Verão
Descobrimos um vulcão

E eu que falava de estradas
E só conhecia atalhos
E ela a mostrar-me caminhos
Entre chaminés e orvalhos
Pela manhã, sem agasalhos
Voltei a rumos sozinhos
E ela a mostrar-me caminhos

Andarei mais vinte dias
ao frio, ao vento e à fome
Às escondidas da sorte
Um dia fraco, outro forte
Que o dia em que se não come
É um dia a menos para a morte
Um dia fraco, outro forte
Um dia fraco, outro forte

sábado, 30 de maio de 2020

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O nº 8 de Notícias deBloqueio é dedicado à poesia africana de expressão portuguesa.

Encontramos poemas de António Jacinto, Mário António, Viriato da Cruz e Agostinho Neto.

Um dos poemas de Viriato da Cruz é O Namoro para o qual Fausto arranjou música e que Sérgio Godinho incluiu no seu álbum De Pequenino se Torce o Destino, editado em 1976, e garanto-vos que é uma maravilha de canção.

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando
de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas

Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seus seios, laranjas - laranjas do Loje
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo, rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigenia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

Levei á Avo Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, á porta da fabrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbudo, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
"-Não viu...(ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do Sô Januario
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso
as moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim !"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

DOCES, DOCES, DOCES


Por este tempo de Natal quase a findar, tenho, sempre, comigo o sabor do perú, nos jantares de Natal e Ano Novo, o sabor das tangerinas, metia-se um dedo na casca e o fruto saía por inteiro, e eram doces, doces, doces.

Há um livro de Pablo Neruda que se chama Odes Elementares, em que o poeta louva vegetais, frutos, comidas típicas, amigos, cidades, os homens, o trabalho, tanta coisa, que modela e transforma-as em versos.

Tão simples como respirar, mas aquela simplicidade que só está ao alcance de gente que busca horizontes.

Num total de 68, encontramos odes à alegria, ao amor, às aves do Chile, ao caldo de congro, à cebola, à crítica, à inveja, à esperança, à apanha dos pássaros, à preguiça, ao tomate,a o vinho, ao murmúrio,  a um relógio na noite.

Gostava que houvesse, mas não há, uma ode à tangerina.

Desde os meus tempos de infância que gosto do cheiro e do sabor da tangerina.

Tenho nos olhos as tangerinas, descansando na fruteira, para os jantares de Natal e Ano Novo.

Acontecia existir alguma míngua nas restantes refeições do ano, mas estes jantares eram sagrados.

deixai-me agora falar
do fruto que me fascina,
pelo sabor, pela cor,
pelo aroma das sílabas:
tangerina, tangerina.

tal como escreveu Eugénio de Andrade.

Mas, parece, já não existirem tangerinas.

Apenas algo parecido, nomes como nectarinas, clementinas sei lá…

Sérgio Godinho, no seu álbum Tinta Permanente tem uma canção a que chamou O Primeiro Gomo da Tangerina.

Todos vieram
ver a menina
ao primeiro gomo de tangerina
menina atenta
não experimenta
sem primeiro
saber do cheiro
o sabor dos lábios
gestos sábios
Fruta esquisita
menina aflita
ao primeiro gomo de tangerina
amarga e doce
como se fosse
essa hora
em que chora
e depois dobra o riso
e assim faz seu juízo
Sumo na vida
é o que eu te desejo
um beijo um beijo
Ah, que se lembre
sempre a menina
do primeiro gomo de tangerina
p´la vida dentro
é esse o centro
da parcela da vitamina
que a faz crescer sempre menina
A terra é grande
é pequenina
do tamanho apenas da tangerina
quem mata e morra
nunca percorre
os caminhos do que há de melhor
nesse sumo
a vida, gomo a gomo
Sumo na vida
é o que eu te desejo
rumo na vida
um beijo
um beijo
Cheira, prova, experimenta...
O acontecimento é único
(a menina nunca antes provou nada assim)
e, por isso, todos vêm ver.
Será que vai gostar?
Vida fora, não esquecerá este primeiro gomo,
que, diz ela, tem o sabor da primeira vez.

E os Beatles, num dos álbuns mais extraordinários dos anos 60, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, numa das canções mais polemicas – e elas são tantas! -  com a Lucy, à espera de que ela virasse para mim os olhos caleidoscópicos, também se fala de tangerinas… mas não só…

Imagina-te num barco num rio
Com árvores de tangerinas e céus de doce de laranja
Alguém te chama, respondes muito lentamente
Uma miúda com olhos de caleidoscópio
Flores de celofana amarelas e verdes
Elevam-se sobre a tua cabeça
Procura a miúda com o sol nos olhos
E ela foi-se embora.

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da imagem.


segunda-feira, 25 de abril de 2016

OLHAR AS CAPAS


Poemabril

Antologia Poética
Coordenação e nota prévia de Carlos Loures e Manuel Simões
Capa: Guy Ferreira
Nova Realidade, Tomar, 1984

O Dia Incomum de Um Exilado Vivendo Então em Vancouver

Era muito longe, ou seja
no Pacífico
Notícias de jornal, confusas:
tanques ocupam a praça central
de Lisboa
Digo-me: mal eles sabem que se chama
Rossio mas digo-me também: se é a revolução
daquele do monóculo
pouco tenho a esperar
Depois espanto-me: como é possível
que libertem assim
sem mais nem menos
os presos políticos
e prometam a autodeterminação
de colónias economicamente tão preciosas?
0 povo saiu à rua e foi isso
que mudou tudo, explicam-me então
pelo telefone.
No dia em que abalei
para aqui ficar
deixei sem remorsos:
a minha horta
cujos legumes tantas vezes protegi
um trabalho que tanto suspeitava amar
e os amigos que, querendo ser generosos,
me disseram:
«Vai, vais ver que não te arrependes»
Esquece-se muita coisa...
a força de ver caras novas
não sei se me lembro das antigas
embora as veja tão bonitas
e disponíveis
na memória
e por vezes em fotografia.

Sérgio Godinho

quinta-feira, 21 de abril de 2016

ABRIL


Abril.

Margem de Certa Maneira

Eh Companheiro!
Música de José Mário Branco
Letra de Sérgio Godinho



Eh! Companheiro aqui estou
aqui estou pra te falar
Estas paredes me tolhem
os passos que quero dar
uma é feita de granito
não se pode rebentar
outra de vidro rachado
p'ras duas pernas cortar

Eh! Companheiro resposta
resposta te quero dar
Só tem medo desses muros
quem tem muros no pensar
todos sabemos do pássaro
cá dentro a qu'rer voar
se o pensamento for livre
todos vamos libertar

Eh! Companheiro eu falo
eu falo do coração
Já me acostumei à cor
desta negra solidão
já o preto que vai bem
já o branco ainda não
não sei quando vem o vento
pra me levar de avião

Eh! Companheiro respondo
respondo do coração
ser sozinho não é sina
nem de rato de porão
faz também soprar o vento
não esperes o tufão
põe sementes do teu peito
nos bolsos do teu irmão

Eh! Companheiro vou falar
vou falar do meu parecer
Vira o vento muda a sorte
toda a vida ouvi dizer
soprou muita ventania
não vi a sorte crescer
meu destino e sempre o mesmo
desde moço até morrer

Eh! Companheiro aqui estou
aqui estou p'ra responder
Sorte assim não cresce a toa
como urtiga por colher
cresce nas vinhas do povo
leva tempo a amadur'cer
quando mudar seu destino
está ao alcance de um viver

Eh! Companheiro aqui estou
aqui estou pra te falar
De toda a parte me chamam
não sei p'ra onde me virar
uns que trazem fechadura
com portas para espreitar
outros que em nome da paz
não me deixam nem olhar

Eh! Companheiro resposta
resposta te quero dar
Portas assim foram feitas
p'ra se abrir de par em par
não confundas duas coisas
cada paz em seu lugar
pela paz que nos recusam
muito temos de lutar.


quarta-feira, 9 de março de 2016

ATÉ NUNCA MAIS!


Cavaco já se foi.
Para a Travessa do Possolo, para a Casa da Coelha, para o raio que o parta!
Como cantava o Sérgio Godinho: 
Pode alguém ser quem não é!

quarta-feira, 15 de abril de 2015

VELHOS DISCOS





Conheci O Namoro na versão de Sérgio Godinho.
Um poema de Viriato Cruz com música do Fausto.
Faz parte deste velho disco de 1976: De Pequenino se Torce o Destino
Num concerto na Aula Magna em Maio de 1983, os Trovante deram-lhe uma outra ambiência, mas continuo a preferir a versão do Sérgio.

É uma canção deliciosa.

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seu seios laranjas - laranjas do Loge
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe uma carta
e ela disse que não.
Mandei-lhe um cartão
que o Maninjo tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou.
Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.
Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.
Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.
Andei barbado, sujo, e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
" - Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.
E para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário

Tocaram uma rumba dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim!"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

QUANDO NÃO HÁ NADA A PERDER...


Sobre a vitória do Siryza na Grécia, lembrei-me de dois versos da Cantiga da Velha Mãe e dos Seus Dois Filhos do álbum Os Sobreviventes (1971) do Sérgio Godinho:

                                        como um rio de fúria no peito feito tormenta 
                                        quando não há nada a perder no que se tenta?

A letra é de Sérgio Godinho, a música de José Mário Branco.

Ai o meu pobre filho, que rico que é 
ai o meu rico filho, que pobre que é
Nascidos do mesmo ventre
Um vive de joelhos pró outro passar à frente
E esta velha mãe para aqui já no sol poente
Um dia há muito tempo, vi-os partir
levando cada um do outro o porvir
Seguiram pela estrada fora
Um voltou-se para trás, disse adeus que me vou embora
Voltaremos trazendo connosco a vitória
De que vitória falas, disse eu então
Da que faz um escravo do teu irmão?
Ou duma outra que rebenta
como um rio de fúria no peito feito tormenta
quando não há nada a perder no que se tenta?
Passaram muitos anos sem mais saber
nem por onde passavam, nem se por ter
criado os dois no mesmo chão
eram ainda irmãos, partilhavam ainda o pão
E o silêncio enchia de morte o meu coração
Depois vieram novas que o que vivia
da miséria do outro, se enriquecia
Não foi para isto que andei
dias que foram longos e noites que não contei
a lutar pra ter a justiça como lei
Às vezes rogo pragas de os ver assim
Sinto assim uma faca dentro de mim
Sei que estou velha e doente
Mas para ver o mundo girar de modo diferente
Ainda sei gritar, e arreganhar o dente
Estou quase a ir embora, mas deixo aqui
duas palavras pra um filho que perdi
Não quero dar-te conselhos

Mas se é teu próprio irmão que te faz viver de joelhos
Doa a quem doer, faz o que tens a fazer




Tanto o Sérgio como o Zé Mário interpretam a Cantiga da Velha Mãe e dos seus Dois Filhos.

Tentei as duas versões, mas só encontrei a do José Mário Branco que faz parte do álbum Margem de Certa Maneira (1972).


terça-feira, 1 de maio de 2012

JANELA DO DIA


1.

Hoje 1º de Maio, Dia do Trabalhador, todas as grandes superfícies, com excepção do Minipreço e do El Corte Inglês, abriram as suas portas.

O Pingo Doce colocou este miserável anúncio à porta de todas as sua lojas.

Mas foi mais além e declarou o Dia do Dumping.

Não sei o que a concorrência terá a dizer, mas, é óbvio, que estamos perante um flagrante caso de polícia.

2.

Valeu tudo. Por um desconto de 50% em compras superiores a cem euros nos supermercados da cadeia Pingo Doce, houve tiros e feridos, histeria e agressões, houve polícia e famílias organizadas para poderem comprar a dobrar o que estava sujeito regras - o bacalhau, por exemplo, estava limitado a dez quilos por cada consumidor

Jornal de Notícias

3.

Uma fonte oficial da empresa disse á Lusa:

Estamos a registar uma enorme afluência nas lojas de norte a sul do país e podemos registar o entusiasmo e a euforia dos nossos clientes, que precisam de campanhas como esta e valorizam boas oportunidades de negócio.

4.

Em Sintra, o IC19 teve de ser temporariamente fechado, porque as pessoas que se deslocavam para o centro comercial Forum Sintra eram tantas que o trânsito não escoava. Em Queluz houve pessoas que foram para a porta do Pingo Doce logo às 4h da madrugada, para apanhar vez.

Público.

6.

O Pingo Doce poderia ter escolhido outro dia para fazer esta promoção. Há mais feriados e fins-de-semana. Não me parece que a escolha do 1º de Maio tenha sido ingénua.
As pessoas estão desesperadas e se por metade do preço podem trazer o dobro dos produtos obviamente nem hesitaram. Os pobres não têm escolha. É claro que não foram apenas as pessoas em necessidade extrema mas esta situação dá que pensar.

Leonor Barros no Delito de Opinião

7.

Oh! Sérgio, por favor, dá aqui uma ajudinha:

Pois é, o grande capital
É o tal do gostinho especial
Gosto a limão
Gosto a cereja
Gosto a opressão
Numa bandeja.
Gosto a opressão
Numa bandeja.

O grande capital
Está vivo em Portugal
E quem não o combate
É que dele faz parte

O grande capital é fino
Ou pisa a terra ou faz o pino
Ou mostra o dente
Ou é discreto
Uma pla frente
Outra plo recto
Uma pla frente
Outra plo recto.

O grande capital
Está vivo em Portugal
E quem não o combate
É que dele faz parte.

Dizem que o ódio é baboseira
E que a raiva é má conselheira
Mas nós com o grande capital
Damo-nos mesmo muito mal
Damo-nos mesmo muito mal.

O grande capital
Está vivo em Portugal
E quem não o combate
É que dele faz parte.


Sérgio Godinho, O Grande Capital, do álbum À Queima Roupa.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

POSTAIS SEM SELO


Ele abriu janelas onde nem paredes havia.

Sérgio Godinho

terça-feira, 14 de junho de 2011

TERÇA FEIRA DA LADRA




“É terça-feira
e a feira da ladra
abre hoje às cinco
de madrugada

E a rapariga
desce a escada quatro a quatro
vai vender mágoas
ao desbarato
vai vender
juras falsas
amargura
ilusões
trapos e cacos e contradições


É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração é incapaz de dizer
"tanto faz"
parte p´ra guerra
com os olhos na paz


É terça-feira
e a feira da ladra
quase transborda
de abarrotada


E a rapariga
vende tudo o que trazia
troca a tristeza
pela alegria


E todos querem
regateiam
amarguras
ilusões
trapos e cacos e contradições


É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração
é incapaz
de dizer
"tanto faz"
parte p´ra guerra
com os olhos na paz


É terça-feira
e a feira da ladra
fica enfim quieta
e abandonada
e a rapariga
deixou no chão um lamento
que se ergue e gira
e roda com o vento
e rodopia
e navega
e joga à cabra-cega
é de nós todos
e a ninguém se entrega


É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração
é incapaz
de dizer
"tanto faz"
parte p´ra guerra
com os olhos na paz”





Sérgio Godinho, “É Terça-Feira” é uma canção que faz parte da banda sonora do filme “Kilas, o Mau da Fita” de José Fonseca e Costa, 1980 e consta do álbum de Sérgio Godinho “Pano Cru”, 1981 

domingo, 4 de abril de 2010

MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES

GUILDA DA MÚSICA DP 01
Arranjos e direcção Musical José Mário Branco
Capa de Armando Alves e José Rodrigues
Gravação em 8 pistas no “Strawberry Studio” no Chateau d’ Hérouville.
Editado em 1971.

Lado 1
Aertura – Gare d’Austerlitz
Cantiga para pedir dois tostões – Sérgio Godinho/J.M. Branco
Cantiga do Fogo e da Guerra – Sérgio Godinho/J.M. Branco
O Charlatão – Sérgio Godinho
Queixa das Jovens Almas Censuradas – Natália Correia/ J.M. Branco

Lado 2
Nevoeiro – José Mário Branco
Mariazinha – José Mário Branco
Casa Comigo Marta – Sérgio Godinho/J. M. Branco
Perfilados de Medo – Alexandre O’ Neill/J.M. Branco
Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades – Luís de Camões/J.M. Branco e Jean Sommer

Bob Dylan já nos avisara que os tempos estavam a mudar.
Foi quando chegou José Mário, pela pena de um tal Luís de Camões, a dizer-nos que todo o mundo é composto de mudança.As vontades também.
A abertura conseguida de um som de comboios na Gare d’Austerlitz, um acordeão em fundo, lembrando quem, do país cinzento, saíu em busca de outras perspectivas de vida ,e em Austerlitz desembarcava. os outros, os perseguidos politicamente, passavam as fronteiras a salto.
“- Entregas-me as peles em Moiros.
- A que horas?
-Às onze”

As “peles”, explica Miguel Torga no seu “Diário”, eram os emigrantes clandestinos. “Onde pode chegar o aviltamento humano”, comenta Torga.

“assim se encerra a fase confusa
da nova música portuguesa
assim se inaugura uma época nova
onde também cantar bem e compor melhor
serão condições a exigir a canção útil
da afinação da palavra
à desafinação das cordas
à percussão das peles e teclas
à imaginação nos arranjos
à criação melódica à vocalização justa
aqui o circo foi desmantelado
com todas as ferramentas do som".


Palavras que José Duarte escreveu nas badanas de “Mudam-se os Tempos e as Vontades” e fez questão de deixar um abraço a Sérgio Godinho, porque “poeta bom não morre à sombra.”

"Queixa das Almas Jovens Censuradas"

“Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céul
evado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte”