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domingo, 24 de maio de 2020

MARIA VELHO DA COSTA (1938-2020)


Para este domingo, fazer as coisas mais maravilhosas que um homem pode fazer na vida, estava agendada uma breve saída pela manhã para evitar os calores anunciados, mas o saber da morte de Maria Velho da Costa, alterou o plano.

O Ruy Belo dizia que todas as mortes nos matam um pouco seja a de um santo seja a de um louco.

Tenho uma rosa branca na mesa de trabalho revisitada, rosa que não cessa de não murchar (de facto, não é metáfora de qualquer tenacidade) vejo o céu que passa de azul fosco azul tinta (idem) por cima dos telhados dos remediados vizinhos, remediada também eu. Os gatos, macho e fêmea, dormem, pretos, num sofá preto, na sala. A cadela, ainda mais preta, porque reluz de muito jovem, dorme com eles. Não tenho fome, não tenho frio. Que mais quero?
O pior, Armando, é que amanhã é outro dia.
A vizinha da frente acendeu a luz na cozinha de contraplacados. Tem oitenta anos, não é viúva, nem desgraçada. Baixou agora o estore.
Eu também.

Texto em O Livro do Meio

Que dizer sobre a morte de Maria Velho da Costa?

Não tarda o laudatótio do costume, as câmaras dos telejornais já devem prontas para : «Acção!»

Maria Velho da Costa morreu este sábado, aos 81 anos, disse à agência Lusa a realizadora Margarida Gil, adiantando que a escritora estava fisicamente debilitada.

Afinal, um dos seus sentimentos de angústia, como em conversa com Mário Ventura acabou por dizer, tinha então 48 anos: «em relação á terceira idade, em relação à dependência, à diminuição física, à perda das capacidades…»


«Um interlúdio, para reaprender a chorar.
E desaprender.
Só se chora quando se tem a quem.»

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

VELHOS RECORTES


Recorte do Diário de Lisboa-Juvenil de 4 de Fevereiro de 1969.
Citação de O Despojo dos Insensatos de Mário Ventura.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

NOS CEM ANOS DE VERGÍLIO FERREIRA

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Nunca me puxou muito o pé para Vergílio Ferreira, nada me levou a passar aquela linha que conduz aos escritores do meu panteão privado.

O primeiro livro que li foi Manhã Submersa, adaptado ao cinema por Lauro António, e, tanto o livro como o filme, são interessantes.

Deixei a meio três livros; Nítido Nulo, Rápida a SombraCântico Final.

Quanto a Para Sempre há quem considere o seu melhor romance e há quem não hesite em rotulá-lo de obra-prima.

Não desgostei.

Não lembro bem, mas o desencanto com Vergílio Ferreira, o ter deixado livros a meio, nem outros sequer ter começado, terá a ver com a má ideia que tive em comprar – e ler  os dois primeiros volumes de Conta-Corrente.

Ainda passei os olhos pelo 3º e 4º volumes mas não fui mais além.

Azar meu e, possivelmente, do Vergílio Ferreira.

Fiquei com pouca, ou nenhuma, vontade de voltar a Vergílio Ferreira.

Comprei, recentemente, Vagão J, quando o Público publicou alguns livros proibidos pela ditadura e irei lê-lo, porque é tempo em que  Vergílio Ferreira percorreu caminhos do neo-realismo – já dentro do neo-realismo aspirava a coisas diferentes.

Mário Ventura, que com Vergílio Ferreira conversou, pergunta-lhe seConta-Corrente não é um ajuste de contas, ao mesmo tempo que lhe diz que o livro causou imensas reacções  de desagrado, porventura até em amigos seus.

O autor responde que as reacções eram esperadas e não me preocupam muito e supõe mesmo que a pessoa mais maltratada acaba por ser ele.

As pessoas leram-me muito mais este Diário do que me leram os romances, ainda da conversa com Mário Ventura.

Logo a abrir o seu Conta-Corrente, começou a escrevê-lo, poucos dias depois de ter feito 53 anos, confessa:

A verdade é que, quando me encontro bem pela frente reconheço-me intragável. Mas enfim as virtudes são também desgostantes. De resto, sou pouco abonado. Segundo a Regina, as virtudes que tenho têm mesmo raízes viciosas: tolerância por fraqueza, interesse pela arte, por vaidade e coisas assim.

Os volumes de Conta-Corrente são uma inutilidade.

Como Vergílio Ferreira é incapaz de escrever mal, resulta que estes volumes mais não são do que um desfiar de pequenas vinganças, má-língua, amargos de boca e de alma, bocados soltos que permitem concluir que o autor sempre teve a mania da perseguição.

A páginas 233 do 3º volume, recorda uma conversa ao pé da orelha com Óscar Lopes:

Que mania que V. tem da perseguição.

No fundo, sempre teve a obsessão de que todos diziam mal dele, o subalternizavam, ou a mágoa oculta de não ser nada para ninguém porque ninguém o referia.

É essa mágoa que a páginas 252 desse mesmo 3º volume, a 16 de Fevereiro de 1981, o leva a escrever:

Não, não. Agora é a sério. Vou decidir de uma vez para sempre que sou um grande escritor. Estar à espera de que mo digam é uma estupidez. Como é que eles mo podem dizer, se não têm grandeza que o entenda? Vou decidir de uma vez para sempre por mim.

domingo, 22 de novembro de 2015

OS IDOS DE NOVEMBRO DE 1975


 22 de Novembro de 1975

Transcrição do artigo que  Mário Ventura Henriques, escreveu para a edição de hoje do  Diário de Notícias.

Jaime Neves foi um dos muitos militares que, apenas por oportunismo, puseram as botas no MFA
Jaime Neves já disse ao Presidente da República que os seus comandos querem isto na ordem.
Por «isto na ordem» significa a demissão de Otelo e Fabião, desmantelamento das unidades militares de Lisboa mais empenhadas na Revolução.

Reunido de madrugada para apreciar a situação politico-militar, resultante da decisão do VI Governo de cessar as suas funções, o Conselho da Revolução, reprovou a atitude do governo que considerou não consentânea com as suas responsabilidades para com o País e decidiu que, por intermédio do primeiro-ministro, se consiga que retome o seu exercício normal até resolução da crise actual.

O Conselho aprovou a prorrogação do prazo de elaboração e aprovação da Constituinte por mais 90 dias, respondendo a um pedido do Presidente da Assembleia Constituinte Henrique Barros.

O Conselho da Revolução dissolve definitivamente o AMI.

O Conselho já nomeara Vasco Lourenço como comandante da Região Militar de Lisboa, mas como grande parte dos comandantes das unidades militares de Lisboa não aceitaram Vasco Lourenço, este, devido às circunstâncias, não aceitou o cargo.

O general Costa Gomes, como não foi ele que efectuou esta nomeação, mas sim o Conselho da Revolução, marcou nova reunião extraordinária deste órgão para a próxima segunda-feira, onde irá ser, portanto, revista a posição tomada.

Vasco Lourenço, numa entrevista, passada na televisão, há-de dizer que percebe o receio dos homens do COPCON em relação à sua nomeação:

É que eles têm a certeza de que comigo não podem brincar às revoluções!
Se eu assumir o Comando da Região Militar de Lisboa vou meter as unidades na ordem, para o que tenho naturalmente de substituir alguns dos seus comandantes.

Num comunicado conjunto do Secretariado Provisório das Comissões de Trabalhadores da Cintura Industrial de Lisboa e do Secretariado da Intersindical, pode ler-se:

Só um governo de esquerda poderá evitar o caos, a anarquia e a guerra civil.

O General Altino de Magalhães, governador militar dos Açores, ameaça:

Se o governo de Pinheiro de Azevedo cair, os Açores tornar-se-ão independentes.

Fontes:
- Acervo pessoal;
Os Dias Loucos do PREC de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

OS IDOS DE MAIO DE 1975


27 de Maio de 1975


TÍTULO E RECORTE do Diário de Lisboa de 27 de Maio de 1975.

OS TRABALHADORES da Rádio Renascença ocupam os emissores de Lisboa. A Rádio Renascença deixa de se apresentar como emissora católica portuguesa e o novo slogan é Rádio Renascença ao serviço dos trabalhadores.

ENTROU em vigor a Lei do Divórcio. É publicado o decreto-lei que revoga o artigo 372º do Código Penal, o qual, segundo o preâmbulo do diploma conferia ao marido ofendido um autêntico direito de matar a mulher achada em adultério.
A lei previa uma pena de desterro para fora da comarca, por seis meses, ao homem casado que, achando a sua mulher em adultério, a matasse a ela ou ao adúltero, ou a ambos, ou lhes fizesse qualquer ofensa grave.

FOI DESTRUÍDA a sede do MDP/CDE em Bragança. Nas paredes interiores liam-se inscrições com ameaças de morte e promessas do regresso do ELP.

A ASSEMBLEIA DO MFA reunida ontem durante dezasseis horas, aprovou uma fórmula para reforçar a aliança POVO/MFA, reafirmou o seu apoio ao primeiro-ministro Vasco Gonçalves e criticou os dirigentes do PS
Texto de opinião, assinado por Mário Ventura, no Diário de Notícias de 27 de Maio de 1975:


Fontes:
- Acervo pessoal;
Os Dias Loucos do PREC de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

TINHA PIADA QUE FOSSE VERDADE


Vergílio Ferreira faria hoje 99 anos.

Diversas leituras, em diversos tempos, para além de reconhecer que há páginas bem interessantes nunca me emprestaram entusiasmo.

Acontece-me o mesmo com Miguel Torga.

Um homem amargo
.
Numa entrevista a Mário Ventura, este lembra-lhe que escreveu em Conta-Corrente: «Deus errou os meus cromossomas de estar em companhia» respondeu que gosta de estar com os outros, gosta muita da companhia das pessoas, mas é possível que não lhes faça muito boa companhia.

Não declaradamente confessado, lamentou que os seus pares não o tivessem proposto para o Prémio Nobel.

Janeiro de 1978:

O Torga foi pela terceira vez nomeado para o prémio Nobel. Era bom que o conseguisse. Estamos precisados de divisas.

Fevereiro de 1981:

A mulher diz-lhe que a Agustina Bessa-Luís foi proposta para o Nobel.

Comentário:

Oxalá traga as divisas para ajudar às despesas públicas.

Dezembro de 1982:

Dos escritores portugueses, por que raio serei o mais detestado dos confrades? Dou voltas à mioleira e não topo com uma resposta. Ou por outra, encontro apenas uma, por qualquer lado que enfie: é eu ser realmente bom. Tinha piada que fosse verdade.

Legenda: fotografia tirada de Conversas, Mário Ventura, Publicações Dom Quixote, Novembro de 1986.

domingo, 27 de julho de 2014

O CAMINHO É PELA ESTRADA


Nós precisávamos, Sílvia, de um comboio que ultrapassasse este tempo de derrota e angústia e nos conduzisse já ao futuro. Tempo que nada nos dará, embora depois dele possamos beber o vinho dos heróis. E quem sabe se sobreviveremos à noite da vergonha… Mas não é este o comboio, não é um comboio que nos levará aonde queremos. O nosso caminho, Sílvia, é pela estrada, a pé, sempre, sem um desfalecimento ou um assomo de desânimo.

Mário Ventura em A Noite da Vergonha

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

terça-feira, 8 de julho de 2014

INUMANO ROLDÃO


Um comboio desloca-se e arrasta vidas com ele. Vidas que não sabem a beleza do seu humano viver, de tal modo a vida os domina num irresistível e inumano roldão.

Mário Ventura em A Noite da Vergonha

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

POSTAIS SEM SELO


Sim eu sei que sou um solitário e jamais encontrarei a forma de destruir a minha solidão. No meio de milhões de seres, ombreando com eles, encarando-os, respirando o seu hálito, tocando-lhes as mãos, sentir-me-ei sempre perdido, isolado, crescendo num deserto. É o mal de todos nós na nossa época: a solidão. Mas uma solidão estranha, paradoxal; não resistiria à ideia de fazer esta viagem sem ver ninguém, e agora, aqui, rodeado por esta gente, sinto-me infeliz e anseio por um reduto impossível.

Mário Ventura em A Noite da Vergonha

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

OLHARES


Naquela cidade velha que o entristece, vive gente que labuta, sofre, gente cuja existência o preocupa ao ponto de a amar.

Mário Ventura em A Noite da Vergonha

terça-feira, 4 de junho de 2013

O PRAZER DE FAZER COISAS INÚTEIS


Dez anos sobre a morte de Augusto Abelaira.

Um homem inteligente, lúcido, um escritor desconcertante e amável
.
Escreveu pouco mas o pouco que fez está a letras bem vincadas na História da Literatura do Século XX.

Hoje apenas será (re)lido por gente que tem o gosto e o prazer por prosa antiga.

Vivia a maior parte dos dias em cafés, a escrever, a preguiçar.

É dele um dos mais bonitos retratos do que é um café:

Como eu escrevo nos cafés, o que eu precisava era que houvesse cafés para, durante a manhã, estar a escrever. Como os cafés vão desparecendo, a possibilidade de escrever é cada vez menor. Quando todos os cafés tiverem desaparecido de Lisboa eu encerro a escrita. Deixo de escrever, isto é, vou morrer, quando fechar o último café em Lisboa onde possa escrever.

Rareiam cada vez mais, mas ainda há cafés em Lisboa.

Abelaira é que tem faltado ao encontro com a escrita, com a conversa:

José Gomes Ferreira, em Julho de 1968, nos seus DiasComuns, a dissertar sobre o fecho dos cafés:

Isto já dá vontade de rir, mas A Cubana também fechou hoje. Sumiu-se. Vai possivelmente transformar-se em Banco como outros Cafés desaparecidos – com tanta raiva nossa?
E agora? Onde instalaremos o novo lar de encontro e convívio diário – indispensável à saúde intectual de todos nós?
O Carlos propôs o botequim da esquina em frente.
-Parece um café de província… De Cantanhede… é estupendo!

(…)

Lá estivemos hoje no tal café de província da Avenida da República: o Abelaira, o Carlos, o João José Cochofel e eu.
O dono é quem faz o cafezinho e serve à mesa.
Rabujento, aborrecido com todos aqueles herdeiros inesperados d’ A Cubana em frente, que lhe vinham interromper o ripanço – pregou logo uma descompostura no João José que, para ficarmos mais à larga, quis juntar duas mesas.
-As mesas não são para tirar dos sítios… - decretou.
- Estão colocadas da melhor maneira, para não abanarem e entornarem os líquidos.
Como quem diz: se não lhe convém ponha-se a cavar.
Encolhemo-nos humildemente. Os Cafés são tão poucos (é uma espécie em vias de extinção) que bem merecem as pequeninas humilhações – que só os fátuos repelem ferozes para parecerem importantes.

Gosto muito de Augusto Abelaira: da escrita, da pessoa que foi, uma amabilidade desconcertante.

Ser de esquerda, continuar a ser de esquerda, é sentir em cima dos ombros a responsabilidade pelo mundo, não entrega-lo aos outros.

Nunca teve empregos de horários de seis horas por dia para não enfrentar o drama de não arranjar tempo para escrever.

Não elogiava a preguiça mas também não a lamentava, apenas a reconhecia. O tempo livre, não o ocupava – dispersava-o.
.
Mário Ventura pergunta-lhe:

- Como? Com passatempos?

- Não. É estranho, não sei bem explicar, é ocupado de facto a não fazer nada, nem sequer ler. É ocupado…

- Em contemplação?

- Pois. Não sei bem explicar, porque nem sequer há contemplação. É ocupado a dispersar o tempo, a fazer coisas inúteis.

- O que não parece fácil.

- O que não é fácil. Mas eu suponho que tenho essa arte. Grande parte do meu tempo, com efeito perde-se nos cafés.

- E não tens a consciência do tempo perdido?

- Tenho, sofro um bocado com isso. Mas também tenho uma certa consciência de que só posso trabalhar perdendo tempo. Sou um indivíduo com pouca capacidade de trabalho, canso-me rapidamente.

Legenda: fotografia de Joaquim Lobo na contracapa de A Cidade das Flores, Edições O Jornal.


O diálogo de Mário Ventura com Abelaira é tirado de Conversas, Publicações Dom Quixote, Lisboa Novembro de 1986.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

GOLPES E CONTRAGOLPES



Os primeiros dias de Novembro de 1975, encontram o país envolvido num mar de boatos. 

E do mais variado tipo de notícias dando conta de golpes e contragolpes.

Nas paredes da maior parte das cidades podem ler-se palavras de ordem como Não à Guerra Civil.

Começavam os tempos da contagem de espingardas.

Nos últimos dias de Outubro, em conferência de imprensa, com a presença de Isabel do Carmo, Carlos Antunes e quatro elementos embuçados das Brigadas, é feito o anúncio de que  as Brigadas Revolucionárias, braço armado do P.R.P. passavam m à clandestinidade, ao mesmo tempo que declaravam estar em condições de defender a revolução.

A situação política, marcada por uma nítida viragem à direita assim o obriga.

Consideramos que este é o tempo de as brigadas passarem outra vez à clandestinidade. Esperemos que seja por pouco tempo

Na edição do Diário de Notícias de 3 de Novembro, Mário Ventura, desenhava mais uma pincelada no quadro negro dos dias que corriam, e alertava:



Desde o acto golpista de Tancos, tragigrotesco no seu aspecto formal – o que só se deve à inteligência de quem o promoveu -, que afastou Vasco Gonçalves da condução do processo revolucionário, até aos mais recentes saneamentos à esquerda no seio das Forças Armadas, a contra-revolução tem andado depressa e ganha animo para maiores voos
.
O golpe de direita vem depressa de mais – e nem se pode dizer que a culpa seja exactamente da direita, que tem sabido esperar, pacientemente, o agudizar das contradições. A culpa cabe, como sempre, aos moderados e descontentes, aos que embarcaram na revolução sem ânimo e sem perspectivas, aos que perdem privilégios ou receiam vir a perdê-los, aos que mecanicamente decoraram a palavra socialismo sem cuidarem de saber o que ela precisamente significava.


Legenda: títulos do República de 23 de Outubro e do Diário de Notícias de 3 de Novembro

sábado, 30 de julho de 2011

À CONVERSA...


Disseram-lhe:


Afinal tens sentimentos de angústia…


Respondeu:


Em relação à terceira idade, em relação à dependência, à diminuição física, à perda de capacidades…


Maria Velho da Costa à conversa com Mário Ventura em “Conversas”, Publicações Dom Quixote, Lisboa 1986.

domingo, 27 de março de 2011

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Este anúncio foi publicado no “Diário Popular” de 2 de Setembro de 1969 e promovia o Algarve, hoje chamam-lhe Allgarve, mais concretamente Vilamoura, com oferta de “equipamento de recreio do mais alto nível com campo de golfe de 18 buracos, equitação, ténis, um lago artificial e pela primeira vez em Portugal um porto de recreio para 1000 barcos.”

Um Algarve que, antes anos, começara a ser destruído com a invasão de ingleses e alemães. Mário Ventura no romance, “O Despojo dos Insensatos” (1968), reporta o hediondo crime.

“Fazer fortuna a vender a sua terra a essa cambada toda que vem lá de fora… Era negócio que não me tentava. Qualquer dia não temos um único bocado nosso onde pousar os pés.”
“Oh doutor!, isso nem parece seu!, exclama o Silva Sequeira, cuja importância cresceu igualmente com a fartura turística. “Não me diga que deu agora em isolacionista. Que seria de nós se ninguém viesse a esta ponta da Europa ajudar-nos a viver? Ainda bem que assim é. Deixe-os vir, deixe-os vir, que isso có é bom para nós” (…) “Deixe-os lá! Trazem dinheiro, é o que importa! O senhor verá o que é este Algarve daqui por uns anos. Nem o reconhece!”

Silva Sequeira tinha razão: ninguém hoje reconhece o Algarve… mas pelos piores motivos!

Em Janeiro de 1963, na revista “Távola Redonda”, Sophia Mello Breyner Andresen escreveu um artigo que intitulou “Pelo negro da terra e pelo branco do muro” onde dava conta das suas preocupações com o que estava a acontecer no Algarve. Hoje, verificamos que o pessimismo de Sophia se transformou num enorme pesadelo.

“Há uma beleza que nos é dada: beleza do mar, da luz, dos montes, dos animais, dos movimentos e das pessoas.
Mas há também uma outra beleza que o homem tem o dever de criar: ao lado do negro da terra é o homem que constrói o muro branco onde a luz e o céu se desenham.
A beleza não é um luxo para estetas, não é um ornamento da vida, um enfeite inútil, um capricho. A beleza é uma necessidade, um princípio de educação e de alegria.
(…)
Quando olhamos à nossa roda as aldeias, vilas e cidades de Portugal temos de constatar que quase tudo quanto se construiu nas últimas décadas é feio. Feio e - ai de nós! - para durar: Feias as obras públicas e feias as obras particulares. As excepções à regra de fealdade são raras.
Costuma dizer-se que a nossa pobreza é a origem dos nossos males. Mas o que caracteriza grande parte da nossa arquitectura desta época é o novo-riquismo. Um novo-riquismo exibicionista – quase sempre sem funcionalidade e sempre sem cultura e sem sensibilidade
(…)
Penso neste momento especialmente na terra do Algarve, com suas praias, suas grutas, seus promontórios, seus muros brancos, sua luz claríssima. É preciso não destruir estas coisas. É preciso que aquilo que vai ser construído não destrua aquilo que existe.
A arte é sempre a expressão duma relação do homem com o mundo que o rodeia. A arquitectura é especificamente a expressão duma relação justa com a paisagem e com o mundo social. Fora destas coordenadas só há má arquitectura.
Afirma-se que é necessário desenvolver turisticamente o Algarve. Para isso será preciso construir. Mas é necessário que aqueles que vão construir amem o espaço, a luz e o próximo. Existem todas as condições para que se possa criar no Algarve uma boa arquitectura: ali temos uma paisagem e uma luz que pedem “arquitectura”, ali encontramos um uso belo e tradicional do barro e da cal; ali temos uma arquitectura local lisa e pura como uma arquitectura moderna, uma arquitectura popular cujos temas o arquitecto poderá desenvolver duma forma mais técnica e mais culta: ali temos um clima que facilita a vida e propõe soluções de extrema simplicidade.
Ali poderemos ter os materiais, as inovações, a técnica e a cultura do nosso tempo. Ali poderão trabalhar os arquitectos competentes que existem no nosso país.
Mas é urgente evitar os seguintes perigos:

A incompetência
O saloísmo
As especulações com os terrenos
Os maus arquitectos
O falso tradicionalismo
A mania do luxo e da pompa
As obras de fachada

Acima de tudo é preciso evitar a falta de amor: De todas as artes a arquitectura é simultaneamente a mais abstracta e a mais ligada à vida. Aqueles que não amam nem o espaço, nem a sombra, nem a luz, nem o cimento, nem a pedra, nem a cal, nem o próximo, não poderão criar boa arquitectura.”

Nota do editor: as transcrições do texto de Sophia aqui reproduzidas, são retiradas de uma divulgação feita pelo “Público” em Agosto de 2004.

domingo, 14 de novembro de 2010

POSTAIS SEM SELO



Assim há sempre uma adolescente no seu “Jaguar” (diz “o meu “Jaguar” como se falasse de um amigo ou de um animal de estimação), e onde quer que chegue um grupo de rapazes e raparigas reúne-se à sua volta, saudando-o com uma familiaridade de iguais: “Hello, Tom!”

Mário Ventura em O Despojo dos Insensatos