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domingo, 30 de junho de 2024

COMEÇOS DE LIVROS


 Mário de Carvalho a falar do começo de O Capote de Gogol em Quem disser o Contrário é Porque Está a Mentir, pág.94:

 «Repare que esta nota onde eu assinalei a importância e cautelas a ter com abertura do livro nem sempre, aparentemente, é tomada em conta por grandes autores. Gogol destarte: «Na repartição de… Mas será melhor não a nomearmos, porque nada há mais susceptível que os nossos empregados, públicos, desde os amanuenses aos chefes de repartição. Actualmente cada um sente-se em particular como se na sua pessoa toda a sociedade tivesse sido houvesse sido ofendida. Diz-se (…)» e prossegue com uma historieta sobre generalizações que pouco tem que ver com a acção propriamente dita. Só no final da página nos é apesentado o protagonista, Blanquemaquine, Acontece que «O Capote» é uma obra-prima. Não admitiríamos que qualquer professor de escrita craiativa admoestasse o grande escritor ucraniano: «Homem, mude lá isso. Deixe-de de derivações. Cut to the chase.»

 O exemplar de «O Capote» que existe na Biblioteca da Casa, é uma edição da importantíssima colecção «Cadernos Inquérito».

 É este começo da novela na tradução de José Marinho:

 «Na repartição de… mas será preferível não a nomearmos, porque nada de mais susceptível que os nossos empregados de repartição, desde os amanuenses aos chefes de serviço. Actualmente sente já cada particular como se na sua pessoa toda a sociedade houvesse sido ofendida.»

Da importância destes «Cadernos Inquérito», sublinha-se o que João Marques Lopes relata na «Biografia» de José Saramago:

«Á data, vive ainda com os pais no pequeno andar independente do número 11 da Rua Carlos Ribeiro, à Penha de França. Entre a casa, o emprego e as bibliotecas, o serralheiro mecânico iniciava um tímido processo de mobilidade social. Transitava a amanuense. Estava prestes a comprar os seus primeiros livros – todos da colecção «Cadernos Inquérito», à época instrumento importante de divulgação cultural e generalista – graças ao empréstimo de trezentos escudos feito por um colega de trabalho.»

Legenda: capas de exemplares da «Colecção Inquérito» tiradas do site da OLX

segunda-feira, 17 de junho de 2024

O OUTRO LADO DAS CAPAS

Os 50 anos do 25 de Abril possibilitaram a saída de numerosos livros. Memórias, fotografias, histórias. Um aspecto interessante está relacionado  com os livros tendo em vista as crianças, muitas delas que ainda não eram um sorriso na cara dos seus pais quando a ditadura caiu.

Um desses livro é Sempre escrito por Rita Taborda Duarte e ilustrado por Madalena Taborna, um muito bonito licro editado pela Assembleia da República.

Rita Taborda Duarte é uma das duas filhas do escritor Mário de Carvalho, a outra é Ana Margarida de Carvalho e pode-se lembrar o provérbio popular de que filhas de peixe sabem nadar.

«Por isso quando nasci, o meu pai viu-me, pela primeira vez, à distância de um vidro baço e grosso que nem por nada se quebrava: a PIDE (Polícia Incrivelmente Destituída e Estúpida) mantinha-o preso no forte de Peniche, em frente ao mar. Tanto mar, tanto mar…»

Um livro bonito e comovente, com histórias que metem pelo meio canções e poemas de Ary dos Santos, José Afonso, José Mário Branco, Lopes Graça, Sérgio Godinho, José Gomes Ferreira, Sérgio Godinho, Chico Buarque, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Alegre, Sophia de Mello Breyner, Jorge de Sena, Ruy Belo, António Ramos Rosa, Mário Cesariny, Alexandre O’Neill.

Por fim, dizer que esta maravilha de livro custa 8 euros e pode ser comprado na Livraria da Assembleia da República e, quando o forem comprar podem ter a possibilidade de conhecerem o Palácio de São Bento.

terça-feira, 4 de junho de 2024

E O TEJO CONTINUOU A CORRER...

A tia de Vitorino Nunes não durará para sempre e deixar-nos-á, pouco depois de o periquito ter sido esmagado por um funcionário distraído da Companhia das Águas, em má hora chamado para estancar uma inundação na cozinha. Desceu à terra com uma bandeira vermelha sobre o caixão, no centro de um círculo de punhos erguidos, contristados, mas firmes, ainda emocionados por um belo e breve discurso, proferido por um senhor muito curvado, de cabelos nevados sob a boina basca e bengala de mogno. Vitorino emagreceu, o bigode foi-se-lhe tornando todo branco. Um belo dia, juntou-se com Vera Quitério, no velho apartamento das Avenidas, e passou também a dizer «era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto».

Uma ocasião, Jorge Matos encontrou-o e dirigiu-lhe pela quinquagésima vez a pergunta que todos os comunistas de todo o Mundo já se fizeram, no íntimo, pelo menos quatrocentas vezes: «que significa ser comunista, hoje?». Vitorino recolheu-se, sisudo, durante um momento brevíssimo. Depois, abriu um sorriso jovial, de orelha a orelha, e deu-lhe uma palmada sonora nas costas: «É pá, tem calma, pá!», disse.

E o Tejo continuou a correr, e os tempos a não haver meio de os parar.

Mário de Carvalho em Era Bom Que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto

domingo, 28 de maio de 2023

DENEGAÇÃO POR ANÁFORA MERENCÓRIA



No desenrolar dos dias que nos levarão aos 50 anos do 25 de Abril, o escritor Mário de Carvalho fez publicar em Abril/Abril, uma extraordinária memória do que foram as nossas vidas antes de chegarmos a essa madrugada «onde emergimos da noite e do silêncio», tal como poetizou Sophia:

«Eu nunca fui obrigado a fazer a saudação fascista aos «meus superiores». Eu nunca andei fardado com um uniforme verde e amarelo de S de Salazar à cintura. Eu nunca marchei, em ordem unida, aos sábados, com outros miúdos, no meio de cânticos e brados militares. Eu nunca vi os colegas mais velhos serem levados para a «mílícia», para fazerem manejo de arma com a Mauser. Eu nunca fui arregimentado, dias e dias, para gigantescos festivais de ginástica no Estádio do Jamor. Eu nunca assisti ao histerismo generalizado em torno do «Senhor Presidente do Conselho», nem ao servilismo sabujo para com o «venerando Chefe do Estado». Eu nunca fui sujeito ao culto do «Chefe», «chefe de turma», «chefe de quina», «chefe dos contínuos», «chefe da esquadra», «chefe do Estado». Eu nunca fui obrigado a ouvir discursos sobre «Deus, Pátria e Família». 

Eu nunca ouvi gritar: «quem manda? Salazar, Salazar, Salazar». Eu nunca tive manuais escolares que ironizassem com «os pretos» e com «as raças inferiores». Eu nunca me apercebi do «dia da Raça». Eu nunca ouvi louvar a acção dos «Viriatos» na Guerra de Espanha. Eu nunca fui obrigado a ler textos escolares que convidassem à resignação, à pobreza e ao conformismo; Eu nunca fui pressionado para me converter ao catolicismo e me «baptizar». 

Eu nunca fui em grupos levar géneros a pobres, politicamente seleccionados, porque era mesmo assim. Eu nunca assisti á miséria fétida dos hospitais dos indigentes. Eu nunca vi os meus pais inquietados e em susto. Eu nunca tive que esconder livros e papéis em casa de vizinhos ou amigos. Eu nunca assisti à apreensão dos livros do meu pai. Eu nunca soube de uma cadeia escura chamada o Aljube em que os presos eram sepultados vivos em «curros». Eu nunca convivi com alguém que tivesse penado no Tarrafal. Eu nunca soube de gente pobre espancada, vilipendiada e perseguida e nunca vi gente simples do campo a ser humilhada e insultada. 

Eu nunca vi o meu pai preso e nunca fui impedido de o visitar durante dias a fio enquanto ele estava «no sono». Eu nunca fui interpelado e ameaçado por guardas quando olhava, de fora, para as grades da cadeia. Eu nunca fui capturado no castelo de S. Jorge por um legionário, por estar a falar inglês sem ser «intréprete oficial». Eu nunca fui conduzido à força a uma cave, no mesmo castelo, em que havia fardas verdes e cães pastores alemães. Eu nunca vi homens e mulheres a sofrer na cadeia da vila por não quererem trabalhar de sol a sol. Eu nunca soube de alentejanos presos, às ranchadas, por se encontrarem a cantar na rua. Eu nunca assisti a umas eleições falsificadas, nunca vi uma manifestação espontânea ser reprimida por cavalaria à sabrada; eu nunca senti os tiros a chicotearem pelas paredes de Lisboa, em Alfama, durante o Primeiro de Maio. 

Eu nunca assisti a um comício interrompido, um colóquio desconvocado, uma sessão de cinema proibida. Eu nunca presenciei a invasão dum cineclube de jovens com roubo de ficheiros, gente ameaçada, cartazes arrancados. Eu nunca soube do assalto à Sociedade Portuguesa de Escritores, da prisão dos seus dirigentes. Eu nunca soube da lei do silêncio e da damnatio memoriae que impendia sobre os mais prestigiados intelectuais do meu país. Eu nunca fui confrontado quotidianamente com propaganda do estado corporativo e nunca tive de sofrer as campanhas de mentalização de locutores, escribas e comentadores da Rádio e da Televisão. Eu nunca me dei conta de que houvesse censura à imprensa e livros proibidos. Eu nunca ouvi dizer que tinha havido gente assassinada nas ruas, nos caminhos e nas cadeias. 

Eu nunca baixei a voz num café, para falar com o companheiro do lado. Eu nunca tive de me preocupar com aquele homem encostado ali à esquina. Eu nunca sofri nenhuma carga policial por reclamar «autonomia» universitária. Eu nunca vi amigos e colegas de cabeça aberta pelas coronhas policiais. Eu nunca fui levado pela polícia, num autocarro, para o Governo Civil de Lisboa por indicação de um reitor celerado. Eu nunca vi o meu pai ser julgado por um tribunal de três juízes carrascos por fazer parte do «organismo das cooperativas», do PCP, com alguns comerciantes da Baixa, contabilistas, vendedores e outros tenebrosos subversivos. Eu nunca fui sistematicamente seguido por brigadas que utilizavam um certo Volkswagen verde. Eu nunca tive o meu telefone vigiado. Eu nunca fui impedido de ler o que me apetecia, falar quando me ocorria, ver os filmes e as peças de teatro que queria. Eu nunca fui proibido de viajar para o estrangeiro. Eu nunca fui expressamente bloqueado em concursos de acesso à função pública. 

Eu nunca vi a minha vida devassada, nem a minha correspondência apreendida. Eu nunca fui precedido pela informação de que não «oferecia garantias de colaborar na realização dos fins superiores do Estado». Eu nunca fui objecto de comunicações «a bem da nação». Eu nunca fui preso. Eu nunca tive o serviço militar ilegalmente interrompido por uma polícia civil. Eu nunca fui julgado e condenado a dois anos de cadeia por actividades que seriam perfeitamente quotidianas e normais noutro país qualquer; Eu nunca estive onze dias e onze noites, alternados, impedido de dormir, e a ser quotidianamente insultado e ameaçado. Eu nunca tive alucinações, nunca tombei de cansaço. Eu nunca conheci as prisões de Caxias e de Peniche. Eu nunca me dei conta, aí, de alguém que tivesse sido perseguido, espancado e privado do sono. Eu nunca estive destinado à Companhia Disciplinar de Penamacor. Eu nunca tive de fugir clandestinamente do país. Eu nunca vivi num regime de partido único. 

Eu nunca tive a infelicidade de conhecer o fascismo.»

Legenda: fotografia de Júlio Amorim

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Continuamos no cinema com José Saramago e são as páginas de As Pequenas Memórias que nos ajudam nessa memória.

Na rua onde nasci, não havia qualquer sala de cinema mas, em redor, havia uma enormidade de cinemas.

Mentalmente percorro essas ruas, sigo em direcção à Graça e encontro o Cine-Oriente, o Royal, junto à Morais Soares o Max, o Imperial, na Almirante Reis o Cinema Império, o Lys, o Rex, mais abaixo o Salão Lisboa, e se subir até à Duque de Ávila encontro o Avis.

Desapareceram quase todos, outros mantêm o espaço, mas viraram diversos, quiçá estranhos, locais de consumo.

Saramago refere o Salão Oriente mas o nome exacto é Cine-Oriente.

Mário de Carvalho, que também andou no Gil Vicente, vivia com os pais na Rua das Enfermeiras da Grande Guerra, e também frequentou esses cinemas.

«Mentiras mais desculpáveis foram as de ter inventado enredos de filmes que nunca tinha visto. Entre a Penha de França, onde morávamos, e o liceu, no caminho que é hoje a Avenida General Roçadas e depois a Rua da Graça, havia dois cinemas, o Salão Oriente e o Royal Cine, e neles nos entretínhamos, eu e os colegas que moravam para aqueles lados, a ver os cartazes expostos, como era então uso em todos os cinemas. A partir dessas poucas imagens, no total umas oito ou dez, armava eu ali mesmo uma completa história, com princípio, meio e fim, sem dúvida auxiliado na manobra mistificadora pelo precoce conhecimento da Sétima Arte que havia adquirido no tempo dourado do «Piolho» da Mouraria. Um pouco invejosos, os companheiros ouviam-me com toda a atenção, faziam de vez em quando perguntas para aclarar alguma passagem duvidosa, e eu ia acumulando mentiras sobre mentiras, não muito longe já de acreditar que realmente tinha visto o que apenas estava inventando…»

José Saramago em As Pequenas Memórias, página 112

Legenda: as fotografias do Cine- Oriente e Royal Cine foram tiradas do blogue Restos de Colecção

quinta-feira, 16 de junho de 2022

MAIS UM PRÉMIO PARA MÁRIO DE CARVALHO

Mário de Carvalho foi agora distinguido com o Grande Prémio de Literatura Biográfica Miguel Torga, atríbuído pela Associação Portuguesa de Escritores, pelo seu livro De Maneira que é Claro…,  livro que reúne as memórias da vida do escritor português: um conjunto de relances espalhados pela infância, pela adolescência, pela vida fora.

«Comprei o livro em Novembro, li-o de um folego só, e depois passei a pegar nele, não direi todos os dias, mas amiúde dou com ele nas minhas mãos.

 É um livro de encantamento e, como já disse, muito bem escrito, forte apanágio do autor.»

A distinção da Associação Portuguesa de Escritores, destina-se a galardoar bienalmente uma obra em português, de autor português nos domínios da biografia, autobiografia, diário e memórias. Nesta edição, o júri foi constituído por José Manuel Mendes, Cândido Oliveira Martins, José Carlos Seabra Pereira e Maria de Lurdes Sampaio e em acta destacou o valor de «De Maneira que é Claro…», «quer pela exímia qualidade estético-literária, contida e vigiada, quer igualmente pelo valor testemunhal e memorialístico das suas evocações». 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 

Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

Quando o Prémio Nobel foi atribuído a José Saramago, pediram a Mário de Carvalho que escrevesse um texto a esse propósito: «Resisti um bocado a escrever estas linhas. E ter-me-ia escapado, se não fosse a insistência, de certo modo, de quem me encomendou a prosa.»

É um texto notável que, com o título, «Um Homem Tranquilo» e está antologiado em «O Que Eu Ouvi Na Barrica Das Maçãs», e revela o límpido olhar de Mário de Carvalho sobre José Saramago que, juntamente com outros, lhe calharam em sorte enquanto foi controleiro do sector intelectual do Partido. Sobre essa tarefa Álvaro Cunhal lhe mandará recado emque, mais ou menos dirá, que se Mário de Carvalho não sendo um entusiasta-mordo papel de vanguarda da classe operária, não reunia as condições paracontinuar na direcção do sector intelectual.

Neste texto sobre Saramago é referida a publicação de «Manual de Pintura e Caligrafia».

Leia-se:

«O livro não entusiasmou ninguém. Julgo ter percebido, então, o quanto aquele livro era importante para José Saramago e a incomodidade por que deve ter passado perante apreciações mais ou menos evasivas ou condescendentes. Tinha apostado muito forte. Creio que ainda hoje valoriza muito o Manual… Mas nas opiniões então dominantes, que, no essencial me parecem acertadas, não era ainda o romance de um grande escritor. Não tinha sido desta…»

Maria Alzira Seixo escreveu que o Manual «é o cadinho de todas as tendências pré-ficcionais de José Saramago, e daí a sua grande importância e originalidade na consideração evolutiva da sua obra».

Luís de Sousa Rebelo:

«O Manual de Pintura e Caligrafia é uma obra ímpar no género da literatura autobiográfica entre nós e oferece-nos, no seu conjunto, um semental de ideias e uma carta de rumos da ficção de José Saramago até à data. Nele se fundem as escritas de uma complexa e rica tradição literária e a experiência de um tempo vivido nos logros do quotidiano e das vicissitudes da história, que será a substância da própria arte.»

Também Carlos Reis acha que aqui se anuncia algo mais do que à primeira leitura parece:

«No Manual de Pintura e Caligrafia, que é um romance subvalorizado – passou despercebido -, está muito do projecto de Saramago, de transformar o artista de pintor em escritor e de fazer com que o escritor olhe para a realidade histórica. No fundo é uma reflexão muito metaficcional, metaliterária - o pensar a escrita, pensar a História, pensar a ficção. Isso está tudo inscrito ali.»

Baptista-Bastos lamentará até que o autor não tenha aprofundado essa via: «Acho que o Manuel de Pintura e Caligrafia é um grande livro, que devia ser um caminho que ele devia ter encetado. É a minha opinião. Porque é uma coisa gira sob o ponto de vista das interrogações que um artista tem para fazer as coisas. É um bocado parecido com Os Sonâmbulos, do Herman Broch, é um bocado umas perplexidades do autor.»


Saramago considerou-o o mais autobiográfico dos seus livros e eu, à primeira leitura, gostei do livro.

Manual?

Um exercício de escrita?

 Um pintor que escreve?

 Um escritor que pinta?

 «Observo-me a escrever como nunca me observei a pintar.»

 Dirá ainda:

 «Poderei escrever sempre, até ao fim da vida.»

 Começa nestas páginas o estilo que Saramago aperfeiçoará constantemente ao longo da sua obra.

 «Que quero eu? Primeiramente, não ser derrotado. Depois, se possível, vencer.»

 E quase definitivo:

 «Não sou já, não sou ainda, não sei que serei.»

 

Legenda: pormenor da capa de Manual de Pintura e Caligrafia da autoria de Luís Duran.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

NOTÍCIAS DO CIRCO

Hoje, na cidade do Porto, deveria ter acontecido um jogo de futebol, entre o F.C.Porto e o Sporting, aquilo que os especialistas chamam um «clássico».

Mas aconteceu tudo menos futebol.

Assistiu-se a algo completamente deplorável.

Nestas alturas, quando há quem diga as coisas melhor do que ele poderia dizer, não hesita, e pediu ajuda ao escritor Mário de Carvalho, quando numa entrevista num velho «Mil Folhas, suplemento literário dum velho Público, disse que somos um povo de javardos, sem vergonha, sem dignidade e que «a maior alegria que me podiam dar era proibir a porcaria do jogo da bola.»

 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

DISSO SOU TAMBÉM FEITO


 «As várias casas onde fomos vivendo, desde a Ajuda ao Bairro dos Actores, passando pelos Anjos, Campolide, Campo de Ourique, Picheleira, deixaram, cada qual, a sua marca: um troço de rua, uma prateleira da despensa, uma certa janela em aberto, o rendilhado dum tecto, a curva dum corredor, umas sonoras escadas de serviço, um recanto de marquise, um pátio com claraboias… Disso sou também feito, e com isso escrevo, mesmo sem que os lugares o saibam. Eu também os contenho.»

Mário de Carvalho em DeManeira Que É Claro…

domingo, 30 de janeiro de 2022

NÃO UM DOMINGO COMO OUTRO QUALQUER


Há dias, durante os estúpidos silêncios em que o Cais mergulhou, o viajante Seve perguntou que livros eu tinha lido no ano que findou.

Li muito, mas poucos livros novos.

Tornei-me, como dizem os ingleses, que nem sequer têm literatura, nem cinema, tudo o que têm lhes chega da Irlanda, um «slow reader» e, acima de tudo, ando em releituras, principalmente de José Saramago que,  ao fim de tanta e tantas leituras, ainda descubro coisas novas e de espanto.

Mas de um livro quero falar porque é uma pequena bíblia desenhada por um escritor que escreve muitíssimo bem, é uma excelente pessoa e nunca troquei sequer uma palavra com ele.

 O livro chama-se «De Maneira Que É Claro…» e o autor é Mário de Carvalho.

Foi funcionário do Partido Comunista, partido de que há muito deixou de ser militante, mas numa entrevista a Ana Sá Lopes, Público de 19 de Novembro de 2021, afirmou que no Partido sempre tem votado:

Ele o disse:

«Se o PC desaparecer, se enfraquecer mais, todos perdemos com isso. Faz parte do nosso quadro democrático.»

 O livro são pequenas memórias de uma vida muito rica, «apontamentos muito curtos sobre alguns aspectos – não todos – do meu percurso de vida que me pareceu interessante partilhar com o leitor.»

 Comprei o livro em Novembro, li-o de um folego só, e depois passei a pegar nele, não direi todos os dias, mas amiúde dou com ele nas minhas mãos.

 É um livro de encantamento e, como já disse, muito bem escrito, forte apanágio do autor.

 Mentiria se dissesse que não sei das razões por que falo do livro neste domingo. E sei-o tão bem, que não hesito em copiar a historinha mariocarvalhiana que se encontra na página 192:

 «A separação do PCP foi-me longa e dolorosa. Era (com outros) um património de família. Anos de reminiscências afectivas. Memórias de militância, por vezes difícil e dura. Ilusões, desilusões, vitórias e frustrações. Preços pagos!

O sentido da incongruência, após a revolução, foi-se firmando a pouco e pouco. Conheci pessoalmente, quase todos os meus heróis míticos. Senti, em dada altura, que já me ouvia a dizer coisas em que não acreditava.

Tive duas conversas, espaçadas, com Álvaro Cunhal. Iniciativa dele. Não que eu, na casa, fosse importante. Mas ele queria conhecer tudo e todos. Chamou-me. Um encanto de pessoa. Após a segunda conversa foi-me enviado um recado por terceiro: «Negando o papel de vanguarda da classe operária, faltavam-me condições para continuar na direcção do ”sector intelectual”.» Pode ser que as palavras não tenham sido exactamente estas, mas o significado foi.

E ainda bem, porque a relação já se ia deslassando, devagar. Os factos minavam quotidianamente esta minha aposta. A dada altura tornou-se-me evidente que não apenas certo tipo de análise, mas também um estilo de funcionamento e, até, de linguagem, me diziam cada vez menos. Caiu o tal muro, soçobrou a União Soviética, um antigo futuro de radiosa esperança transformou-se em ruim passado.

Houve movimentos, encontros, infindas discussões, agitação periférica, papéis, cismas. Reavaliar, transformar, adequar… O que se sabe.

Nesse confronto, muitas pessoas que me são estimáveis, por esta ou aquela razão, ficaram do outro lado. Não deixo por isso de as prezar e admirar.

Posso ironizar, brincar, desdizer. Mas não me está no feitio hostilizar o Partido.»

Legenda: desenho de Rogério Ribeiro

domingo, 31 de outubro de 2021

POSTAIS SEM SELO


  «Houve uma altura da minha vida, quando havia cabinas telefónicas, em que eu praticamente conhecia todas as cabinas telefónicas da cidade. Eram pontos de referência para os encontros clandestinos da resistência contra o regime. O pior é que a polícia política também o sabia…»

Mário de Carvalho em entrevista no Mensagem de Lisboa

Legenda: fotografia de uma cabine telefónica retirada do blogue Restos de Colecção.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

MAL E PORCAMENTE


Uma das primeiras pessoas que me tratou bem em jovem foi o Vitor Silva Tavares, o editor da & etc. A etc era um projecto com uma integridade, uma coerência e uma disciplina que nem sempre se encontra. Faziam exactamente aquilo que queriam e não o que o resto do mundo queriam que fizessem. Escolhiam quem queriam ter e quem não queriam ter, Não faziam coisas demais, não se faziam ao tacho, não faziam nenhum esforço para serem populares ou conhecidos ou publicitados.

Fiz a capa para um livro do Mário Carvalho quando tinha 20 anos e fiz mal e porcamente. O Vitor Silva Tavares deveria ter esperado dois anos. Quando o conheci tinha para aí 17 anos, Fui visitá-lo num furo das aulas do liceu. Tinha visto aquelas plaquetas que ele fazia e queria saber como é que aquilo se fazia. Então fui bater à porta, na Rua da Emenda. E lá estava aquele senhor de barba, que me atendeu. É o género de disciplina ética que se encontra em certos cineastas, em certas editoras de música.

Jorge Colombo, de uma entrevista ao Expresso.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

NÃO SE ACORDA UM POVO QUE DORME

Cuidado, pise-se com cautela, porque estamos no cerne das demagogias. Um passo em falso e é-se trucidado. Nesta caverna, há um povo dormente que pode ser açulado por quem conheça a fórmula facílima. Fale-se baixinho e à puridade. Nunca se acorda um povo que dorme.

O povo é sábio? Não - cicie-se -, nunca em parte nenhuma e em nenhum tempo, um povo foi sábio. Há por aí bibliotecas e registos de quatro mil anos de História. Queiram ter a bondade de descobrir um momento qualquer, mesmo fugaz, em que, nesta trapalhada sanguinária e milenar, um povo tenha sido sábio.

Mário de Carvalho em O Que Eu Ouvi Na Barrica Das Maçãs

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

NOTÍCIAS DO CIRCO


Há um certo longo tempo, Mário de Carvalho deu uma entrevista ao Mil Folhas, velho e bom suplemento literário do Público, em que se lamentava que há coisas no país, de que tanto gosta, que o indignam profundamente, um povo com uma enorme falta de cultura, com uma enorme tendência para aceitar tudo o que há de mais reles, de mais mesquinho e rasteiro, concluindo que somos um povo de javardos.

É isso!

Pode doer muito, mas é a pura verdade.

Vivemos momentos trágicos e espera-se, ansiosamente, que as vacinas que começaram a ser administradas amenizem, pouco que seja, o nosso (sobre)viver.

Mas os tempos que deviam ser de responsabilidade, de solidariedade, de respeito, não foram travão à ancestral javardice.

Assim, um presidente de câmara fez-se vacinar, uma directora da segurança social de Setúbal, fez-se vacinar mais os funcionários do centro, um director do INEM do Porto mandou vacinar os trabalhadores de uma pastelaria e de um restaurante ao lado da delegação, um administrador do Hospital de Riba de Ave fez-se vacinar a si, à mulher, à filha e uma recepcionista do hospital.

Nenhuma desta gente pertence a qualquer grupo de risco.

Estes são apenas os casos que vieram nos jornais e deram reportagens nas televisões.

Quantos mais nas sombras das sombras do país javardo?

sexta-feira, 5 de junho de 2020

OLHAR AS CAPAS


As Escadas Não têm Degraus

5º Volume
 Direcção: António M. Feijó, João Miguel Fernandes Jorge, Joaquim Manuel Magalhães

Teresa Veiga, Mário de Carvalho, Rui Nunes, Luísa Costa Gomes, Nuno Júdice, Agustina Bessa-Luís, Armando Silva Carvalho, João Miguel Fernandes Jorge, Mari de Fátima Borges, Helena Vasconcellos, Sophia de Mello Breyner Andresen, Maria Judite de Carvalho, Miguel Esteves Cardoso, Alberto Pimenta, José Dinis Fidalgo, Pedro Paixão.
Capa: João Botelho
Livros Cotovia, Lisboa, Novembro de 1991

Há uma palmeira no largo da estação, o que justifica que se lhe chame o Largo da Palmeira, e apanha-se aí o autocarro para a cidade. Mas há quem nunca o tenha apanhado, limitando-se a ficar no banco que está no passeio, em frente de um pequeno relvado que o jardineiro traz bem tratado, bem como os canteiros com uma tulipas e uams roseiras, estas raquíticas, parece que do clima – demasiado sol. Ao fim da tarde, o lugar enche-se de velhos e de pássaros, mas só se ouve o barulho dos pássaros. Isto de abril até ao outono, Depois é a chuva: o barulho da chuva e o largo deserto.
Saí da estação e cheguei ao tal jardim com relva e alguns canteiros. Vi a paragem da camioneta, o poste com a tabuleta indicando o sítio do embarque, mas não havia camioneta. Já esperava que acontecesse uma coisa dessas: o comboio chegou demasiado tarde, a última camioneta já tinha saído; poderia apanhar um táxi, mas este não era um meio de transporte que me agradasse. Estava habituado à ligação comboio-camioneta, e agora teria de esperar toda a noite num banco da estação que a primeira camioneta do dia saísse. Como ninguém estava à minha espera, tanto fazia – excepto para as minhas costas, que saíam sempre maltratadas das viagens.

sábado, 11 de abril de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS




Sábado de Aleluia.

Hoje, pela manhã, teria sido o tempo de ir a um supermercado comprar, para os netos, um coelho grande de chocolate, com surpresa, e gomas.

Mas pronto!, o tal vírus deu cabo do almoço de Páscoa, deu cabo do festival chocolateiro.

Claro, que havemos todos de nos vingar destas tropelias, que palavra tão suave, deste maldito, outra palavra suave, coronavírus.

A festa chocolateira não é só dos netos.

Chocolatedependente que sou, a posição primeira na grelha de partida, é minha.

Doce dependência, com o pormenor-escândalo-da-família, de que não se contenta, logo que a tablete é aberta, em comer um quadradinho, ficar a saboreá-lo de olhos fechados, enquanto se derrete na boca. 

Não!Tabelete aberta, tablete consumida.

O resto, bom o resto logo se vê e aguardar as palavras do costume do médico de família quando olha as análises deste emocionalmente desequilibrado portador de angústias chocolateiras.

Talvez tenha lido, não tem a certeza, que sem um toque de loucura não existem homens sensatos.

Mas de onde lhe vem o grito delicioso do chocolate?

Como quase tudo, terá que ir à infância

Já contei isto, mas continuemos.

A caminho do Liceu Gil Vicente, na Graça, também para a casa da avó paterna na Rua Senhora do Monte, percorria toda a Rua da Penha de França, chegava a Sapadores, e aí estava a Fábrica de Chocolates Favorita e, neste ponto, socorre-se de Mário de Carvalho porque conta melhor do que alguma vez posso contar:

«Voltemos ao volutpuoso aroma de chocolate que descia por sobre o bairro e impregnava os ares, as casas, as roupas e nos punha logo bem dispostos, na nossa meninice voraz de guloseimas caras. Provinha ele da Fábrica Favorita que levantava na outra esquina, a sua arquitectura graciosa e robusta, mesmo ao lado de um jardim esconso e sombrio em que ficava a casa do arquitecto Raul Lino. Nos anos oitenta do século vinte, por contingências do mercado ou por gestão trapalhona, a velha Favorita fechou e ficou  para ali, abandonada. Aquela atmosfera adocicada e benigna dilui-se tristemente nas alturas e o bairro foi invadido pelos odores banais de Lisboa. Se não fosse a variação dos ventos, pesaria ali a fumarada dos escapes e outros eflúvios maléficos…
Na Lisboa tristonha e pobre desses tempos eram estes pequenos milagres que alegravam a nossa infância e deixaram um sorriso na memória.»

Guardo o cheiro a chocolate e também lembro, com uma nitidez deveras melancólica, os operários de ganga azul, as operárias de bata branca, a descerem a rampa para irem almoçar.

Ou almoçavam no refeitório e depois saíam para irem beber café nas pastelarias em redor, certamente a «A Mimosa da Graça»?

Este pormenor não consigo clarificar, mas o que lembro são os operários, elas de bata branca, eles de ganga azul.

Depois chegaria ao poema de Álvaro Campos:

«Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso, e ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida!»

Há também Chocolate um delicioso filme de Lasse Hallstrom, um conto de fadas maravilhoso pelos chocolates mas também – e não é aspecto de somenos – pela Juliette Binoche.

Li,  já não lembro onde, que é um filme para comer com os olhos.

E ficamos assim.

Amanhã é Domingo de Páscoa.
No meio da quarentena, eu e a Aida, teremos um almoço virtual em que um coelho de chocolate, imaginariamente, será partilhado com os cinco netos.

Os sonhos são assim mesmo.

Ah!, o  Tom Hanks, na pele de Forresr Gump, sentado num banco à espera de um autocarro diz:

 «A vida é como uma caixa de bombons. Nunca sabemos o que nos espera…»



Mas fiquem a saber que há poucos problemas que um chocolate não possa resolver.

A música deste sábado de Páscoa , não poderia deixar de ser a  Hallelujah do Messias de Handel.


1.

A Suécia já registou mais de 10 mil casos de pessoas infetadas com o novo coronavírus, num país que tem uma população de cerca de 10 milhões de pessoas. Ao todo, 887 infetados já morreram de Covid-19.

«A nossa preparação não foi boa o suficiente e isso é evidente para todos, em vários aspectos».

Em termos concretos, Löfven não quis responsabilizar os suecos pelos números elevados de infectados e mortes por Covid-19 que se têm registado no país, que adoptou uma estratégia de imunidade de grupo, em contra-corrente com  o resto do mundo. O primeiro-ministro considerou que a maioria dos cidadãos seguiu as recomendações das autoridades, mas admitiu a possibilidade de fechar alguns restaurantes que não estejam a cumprir as regras: 

«Há aqueles que não as seguem, não compreendem ou não querem saber da gravidade da situação e aí teremos de colocar as luvas e passar à acção».

2.

O atelier da artista Joana Vasconcelos, em Lisboa, anunciou que encerrou portas, "pela primeira vez em 25 anos", devido à pandemia de covid-19, e abriu um processo de 'lay-off' para cerca de 50 trabalhadores.

3.

O grupo Estoril Sol explica que decidiu aplicar o 'lay-off' simplicado, com a suspensão temporária dos contratos de trabalho ou a redução dos tempos de trabalho da grande maioria dos trabalhadores.

O grupo Estoril Sol detém casinos no Estoril, em Lisboa e na Póvoa de Varzim, e todos estão encerrados desde 14 de março.

4.

Com a leitura mais atenta de toda a papelada, os especialistas vão ficando com a ideia de que o acordo do Eurogrupo deixa mais dúvidas que certezas.

5.

«O vírus mata portugueses. E mata a economia. Matará o conhecimento se deixarmos que mate o livro. Livro e leitura são a mais sólida forma de adquirirmos saber, ciência e identidade. Mas as livrarias fecharam e os editores não publicam.»

Manuel S. Fonseca

domingo, 15 de março de 2020

NOTÍCIAS DO CIRCO


Mário de Carvalho, numa velha entrevista ao velho Mil Filhas do velho Público, disse, alto e bom som, que somos um povo de javardos, sem vergonha, sem dignidade.

Mário de Carvalho, numa velha crónica publicada em O Jornal, e incluída em   O Que Eu Ouvi Na Barrica das Maçãs, falava do portugalinho dos sacanas a ferver de mercenários, oportunistas, videirinhos e minúsculos troca-tintas.

Lêem-se estas afirmações de Mário de Carvalho, desfazadas no tempo, sente-se o pontapé no estômago, mas passados segundos concluímos do acerto das razões do escritor.

Um povo javardo!

É isso!

Lembre-se um tal D. Carlos que, como escreveu Fialho d’Almeida, andava «sempre cercado de gastrónomos e de toureiros, e que chamava piolheira ao país de que era rei.»
       
E cada se vez se sente mais que não há volta a dar a isto.

A javardice, em pleno drama de quarentena devido à epidemia do coronavírus, invadiu os supermercados para os mais variados tipos de açambarcamentos.

Deixaram as prateleiras vazias.

Vitor Dias escreveu:

«Comprar em excesso por medo da escassez provoca escassez.
Um problema sério!»

Os javardos são  assim!

O que causa ainda mais espanto, é o açambarcamento do papel higiénico.

Não sei se vem a propósito, mas lembrei-me duma velha história do Pedro Oom:

«Num pequeno país atrasado e pobre o Primeiro-Ministro preocupava-se muito com a ignorância do seu povo.
A percentagem de iletrados era tal que não se descortinava maneira de arrancar do estado de subdesenvolvimento para a fase industrial a que o país necessitava chegar.
O Primeiro-Ministro reuniu os melhores pedagogos do país que elaboraram um pequeno livro de bolso, a que chamaram a “Cartilha Paternal”, onde se resumia em frases simples toda a Ciência existente.
A “Cartilha Paternal” foi distribuída gratuitamente a todo o Povo, o qual lhe deu a serventia que estava habituado a dar a tudo o que fosse papel, liso ou impresso.»

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

POSTAIS SEM SELO


O grande problema não é saber-se poucas coisas. Tampouco saber-se mal as coisas. É antes um excesso de coisas erradas.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

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Gosto muito da escrita de Mário de Carvalho.

 Nunca conversei com ele e encontro-o muitas vezes no Metropolitano, nas ruas que circundam aquela onde moro, em tempos, nas sessões de autógrafos da Festa do Avante ou da Feita do Livro, em outros tempos, às quintas-feiras, ele almoçava, com advogados amigos, num tasco para os lados das avenidas ditas novas, e, volta e meia também eu, com amigos meus, também amesentava por ali.

Mário de Carvalho nasceu em Setembro de 1944, eu em Março de 1945.

Morava na Rua das Enfermeiras da Grande Guerra, eu na Rua Mestre António Martins, ambas para os lados da Penha de França.

Andámos no Liceu Gil Vicente, a caminho sentíamos o delicioso cheiro, a chocolate, da Fábrica Favorita, ali a Sapadores, frequentámos as matinés do Cine-Oriente, do Royal, mas nunca nos encontrámos.

Certamente que um dia, chegarei à fala com Mário de Carvalho, para dizer não sei bem o quê, talvez a frase gasta e idiota: «gosto muito da sua escrita.»

Tenho em arquivo uma sua crónica publicada no Público, Março de 1993, que dá pelo nome de Uma Bandeira na Varanda. Quando a li comoveu-me muito e ainda hoje, quando a releio, sinto a mesma comoção.

Essa crónica está agora reunida em O Que Eu Ouvi Na Barrica das Maçãs, o que é um prazer e uma comoção redobrados.

Gosto de crónicas de jornais, algumas guardo-as e fico sempre à espera que os seus autores as reúnam em livro o que, nem sempre acontece e, infelizmente, no caso de António Lobo Antunes, é uma decisão definitiva: nunca mais publica um livro de crónicas.

O título do livro de Mário de Carvalho remete para as crónicas que sob esse mesmo nome escreveu para o Público e que é uma alusão a um capítulo de A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson, «O que eu ouvi na barrica das maçãs.»

Como me faltam unhas para tocar guitarra, digo de Mário de Carvalho o que ele, em crónica inserta, também  na barrica das maças, diz de José Saramago:

«Eu, que sempre fui um repentista-do-dia-seguinte, não podia deixar de admirar e de invejar uma arte de dizer que me parecia coisa de feiticeiro. E, ainda por cima, num português impecável, capaz de ser posto logo em papel.»

Legenda: pormenor do capítulo 11 de A Ilha do Tesouro e onde Mário de Carvalho foi buscar o título do seu livro.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

POSTAIS SEM SELO


O sonho da razão engendra monstros.

Mário de Carvalho citando alguém.

Legenda: gravura de Francisco de Goya