Le Chant Du Monde LD – M- 8132
Old Man River – Le Canadien Errant - Oh, No, John – Kevin Barry - Didn’t My
Lord Deliver Daniel - Les Bateliers De La Volga – Joe Hill – Loch Lomond –
There’s A Man Going Round Taking Names – John Brown’s Body – No More – Les
Quatre Generaux – My Curly Headed Baby
É talvez o disco que recorda como sendo o mais antigo da discoteca do Pai,
excepção feita aos 78 rpm que se espatifaram todos.
Lembra-se dos tempos em que o Pai, de quando em vez, jantava em casa com
amigos, jantares palavrosos e chegada a altura dos cafés e dos cigarros este
disco ouvia-se, religiosamente.
Não participava desses jantares, mas noutra sala conseguia ouvi-lo e achava-o
monótono, incompreensível, sem graça e que contrastava, flagrantemente, com os
discos do Renato Carosone, da Caterina Valente e outros que rodavam lá por casa.
Anos mais tarde foi saber coisas e encontrou alguém que o dava como cantor,
escritor, activista americano dos direitos políticos e civis, e citava-se
Brecht: «Há homens que lutam umas horas e
são bons. Há homens que lutam um ano e são melhores. Há homens que lutam muitos
anos e são ainda melhores. Mas há os que lutam, toda uma vida: esses são os
imprescindíveis».
Entendeu a religiosidade do Pai e dos amigos ao ouvi-lo cantar, percebeu também
por que aqueles jantares eram longos e palavrosos. Sente hoje tudo isso e,
volta e meia, põe o disco a rodar e, às primeiras espiras, o Pai aparece-lhe,
senta-se bonacheirão, sorridente, cigarro Unic
nos dedos e dispara: “não há por aí um whiskynho?”.
sábado, 20 de fevereiro de 2021
PAUL ROBESON
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ACCiÓN - AC – 4LP (edição espanhola)
Lado A
Y Nace El Sol – Los Jinetes – El Hambre – La Ciudadede Goma – El Niño Muerto – La Guerra – La Guerra Que Vendra – Quando Mi Hijo Nacio
Lado B
La Muerte – Me Queda La Palabra – No Nos Dejan Cantar – La Peste – La Niña de Hirosima – Masa – Himno
Três são os poemas de
Nazim Hikmet que Manolo Diaz musicou para este disco dos Aguaviva. Um desses
poemas é Eles Não Nos Deixam Cantar, Robeson.
Apocalipsis é
uma ideia de Jose Antonio Muñoz, com os diversos capítulos pontuados com
poemas de Alfredo Mañas, Gabriel Celaya, um africano anónimo, Bertold Brecht,
Nazim Hikmet, Blas de Otero, Cesar Vallego, para músicas de Manolo Diaz.
«Desde que o mundo é mundo, todas as tardes o dia expira e a morte faz um pacto com a noite.»
ELES NÃO NOS DEIXAM CANTAR
Eles não nos
deixam cantar, Robeson,
Meu canário de asas de águia,
Meu irmão negro de dentes de pérola.
Não nos deixam gritar as nossas canções.
Eles têm medo, Robeson,
Medo da aurora, medo de ver,
Medo de ouvir, medo de tocar.
Eles têm medo de amar,
Medo de amar como Ferhat amou, apaixonadamente.
(Decerto também vocês, irmãos negros,
têm um Ferhat, como lhe chamas, Robeson?)
Eles têm medo da semente e da terra,
Medo da água que corre,
Medo de se lembrarem.
A mão de um amigo
Que não queira desconto, nem comissão, nem moratória,
Nunca virá apertar-lhes a mão
Como um pássaro quente.
Eles têm medo da esperança, Robeson, medo da esperança!
Eles têm medo, meu canário de asas de águia,
Têm medo das nossas canções, Robeson...
Nazim Hikmet
(Tradução encontrada no Avante de 24 de Janeiro de 2002)
Legenda: pormenor da
capa do LP Apocalipsis dos Agua Viva
terça-feira, 28 de abril de 2015
OLHAR AS CAPAS
e sons longínquos de marimba chegam até mim
— certos e constantes —
vindos nem eu sei donde.
Em minha casa de madeira e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar…
Mas as vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Marian cantam para mim
spirituals negros de Harlem.
«Let my people go»
— oh deixa passar o meu povo,
deixa passar o meu povo —,
dizem.
E eu abro os olhos e já não posso dormir.
Dentro de mim soam-me Anderson e Paul
e não são doces vozes de embalo.
«Let my people go».
sento-me à mesa e escrevo…
(Dentro de mim,
deixa passar o meu povo,
«oh let my people go…»)
E já não sou mais que instrumento
do meu sangue em turbilhão
com Marian me ajudando
com sua voz profunda — minha irmã.
Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar.
Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado
e revoltas, dores, humilhações,
tatuando de negro o virgem papel branco.
E Paulo, que não conheço
mas é do mesmo sangue da mesma seiva amada de Moçambique,
e misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças,
algodoais, e meu inesquecível companheiro branco,
e Zé — meu irrião — e Saul,
e tu, Amigo de doce olhar azul,
pegando na minha mão e me obrigando a escrever
com o fel que me vem da revolta.
Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro,
enquanto escrevo, noite adiante,
com Marian e Robeson vigiando pelo olho lumírioso do rádio
— «let my people go».
oh let my people go.
vozes de lamentação
e os meus vultos familiares me visitarem
em longas noites de insónia,
não poderei deixar-me embalar pela música fútil
das valsas de Strauss.
Escreverei, escreverei,
com Robeson e Marian gritando comigo:
«Let my people go»
OH DEIXA PASSAR O MEU POVO.