Mostrar mensagens com a etiqueta João Tordo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta João Tordo. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

OLHAR AS CAPAS


O Nome Que A Cidade Esqueceu

João Tordo

Capa: Hugo Milheiriço

Companhia das Letras, Lisboa, Novembro de 2023

Naqueles tempos, a vida era incrivelmente solitária. Não existiam redes sociais, nem telemóveis. O correio era lento. Para se fazer um telefonema, era preciso enfiar uma moeda na ranhura e rezar para que a ligação fosse bem-sucedida. Para se saber um número – de um restaurante, uma livraria, ou uma loja de animais de estimação -, recorria-se às Páginas Amarelas. Eu comprava cartões telefónicos num deli e ligava para casa aos domingos, escutando, a uma distância enorme, cheia de interferências, a voz da minha mãe. Parecia muito abalada, e eu não a censurava. Perguntava-me como era a América, e eu respondia que era um lugar maravilhoso. Os meus encontros sociais davam-se na lavandaria do senhor Fu, que ficava na esquina da rua do minúsculo apartamento que arrendei, no princípio de 1992, na 105 com a Columbus, quando deixei a residência Jeanne d’Arc.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

POSTAIS SEM SELO


O verdadeiro mistério do mundo é o visível, não o invisível.

Oscar Wilde citado por João Tordo em Manual deSobrevivência de Um Escritor

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

POSTAIS SEM SELO


 Também é possível «estragar» o cérebro depois de uma vida inteira a ler. Conheço muitas pessoas que abandonaram a leitura em favor das séries de televisão. Assistem a horas de televisão por dia e lêem um livro por ano. Nada a dizer: o mundo é mesmo assim. Por cada leitor haverá sempre oitocentos mil assinantes da Netflix.

João Tordo em Manual de Sobrevivência de um Escritor

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

ENGOLIDO POR UMA BALEIA

O escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, autor de dois romances que ficarão para sempre na História da Literatura – Cem Anos de Solidão e O Amor nos Tempos de Cólera -, explicou, um dia, a origem da ficção: «A ficção foi inventada no dia em que Jonas regressou a casa e contou à mulher que chegou com três dias de atraso por ter sido engolido por uma baleia.»

João Tordo em Manual de Sobrevivência de Um Escritor.

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

OLHAR AS CAPAS


Manual de Sobrevivência de um Escritor ou o Pouco Que Sei Sobre Aquilo Que Faço

João Tordo
Capa: Gito Lima
Companhia das Letras Portugal, Lisboa, Março de 2020

Aquele velho ditado que diz «não julgue um livro pela capa» é a maior tolice que se pode ensinar a um jovem escritor.
Todos os livros são julgados pela capa. E, na capa, está o título. E no título, está a capacidade de seduzir e encantar à primeira vista, ou de repelir para sempre os teus putativos leitores, ou deixá-los indiferentes.

domingo, 10 de junho de 2018

OLHAR AS CAPAS


Hotel Memória

João Tordo
QuidNovi, Lisboa, Lisboa, Junho de 2008

Tudo era memória. O presente era a memória de si próprio, e era possível existir apenas se pudéssemos conservar as recordações de momentos que nunca se repetiriam. E, no entanto, paradoxalmente, a memória era aquilo que de mais falível um homem possuía: nomes esquecidos ou trocados, caras que se confundiam com outras, lugares onde julgávamos já ter estado, um lápis desaparecido para sempre, os constantes deslizes que tornavam a realidade o lugar de um romance, de uma história, encantadora pela sua fiabilidade, e não pela sua certeza.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

POSTAIS SEM SELO


E no silêncio o que acontece?

João Tordo

Legenda: fotografia de Christine Hazen Molina 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

QUOTIDIANOS


O músico Fernando Tordo vai deixar o país, no próximo dia 18, com destino ao Brasil onde pretende continuar a trabalhar na área musical


                                                                                           Dos jornais


CARTA AO PAI

Ontem, o meu pai foi-se embora. Não vem e já volta; emigrou para o Recife e deixou este país, onde nasceu e onde viveu durante 65 anos. A sua reforma seria, por cá, de duzentos e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país. Nesses concertos teve salas cheias, meio-cheias e, por vezes, quase vazias; fê-lo sempre (era o seu trabalho) com um sorriso nos lábios e boa disposição, ganhando à bilheteira. Ontem, quando me deitei, senti-me triste. E, ao mesmo tempo, senti-me feliz. Triste, porque o mais normal é que os filhos emigrem e não os pais (mas talvez Portugal tenha sido capaz, nos últimos anos, de conseguir baralhar essa tendência). Feliz, porque admiro-lhe a coragem de começar outra vez num país que quase desconhece (e onde quase o desconhecem), partindo animado pelas coisas novas que irá encontrar. Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo. Acontece que o meu pai, quer se goste ou não da música que fez, foi uma figura conhecida desde muito novo e, portanto, a sua partida, que ele se limitou a anunciar no Facebook, onde mantinha contacto regular com os amigos e admiradores, acabou por se tornar mediática. E é essa a razão pela qual escrevo: porque, quase sem o querer, li alguns dos comentários à sua partida. Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros. Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. O meu pai, que é uma pessoa cheia de defeitos como todos nós - e como todos os autores destes singelos insultos -, fez aquilo que lhe restava fazer. Quer se queira, quer não, ele faz parte da história da música em Portugal. Sozinho, ou com Ary dos Santos, ou para algumas das vozes mais apreciadas do público de hoje - Carminho, Carlos do Carmo, Marisa, são incontáveis - fez alguns dos temas que irão perdurar enquanto nos for permitido ouvir música. Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC's e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha. Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos. Fracassaram nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar. Não queremos mudar. Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho aqui - e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num fantasma ou num pedinte - pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora. Ontem, ao deitar-me, imaginei-o dentro do avião, sozinho, a sonhar com o futuro; bem-disposto, com um sorriso nos lábios. Eu vou ter muitas saudades dele, mas sou suspeito. Dói-me saber que, ontem, o meu pai se foi embora.

Carta que João Tordo disponibilizou no seu blogue

 Legenda: pormenor da capa, da autoria de Jorge Simões, do álbum Anticiclone de Fernando Tordo.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

POSTAIS SEM SELO


Jantar com um velho amigo e outro, menos velho, mas também amigo. Estamos diferentes, estamos mais crescidos, não necessariamente mais sábios. A sensação estranha de que, de alguma maneira, os meus amigos estão, há muitos anos, permanentemente de partida; um dia aqui, no dia seguinte nada mais do que sombras. É um sentimento que me persegue há muito tempo - que, por vezes, parece pertencer-me apenas a mim, incomunicável - e que se traduz neste disparate sentimental, mas ainda assim verdadeiro: é triste que cada um tenha a sua vida, e que o tempo que nos separa vá sendo maior do que o tempo que nos une. Gosto demasiado dos meus amigos, que são muito poucos, para os ver partir a toda a hora como comboios de passagem numa planície deserta. Gostava de envelhecer na companhia deles; não sei se a vida o permitirá.


Legenda: fotografia de Michael Palmer

quinta-feira, 1 de março de 2012

POSTAIS SEM SELO


Às vezes é preciso perceber que uma espécie qualquer de final está a aproximar-se e, se assim for, saber encará-lo com a dignidade que nos tem faltado.

João Tordo