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sexta-feira, 22 de abril de 2022

ADRIANO OBRA COMPLETA


Esta é a capa da caixa que reúne a Obra Completa de Adriano Correia de Oliveira, publicada, em 1994, pela Movieplay Portuguesa.

Organização da Colectânea: José Niza

Textos: Manuel Alegre, Paulo Sucena e José Niza

Design gráfico: José Santa Bárbara

Algumas das gravações presentes nesta colectânea remontam a 1960. Outras gravações, outras referências à obra de Adriano Correia de Oliveira, ter-se-ão perdido nos diversos estúdios por onde o Adriano, quase sempre de forma rudimenetar, gravou os seus discos, e tudo graças ao seu forte espírito de combatividade, à sua enorme disponibilidade, bem como o profissionalismo e saberes dos técnicos de som, mais ainda do nível dos acompanhantes, onde se destaca Rui Pato.

José Niza terá colocado, na elaboração desta colectânea, todos os seus conhecimentos da vida e da obra de Adriano Correia de Oliveira.

Mas muito ficou por fazer.


Disco 1

Fados e Baladas de Coimbra

Disco 2

Cantigas Portuguesas

Disco 3

Adriano Canta Manuel Alegre I

Disco 4

Adriano Canta Manuel Alegre II

Disco 5

Adriano Canta  José Niza

Disco 6

Adriano Canta Manuel da Fonseca

Disco 7

A Noite dos Poetas

segunda-feira, 18 de abril de 2022

ADRIANO CORREIA DE OLIVEIRA CANTA JOSÉ NIZA

ORFEU STAT 010

FACE A
Emigração - Curros Henriquez
E Alegre se Fez Triste - Manuel Alegre
O Senhor Morgado - Conde de Monsaraz
Cana Verde - Fernando Miguel Bernardes
A Vila de Alvito - Raul de Carvalho

FACE B
Canção Tão Simples - Manuel Alegre
Cantiga de Amigo - Luís de Andrade
Para Rosalia - Curros Henriquez
Roseira Brava - António Ferreira Guedes
História do Quadrilheiro Manuel Domingos Louzeiro - António Aleixo

Todas as músicas são de José Niza.

Arranjos: José Calvário, José Niza, Rui Ressurreição, Thilo Krasmann
Orquestra sob direcção de José Calvário e Thilo Ktrasmann
Capa e orientação gráfica: Silva e Castro
Produção e supervisão musical: José Niza
Editado em Novembro de 1971

Disco comprado na Discoteca Roma e custou 188$50, ao câmbio actual menos de 1 euro.

«Quase toda a música deste disco aconteceu no norte de Angola, em 1970, durante as incomensuráveis noites em que, médico na guerra, buscava a evasão de não estar ali. Apenas duas canções («Emigração» e «Para Rosalia» existiam já desde 1969, histórico ano em que Ricard Salvat à frente do CITAC, compus a música para a peça «Castelao e a sua época». É, de certo , modo, uma homenagem póstuma a coisas (ainda) vivas.

Um disco não se explica. Ouve-se!

Mas pode, também, contar-se…

José Niza

Novembro 1971

domingo, 17 de abril de 2022

CANTAREMOS


 

«Cantaremos» é editado em 1970

Capa de J.F. Bogalho

FACE A

Cantar de Emigração

José Niza música, poema de Rosalia de Castro

Saudade Pedra e Espada

Música Roberto Machado, poema Manuel Alegra

Fala do Homem Nascido

Música de José Niza, poema de António Gedeão

O Sol Préguntou à Lua

Canção popular açoriana

Canção Para o Meu Amor Não se Perder no Mercado da Concorrência

Música Adriano Correia de Oliveira, poema Manuel Alegre


                                                          Ilustração do interior do LP da autoria de J. F. Bogalho

FACE 2

 Lágrima de Preta

Música de José Niza, poema de António Gedeão

Canção Com Lágrimas

Música de Adriano Correia de Oliveira, poema de Manuel Alegre

Cantar Para Um Pastor

Música de Adriano Correia de Oliveira, poema de Matilde Rosa Araújo

Como Hei-de Amar Serenamente

Música de Adriano Correia de Oliveira, poema de Fernando Assis Pacheco

Sapateia

Canção popular açoriana

A Noite dos Poetas

Música de Adriano Correia de Oliveira, poema de A. Barahona da Fonseca


Arranjos de Rui Pato e Carlos Alberto Moniz
Acompanhamentos de Rui Pato, Tiago Velez, Raul Mendes e Adriano Correia de Oliveira.


                                                Ilustração do interior do LP da autoria de J. F. Bogalho

Como hei-de amar serenamente
Com tanto amigo na prisão
Deixar intacta a minha voz
Nos acidentes da ternura
Como hei-de estar sentado e calmo
Sentado e calmo com a minha amada

Não posso estar serenamente
Não posso amar serenamente
Os versos esmagam-se na boca


E fica mais amarga a minha boca
Não posso estar serenamente
Não posso amar serenamente


terça-feira, 22 de maio de 2018

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«ZAU ÉVUA (NORTE DE ANGOLA)
ABRIL-MAIO DE 1970 

O correio da guerra trouxe um livro. «Poesias Completas», de António Gedeão. «Para musicar. Um abraço. Cambezes». Quase automático. Gedeão é um dos poetas mais musicais (musicáveis) da língua portuguesa. E a sua poesia, minha velha amiga. Esses poemas, a angústia, o estar aqui, a viola, as noites, os estilhaços de um povo, o torniquete equatorial, a medicina artesanal, o resto, tudo tornaram fácil. Tão fácil, como sentir o arame farpado rasgando a pele dos sentidos. Tudo tomou, também, um repentino sentido. Não eram poemas isolados, mas uma história, o que estava ali escrito. E a história, e a poesia, eram demasiado belas para que a música as estragasse. Havia o Homem. Havia uma história. Havia um palco: a Vida. Eu daria apenas um pouco de música e um pouco de ordem. Mas, o importante, era o Homem. Mesmo à dimensão de uma rodela negra, num rodopio de 33 voltas por minuto.

Do início («numa qualquer manhã, um qualquer ser, / vindo de qualquer pai, / acorda e vai, / como se cumprisse um dever») até «vestidos de surrobeco / e acocorados no chão», vai um salto de 20 séculos. Um drama em tempo de LP. Um disco pensado alto. Este o esquema, o funil, o encurralar da ovelha. Sob uma macieira de plástico, o homem nascido-em-qualquer-parte diz donde vem e o que quer:

«Venho da terra assombrada
 do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém».

Mas avisa:

«Não há poder que me vença
 mesmo morto hei-de passar"»

Assim começa a fala do homem nascido. O pior é que o mundo não é o que devia ser. Há o desencanto do desencontro. O diálogo não passa de monólogo. As palavras são, apenas, sons. Para isto, mais vale «morrer atolado / na mais negra solidão». (A esta indiferença, a esta fácil aceitação da fatalidade, chamava Roger Vaillant, em «La Loi», «se portugalizer»). No entanto, nem tudo está, ainda, perdido. Acredita-se, mesmo por detrás da angústia, das contradições e de um quotidiano feito de misérias e esperanças, que «todo o tempo é de poesia». Há uma dinâmica permanente entre «bombas que deflagram / corolas que se desdobram / corpos que em sangue soçobram / vidas que a amar se consagram». O Homem acaba por ganhar o desafio, palmo a palmo, dia a dia, calo a calo: «Tenho sofrido poesia... / dói esta corda vibrante / a corda que o barco prende... / se vem onda que a levante / vem logo outra que a distende / não tem descanso jamais». Uma vitória adiada. Um volte-face do disco, um percurso do geral para o particular. Entramos em Portugal.

Todo um (saudável) culto do passado, construído sobre um saudosismo que ainda dói – «Poema da Malta das Naus» – é, a um tempo, homenagem, crítica e incitamento ao Homem Português de ontem e de hoje. O marinheiro quinhentista «moldou as chaves do mundo», mas toda essa epopeia teve (e tem) o seu preço, o preço trágico de uma «lágrima de preta». Este o drama dos descendentes da malta das naus: a ciência diz-lhes que a lágrima não tem «nem sinais de negro / nem vestígios de ódio». Mas... e daí? De que vale a ciência da análise, se o Homem Nascido não está preparado para a aceitar? Bastará a ciência ao Homem para que ele se humanize? Filipe II (que aqui se cognomina de Manuel I) tinha tudo, tudo! «Mas o que ele não tinha / era um fecho éclair». É isto que dói ao Homem Nascido: o não ter coisas tão aparentemente simples e possíveis como um fecho éclair. Jamais a felicidade completa. Sobretudo por ser conseguida à custa da felicidade dos outros. «Lágrima de Preta» é o primeiro poema que, no disco, se dirige à mulher.

A Mulher Portuguesa, mulher em vias de desenvolvimento, é hoje, talvez, o exemplo recente de uma nova forma de alienação. Ao fazer-se uma (demagógica) promoção da mulher, inaugura-se um moderno processo de a escravizar: a escravidão pelo trabalho desumanizado. E escravidão não só à dimensão da sociedade, mas na intimidade da sua própria vida (trabalho, casa, filhos, marido, trabalho... um ciclo vicioso infernal que uma vez iniciado não pode parar). «Calçada de Carriche» é um hino à escravidão da mulher-mártir, frágil máquina suburbana que o quotidiano da cidade suga. Mulher, máquina, máquina, que o vertiginoso e breve amor dos domingos evade para as auto-estradas, na doce ilusão de o novo mundo dos sentidos não ter segundas-feiras...
A evasão dá-se. «Leonor, Leonoreta, fuge, fuge, vai na asa de lambreta» , com o único rumo de fugir a si própria, numa ilusória felicidade, fugaz como a paisagem que a lambreta rasga.

O cerco aperta-se. O Homem torna-se cada vez mais circunscrito. De um trilião de homens passa-se para o grupo e, finalmente, para o indivíduo, para o homem concreto, com nome, residência e tudo. «Álvaro Góis / Rui Mamede / filhos de António Brandão / naturais de Cantanhede...». Eles vivem, existem, são. Em Braga ou em Olhão, no Alentejo ou na guerra, eles lá estão! «Vivos», «vestidos de surrobeco» e «acocorados no chão», eles estão em toda a parte. No chão, mas ainda vivos... Eis a "Fala do Homem Nascido"!
ELE nasceu numa qualquer manhã e não há poder que o vença. Mesmo morto há-de passar!

Lisboa, Novembro de 1972.

Dois anos e meio passados, o disco fez-se.

No caminho ficaram muitas ideias, entre as quais o entusiasmo de amigos como o Rui Ressureição e o Manolo Diaz, que, comigo em África, quiseram esperar por mim. Como muitas vezes acontece, novas oluções surgiram, entre as quais a que o talento e a inteligência  de José Calvário trouxeram a todo este trabalho.
Que António Gedeão me desculpe algumas amputações que fiz aos seus poemas, determinados por razões musicais.

Que, dos erros que houver, me ataquem a mim.

P.S. – Para o Eduardo Cambezes;
           Para ouvir. Um abraço. Niza.»

AO TODO SÃO TRINTA


Foram trinta, como vos disse, os discos que fui reunindo com poemas meus, cantados, e com diferentes músicos e cantores. Depois do de Manuel Freire, o mais conhecido foi o de José Niza, deputado da nação e também músico. É um disco de grande formato, só com poemas meus, ao todo onze. José Niza estava na guerra de África, no norte de Angola, quando o correio lhe fez chegar as “Poesias Completas”. Foi essa a origem do disco, conforme o próprio conta e vem impresso na respectiva capa. Obrigado.
Luís Cília, músico e cantor, publicou em Paris, um disco de grande formato, intitulado 2La pésie portugaise de nos jours et de toujours”, com dois poemas do vosso tetravô: a “Fala do Homem nascido” (“Voix de l’homme né”) e “Dez reis de esperança” (“Deux sous d’espoir”), em 1972. Além destes contém poemas de outros autores, portugueses também.
E muitos mais discos se publicaram, um deles de um cantor célebre na época, entre nós, o Adriano Correia de Oliveira, de quem tenho três discos com poemas meus e de outros autores.
E etc. Ao todo são trinta.

Rómulo de Carvalho em Memórias

quinta-feira, 12 de março de 2015

DESTA VEZ É QUE É DE VEZ


Transformada, a partir do 25 de Abril, em Hino do M.F.A, A Life on the Ocean Wave, passou a ouvir-se, com mais frequência, a partir dos acontecimentos do 11 de Março.
Comunicados, notícias e outros programas eram antecedidos com esta marcha da autoria de Henry Russell.


Posteriormente, José Niza fez a letra da marcha.
Chamou-lhe Desta Vez é que é de Vez.
José Niza já tinha sido o autor de E Depois do Adeus, canção interpretada por Paulo de Carvalho, concorrente ao Festival da Eurovisão de 1974 e escolhida como primeira senha do 25 de Abril-
O disco, etiqueta Orfeu não refere quem interpreta esta versão cantada em português.
Apenas a indicação do autor da letra e que os arranjos e Direcção Musical são de Shegundo Galarza.

O  povo é quem mais ordena
O povo é quem mais trabalha
Desta vez, é que é de vez
Agora é que já não falha

Socialismo português
Revolução num país novo
Liberdade para viver
Pelo pão, pela paz, pelo povo

Vamos todos trabalhar
Vamos todos sem excepção
Cantar! Viver! Lutar!
E fazer a revolução

No mês de Abril
Vencemos nós
E agora todo o mundo
Vai ouvir a nossa voz!

No mês de Maio
O sol virá
A vitória em Portugal
É do povo e do MFA



sexta-feira, 23 de setembro de 2011

JOSÉ NIZA (1938-2011)

´
Morreu hoje o músico, compositor e produtor musical, José Niza. Tinha 73 anos
Autor  de muitas das canções de Paulo de Carvalho, Carlos do Carmo, Carlos Mendes, Duarte Mendes, Teresa Silva Carvalho, Vitorino, Fausto e Rui Veloso. Em 1972, em conjunto com José Calvário e Carlos Mendes, ganhou o Festival RTP da Canção com o tema "A Festa da Vida", proeza que voltaria a repetir no Festival da Canção em 1974, 1976 e 1987.

A música “E Depois do Adeus”, interpretada por Paulo Carvalho, e que ficou para a história como uma das senhas musicais do Movimento das Forças Armadas no 25 de Abril, também é de sua autoria.
No início dos anos 70, como, responsável da editora Orfeu, colocou no mercado discos, entre outros, de Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, Sérgio Godinho, Vitorino, Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Manuel Freire, Carlos Mendes e Samuel.
Musicou poemas de António Gedeão, que deram lugar a um disco de referência da música portuguesa: “Fala do Homem Nascido”.

domingo, 22 de maio de 2011

COMO NASCEU UM DISCO


Esta é a capa do LP ”Fala do Homem Nascido”, etiquete “Orfeu”, edição de Arnaldo Trindade & Cª., Lda, Porto. Novembro 1972.
Um belíssimo disco da música portuguesa, um disco de referência.

Poemas de António Gedeão
Músicas de José Niza
Interpretações de Tonicha, Samuel, Carlos Mendes, Duarte Mendes.
Arranjos e Direcção de Orquestra de José Calvário
Gravação de orquestra nos estúdios Celada (Madrid) por Pepe Fernandez, Enrique Rielo e Vinader.
Gravação de vozes nos estúdios Polyson (Lisboa)
Produção de José Niza
Arranjo gráfico de Beatriz Morais Alçada
Fotografias de Álvaro João

José Niza conta:

“Zau Évua (Norte de Angola).
Abril-Maio de 1970.

O correio da guerra trouxe um livro. "Poesias Completas", de António Gedeão. "Para musicar. Um abraço. Cambezes". Quase automático. Gedeão é um dos poetas mais musicais (musicáveis) da língua portuguesa. E a sua poesia, minha velha amiga. Esses poemas, a angústia, o estar aqui, a viola, as noites, os estilhaços de um povo, o torniquete equatorial, a medicina artesanal, o resto, tudo tornaram fácil. Tão fácil, como sentir o arame farpado rasgando a pele dos sentidos. Tudo tomou, também, um repentino sentido. Não eram poemas isolados, mas uma história, o que estava ali escrito. E a história, e a poesia, eram demasiado belas para que a música as estragasse. Havia o Homem. Havia uma história. Havia um palco: a Vida. Eu daria apenas um pouco de música e um pouco de ordem. Mas, o importante, era o Homem. Mesmo à dimensão de uma rodela negra, num rodopio de 33 voltas por minuto.

Do início ("numa qualquer manhã, um qualquer ser, / vindo de qualquer pai, / acorda e vai, / como se cumprisse um dever") até "vestidos de surrobeco / e acocorados no chão", vai um salto de 20 séculos. Um drama em tempo de LP. Um disco pensado alto. Este o esquema, o funil, o encurralar da ovelha. Sob uma macieira de plástico, o homem nascido-em-qualquer-parte diz donde vem e o que quer:

"Venho da terra assombrada
 do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém".
Mas avisa:

"Não há poder que me vença
 mesmo morto hei-de passar".

Assim começa a fala do homem nascido. O pior é que o mundo não é o que devia ser. Há o desencanto do desencontro. O diálogo não passa de monólogo. As palavras são, apenas, sons. Para isto, mais vale "morrer atolado / na mais negra solidão". (A esta indiferença, a esta fácil aceitação da fatalidade, chamava Roger Vaillant, em "La Loi", "se portugalizer"). No entanto, nem tudo está, ainda, perdido. Acredita-se, mesmo por detrás da angústia, das contradições e de um quotidiano feito de misérias e esperanças, que "todo o tempo é de poesia". Há uma dinâmica permanente entre "bombas que deflagram / corolas que se desdobram / corpos que em sangue soçobram / vidas que a amar se consagram". O Homem acaba por ganhar o desafio, palmo a palmo, dia a dia, calo a calo: "Tenho sofrido poesia... / dói esta corda vibrante / a corda que o barco prende... / se vem onda que a levante / vem logo outra que a distende / não tem descanso jamais". Uma vitória adiada. Um volte-face do disco, um percurso do geral para o particular. Entramos em Portugal.

Todo um (saudável) culto do passado, construído sobre um saudosismo que ainda dói – "Poema da Malta das Naus" – é, a um tempo, homenagem, crítica e incitamento ao Homem Português de ontem e de hoje. O marinheiro quinhentista "moldou as chaves do mundo", mas toda essa epopeia teve (e tem) o seu preço, o preço trágico de uma "lágrima de preta". Este o drama dos descendentes da malta das naus: a ciência diz-lhes que a lágrima não tem "nem sinais de negro / nem vestígios de ódio". Mas... e daí? De que vale a ciência da análise, se o Homem Nascido não está preparado para a aceitar? Bastará a ciência ao Homem para que ele se humanize? Filipe II (que aqui se cognomina de Manuel I) tinha tudo, tudo! "Mas o que ele não tinha / era um fecho éclair". É isto que dói ao Homem Nascido: o não ter coisas tão aparentemente simples e possíveis como um fecho éclair. Jamais a felicidade completa. Sobretudo por ser conseguida à custa da felicidade dos outros. "Lágrima de Preta" é o primeiro poema que, no disco, se dirige à mulher.

A Mulher Portuguesa, mulher em vias de desenvolvimento, é hoje, talvez, o exemplo recente de uma nova forma de alienação. Ao fazer-se uma (demagógica) promoção da mulher, inaugura-se um moderno processo de a escravizar: a escravidão pelo trabalho desumanizado. E escravidão não só à dimensão da sociedade, mas na intimidade da sua própria vida (trabalho, casa, filhos, marido, trabalho... um ciclo vicioso infernal que uma vez iniciado não pode parar). "Calçada de Carriche" é um hino à escravidão da mulher-mártir, frágil máquina suburbana que o quotidiano da cidade suga. Mulher, máquina, máquina, que o vertiginoso e breve amor dos domingos evade para as auto-estradas, na doce ilusão de o novo mundo dos sentidos não ter segundas-feiras...
A evasão dá-se. "Leonor, Leonoreta, fuge, fuge, vai na asa de lambreta", com o único rumo de fugir a si própria, numa ilusória felicidade, fugaz como a paisagem que a lambreta rasga.



O cerco aperta-se. O Homem torna-se cada vez mais circunscrito. De um trilião de homens passa-se para o grupo e, finalmente, para o indivíduo, para o homem concreto, com nome, residência e tudo. "Álvaro Góis / Rui Mamede / filhos de António Brandão / naturais de Cantanhede...". Eles vivem, existem, são. Em Braga ou em Olhão, no Alentejo ou na guerra, eles lá estão! "Vivos", "vestidos de surrobeco" e "acocorados no chão", eles estão em toda a parte. No chão, mas ainda vivos... Eis a "Fala do Homem Nascido"!
ELE nasceu numa qualquer manhã e não há poder que o vença. Mesmo morto há-de passar!

Lisboa, Novembro de 1972.

Dois anos e meio passados, o disco fez-se.

No caminho ficaram muitas ideias, entre as quais o entusiasmo de amigos como o Rui Ressureição e o Manolo Diaz, que, comigo em África, quiseram esperar por mim. Como muitas vezes acontece, novas oluções surgiram, entre as quais a que o talento e a inteligência  de José Calvário trouxeram a todo este trabalho.
Que António Gedeão me desculpe algumas amputações que fiz aos seus poemas, determinados por razões musicais

Que, dos erros que houver, me ataquem a mim.

P.S. – Para o Eduardo Cambezes;
           Para ouvir. Um abraço. Niza.”

sexta-feira, 2 de abril de 2010

FALA DO HOMEM NASCIDO

ORFEU STAT 013

Poemas de António Gedeão
Músicas de José Niza
Orquestração José Calvário
Arranjo gráfico Beatriz Morais Alçada
Fotografias Álvaro João
Editado em 1972

Lado 1
Estrela da Manhã – Carlos Mendes, Duarte Mendes, Samuel e Tonicha
Fala do Homem Nascido – Samuel
Desencontro – Samuel e Tonicha
Tempo de Poesia – Duarte Mendes
Vidro Côncavo – Carlos Mendes, Duarte Mendes, Samuel e Tonicha

Lado 2
Poema da Malta das Naus – Samuel
Lágrima de Preta – Duarte Mendes
Poema do Fecho Éclair – Carlos Mendes
Poema da Auto-Estrada – Tonicha
Poema de Pedra Lioz – Samuel

Pelo ano de 1969, José Niza encontrava-se em Zaú Évua, no norte de Angola, a cumprir serviço militar. O correio da guerra levara-lhe um livro, “Poemas Completos”, de António Gedeão, e um recado: “para musicar”.De poemas, aparentemente soltos, resultou “Fala do Homem Nascido”, um dos mais belos discos da música portuguesa.

Fala do Homem Nascido

Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.
Quero eu e a Natureza
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.
Com licença! Com licença
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.