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quarta-feira, 22 de maio de 2024

OLHAR AS CAPAS


Caminhos Para uma Revolução

Jacinto Baptista

Capa: José Cândido

Colecção: Documentos de Todos os Tempos

Livraria Bertrand, Lisboa, Abril de 1975  

Assim, Salazar, dado como morto ressuscita.

Um repórter do Diário Popular falou esta manhã, na Casa de Saúde da Cruz Vermelha, onde Salazar está hospitalizado, com o Prof. Bissaia Barreto, que diariamente visita o enfermo. E começou por recolher esta declaração:

- O Senhor Presidente dormiu muito bem, passou uma noite muito calma, com um sono reparador. De manhã, o seu espírito encontrava-se desanuviado. Conhece as pessoas que entram no seu quarto, profere o nome das pessoas conhecidas, a sua memória responde mesmo à evocação de factos passados.

O repórter pergunta depois ao Prof. Bissaia Barreto se esta recuperação permitia manter esperanças de ser dada alta, em breve, a Salazar. Respondeu (fé inabalável):

- Tenho a certeza de que pode ainda levar uma vida normal e escolher o seu próprio modo de vida. Tenho a certeza. O tempo não interessa em casos destes. O que interessa é que ele regresse à vida.

Mais tarde, em entrevista à Televisão, simultaneamente recolhida pelos jornais, Bissaia Barreto declarava:

- O Senhor Presidente estará, em breve, em condições de se ocupara da sua vida pessoal e da vida que interessa à Nação.

A Censura, desconcertada, inquieta, resolve suprimir, nesta frase, as palavras e da vida que interessa à Nação, que não leremos no jornal e todavia ouviremos à noite no telejornal. E a Televisão que, pelos vistos, aposta na ressurreição de Salazar, vai mais longe, citando o Prof. Eduardo Coelho como tendo declarado que se esperava, no enfermo, uma recuperação psíquica da ordem dos oitenta a noventa por cento, motora de sessenta a setenta por cento. E Como Salazar, segundo Eduardo Coelho, tinha uma cabeça que valia por seis cabeças normais, mesmo que só recuperasse um sexto, ainda ficaria bem.

sábado, 1 de agosto de 2020

ANTOLOGIA DO CAIS


Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram sendo publicados.

ATIRAVA-SE PARA CIMA DAS CADEIRAS


O dia 3 de Agosto de 1968 acordou radioso de sol brilhante.

 Salazar passava um curto período de férias no forte de Santo António no Estoril.

Nessa manhã, o calista Hilário preparava-se para fazer o seu trabalho e Salazar, com o Diário de Notícias na mão, sentou-se numa cadeira de lona.

 Acabou por cair e bater com a cabeça nas pedras da esplanada do Forte.

 A governanta Maria de Jesus, e o calista logo acorreram para o ajudarem a levantar-se e Salazar pede que nada digam sobre a queda e que não chamem o médico.

 São variadas as versões sobre a queda de Salazar.

 Desequilíbrio?

 Descuido?

 A cadeira, por debilidade da armação de madeira ou da própria lona, não se encontrava nas melhores condições?

 A versão de Manuel Marques, barbeiro de Salazar:

 Tinha a mania de se sentar atirando-se para cima das cadeiras, dizem os seus próximos, opinião corroborada por diversos médicos que explicam que, aos 79 anos, e com uma vida sedentária como era a sua, por falta de musculatura nas pernas, teria tendência de se sentar num movimento de quem se deixa cair.

 Mas há fontes que rezam que nem cadeira havia e apenas aconteceu uma  daquelas  macacoas, a que qualquer homem, perto dos 80 anos, está sujeito.

 Mais: que o episódio ocorreu a 5 e não a 3 de Agosto.

 Com ou sem cadeira, a 3 ou 5 de Agosto o importante é que a queda de uma cadeira faz com que a vida de um país começasse a mudar.

 José Saramago, no seu livro Objecto Quase, descreve maravilhosamente este episódio da História portuguesa. Chamou-lhe Cadeira e, se ainda não conhecem o conto, podem lê-lo aqui.

Nas suas Memórias Rómulo de Carvalho relata  aos filhos dos netos dos meus netos, a queda do ditador Oliveira Salazar:

 Costumava o nosso homem, para descansar o corpo, e especialmente o cérebro, do assédio das preocupações da governação, sentar-se, olhando o mar, no isolamento pastosos de uma esplanada do forte de Santo António do Estoril, situado na linha das praias, a pouca distância de Lisboa. Aí, só, irremediavelmente só, aconchegava-se na cadeira de repouso, cerrava as pálpebras e dormitava na paz do Senhor, embalado pelo sussurro das águas.

Numa tarde de Agosto de 1968, Salazar, já com os seus setenta e nove anos, dirigiu seus passos lentos para a sua cadeira de descanso. Sentia-se cansado, certamente, e desejoso de abandonar o corpo àquele seu habitual conforto. Descuidadamente, com o à vontade de quem está só, Salazar deixou cair o corpo em peso sobre a cadeira. Foi um momento histórico. A cadeira estalou, partiu-se, desconjuntou-se e estatelou o corpo do ditador no lajedo do forte, enquanto as águas do Tejo, mansamente, se alongavam nas areias da praia sussurrando.

Texto publicado no dia 3 de Agosto de 2013.

Legenda: fotografia, datada de 1962, da autoria de Eduardo Gageiro.

sábado, 5 de outubro de 2019

RELACIONADOS


Prestava serviço militar obrigatório no Regimento de Infantaria nº 5 nas Caldas da Raínha e, por esse motivo, uma qualquer entidade recensearam-me nessa cidade.

Se fossemos votar, tinham-nos avisado de que os nossos votos seriam rigorosamente vigiados.

Decidimos na mesma ir votar em força na Oposição Democrática.

Sabíamos da inutilidade dos nossos votos, mas isso era uma outra história.

Se nas sessões de instrução nocturna fazíamos, em lugar das balelas militares, a leitura de poemas de A Praça da Canção de Manuel Alegre, aquele domingo não era tempo de assobiar para o lado.

Ainda na noite das eleições, o comandante da unidade foi informado da expressão do voto dos milicianos na CDE. O número (cerca de 80) permitiu que não houvesse graves consequências. Quem daria instrução no dia seguinte?

Mas, obviamente, a PIDE ficou a saber das nossas opções políticas.

Copio da Wikipédia:

«As eleições legislativas portuguesas de 1969 foram as primeiras realizadas após a saída de António de Oliveira Salazar da Presidência do Conselho. Decorreram num clima de aparente abertura política, designado por Primavera Marcelista. Realizaram-se no dia 26 de Outubro, tendo concorrido quatro listas: União Nacional ("Lista A"), Comissão Eleitoral de Unidade Democrática ("Lista B"), Comissão Democrática Eleitoral("Lista D") e Comissão Eleitoral Monárquica ("Lista C"). A União Nacional elegeu a totalidade dos 130 deputados, obtendo 980 mil votos. As listas oposicionistas obtiveram somente 133 mil, não conseguindo , no quadro do sistema eleitoral maioritário e plurinominal, eleger qualquer deputado para a Assembleia Nacional.»

Para que a farsa dessas eleições fosse completa, Salazar, em estado vegetal. foi votar. 

Na fotografia que encima o texto, Salazar encontra-se ladeado por uma enfermeira e pela governanta Maria.

As eleições realizaram-se no dia 26 de Outubro de 1969 e no dia 24 Marcelo Caetano dirigira-se à Nação.

São estas as palavras finais da comunicação:


Ficam os títulos dos jornais no dia seguinte às eleições:

Diário de Notícias:

«O Primeiro Grande Resultado da Eleição de Ontem: Vitória do Civismo.

Afluência record e ordem completa.

A Oposição Não Conseguiu Vencer em Nenhum dos Círculos em que se Apresentou e a Assembleia Nacional Será Constituída pelos Deputados que Eram da União Nacional.»

O Século:

»A Expressiva Vontade da Nação: «Sim» ao Prof. Marcelo Caetano.»

Diário da Manhã:

Esmagadora Vitória da Nação Sobre as oposições Ditas Democráticas.

Em números toscos refere-se que, da população maior, em cada 1000, 700 não estavam recenseados; dos 300 recenseados, 115 abstiveram-se, 162 votaram pela União Nacional e 22 pela Oposição Democrática.

Recorde-se, que Mário Soares realizou o seu primeiro acto público de divisionismo constituindo a CEUD contra a CDE.

A ditadura apreciou o sinal. 

Não que os votos da CEUD, juntamente com os da CDE, servissem para eleger um deputado, os dados estavam antecipadamente viciados, mas, como diria o outro, «não havia necessidade!»

Outras histórias!

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

QUE ADMIRÁVEL TEMA PARA O RAUL BRANDÃO


27 de Setembro de 1969

Estive ontem em casa do Fafe que me falou de uma entrevista recente concedida pelo Salazar a um jornal parisiense (L’Aurore). Anda por aí de mão em mão em fotocópias.
Da leitura dessa entrevista conclui-se que o ex-ditador está convencido de que continua a ser Presidente do Conselho!
Que admirável tema para o Raul Brandão!... O Salazar hemiplégico, meio tonto e zaranza, a mandar em coisa nenhuma no meio de fantasmas que se reúnem em casa do Presidente em Conselhos de Ministros espectrais.

José Gomes Ferreira em Livro das Insónias Sem Mestre VIII volume dos Dias Comuns.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

OLHAR AS CAPAS


Música, Minha Companheira Desde Os Ouvidos da Infância

José Gomes Ferreira
Recolha e Selecção de Raúl Hestnes Ferreira e Romeu pinto da Silva
Campo das Letras, Porto Outubro de 2003

O João José resolveu, há dias, ir ao Valentim de Carvalho, comprar as Flores da Música. E quem havia ele de r lá? O Bissaia Barreto que o João conhece desde criança. Estava a comprar discos da Amália Rodrigues. Fadinhos. Dar de beber à dor.
Ficou um pouco atarantado e desculpou-se:
Estou a escolher discos para um doentinho.
O João José supôs logo que seriam para o Salazar, mas disfarçou:
É para algum doente seu em Coimbra, não?
O Bibi decidiu então pôr as cartas na mesa. E abriu-se todo:
- Tu bem sabes para quem são. São para “ele”.
Mas não resistiu a acrescentar como vaga desculpa:
- Bem, não são bem para ele. Mas para as enfermeiras. Para desanuviar o ambiente – coitadas!

domingo, 26 de outubro de 2014

AINDA A GRANDE FARSA


Tempo de voltarmos a mais um episódio da grande farsa que foram os últimos anos de Salazar.

O anterior episódio verificou-se pelos 80 anos do ditador.

A 26 de Outubro de 1969 realizava-se a eleição de deputados para a Assembleia Nacional.

Marcelo Caetano, a 24, através da Rádio e Televisão dirige-se ao país.


São estas as palavras finais da comunicação:


A encenação montada à volta de um Salazar moribundo, chegou ao ponto de o levarem a depositar o seu voto na urna.

A fotografia acima mostra Salazar no carro que o levará à assembleia de voto.

No mesmo banco do carro, uma enfermeira e a governanta Maria.


O Notícias de Portugal reproduz uma outra fotografia com a legenda:

O Presidente Salazar também votou.

Ficam os títulos dos jornais no dia seguinte às eleições:

Diário de Notícias:

O Primeiro Grande Resultado da Eleição de Ontem:

Vitória do Civismo.

Afluência record e ordem Completa.

A Oposição Não Consegui Vencer em Nenhum dos Círculos em que se Apresentou e a Assembleia Nacional Será Constituída pelos Deputados que Eram da União Nacional.

O Século:

A Expressiva Vontade da Nação:

«Sim» ao Prof. Marcelo Caetano

Diário da Manhã:

Esmagadora Vitória da Nação Sobre as oposições Ditas Democráticas.

Legenda:

a    Fotografia retirada da Vida Mundial, nº 1625 de 31 de Julho de 1970
b       Fotografia retirada do Notícias de Portugal nº 1174 de 1 de Novembro de 1969. 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

COM OS QUAIS CONVERSA NORMALMENTE


Notícia da grande farsa: o presidente Salazar continua a receber alguns dos seus amigos mais íntimos, com os quais conversa normalmente.

Fonte: Notícias de Portugal nº 1138, 22 de Fevereiro de 1969

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

REGRESSO A CASA


5 de Fevereiro de 1969

Ao fim de cinco meses de convalescença, Salazar deixa a Casa de Saúde da Cruz Vermelha e regressa à sua residência, na Rua da Imprensa, à Estrela.

Aguardando a chega de Salazar, encontravam-se á porta da residência, Gonçalves Rapazote, Ministro do Interior, Silva Pais, director da PIDE, Maria de Jesus Caetano, a fiel governanta.

Vai começar a grande farsa.

Os ultras sempre deixaram de transparecer, interna e externamente, que Salazar continuava a dirigir os destinos da nação.

Não se sabe o que ia na cabeça de Salazar.

Sabe-se que, pelo menos, deu uma entrevista ao jornal da direita francesa, L’Aurore, onde discorreu sobre o presente e o futuro do país.

Não tenho ideia de os jornais portugueses terem reproduzido a entrevista, nem quaisquer excertos, O Notícias de Portugal nunca a refere, tão pouco se sabe quem autorizou que Salazar ficasse a sós com um jornalista estrangeiro para as perguntas que muito bem entendeu fazer.



O recorte é um relato feito pela Agência France Press,  e reproduzido pelo Jornal do Brasil:


Legenda: fotografia, cortada pela Censura, mostrando Salazar a sair da Casa de Saúde da Cruz Vermelha.
Não foi possível identificar o autor/origem da fotografia. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

ALTA PROFICIÊNCIA


4 de Janeiro de 1969

A 27 de Dezembro, a equipa médica que assistia Salazar, na sua maior parte, foi substituída.

Um despacho do titular da pasta da Saúde assinalava que ultrapassada a fase aguda da doença, que entrou no período de cronicidade» louvava publicamente os dr. António Vasconcelos Marques, prof. Almeida Lima e dr. Miranda Rodrigues que tinham«terminado a sua valiosa actuação junto do Presidente Salazar.

Nos princípios do ano de 1969, em cerimónia efectuada no Palácio de Belém, Américo Tomás impôs as insígnias de grande oficial e de comendador da Ordem de Cristo, respectivamente, ao Dr. Vasconcelos Marques e Drª. Cristina Castro.

Américo Tomás antecedeu a imposição das insígnias, de improviso proferiu breves palavras.

O recorte é do Notícias de Portugal:

Fazia-o por entender ser seu dever distinguir duas pessoas que mostraram a sua alta proficiência pelos factos que ocorrerem e por uma dedicação sem limites, de que ele próprio Chefe de Estado, fora testemunha.
O sr. Presidente da República afirmou depois que por cinco vezes o Presidente Salazar pareceu ir deixar-nos, mas em todas elas os esforços da equipa clinica, com a resistência física do doente, permitiram vencer a morte.

Legenda: Aspecto da condecoração dos dois médicos, que se vêem à esquerda.


Fotografia e legenda do Notícias de Portugal nº 1132

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

PASSOS DA TAL MORTE ANUNCIADA


 2 de Janeiro de 1969

O Notícias de Portugal, a exemplo da Consoada, também nada diz de como o ditador passou o último dia do seu horrível ano, nem como começou o novo que, lhe trará uma constante de morte anunciada, mas sempre adiada e que só ocorrerá pelo Verão de 1970.

Do findar de 1968 escreve José Gomes Ferreira nos seus Dias Comuns:

Último dia do ano de 1968, tão importante na Vida Portuguesa, em virtude da queda de Salazar e da ascensão do Marcelo Caetano ainda bastante infirme no trono – dizem.
Pelo menos ele faz constar isso nos meios da Oposição aonde chegam lamentos deste género:
- Só tenho o apoio do Presidente da República. E não me admiraria que, em breve, começassem a prender, não só os oposicionistas, mas até os meus colaboradores.
Por outro lado, sabe-se que os chamados «ultras» não perderam as esperanças de baldear o Marcelo a quem consideram traidor. O último Agora, como não pode desfeiteá-lo cara a cara, ataca o Mello e Castro, Presidente da União Nacional, pertencente à esquerda (?) do Regime.

De resto a mesma notícia que há meses tem vindo a ser repetida: estado de saúde com melhoras assinaláveis, inúmeras visitas que as altas figuras do regime, diariamente, ou quase, vão fazendo, as missas que um pouco por todo o país se vão realizando pelas melhoras de sua excelência.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O SENHOR PRESIDENTE PERGUNTA


26 de Dezembro de 1968

O Notícias de Portugal, boletim semanal do Secretariado Nacional da Informação, principal fonte desta pesquisa que tem vindo a ser feita sobre os dias do lento estertor de Salazar, na sua edição de 28 de Dezembro, não dá conta aos portugueses de como o ditador passou a Consoada na Casa de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa.

Sobre a doença, apenas esta notícia onde, como sempre se fala das melhoras que o doente vai registando, das inúmeras visitas que as altas figuras do regime, diariamente, ou quase, vão fazendo, das missas que um pouco por todo o país se vão realizando pelas melhoras de sua excelência.

Aliás sobre os Natais – e não só! - de Salazar pouco se sabe: se comia o tradicional bacalhau com couves, as rabanadas, o que quer que  fosse.

Há a lacónica informação que, no Dia de Natal, jantava com o Cardeal Cerejeira.

Mas esses jantares, ano após ano, foram-se desconjuntando.

Salazar queria que a Igreja apoiasse, ainda mais, o regime mas, Cerejeira, pressionado por alguns padres e porgrupos de católicos progressistas, viu-se forçado a dizer, ou a dar a entender, que dera muito e mais não era possível.

Sentados em cada topo da mesa, não falavam um com o outro e era a governanta Dona Maria que fazia as pontes do diálogo:

- O Sr. Presidente pergunta se o Sr. Cardeal quer mais um calicezinho de Vinho do Porto…

sábado, 21 de dezembro de 2013

CONTINUAM AS MISSAS


21 de Dezembro de 1968

Aproxima-se o findar do ano.

Um ano que viu Salazar cair de uma cadeira, que obrigou a uma complicada intervenção cirúrgica e, dadas incapacidades várias, ser substituído por Marcelo Caetano.

O Notícias de Portugal dá conta que o Palácio Nacional de Queluz voltou a ser cenário da já tradicional cerimónia de apresentação de cumprimentos de Natal, dos membros do Corpo Diplomático ao Chefe do estado, em que, mais uma vez, se trocaram mensagens de paz e prosperidade para o Ano Novo.

Inúmeras pessoas de todas as categorias sociais continuam a inscrever-se no livro de cumprimentos ao Presidente Salazar.

Quase diariamente o Chefe de Estado, acompanhado de sua filha D. Natália Thomaz, outras individualidades do regime, deslocam-se à Casa de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa, para saber da evolução do estado de saúde do ilustre enfermo.

Por todo o país, continuam a celebrar-se missas por intenção do pronto restabelecimento de Salazar.

Começam a circular rumores de que está para breve a transferência de Salazar para a sua residência de S. Bento, transferência, por enquanto, condicionada a obras de beneficiação nos aposentos que habitualmente ocupa.

Recorrendo a Jacinto Baptista, nos seus Caminhos Para Uma Revolução, pode ler-se:

Salazar, segundo notícia autorizada pela Censura, já não é assistido pela equipa do Dr. Vasconcelos Marques – informou o Prof. Eduardo Coelho.
Este passo, porém é cortado:
«-Já não está? Evidentemente que já não está. Isso acabou. Fui eu que o chamei para operar o doente, não é verdade? Agora ele vai lá para baixo e já está entregue ao médico assistente, que sou eu…»
E está-lhe entregue, acrescente-se, com autorização de Américo Tomás.


Legenda: Fotografia do Notícias de Portugal nº 1130.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

PARA SER VIVIDO E PRATICADO PELO PAÍS INTEIRO


11 de Novembro de 1968

Marcelo Caetano prossegue o seu caminho como Presidente do Conselho.

Falando aos delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, no Ministério das Corporações, Marcelo afirma que o corporativismo tem de ser vivido e praticado pelo país inteiro, garante da política social do governo.

Neste dia é publicado mais um boletim clínico sobre o estado de saúde de Salazar:


Para além das visitas dos homens do regime pela Casa de Saúde da Cruz Vermelha, mais as missas que continuam a celebrar-se, tanto na Mãe-Pátria, como no Ultramar, acresce uma expressiva lembrança dos portugueses de Angola, sendo portadora a Srª D. Cecília Supico Pinto, presidente do Movimento Nacional Feminino. Trata-se de um lindo ramo de rosas «porcelana», variedade exótica das regiões tropicais, muito do agrado do Presidente Salazar, que já por várias vezes recebera presente semelhante.

Legenda: Marcelo Caetano discursando no Ministério das Corporações.
Fotografia e factos retirados do Notícias de Portugal nº 1124.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

A CAIR NO CAMPO DA ANEDOTA


29 de Outubro de 1968.

A doença de Salazar começa a entrar na rotina mais rotineira e a cair no campo da anedota.

O Notícias de Portugal, semanalmente, vai fazendo o resumo da evolução da doença, nunca deixando de realçar que continuam a rezar-se missas por todo o país pelas melhoras de Sua Excelência e que o Chefe de Estado continua a visitar o doente com regularidade.

Segundo O Séculoo sr. Prof. Bissaia Barreto informou os jornalistas que o Sr. Prof. Oliveira Salazar «já se encontra a dieta sintética e aproxima-se, agora, da dieta habitual. Nessa dieta só toma produtos portugueses.»

Augusto Abelaira soube, através de uma sobrinha de Marcello Caetano, que ele anda mais preocupado com os «ultras» de que com a Oposição.

José Gomes Ferreira não deixa de comentar: o que é vexatório para nós.

Anda José Gomes Ferreira:

Enquanto Cazal-Ribeiro, da Direcção da União Nacional, da Legião Portuguesa e da Cidla, diz a quem o quer ouvir nos comícios diários:
- Esse comunista anda a dar cabo da obra de Salazar!
O «comunista» é o Marcelo!, o «Endireita da Esperança» - como também já lhe chamam esses pobres portugueses que só sabem contar anedotas e inventara apodos…

Finalize-se, hoje, este passear pelo tempo com um trecho de Caminhos Para uma Revolução de Jacinto Baptista (1) que, conjuntamente com os Dias Comuns de José Gomes Ferreira e o Notícias de Portugal, constituem a base de trabalho destas evocações:

Assim, Salazar, dado como morto ressuscita.
Um repórter do Diário Popular falou esta manhã, na Casa de Saúde da Cruz Vermelha, onde Salazar está hospitalizado, com o Prof. Bissaia Barreto, que diariamente visita o enfermo. E começou por recolher esta declaração:

- O Senhor Presidente dormiu muito bem, passou uma noite muito calma, com um sono reparador. De manhã, o seu espírito encontrava-se desanuviado. Conhece as pessoas que entram no seu quarto, profere o nome das pessoas conhecidas, a sua memória responde mesmo à evocação de factos passados.

O repórter pergunta depois ao Prof. Bissaia Barreto se esta recuperação permitia manter esperanças de ser dada alta, em breve, a Salazar. Respondeu (fé inabalável):

- Tenho a certeza de que pode ainda levar uma vida normal e escolher o seu próprio modo de vida. Tenho a certeza. O tempo não interessa em casos destes. O que interessa é que ele regresse à vida.

Mais tarde, em entrevista à Televisão, simultaneamente recolhida pelos jornais, Bissaia Barreto declarava:

- O Senhor Presidente estará, em breve, em condições de se ocupara da sua vida pessoal e da vida que interessa à Nação.

A Censura, desconcertada, inquieta, resolve suprimir, nesta frase, as palavras e da vida que interessa à Nação, que não leremos no jornal e todavia ouviremos à noite no telejornal. E a Televisão que, pelos vistos, aposta na ressurreição de Salazar, vai mais longe, citando o Prof. Eduardo Coelho como tendo declarado que se esperava, no enfermo, uma recuperação psíquica da ordem dos oitenta a noventa por cento, motora de sessenta a setenta por cento. E Como Salazar, segundo Eduardo Coelho, tinha uma cabeça que valia por seis cabeças normais, mesmo que só recuperasse um sexto, ainda ficaria bem.


(1)   Caminhos para a Revolução, Jacinto Baptista,  Livraria Bertrand, Lisboa Abril de 1975.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

EU SOU A MEMÓRIA


24 de Outubro de 1968

Antevendo a morte de Salazar os jornais, para registarem a ocorrência, prepararam edições especiais. Os jornais ainda se compunham a «chumbo».

Contudo, nem o pai morria nem a gente almoçava e as notícias sobre o estado de saúde de Salazar começaram a ser remetidas para as páginas interiores.

Aos poucos, os «chumbos» foram descendo para a caldeira.

Aqui se transcreve o que o Notícias de Portugal , neste dia, dedicava ao estado de saúde de Salazar:


Por estes tempos chegou a correr a notícia que um grupo de senhoras devotas queria arrancar dos médicos uma autorização para levarem Salazar a Fátima.

Entretanto os jornais iam publicando desenvolvidas notícias sobre a agenda diária da governação de Marcelo Caetano: recepções, visitas, discursos.

Nas conversas de café, Marcelo Caetano era considerado o administrador da falência.
José Gomes Ferreira, nos seus Dias Comuns, lançava um alerta aos historiadores futuros:

Não acrediteis nos jornais dos últimos 40 anos – dirigidos pela Censura. Nem nos documentos, na sua maioria falsos ou deturpados. (As regentes escolares – acreditai – eram e são recrutadas nas cridas de servir de baixíssima instrução. A Elisa, por exemplo, antiga criada da minha mãe, foi regente escolar e dá cada erro de ortografia!)
ACREDITAI EM MIM.
EU FUI TESTEMUNHA.
EU VIVI ESSES TEMPOS DE INFERNO E DE SILÊNCIO!
E U  S O U  A  M E M Ó R IA!

Legenda: O Presidente do Conselho, e o chanceler da Alemanha Federal Dr. Kurt Kiesinger, durante a recepção no Palácio de Queluz.
Fotografia e legenda do Notícias de Portugal nº 1122.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

UMA DITADURA DE AÇÚCAR


30 de Setembro de 1968.

Diariamente continuam a ser publicados boletins médicos dando conta do estado clínico de Salazar, terminando todos com a frase: O prognóstico continua grave.

Marcelo Caetano dá os primeiros passos na governação do país.

José Gomes Ferreira escreve por estes dias:

Preparemo-nos, pois, para gramar uma ditadura de açúcar – que acabará por nos enjoar a todos.

Regista também uma pergunta da filha de Augusto Abelaira:

- Ó Pai o Marcello foi para Salazar?

Augusto Abelaira que, em 1959, escreveu no seu livro A Cidade das Flores:

Quando morrer, comem-se uns aos outros, pai. Ele não tem um único discípulo de categoria, nem sequer soube criar discípulos com uma certa inteligência. Salvo um, talvez, mas ninguém no partido gosta dele. E seria ainda pior para nós, é mais esperto. Manteria o fascismo, mas disfarçando-o…

Legenda: O Chefe de Estado numa das suas visitas à Casa de Saúde
Fotografia e legenda do Notícias de Portugal nº 1117

sábado, 28 de setembro de 2013

REZANDO POR SALAZAR


28 de Setembro de 1968.

Os portugueses de todos os credos religiosos continuam a encher as igrejas do País rezando pelas melhoras de Salazar.

Notícias dos jornais apanhados ao acaso:

Na igreja de S. Domingos, em Lisboa, reuniram-se os membros da Junta Freguesia de Santa Justa, na missa mandada celebrar por aquele corpo administrativo pelas melhoras do Presidente do Conselho.

A Câmara Municipal e a Junta de Freguesia de Marvão mandaram rezar missas pelas melhoras do Prof. Oliveira Salazar.

Também na Casa de Trabalho Doutor Oliveira Salazar, em Bragança, têm sido celebradas, diariamente, missas na capela privativa, por intenção das melhoras do seu patrono desde o início da doença.

Voz corrente:

Quando Salazar sai de cena e tudo prossegue com Marcelo Caetano, pouco há a fazer.

Augusto Abelaira em Sem Tecto, Entre Ruínas:

Porque os Portugueses estão conformados, são fatalistas, ou melhor, desejam  que algo de novo aconteça, mas não acreditam que dependa deles.

Legenda: Os membros cessantes do Governo apresentaram cumprimentos ao Chefe do estado. Da esquerda para a direita: Dr. Paulo Rodrigues, Dr. Joaquim de Jesus Santos, Eng.º Machado Vaz, General Gomes de Araújo e Doutor Motta Veiga.


Fotografia e legenda do Notícias de Portugal nº 1118.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

EVOLUÇÃO NA CONTINUIDADE


 26 de Setembro de 1968.

Américo Tomás, às 21,30, pela televisão, com voz aos tropeços nos soluços, anuncia a exoneração de Oliveira Salazar, terminando a comunicação com a nomeação de Marcello Caetano, uma mera evolução da continuidade.

José Gomes Ferreira comentará nos seus Dias Comuns:

E assim o Carmona III nomeou o Salazar II.





 Miguel Torga no 11º volume do seu Diário:

Na História do mundo nada aconteceu, mas na de Portugal acabou um reinado, uma época – trágica, como se há-de ver -, uma maneira específica de governar, qualquer que seja a vontade do sucessor. Não existem heranças carismáticas. As circunstâncias, uma inteligência impassível, um certo sentido de grandeza pessoal, o conhecimento satânico do preço dos homens, a obstinação, o oportunismo, a ousadia, a crueldade e o desprezo podem num dado momento fazer do mais apagado indivíduo um chefe providencial. Mas quando o ídolo, ou o déspota, obrigado pela força ou pela erosão do tempo, é removido do pedestal, leva anos, às vezes séculos, a surgir outro. De maneira que tão cedo não estamos em perigo de novo ditador, mesmo que a nostalgia de alguns o sonhe ressuscitado. Resta apenas perguntar o que vai ser agora do nosso espírito bambo, mole, incapaz de encontrar sozinho a tensão de que todo o espírito activo necessita. Sem hábitos de liberdade e aliviados da canga do opressor que alimentava em nós, apesar de tudo, um salutar complexo de Édipo, a que outra razão de luta iremos pedir energias? Por quem substituiremos o pai tirano que combatíamos?

Legenda: O Sr. Almirante Américo Thomaz lendo a sua comunicação ao País.


Fotografia e legenda do Notícias de Portugal nº 1117.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

SÓ QUANDO DEUS DETERMINAR


25 de Setembro de 1968

Neste dia, o Chefe de Estado Américo Tomaz fica a saber que a vida política de Salazar está terminada.

A 17 de Setembro já convocara o Conselho de Estado, desconhecendo-se o que terá sido discutido, mas não é muito difícil imaginar o que por lá se disse.

Neste dia dá-se a morte de Salazar.

Não a física mas uma outra.

O teatro de fantoches entrará pelo próximo ano.

Durará até 27 de  Julho.

Como escreveu José Cardoso Pires a abrir o DinossauroExcelentíssimo:

Hoje em dia pode-se roubar tudo a um homem. – atá a morte. Rouba-se-lhe a morte com a mesma facilidade com que se lhe rouba a vida, a face ou a palavra, que são coisas mais que tudo inestimáveis.

Jacinto Baptista no seu livro: Caminhos Para Uma Revolução:

Manuel Anselmo, premonitório, em 9 de Novembro de 1961, ao discursar no Teatro da Trindade, na sessão de encerramento da campanha eleitoral organizada pela União nacional:

«… Salazar não cai nem cairá senão quando Deus – o Deus de Ourique! – o determinar, Deus que nós adoramos como primeira certeza das nossas consciências e que, como prova de Amor, se dignou enviar a esta Geração do Resgate, em nossos dias, como Embaixatriz do Céu, cheia de Luz e Milagre, Sua Santíssima Mãe, a Virgem Imaculada, Nossa Padroeira desde Dom Afonso Henriques.»

José Gomes Ferreira no 6º volume dos seus Dias Comuns:

Aos optimistas fáceis, que esperam que Alguém Misericordioso nos traga o Futuro numa bandeja, não me canso de dizer com voz de ser-fácil-acertar quando se aposta no que há de menos vil nos homens.
- Não se regozijem antes de tempo… O Salazar vai pesar durante anos e anos na nossa vida, como uma espécie de Lénine do avesso para medíocres…

Legenda:  O Prof. Christian Barnard, autor da primeira transfusão cardíaca, na Casa de Saúde da Cruz Vermelha
Fotografia e legenda do Notícias de Portugal nº 1118.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

PROGNÓSTICO AINDA RESERVADO



24 de Setembro de 1968

Continuarão a chamar-lhe presidente, mas este é o último boletim médico de Salazar ainda como Presidente do Conselho:

Às 20 horas o estado do Sr. Presidente do Conselho é o seguinte: temperatura 37,3; tensão arterial, máxima 15, mínima 8; pulso 80/m; respiração assistida pelo respirador Engstrom. Acentuam-se as respostas motoras francas às solicitações verbais. O prognóstico continua ainda reservado.

Augusto Abelaira em A Cidade das Flores:

- Quando morrer, comem-se uns aos outros, pai. Ele não tem um único discípulo de categoria, nem sequer soube criar discípulos com uma certa inteligência. Salvo um, talvez, mas ninguém no partido gosta dele. E seria ainda pior para nós, é mais esperto. Manteria o fascismo, mas disfarçando-o.

Legenda: A presença do povo
Fotografia e legenda do Notícias de Portugal nº 1117.