Aos trinta e seis anos
um tiro ao coração.
Assim
crucificaste
este século.
Emigrante
doutro tempo,
acertaste
onde era preciso
tocar,
pôr as mãos,
encontrar o futuro,
Maiakovski.
De A Raiz
Afectuosa em António Osório
Aos trinta e seis anos
um tiro ao coração.
Assim
crucificaste
este século.
Emigrante
doutro tempo,
acertaste
onde era preciso
tocar,
pôr as mãos,
encontrar o futuro,
Maiakovski.
De A Raiz
Afectuosa em António Osório
António Osório
Antologia
António Osório
Prefácio,
Organização, notas: Eduardo Lourenço
Capa: Rui Ligeiro
Editorial Presença,
Lisboa, 1984
Querida Tia Egeria
Querida Tia Egeria, com sapatos
de há tantos anos, um gato,
fotografias, lençóis da tetravó,
residente na bondade de dar tudo,
casada com vasos de gerânios.
Neto teu, debaixo do travesseiro
de minha Mãe escondias
todas as noites amêndoas.
Com quatro anos vi contigo
um comboio infindável,
formigueiro de carruagens, vagons,
barulho rolando
e eu dizia adeus, beijava a gente
que o bafo dentro embaciava.
E foste tu quem me levou
Pela mão à porta do Paraíso.
Morreu
o poeta António Osório.
Poeta
do amor e da fulguração, dos afectos e dos silêncios.
Sem
ainda saber da sua morte, foi um poema de António Osório que escolhi para a
apresentação da capa da revista Granta
nº3. Como diz Carlos Vaz Marques no prefácio deste número da revista:
«António
Osório o poeta da gratidão escolheu a Granta para retornar aos versos, após um
longo interregno em prosa.»
David
Mourão-Ferreira, em 1981, escreveu que «António
Osório constitui um dos casos mais notáveis da moderna poesia portuguesa, já
pelo tom de voluntária surdina em que a sua voz efectivamente corresponde aos
valores expressos nos própios títulos dos seus livros. Com efeito, a sua poesia,
partindo geralmente de uma «raiz afectuosa» que nunca deixa de mostrar-se visível
ao nível do texto, afirma-se pela demarcação de um «lugar de amor» em que se
patenteia uma reiterada recusa ou «ignorância da morte», graças à qual
fantasticamente convivem, no espaço do poema, os mortos e os vivos, o passado e
o presente, a memória e o quotidiano numa teia subtil de sugeridas relações ou
de perturbantes contrapontos.»
A
Raiz Afectuosa
Com
os anos
a
pouco e pouco
a
raiz afectuosa
penetrou
no
fundo da terra
até
chegar
ao
mais pequeno
e
mais antigo
veio de lágrimas.
Granta
Nº 3
Direcção e Editorial: Carlos Vaz Marques
Textos de Ruy Belo, Alexandra Lucas
Coelho, Hélia Correia, Siri Hustvedt,
Ha Jin, Hilary Mantel, Susana
Moreira Marques, Haruki
Murakami, António Osório,
Valério Romão, Paul Theroux,
Teresa Veiga, Lina
Wolff
Capa: Luísa Ferreira
Edições Tinta-da-China, Lisboa, Maio de
2014
O Retorno
Volta,
volta
logo
que possas.
E
que o Sol
abençoe
as tuas raízes.
Segue
umas crianças,
acompanha,
viva,
a
sua alegria.
Vê as árvores,
as
que foram tuas,
esconde-te
por trás
do
velho mirto florido.
Não
esqueças a Mimosa,
a
tua cadela, linda,
companheira,
com olhos
quase
tão belos e doces como os teus.
Procura
o nosso Tempo.
Pede-lhe
que seja generoso.
Não
te deixes desfazer:
Volta,
volta serena.
António Osório