Mostrar mensagens com a etiqueta Helen Macdonald. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Helen Macdonald. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

POSTAIS SEM SELO


A morte será o meu derradeiro fracasso.

Helen Macdonald em A de Açor

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

NOVOS EUS...


 O que acontece à mente depois de uma perda só faz sentido mais tarde. Mas o que eu deveria ter também compreendido, naquelas estradas do Norte, é que, depois da perda de um pai, a mente não se limita a procurar novos pais no mundo, mas procura novos Eus com que os amar.

Helen Macdonald em A de Açor

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

MANEIRA SEGURA DE EVITAR SARILHOS

«Quando em 1932, White tomou posse do seu cargo na Stowe, já se tornara especialista em esconder aquilo que era. Durante anos tinha vivido de acordo com a máxima tão bem definida por Henry Green, em Pack My Bag, sobre as suas memórias dos tempos de escola: «Se uma pessoa não consegue enquadrar-se, a maneira mais segura de evitar sarilhos consiste em participar tanto quanto possível no que se passa» Para conseguir aprovação e evitar problemas, ele tinha de imitar o que o rodeava: foi assim que tentou conquistar o amor da mãe em criança. Era uma vida de contínuo disfarce.»

Helen Macdonald em A de Açor

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

MAS CERTAMENTE AS COISAS VÃO MUDAR

Estamos a 16 de Março de 1936. Do lado leste do grande edifício palaciano que é a Stowe School, gralhas fazem grande rebuliço nos castanheiros, água pinga do telhado do bloco de salas onde em tempos eram os estábulos e, no seu interior, Mr. White, o Director de Departamento de Inglês, com mantas amontoadas sobre as pernas, equilibra um caderno nos joelhos e escreve depressa, numa caligrafia pequena e nítida. Pergunta-se se aquele será o livro mais importante que já escreveu. Não por lhe permitir fazer fortuna. Mas porque o irá salvar.

Pensa em deixar a escola. A vida académica é irreal. Está farto. Não suporta os colegas. Também já não suporta os rapazes; em massa, acha-os horríveis, como um cardume de hadoques. Tem de se ir embora dali. Vai viver da escrita. O seu último livro vendeu-se bem. Irá escrever mais. Vai arranjar uma casinha na Escócia e passar os dias a pescar salmão. Talvez leve consigo a empregada do bar e case com ele, com essa beldade de olhos escuros a quem a fazer a corte há meses, embora até ver só esteja apaixonado por ele emocionalmente, ainda não chegou a parte nenhuma, na verdade, e a maior parte das vezes aquelas longas horas sentado no bar só lhe trouxeram um estado inútil de embriaguez. Bebe demais. Já bebeu muito e há muito tempo que é infeliz. Mas certamente as coisas vão mudar.

Helen Macdonald em A de Açor

Legenda: fotografia Shorpy

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

NEM PARA BEBER UM CHÁ


Mas quando temos nove anos, é difícil esperar. Dei um pontapé na base da cerca com uma das galochas. Impaciente e irritada. Soltei um suspiro. Desprendi os dedos da grade. Nessa altura, o meu pai olhou para mim, meio exasperado, meio divertido, e explicou-me uma coisa. Explicou-me o que era a paciência. Disse que era extremamente importante nunca me esquecer do seguinte: quando queríamos muito ver uma coisa, por vezes, tínhamos de ficar imóveis, de permanecer no mesmo sítio, de nos lembrar do quanto desejávamos vê-la e de ser pacientes. «Quando estou a trabalhar, a tirar fotografias para o jornal», disse ele, «por vezes tenho de ficar sentado no carro durante horas para conseguir a fotografia que quero. Não me posso levantar para beber uma chávena de chá nem sequer para ir à casa de banho. Tenho de ser paciente. Se queres ver aves de rapina, também tens de ser paciente.» Falou num tom grave e sério e não irritado; estava a comunicar uma Verdade de adulto, mas eu fiz que sim com a cabeça, amuada e a olhar para o chão. Aquilo parecia-me um sermão, não um conselho, e não percebia aonde ele queria chegar.

Helen Macdonald em A de Açor

sábado, 27 de junho de 2020

NA PRIMAVERA TEM INÍCIO O NAMORO


O açor que eu ia buscar fora criado num aviário perto de Belfast. Criar açores não é para fracos. Tive amigos que tentaram e desistiram ao fim de uma época, coçando as cabeças cheias de novos cabelos brancos numa espécie de torpor pós-traumático. «Nunca mais», dizem eles. «A coisa mais stressante que já fiz na vida». Experimen-tem e vão descobrir que há uma linha ténue entre a excitação sexual do açor e a violência terrível e mortal. Temos de vigiar as nossas aves constantemente, supervisionar o seu comportamento, estar a postos para intervir. Não serve de nada pôr um casal de açores num aviário e deixá-los lá. Na maior parte dos casos a fêmea irá matar o companheiro. Por isso, é preferível alojá-los em aviários separados, mas contíguos, de paredes sólidas, com uma grade entre eles para que o casal se possa ver. Quando o inverno der lugar à primavera tem início o namoro, como Píramo e Tisbe, através de uma abertura na parede com chamamentos, exibições, baixando as suas asas azul-pálidas e enfunando as coberturas infracaudais, semelhantes a um par de grandes penas de marabu, e só quando, a fêmea parece pronta – uma avaliação subtil que não admite erro -, se deixa entrar o macho na câmara de acasalamento. Se tudo correr bem, acasalam, a fêmea põe ovos, e uma nova geração de açores criados em cativeiro, crias cobertas por uma penugem branca, com olhos turvos e garras minúsculas, faz a sua entrada no mundo.

Helen Macdonald em A de Açor

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

OLHAR AS CAPAS


A de Açor

Helen Macdonald
Tradução: Ana Falcão Bastos
Capa: Carlos Miranda numa adaptação com uma ilustração de Chris Wormell
Lua de Papel, Lisboa, Novembro de 2015

Procurar açores é como procurar a graça divina: acontece, mas não muitas vezes, e não sabemos dizer quando nem como. Mas as hipóteses melhoram ligeiramente nas manhãs calmas e límpidas do início da primavera, pois é nessa altura que os açores largam o seu mundo por baixo das árvores para fazerem a corte uns aos outros lá no alto, no céu. Era isso que eu tinha esperança de ver.