«Não vemos aqui Deus a passear pela
borda da praia, “com as calças arregaçadas”, como dizia Ruy Belo. Mas
acreditamos, como o grande poeta, que “o verão é a única estação” e que fomos
feitos para “grandes férias”.»
Luís Filipe
Castro Mendes
«Não vemos aqui Deus a passear pela
borda da praia, “com as calças arregaçadas”, como dizia Ruy Belo. Mas
acreditamos, como o grande poeta, que “o verão é a única estação” e que fomos
feitos para “grandes férias”.»
Luís Filipe
Castro Mendes
Comprar um livro na Bertrand, comprar
também um saco com uma verdade quase eterna.
Colaboração de Aida Santos
Quase a chegar a Agosto.
Diziam os velhos: primeiro de Agosto, primeiro de
Inverno.
Sou como o Manuel António Pina: detesto viajar.
Ainda
mal parti e começo logo a pensar no regresso. O Céline dizia que as grandes
viagens são aquelas que se fazem através da imaginação.
A melancolia do regresso, diz o Pina.
Também há quem diga que os lugares mais longe são os
que ficam dentro de nós. Não os conhecemos nunca.
Conta ÁlvaroMagalhães que em 1996, o jornalista Eugénio Alves, que dirigia uma revista do Inatel chamada Tempos Livres, pediu-lhe para fazer umas crónicas para, supostamente, incitarem as pessoas a viajar. As duas crónicas que ele escreveu tinham a mesma temática – o melhor nas viagens é o regresso. Numa delas dizia mesmo que não nos devíamos afastar de casa mais do que nos permite a metade das nossas forças, que é para termos sempre a outra metade para regressar. E sempre com a preocupação de não deixar de ver ao longe a cor no nosso telhado. Eugénio Alves acabou por o dispensar, apesar da qualidade literária das crónicas, dizendo que elas tinham o efeito contrário do desejado:: estavam a desencorajar as pessoas a viajar.
Legenda: pintura de Jack Vettriano
O país continua a
arder.
Temperaturas extremas
em Londres – Londres a cinzenta, quem diria? – danificaram uma parte da pista de aterragem e
descolagem do aeroporto de Luton, a 55 quilómetros de Londres. A pista esteve
fechada durante quase duas horas e obrigou a desviar e atrasar voos.
Por cá, ficamos a
saber que as altíssima temperaturas voltam amanhã.
Dou-me pessimamente
com o calor. Quando trabalhava, mandava as férias sempre para Setembro.
Vou agora ter com a Autobiografia Woody Allen para ele me contar da Primavera e do Outono em Central Park.
«Veja, o verão em
Nova Iorque são más notícias. É quente, sufocante, estão todos fora, e sim,
podemos andar de um lado para o outro com menos trânsito, mas é entediante,
tendo todos os amigos partido e estando tudo pegajoso e húmido. De qualquer maneira,
chega o outono e a cidade começa a mexer. Os nova-iorquinos regressam de
férias, o tempo arrefece. Quando eu era miúdo, em Brooklyn, os verões eram uma
dádiva, porque significava que não havia escola e eu podia jogar à bola todo o
dia e ir ao cinema. Era divertido, mas mesmo então, o outono significava que
todas as raparigas giras regressavam dos campos de férias, e embora o pesadelo
dos livros e das aulas pairasse no horizonte, pelo menos havia alguma anatomia
sigmoide para acelerar o fluxo sanguíneo.»
Pelos dias quentes,
vou também ter com o Billy Wilder, no filme O Pecado Mora ao Lado.
A imagem que encima o texto, tem Marilyn, da janela olhando, o vizinho do andar de baixo
Quando Marilyn Monroe, a regar as flores, numa daquelas noites do Verão de
Manhattan, quase espeta com um tomateiro na cabeça de Tom Ewel que, no terraço
em baixo, lê o jornal.
Ele levanta-se com uma fúria desmedida, mas depara com o rosto de Marilyn entre
os vasos de flores, e convida-a para uma bebida.
Marilyn aceita o convite e acontece este delicioso diálogo:
- Vou à cozinha vestir-me.
- À cozinha?
- Sim! Quando está calor guardo a roupa interior no congelador.
Recomeço.
Por
Setembro, lembrando sempre o meu pai quando, em plenos calores estivais, dizia:
«em Setembro voltamos a ser gente.»
Eugénio de Andrade conhecia Setembro pelo cheiro.
O ar ainda é quente, mas mais lá para a frente, começará a cheirar a Outono, e
tardará pouco para ir ao armário buscar
uma lãzinha, talvez se encontrem uns trocos num qualquer bolso também o
entusiasmado fumo dos vendedores de castanhas a espalhar-se pela cidade.
Em Setembro, planta, colhe e cava, que é mês para tudo.
Hão-de apanhar-se as uvas e tudo ficará a cheirar a mosto.
Ramo curto, vindima longa.
Cheiros e mais cheiros.
Setembro era também o mês do equinócio, único tempo de Verão em que havia ondas e marés vivas. Para o fim dele, as tardes faziam-se frias e As camisolas ou “pull-overs” eram de uso obrigatório. No fim do mês, choviam as primeiras chuvas e a terra encarnada da Arrábida ganhava um cheiro especial que nunca mais esqueci e que me volta ao nariz de cada vez que oiço a palavra afrodisíaco”, escreveu João Bénard da Costa ele que, por Setembro, como sempre dizia, ia “Arrabidar."
Mas esse tal João Bénard da Costa percebe o recado, e de Agosto dirá: os anos 60 da Arrábida, que Jorge Silva melo imortalizou no seu belíssimo Agosto, ainda lhe revelaram coisas, a ele, que mais nenhum sítio de Portugal lhe podia revelar.
O meu filme fala do momento em que li a novela; è mais
uma adaptação da leitura que fiz em 1965. Agosto é, se calhar, o filme que gostaria
de ter feito quando ainda não podia fazer cinema porque foi um livro que mais
me marcou depois de O Estrangeiro do Camus.
Todos pensamos que aquela prosa impessoal e tão
tocante foi escrita apenas para cada um de nós, que foi um sussurro que nos chegou
de Itália, um segredo que nos contaram, que foi realmente só para nós.
É em A Praia que Pavese deixa escrita a
frase que pelos tempos fora tem sido repetida, e sempre continuará a ser, e que
vem na pág. 154 da minha velhinha edição de bolso da Portugália Editora:
Começava a compreender que nada é mais inabitável do que um lugar onde se foi feliz.
Se fosse vivo, Cesare Pavese faria hoje 106 anos.
E tão cedo que ele nos deixou, quando apenas tinha 42 anos, e com tanto ainda para nos dar.
Em O Diabo Sobre as Colinas escreve que da sua infância só lhe ficara o Verão, e num daqueles muitos seus dias depressivos e tristes, escreveu: basta-me a companhia do mar. Não quero ninguém. Na vida não tenho nada de meu. Deixem-me ao menos o mar.
Texto publicado em 9 de Setembro de 2014