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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

OLHAR AS CAPAS


O Fio das Missangas

Mia Couto

Capa: Rui Garrido (pintura de João Timane, Menina de Mechas)

Editorial Caminho, Lisboa, Outubro de 2024

 Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar no papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:

- Dói-te alguma coisa?

- Dói-me a vida, doutor.

O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está ver?

O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo_

- E o que fazes quando te assaltam essas dores?

- O que melhor sei fazer, excelência.

E o que é?

- É sonhar.


Colaboração de Aida Santos

terça-feira, 19 de novembro de 2024

OLHAR AS CAPAS

Terra Sonâmbula

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Editoral Caminho, Lisboa, Janeiro de 2015

O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro.

Colaboração de Aida Santos

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Na Berma de Nenhuma Estrada

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Editorial Caminho, Lisboa, Fevereiro de 2015

Diante do amor ela arrepiou o coração: não tenho asas para tanto paraíso!

Colaboração de Aida Santos

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Contos do Nascer da Terra

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Editorial Caminho, Lisboa, Outubro de 2019

Não é da luz do sol que carecemos. Milenarmente a grande estrela iluminou a terra e, afinal, nós pouco aprendemos a ver. O mundo necessita ser visto sob outra luz: a luz do luar, essa claridade que cai com respeito e delicadeza. Só o luar revela o lado feminino dos seres. Só a lua revela a intimidade da nossa morada terrestre.

Necessitamos não do nascer do Sol. Carecemos do nascer da Terra.

Colaboração de Aida Santos

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Raiz de Orvalho e Outros Poemas

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Editorial Caminho, Lisboa, Março de 2018

Para Ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

OLHAR AS CAPAS

Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Editorial Caminho, Lisboa, Maio de 2021

Estas cartas, Mariano, não são escritos. São falas. Sente-se, se deixe em bastante sossego e escute. Você não veio a esta ilha para comparecer perante um funeral. Muito ao contrário, Mariano. Você cruzou essas águas por motivo de um nascimento. Para colocar o nosso mundo no devido lugar. Não veio salvar o morto. Veio salvar a vida, a nossa vida. Todos, aqui estão morrendo não por doença, mas por desmérito do viver.

Colaboração de Aida Santos

domingo, 19 de dezembro de 2021

OLHAR AS CAPAS

O Caçador de Elefantes Invisíveis

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Ilustração da capa: Susa Monteiro

Editorial Caminho, Lisboa, Outubro de 2021

- O nosso maior receio é termos herdado a violência dele.

- Engano vosso, meus filhos – declarou a mãe.

- O vosso pai nunca ergueu um dedo contra mim.

- Como pode protegê-lo depois de tantos anos?

- Alguma vez viram uma nódoa negra no meu corpo?

- Então de quem eram os gritos? – perguntou o meu irmão. – De quem era o choro?

- Eu gritava e chorava – respondeu a mãe – porque o vosso pai se agredia a si mesmo.

O facto de a raiva do vosso pai se dirigir exclusivamente contra ele mesmo era um prova de amor tão verdadeiro que, em prantos e soluços, a mãe implorava que o homem, nesses acessos de raiva. A agredisse a aela.

- O vosso pai só me tocou para me amar.

E o seu verdaeiro vício não era o álcool. O seu verdadeiro vício éramos nós, a sua família, que ele amava e que não sabia o que fazer com esse amor. O nosso pai nunca aprendera a exercer a ternura que havia nele. Tinha medo de se entregar e de não regressar. A bebida afastava-o dessa carência.

Colaboração de Aida Santos

quarta-feira, 20 de julho de 2016

OLHAR AS CAPAS


Jesusalém

Mia Couto
Prefácio: Miguel Real
Colecção Essencial-Livros RTP nº 3

A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar caldo. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhando, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.
- Venha, meu filho, venha ajudar-me a ficar calado.
Ao fim do dia, o velho se recostava na cadeira da varanda. E era sim todas as noites: me sentava a seus pés, olhando as estrelas no alto do escuro. Meu pai fechava os olhos, a cabeça meneando para cá e para lá, como se um compasso guiasse aquele sossego. Depois, ele inspirava fundo e dizia;
- Este é o silêncio mais bonito que escutei até hoje. Lhe agradeço, Mwanito.