Cada vez mais curto o naipe de estrelas de Do Fundo do Coração, maravilhoso filme
de Francis Ford Coppola.
Teri Garr partiu a 29 de Outubro deste ano, Raul Julia
a 24 de Outubro de 1994, Frederic Forrest a 23 de Junho de 20123. Resta
Nastassja Kinski.
Muito ao seu estilo, Manuel S. Fonseca lembra Teri
Garr:
«Começo esta crónica em regime de pura gatunagem. A frase é de Pauline
Kael e o que Kael disse foi isto: “Esta é a mais cómica, neurótica e
desorientada senhora do ecrã”. Estava a falar de Teri Garr, mulher que eu amei,
de baba e ranho, no “One From the Heart”, do saudoso Coppola.
Mel Brooks, o realizador de “Young Frankenstein”, uma daquelas comédias
que, de tanto nos fazer rir, temos a tentação de desvalorizar, quando a
convidou para o filme, estava cheio de dúvidas que partilhou com Gene Wilder o
actor principal: “Ela é deliciosamente linda, mas será que sabe representar?”
Gene foi cortante: “Who gives a shit?”, que em bom português quer mais ou menos
dizer “Estou-me bem a cagar”.
E agora quero dizer uma coisa elegante. É verdade que Teri Garr tem uma
incrível beleza, mas é uma beleza que, apesar da pele brilhante, apesar do
sorriso radioso, apesar do porém do seu colo suave (e já lá irei), é, dizia eu,
uma beleza que ela embrulha num celofane auto-depreciativo, como se nos
estivesse a dizer “caso não percebam que o melhor de mim tem um sabor de
especiarias e entontece como um dry-martini, então tomem e embrulhem”. Só a
prodigiosa Shirley MacLaine foi capaz de tanto desprendimento: mesmo Nossa
Senhora de Fátima tem a sua beleza em mais auto-estima do que Teri a que Deus
lhe deu.
E voltemos ao colo de Teri Garr. Antes de fazer a audição para o papel
de Inga, a assistente de laboratório de “Young Frankenstein”, Teri olhou-se ao
espelho e viu que o seu peitinho era de relativa irrelevância, atendendo ao que
deveria ser o pulposo seio de que um verdadeiro cientista gosta. “Caramba, não
vou perder o papel por causa das mamas”, pensou. Como é que eu sei que ela
pensou isto? Sei. E ainda estou a ver Teri Garr a caminhar para os armazéns da
Woolworth, onde se não estou enganado comprei um colchão (ou pelo menos uma
almofada) para o minúsculo quarto-kitchenette-wc em que vivi por três meses em
Los Angeles. Saí com um colchão, Teri com lenços e peúgas. Aconchegou tudo sob
o sutiã, em íntimo convívio com o acetinado e túmido da sua natureza (como é
que eu sei? memória minha do fugaz nu com Raul Julia no “Do Fundo do Coração”),
fazendo questão em explicar-nos: “As pessoas espatifam milhares de dólares em
cirurgias às mamas. Por cinco dólares no Woolsworth fiz a minha: foi dinheiro
muito bem gasto”.
Teri começou bailarina nos filmes de Elvis Presley. Foi um cometa a
iluminar cenas de filmes como “Os Encontros Imediatos”, de Spielberg, o “After
Hours”, de Scorsese, o “The Conversation”, de Coppola, o “Tootsie”, de Sidney
Pollack. Sabia dançar – adorei-lhe libidinosamente as pernas no “One From the
Heart” – mas sabia sobretudo enternecer.
Nesse “Do Fundo do Coração” deixa o namorado, o Frederic Forrest,
preferindo deslizar para uma aventura sexy e selvagem com Raul Julia. Um
desolado Frederic vem ao aeroporto para a convencer a ficar: implora, promete e
ela já vai a entrar na manga com o amante, quando, último recurso, Frederic
começa a cantar o “You’re my sunshine, my only sunshine”.»
Frederic canta maravilhosamente mal, um horror de ternura, um
sentimento de perda do quinto dos infernos. Teri pára, no grande plano dela
vemos então um carinho deliciado pela amorosa humilhação daquele homem. Como
quem diz, e não sei se diz mesmo: “Oh, que querido”. E depois continua, em
direcção à aventura, ao lado amante que promete fazer-lhe as coisas, em cima ou
em baixo, que ela anda com vontade de experimentar.
Teri Garr foi agora mesmo lá para cima, experimentar as coisas que já
não pode ter cá em baixo.