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sábado, 6 de setembro de 2014

Abel Ferrara e a 'via crucis' de Pasolini

Abel Ferrara e a 'via crucis' de Pasolini

O diretor norte-americano apresenta na Mostra uma crônica evocativa sobre as obsessões e os últimos momentos de vida do cineasta italiano assassinado em 1975


Willem Dafoe e Abel Ferrara, ontem em Veneza. / ANDREW MEDICHI
Como aqueles personagens que costumam experimentar a redenção em seus filmes, Abel Ferrara retornou ontem ao festival que o exaltou durante os anos noventa para expiar pecados cinematográficos mais recentes. Seu estudo biográfico sobre Pier Paolo Pasolini, esperado com ansiedade, mas também com maus presságios, foi recebido entre aplausos no Festival de Cinema de Veneza. Fontes mal informadas tinham dito que o filme seria focado em teorias da conspiração sobre o assassinato do escritor e cineasta, o que fez esperar algo muito diferente do que acabou sendo projetado ontem: uma estimulante cinebiografia que percorre as últimas 48 horas de vida de um Pasolini mergulhado em suas obsessões e desenha um retrato multifacetado da personagem.
Pier Paolo Pasolini


“Foi um homem de outro tempo, habitou em Saló todos os dias de sua vida”, diz Ferrara
“Nunca declarei isso. Nunca disse saber quem o matou. Quem de vocês me citou mal?”, respondeu Ferrara ontem, algo incomodado. “A intenção sempre foi a de retratar sua vida, seu trabalho e sua paixão”. O protagonista guarda alguma semelhança com o diretor do filme, intitulado simplesmente  Pasolini. Um cresceu no Friuli italiano, outro no Bronx, mas ambos demonstram uma obsessão semelhante pelo submundo, pelo erotismo da marginalidade e pela provocação como estilo de vida, muitas vezes a partir do imaginário católico. Ferrara minimizou ontem as semelhanças: “Foi um homem de outro tempo, que conviveu com o fascismo em um país que queria destruí-lo. Pasolini habitou em Salò todos os dias de sua vida. Mas fazia parte da geração do meu pai, que acreditou cegamente na personalidade própria”.
Seu longa-metragem se distancia das convenções deste desgastado subgênero, cada vez mais aparentado às vidas dos santos. O cineasta traduz em imagens o universo de seu protagonista por meio de uma narrativa não-linear e ligeiramente onírica, que alterna fragmentos de seus filmes, dramatizações das últimas entrevistas que concedeu, imagens da intimidade familiar na casa de sua famosa mamma e sequências extraídas de seu roteiro inacabado, Porno-Teo-Colosal, em que participaram Ninetto Davoli, um de seus atores fetiche, e Riccardo Scamarcio, sex symbol do cinema italiano atual. Este conglomerado permite fazer rever o fascínio de Pasolini pelas classes populares e pela marginalidade, a sua visão do sexo homossexual como um ato de resistência e seu fanatismo confesso pelo futebol, “última representação sagrada de nosso tempo” na definição de Pasolini e seu terceiro prazer favorito, “depois da literatura e do eros”.


O triunfo não é só do diretor e de sua montagem meticulosa, mas também de um roteiro extremamente documentado, obra de Maurizio Braucci, escritor e poeta napolitano, além de impulsionador de laboratórios de criação artística em prisões e escolas em bairros marginalizados, o que o aproxima do tema em questão. “O cinema não é só uma experiência lingüística, mas também filosófica”, escreveu Pasolini em Poeta das Cinzas. Colaborador habitual de Matteo Garrone, o roteirista parece ter seguido o mesmo conselho.
O Pasolini de Ferrara usa os mesmos óculos escuros que o Pasolini de verdade e tem um rosto anguloso quase idêntico, mas fala com um sotaque de Wisconsin, o que desagradou a uma parte dos críticos italianos ontem. “Precisei justificar-me mil vezes por causa disso”, protestou Ferrara. “Somos norte-americanos e o inglês é a nossa língua materna. Quando vejo Willem Dafoe atuando, não vejo o Pasolini de 1975, mas um homem que leva um certo tipo de vida, seja em Roma, em Manhattan ou numa favela do Rio de Janeiro. Para mim, é tudo a mesma coisa. Mudar de idioma foi a nossa maneira de fazer o filme”. Talvez não tenha reencontrado o vigor distante de Bad Lieutenant ou The Funeral, mas encontrou uma fórmula acertada e pessoal para aproximar-se de uma personagem quase impossível de decifrar.



domingo, 17 de março de 2013

As mil facetas de Pier Paolo Pasolini



AS MIL FACETAS
DE PIER PAOLO PASOLINI

Mais conhecido por seus filmes Pier Paolo Pasolini foi muito mais que isso. Era um homem e um artista de multifacetas, algumas das quais exploraremos por aqui. Em sua curta vida (53 anos), passou da poesia ao romance, da pintura ao desenho e às colagens, e, no cinema, foi roteirista, ator e diretor. 


Um pouco de Pasolini

Nasceu na Bolonha, em 1922, e [apesar de mais conhecido como diretor de cinema], foi poeta, romancista, tradutor, roteirista, pintor, editor, crítico de arte e jornalista, comunista e homossexual. Graduou-se em literatura em 1939, na Universidade de Bolonha. Jovem, viveu na Itália de Mussolini e no pós-guerra na Itália destruída e deslocada no eixo europeu. 
A personalidade de Pasolini sofreu algumas influências profundas neste período. Primeiro, a morte de seu irmão como guerrilheiro socialista e a luta dos trabalhadores rurais e os proprietários de terras. De outro lado, as consequentes mudanças que ocorriam no país, o início da recuperação pós-guerra, e o surgimento do sistema capitalista, dando fim à vida “bucólica” de até então. Contudo, o que realmente afastou Pasolini do campo foi a denúncia feita contra ele [um padre que recebera suas confissões?!] de corrupção de menores e atentado ao pudor. As consequências foram nefastas: além de demitido de seu cargo de professor foi expulso do Partido Comunista. Roma foi seu destino! 
A Capital italiana representa para o artista uma realidade completamente diferente da que vivia, eram dois mundos em uma só cidade. De um lado o centro burguês, rico e fútil; do outro, os pobres, rudes, sensuais e egoístas. Nesta época é que sua veia artística fala mais alto e começa a escrever roteiros para o cinema.

Pasolini e o cinema

cineasta não pode, como muitos acreditam, ser considerado um soft porn [ou pornô soft, como está muito na moda aqui no Brasil depois do lançamento do livro “50 tons de cinza” – por sinal horrível!!!]. 
Para quem tem olhos para ver, Pasolini é, hoje, mais atual e crítico que em sua época. Suas características filosóficas e cinematográficas assim o colocam. Em suas cenas de sensualidade não havia erotismo ou pornografia, mas pura denúncia.

Características marcantes na filmografia de Pasolini


  • alto teor crítico da sociedade italiana e de certa maneira das mudanças globais que estavam por vir;
  • crítica a igreja e seus costumes, satirizando a ideia de santidade e pecado do clero católico; 
  • privilégio das locações campestres, desta forma valorizando a ingenuidade e o aspecto sensível e primitivo da vida; 
  • seus personagem estavam entre os representantes do poder e da opressão, em contraposição aos pobres e miseráveis, que, independente de suas condições financeiras desfrutavam do sexo, da comida e da bebida com o prazer frugal do gozo pelo gozo, vivenciando uma felicidade longe da beleza e do sucesso, possíveis apenas aos financistas da felicidade. 

Nesta sucinta descrição me parece possível perceber sua atualidade e a força de seu trabalho.

Pasolini e a pintura

Existem dois aspectos a serem abordados neste tópico. Um Pasolini pintor e um Pasolini cineasta capaz de levar para as telas imagens marcantes do renascimento italiano. Ele próprio diria: “Eu não posso conceber imagens, paisagens, composição da figura, do lado de fora da minha paixão inicial pela a pintura”.

As pinturas na cinegrafia de Pasolini

No "RoGoPaG” (1963), um filme realizado a quatro mãos  Rosselini, Godart, Pasolini e Gregoretti, o segmento filmado por Pasolini, denominado “La Ricotta” [ou, “O queijo”], recria a cena da preparação para a descida do corpo de Rosso Fiorentino, “Deposição”, de 1521.
A cena da descida da cruz é uma réplica da pintura de Jacopo Pontormo Carrucci “A deposição da cruz”, de 1526-1528.
A esq. as imagens da cena do filme de Pasolini e, à direita, “Deposição”, de Rosso Fiorentino 
A esq. as imagens da cena do filme de Pasolini e, à direita, “A deposição da cruz”, de Pontormo 
A este tipo de criação é dado o nome de tableaux vivants, muito utilizado no início do século 19, com o advento da fotografia. No trabalho de Pasolini destaca-se o cuidado com as cores, que em “La Ricotta” são as únicas cenas em cor, todo o restante do filme é em preto e branco. 
Em “Mamma Roma”, filme de 1962, Pasolini usa do mesmo recurso, já nas cenas finais. Entretanto, desta vez não utiliza cores, mantém a película em preto e branco. A obra é de Andre Mantegna, “Lamentação”, com data aproximada entre 1455 a 1500. 
Cena de “Mamma Roma” (esq.) e “Lamentação”, de Mantegna
Existem outras situações que poderiam ser exploradas, mas acredito que não é o momento oportuno.

Pasolini nas pinturas e desenhos

Pinturas

Autorretrato com um lenço velho (1946) 
Autorretrato – “A flor em minha boca” (1947) 
“Bozzettone” dedicado a Laura Betti 
“Casarsa” – Casarsa della delizia é uma província italiana, onde Pasolini viveu por um tempo com a família
 “Figura máscula”
 “Narciso” 

“Ninetto e Laura”

Desenhos


“Design para o filme da terra à lua”
Autorretrato de 1954

 Autorretrato em giz (1965) 

Autorretrato (1965) 

Um post do Mol-TaGGe é muito pouco para falar de uma personalidade como a de Pasolini. Algumas de suas habilidades não foram comentadas, como seu lado poeta, suas colagens, nem mesmo foi possível falar de sua produção cinematográfica [se bem que não era mesmo esta a intenção].
De qualquer forma, fica registrado que o poeta, romancista, tradutor, roteirista, pintor, editor, crítico de arte, jornalista, comunista, anticosumista, homossexual, defensor da liberdade, contestador, anticlerical, ateu e dono de outras tantas características, foi um grande artista em todas as áreas que se envolveu. 

Pasolini morreu em 1º de novembro de 1975, assassinado por um “miché”,  de acordo com as versões oficiais. No entanto muitos contestam a versão do assassino (Pelozi) e acreditam que ele contou com a ajuda de outras pessoas, até mesmo que o assassinato foi encomendado - uma armação política? Sobre esse assunto o texto de Luiz Nazário, “O corpo massacrado”, é bastante esclarecedor.

http://mol-tagge.blogspot.com/2013/01/multifacetas-de-pasolini.html