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domingo, 2 de outubro de 2022

Por que a Jamaica ainda não tornou Bob Marley um herói nacional?

Mural de Bob Marley em Hoxton Street, Londres. Imagem por Luke McKernan no Flickr, CC BY-SA 2.0.

Por que a Jamaica ainda não tornou Bob Marley um herói nacional?

Pense na Jamaica e você pensa em Bob Marley. Provavelmente a personalidade mais famosa da nação-ilha caribenha, apesar de ter morrido há mais de quatro décadas, Marley ainda detém o posto de pioneiro do reggae que levou a música, cultura e visão de mundo da Jamaica para o centro das atenções globais. Sucessivos governos jamaicanos permaneceram conscientes de sua popularidade duradoura, usando sua música em comerciais de turismo, promovendo o Museu Bob Marley como uma atração imperdível, e até descriminalizando a maconha (Marley foi um rastafári convicto, uma religião que usa a maconha como parte integral de suas práticas espirituais).

Porém Marley, apesar de reverenciado no mundo inteiro, ainda não atingiu reconhecimento total em sua terra natal: o título de herói nacional. É uma falha reconhecida há tempos que a ex-ministra da cultura Lisa Hanna levou formalmente ao parlamento em 5 de abril, citando a mensagem de paz de Marley, sua contribuição à consciência negra e manifestações contra sistemas de injustiça, “seu ativismo lírico pelos pobres e desprovidos”, sua representação destacada do reggae e do rastafári, e sua filosofia da bondade de “Amor Único” como algumas das razões pelas quais ele deveria ser postumamente homenageado:

Os heróis nacionais da Jamaica pertencem a um pequeno e exclusivo clube; existem apenas sete deles atualmente. O pan-africanista Marcus Garvey foi o primeiro a receber a homenagem. Outros heróis incluem Paul Bogle, um decano e ativista do século 19 que liderou a Revolta de Morant Bay e morreu nas mãos de autoridades coloniais; George William Gordon, um herói dos escravos africanos; Samuel Sharpe, que liderou uma rebelião que acabou levando à abolição da escravidão na Jamaica; Norman Manely, um dos arquitetos da independência da Jamaica; o primeiro primeiro-ministro Alexander Bustamante; e a única heroína, Nanny dos Maroons, uma líder maroon do século 18 cujas estratégias militares inteligentes ajudaram a garantir a liberdade para o seu povo. A homenagem de Ordem do Herói Nacional está detalhada no Ato das Homenagens e Prêmios Nacionais do país, que foi aprovado em 1969.

No Facebook, Hanna continuou:

Nossa Lei Nacional de Honras e Prêmios descreve o lema do herói nacional: ‘Ele edificou uma cidade com fortes fundações’. Hoje, enquanto o mundo parece mais envolto em conflitos geopolíticos e nações se preocupando com a sobrevivência econômica do seu povo, precisamos da liderança, confiança e empoderamento revolucionário de Bob para renovar nossa humanidade uns com os outros. Se queremos realmente ser uma república, vamos primeiro demonstrar isso acolhendo os nossos, reconhecendo o impacto monumental que tiveram em nossas vidas e na vila global. É tempo de tornar Bob Marley nosso oitavo herói nacional.

As reações nas redes sociais vieram rápidas e raivosas, com muitos expressando surpresa que Marley já não tivesse essa homenagem nacional. Enquanto alguns acusaram Hanna de usar o tema para ganhar pontos políticos, outros viram a ação como “atrasada”, especialmente em vista da relação frágil das autoridades com as comunidades rastafári locais.

Assisti ao documentário Who Shot the Sheriff e descobri novas coisas sobre Bob Marley. Literalmente colocou sua vida em risco para encorajar a paz na nação. Sua defesa, através da música, dos direitos nas nações incluindo a nossa… Herói Nacional absoluto.

Mesmo enquanto as pessoas discutiam a relevância duradoura da música de Marley, muitos sentiam que o título de herói nacional requeria um conjunto diferente de critérios. O usuário do Facebook UniqueYan Pryce explicou:

Não tenho absolutamente nenhum problema com as honras nacionais e internacionais concedidas a Bob Marley, profissionalmente ele merecia todas. No entanto, como herói nacional NÃO NÃO. Longe disso. Os sete lá ganham seu título de forma altruísta. Morreram lutando por esse país e as gerações seguintes para que pudéssemos ser livres em todos os sentidos […] sem nenhum ganho pessoal. […] Então colocar Bob Marley e Usain Bolt nessa categoria é loucura.

Em dezembro de 2021, o senador da oposição, Floyd Morris, pediu que quatro personalidades do esporte e cultura da Jamaica: Marley, Jimmy Cliff, Usain Bolt e Louise Bennett-Coverley fossem condecorados heróis nacionais em 6 de agosto de 2022, o aniversário de 60 anos da independência do país da Inglaterra.

Incidentalmente, a história da Jamaica como ex-colônia britânica se tornou parte da argumentação daqueles que defendem o status de herói de Marley. Em 30 de novembro de 2021, o 55º aniversário de sua própria independência da Inglaterra, Barbados renunciou a Rainha Elizabeth II como chefe de estado, oficialmente se tornando uma república e usando a ocasião para conferir à pop star nascida em Barbados, Rihanna, o título de heroína nacional.

Para uma ilha caribenha que uma vez foi chamada de “Pequena Inglaterra”, a decisão de Barbados de se livrar desse vestígio de colonialismo de forma tão deliberada reacendeu a curiosidade sobre se e quando a Jamaica iria seguir os mesmos passos. Depois de uma visita desconfortável ao país do Duque e Duquesa de Cambridge, em que o príncipe William evitou falar em reparações, sem pedir desculpas pela escravidão, a pressão mais uma vez cresceu para que a Jamaica seguisse os passos de Barbados, tanto em termos de status republicano quanto em homenagear nacionais que se destacam. A senadora de Barbados Crystal Haynes tuitou:

Hoje os membros do parlamento da oposição e uma das minhas representantes favoritas na política regional @LisaHannamp apresentaram uma resolução no Parlamento para ter Bob Marley homenageado como Herói Nacional.

Um jamaicano que mora em Barbados refletiu:

Então, @LisaHannamp acaba de pedir o reconhecimento de Bob Marley como herói nacional da Jamaica. Eu me inclino ao sim, mas o jeito que ele tratou Rita pesa bastante em contrário.

Enquanto outro jamaicano pediu:

Quantas vezes vamos ter que bater nessa tecla? Rihanna nem mesmo era nascida quando Bob Marley morreu, e ela já é heroína nacional de seu país nacional. Por quanto tempo a Babilônia vai perseguir o Rasta, mesmo depois da morte? Dê a Gong o que ela merece. Já é tempo! Qual o problema?

No Facebook, Robin Lim Lumsden refletiu:

A Jamaica vai ser o último país a reconhecer o homem que contribuiu para a melhora e consciência da justiça social, paz mundial e fazê-lo um herói nacional? Ele provavelmente é o jamaicano mais famoso de todos os tempos. Nós, como nação, nos parecemos vergonhosamente provincianos, ainda governados pela baboseira colonial retrógrada e hipocrisia sobre a qual ele cantou. Ou isso ou somos incrivelmente estúpidos por não reconhecê-lo como filho dessa terra, a terra de onde Bob Marley vem, porque, gostem ou não, ele é a maior associação que as pessoas ao redor do mundo têm com a Jamaica.

“Maior associação” ou não, ainda veremos se a Jamaica irá conceder ao seu mais famoso cidadão a maior honra nacional.

GLOBAL VOICES



sábado, 1 de outubro de 2022

O Caribe responde ao complicado legado da rainha Elizabeth II

Rainha Elizabeth II, durante a celebração dos seus 80 anos na Catedral de St. Paul, em Londres, Inglaterra. Foto por Michael Gwyther-Jones em Flickr, CC BY 2.0.


O Caribe responde ao complicado legado da rainha Elizabeth II



Queen Elizabeth meets the stars




 

Depois de 70 anos, a ponte de Londres caiu: a rainha Elizabeth II, a monarca que ficou mais tempo no trono britânico, faleceu em 8 de setembro em seu amado Castelo Balmoral, na Escócia, não muito depois de seus médicos revelarem que estavam “preocupados” com sua saúde. Ela tinha 96 anos.

A rainha celebrou jubileu de platina no início deste ano. Como parte das celebrações, o duque e a duquesa de Cambridge, o príncipe William e sua esposa Catherine, embarcaram em uma turnê pelo Caribe e foram recebidos com alguma resistência sobre questões remanescentes relacionadas com a colonização. Em Belize, por exemplo, a comunidade maia q'eqchi organizou protestos sobre os direitos da terra indígena, enquanto na Jamaica, as pessoas apelavam por um pedido de desculpas da família real britânica por seu papel no comércio transatlântico de escravos.

A questão das reparações também era uma das principais. Em 2015, o ex-primeiro-ministro britânico David Cameron se recusou a realizar qualquer discussão sobre reparações, aconselhando os jamaicanos a “superar a escravidão”. Em vez disso, ele prometeu construir uma nova prisão na ilha, o que apenas juntou insulto à injúria. No entanto, durante a turnê do jubileu da rainha, o príncipe William parou pouco antes de um pedido de desculpas.

Uma história tão tensa deixou muitos na região tentando alcançar um bom equilíbrio entre reconhecer uma vida dedicada ao dever e ao serviço e lutar com um legado que infligiu sua cota de dor e luta.

Em uma troca de mensagens sobre história, do grupo Museu Virtual de Trinidade e Tobago no Facebook de Angelo Bissessarsingh, os membros lembraram Elizabeth II por seu comportamento com “dignidade e graça”, que fez “muito pelo país e pela Commonwealth”, e cumpriu seus deveres de rainha “até o fim”.

Apenas dois dias antes de morrer, a rainha cumpriu o que seria seu dever constitucional final, formalmente nomeando o 15º primeiro-ministro de seu longo reinado. O trinitário Mark Edghill prestou homenagem no Facebook:

Que ela descanse em paz agora, depois de honrar seu juramento de servir por toda a vida como a Rainha do Reino Unido e da Commonwealth. Comprometida com o dever, tradição e protocolos.
Um símbolo e pilar de força e estabilidade em todo o mundo. Transcendendo décadas de mudanças culturais, desenvolvimento e avanços tecnológicos.
O verdadeiro fim de uma era!

Os governos regionais reconheceram a morte da rainha de diversas maneiras:

Hoje, a presidente de Barbados, Sua Excelência a Honorável Dama Sandra Mason, apresentou condolências, em nome do governo e do povo de Barbados, a Sua Majestade o Rei Carlos III, pelo falecimento da Soberana, Sua Majestade, a rainha.

O Banco Central de Trinidade e Tobago examinou o “profundo legado da rainha através da história da moeda de Trinidade e Tobago”, enquanto na Jamaica — onde a rainha era chefe de estado — um dia nacional de luto foi declarado para 18 de setembro, com a advertência de que nenhum evento comemorativo deveria ocorrer.

Da Guiana, o autor Ruel Johnson disse claramente:

Em 1954, dois anos depois que a rainha Elizabeth II subiu ao trono, um jovem poeta, ele próprio apenas um ano mais novo que a monarca de 27 anos, foi preso por protestar contra o domínio do Império Britânico sobre o pequeno território colonial sul-americano em que nasceu, a Guiana Inglesa. A foto [que acompanha o post de Johnson] mostra aquele poeta, Martin Carter (óculos), sendo detido junto com Cheddi Jagan que na época liderava a luta pela independência.

Esse movimento seria recebido com violência do governo da Coroa, o envio de tropas britânicas para o pequeno lugar que conhecemos hoje como Guiana.

Daquela época, Carter escreveria:
‘Este é o tempo escuro, meu amor,
Ao redor de toda a terra besouros marrons rastejam.
O sol brilhante está escondido no céu.
Flores vermelhas inclinam a cabeça em terrível tristeza.
Este é o tempo escuro, meu amor,
É a temporada de opressão, metal escuro e lágrimas.
É o festival de armas, o carnaval da miséria.
Em todos os lugares os rostos dos homens estão tensos e ansiosos.
Quem vem andando no tempo escuro da noite?
De quem é a bota de aço que desce pela relva elegante?
É o homem da morte, meu amor, o estranho invasor
Observando-a dormir e mirando no seu sonho.’
Conheça a sua história. Você foi alimentado com uma imagem cuidadosamente selecionada de xícaras de chá e bolinhos e reverências e corgis quando o que existe foi construído com sangue e injustiça.

O historiador nascido na Guiana, professor Richard Drayton, que passou grande parte de sua vida em Barbados — o mais recente território caribenho a se tornar uma república — comparou Elizabeth II com o cantor norte-americano Chuck Berry e o revolucionário cubano Fidel Castro, “três vidas que marcaram o mundo do final do século 20 de maneiras muito diferentes”:

Os três eram marcos fronteiriços de uma época em que uma ordem mundial antidemocrática e racista, aquele mundo de império e Jim Crow, de tirar o chapéu e aceitação da desigualdade de status que havia perdurado por séculos foi repentinamente virada de cabeça para baixo.

Eu nasci no que ainda era uma colônia britânica e ao longo dos meus dias de escola primária todos os livros de exercícios cobertos de azul claro tinham o retrato da sua coroação na capa. Todos nós costumávamos desenhar 👓 nela, escurecer o dente estranho para fazer um vazio de tinta na boca real e, às vezes, adicionar um bigode. Esses atos de desfiguração não foram antimonárquicos por impulso, mas certamente foram pequenos atos de rebelião contra os muitos tipos de autoridade dos quais de alguma forma sabíamos que ela era uma âncora.

Isto é o que será suprimido nesta época de emoções massivas obrigatórias, por mais benignas e bem-intencionadas que fosse E2 como uma pessoa de carne e osso, da qual nem você nem eu temos conhecimento concreto, o outro corpo da rainha, o oficial, simbolizava o direito absoluto antidemocrático derivado do status e não de contrato. Ela sobreviveu a Chuck e Fidel, mas ela era uma guardiã do passado, eles embaixadores do futuro.

Observando que “os motores de mídia do estado corporativo tentarão manipular essas emoções em massa, esta nuvem de sentimentalismo industrialmente produzido sobre o passado, para moldar o presente e controlar o futuro”, Drayton advertiu:

Contra esta feitiçaria você precisa empunhar seus encantos apotropaicos: sempre que mencionarem Liz, ou a fundirem com Fidel e Chuck, eles serão os psicopompos dela, escoltando-a para a liberdade. 😂 Liberte-a para usar farda militar, fumar charutos e caminhar para a eternidade.

O ativista LGBTQ+ trinitário, Jason Jones, que mora no Reino Unido, resumiu a avalanche de reações desta forma:


Então… um momento marcante nas nossas vidas. Perda. Ódio. Frustração. Admiração. Fogo. Estamos todos distorcidos em nossas ideias de luto e respeito.

Apesar de tudo, a trinitária-tobagense, Dionne Ligoure, afirmou:


Digam o que quiserem, ela foi DILIGENTE até o fim.

A personalidade regional de rádio, Wayne LeBlanc, observou:


A BBC vai levar agora todas as redes de transmissão para a escola, quando a cobertura do falecimento da RE 11 começar 🖤

A rainha Elizabeth II permanecerá por 24 horas na Catedral de St. Giles, em Edimburgo, onde os cidadãos poderão prestar homenagem. Seu corpo será então levado para Londres, onde ficará até o funeral, que deve ocorrer em cerca de 10 dias na Abadia de Westminster, em Londres.

[Nota do Editor (10 de setembro de 2022, 15h54 AST): uma versão anterior deste artigo referia-se a uma carta escrita por “membros da UNC”. O artigo foi alterado para remover esta referência errônea].

GLOBAL VOICES