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domingo, 15 de março de 2020

Rei da Espanha renuncia à herança e retira verba do orçamento da casa real destinada ao pai Juan Carlos


Felipe VI e Juan Carlos no palácio da Zarzuela.
Felipe VI e Juan Carlos no palácio da Zarzuela.


Rei da Espanha renuncia à herança e retira verba do orçamento da casa real destinada ao pai Juan Carlos

Decisão acontece depois que o Ministério Público Anticorrupção iniciou uma investigação sobre os supostos 100 milhões de euros que Juan Carlos I recebeu em uma conta suíça


Miguel González
Madrid, 15 Mar 2020

O rei Felipe VI decidiu renunciar à herança de Dom Juan Carlos “que lhe possa corresponder pessoalmente”, conforme anunciado neste domingo pela casa real, em um comunicado no qual também adianta que Dom Juan Carlos deixa de receber a quantidade de dinheiro que lhe era destinada pelo orçamento da casa real.

O comunicado do Palácio de la Zarzuela (sede da monarquia) lembra as palavras sobre a exemplaridade que Felipe VI pronunciou em sua posse. “Em coerência com as palavras proferidas em seu discurso de proclamação e com a finalidade de preservar a exemplaridade da Coroa, Sua Majestade o rei quer que seja sabido publicamente que Sua Majestade o rei Dom Juan Carlos está ciente de sua decisão de renunciar à herança que lhe possa corresponder pessoalmente, bem como a qualquer ativo, investimento ou estrutura financeira cuja origem, características ou finalidade possam não estar em consonância com a legalidade ou com os critérios de retidão e integridade que regem sua atividade institucional e privada e que devem informar a atividade da Coroa”, afirma o texto.

A casa real também informa que o Rei emérito deixará de receber a dotação orçamentária que lhe outorga anualmente em virtude dessa condição e que nos últimos exercícios atingiu os 194.232 euros (cerca de 1,044 milhão de reais) por ano.


Juan Carlos I, king of Spain | Caricaturas de famosos, Caricaturas ...
Juan Carlos I
A decisão da casa real acontece depois que o Ministério Público Anticorrupção iniciou uma investigação sobre os supostos 100 milhões de euros que Juan Carlos I recebeu em uma conta suíça em nome de uma fundação panamenha procedentes da monarquia saudita, como este jornal adiantou. O diário The Telegraph afirmou neste sábado que o atual chefe de Estado era beneficiário das fundações supostamente criadas por Juan Carlos para administrar esse dinheiro. Agora Felipe VI se distancia dessas organizações no comunicado. “Em relação às notícias que apareceram no dia sobre as entidades denominadas ‘Fundação Zagatka’ e ‘Fundação Lucum’, Sua Majestade o rei desconhece por completo e até hoje sua suposta designação como beneficiário.”

No primeiro caso (Zagatka), la Zarzuela afirma que o Rei o desconhecia, mas que, em todo caso, renuncia a ela; no segundo (Lucum), que teve conhecimento por um escritório de advocacia em março de 2019 e que em abril compareceu perante um notário para manifestar que havia endereçado uma carta ao pai para que “se for verdadeira sua designação ou da princesa de Astúrias como beneficiários da mencionada fundação, deixasse sem efeito tal designação, manifestando igualmente que não aceitaria participação ou benefício algum nessa entidade”. O comunicado também afirma que Dom Juan Carlos pediu “que se tornasse público” que “as duas fundações anteriormente citadas em nenhum momento forneceram informações” a seu filho e que “nomeou para sua representação o advogado Javier Sánchez-Junco Mans que, no exercício do direito de defesa, será a partir de agora quem responderá publicamente pelas informações que possam afetá-lo”.


sábado, 14 de junho de 2014

Vargas Llosa / Troca de guarda



Troca de guarda
Juan Carlos
Fernando Vicente

Mario Vargas Llosa

Troca de guarda

O povo espanhol não era monárquico quando Franco morreu. Voltou a sê-lo graças ao protagonismo do Rei na democratização e a tarefa de Felipe VI é manter viva essa adesão


14 JUN 2014 - 17:25 COT

Vi o discurso de abdicação do rei Juan Carlos em um pequeno televisor de um hotelzinho em Florença, e me emocionou escutá-lo. Pelo esforço visível que fazia para manter a serenidade e apresentar a sala do trono como algo natural, sabendo muito bem que dava um passo transcendental, o que costuma ser chamado de “fato histórico”. E porque essa renúncia em favor de seu filho, o príncipe Felipe, encerrava um período dificílimo para ele, com problemas de saúde, escândalos familiares e pessoais, algumas desculpas públicas e alguns esforços corajosos mais recentemente no sentido de recuperar, para ele e para a instituição monárquica, a popularidade e a solidez que sentia estarem abaladas. O discurso foi impecável: breve, preciso, persuasivo e bem escrito.
Desde então, o rei tem recebido muitas manifestações de carinho em todas as suas apresentações públicas e muito poucos ataques e críticas. Tenho certeza de que, conforme o tempo transcorrer, o balanço dos historiadores fará crescer sua figura de estadista e que os 39 anos de seu reinado terminarão sendo reconhecidos, em grande parte graças a ele, como os mais livres, democráticos e prósperos da longa história da Espanha. E nada me parece tão justo quanto dizer –como afirmou Javier Cercas em um artigo– que sem o rei Juan Carlos não teria havido democracia neste país. Certamente não, pelo menos da maneira pacífica, consensual e inteligente que foi a transição.




Espero que, no futuro, algum romancista espanhol de fôlego tolstoiano se atreva a contar essa história fantástica

Espero que, no futuro, algum romancista espanhol de fôlego tolstoiano se atreva a contar essa história fantástica. O regime de Franco urdiu, com as melhores cabeças de que dispunha, sua sobrevivência, mediante a restauração de uma monarquia de viés autoritário, para a qual o Caudilho e seu entorno haviam educado o jovem príncipe, desde criança, afastando-o de sua família e submetendo-o a uma formação especial cheia de zelo, a quem as Cortes franquistas, logo após a morte de Franco, entronizaram como Rei da Espanha. Mas, em seu foro íntimo, ninguém sabe exatamente de que maneira e desde quando o jovem Juan Carlos tinha chegado à conclusão de que, assumido o trono, sua obrigação deveria ser exatamente oposta à que lhe tinha sido destinada. Ou seja, não prolongar –guardados certos aspectos– a ditadura, mas acabar com ela e conduzir a Espanha a uma democracia moderna e constitucional, que abrisse sua pátria ao mundo do qual tinha sido praticamente sequestrada nos quarenta anos anteriores e reconciliasse todos os espanhóis em um sistema aberto, tolerante, de legalidade e liberdade, no qual coexistissem pacificamente todas as ideias e doutrinas e fossem respeitados os direitos humanos.
Parecia uma tarefa impossível de alcançar sem que os herdeiros de Franco, que controlavam o poder e ainda contavam – para que mentir? – com um forte apoio da opinião pública, se rebelassem contra essa democratização da Espanha que os condenaria à extinção e se opusessem a ela com todos os meios ao seu alcance, incluída, sem dúvida, a violência militar. Por que não fizeram isso? Porque, com uma habilidade extraordinária, guardando sempre as formalidades mais apreciáveis, mas sem jamais dar um passo em falso, o jovem monarca foi embarcando-os de tal forma no processo de transformação que, quando se deram conta de que tinham cedido demais, confusos e desconcertados, em vez de reagir já estavam fazendo uma nova concessão. A opinião pública, transformada no curso dessa marcha rumo à liberdade, se alistava nela e apoiava de maneira cada vez mais dinâmica as mudanças que, semana a semana, dia a dia, foram mudando radicalmente a realidade política da Espanha.




Sem o rei Juan Carlos não seria possível uma transição pacífica, consensual e inteligente

Devido ao seu falecimento, recordou-se há pouco tempo e com muita justiça o trabalho notável executado por Adolfo Suárez na transição. Claro que sim. Mas é preciso lembrar que foi o rei Juan Carlos que, com um olfato infalível, escolheu como seu colaborador nessa operação extraordinária uma pessoa que na época era nada menos do que ministro secretário-geral do Movimento, ou seja, do conjunto de organizações e instituições políticas do regime franquista. Ninguém deve menosprezar, obviamente, a importância alcançada na transição pacífica da Espanha da ditadura para a democracia, de um regime vertical para um sistema plural e aberto, por praticamente todas as forças políticas do país, da direita à esquerda, e que todas estavam dispostas, em nome da paz, a fazerem concessões que tornaram possíveis os consensos dos quais resultou o grande acordo constitucional. Mas ninguém também deveria se esquecer de que quem, desde o princípio, concebeu, impulsionou e levou a bom porto esse processo foi o monarca que, prestando um novo grande serviço ao país, acaba de abdicar a fim de que o príncipe Felipe herde o trono e com ele seja aberta para a Espanha “uma nova etapa de esperança na qual se combinem a experiência adquirida e o impulso de uma nova geração”.
Se assim o rei Juan Carlos contribuiu de forma decisiva para que a democratização da Espanha fosse levada a cabo de forma pacífica, com sua conduta clara e firme que fez debelar a tentativa de golpe de 23 de fevereiro de 1981 conseguiu para a monarquia uma legitimidade que tinha perdido vigor e calor popular. Porque a verdade é que o povo espanhol não era monarquista quando Franco morreu. Começou a sê-lo, ou a voltar a sê-lo, graças ao protagonismo do Rei ao apoiar e liderar a democratização da Espanha. Mas foi após o esmagamento da tentativa golpista do 23 de Fevereiro que o rei Juan Carlos devolveu à Monarquia o respaldo resoluto e entusiasmado da grande maioria da população, o que foi um fator decisivo para a estabilidade política e institucional da Espanha nestas últimas décadas.
Essa história, que resumi em poucas linhas, ainda está para ser contada. É uma história fora do comum, de uma complexidade e sutileza só comparáveis às dos maiores romances, na qual, na solidão mais absoluta, um jovem prisioneiro de uma máquina quase invencível se liberta dela e decide, exercendo os poderes que o Rei realmente tinha na época, rebelar-se contra o sistema que tinha sido encarregado de salvar, desfazendo-o e refazendo-o dos pés à cabeça, mudando sutilmente todo o libreto que deveria aprender e executar e substituindo-o por seu contrário. Muita gente o ajudou, é claro, mas foi ele, só ele, do início ao fim, o diretor do espetáculo.




Dom Felipe VI vai reinar sobre uma democracia moderna e respeitada, um país livre, solvente e culto

Por isso a Espanha sobre a qual dom Felipe VI vai reinar é, hoje, essencialmente diferente daquela de quando Franco morreu: uma democracia moderna e respeitada, um país livre, capaz e culto, que figura entre os mais avançados do mundo. Convém não esquecer quanto de tudo isso se deve ao monarca que agora se afasta para que seu herdeiro o substitua.
É verdade que o príncipe Felipe foi muito bem preparado para a difícil responsabilidade que vai assumir. Também é verdade que a Espanha hoje enfrenta problemas enormes – o primeiro, e mais grave deles, as ameaças de secessão que poderiam mergulhá-la em uma crise de consequências imprevisíveis – e que, por mais que o monarca de uma monarquia constitucional reine, mas não governe, os desafios que vai enfrentar vão colocar à prova todos os conhecimentos e experiências que adquiriu no curso de sua exigente formação. O mais importante é que o novo rei, com seus gestos, iniciativas, tato e comportamento, mantenha viva a adesão que ainda hoje é muito profunda na sociedade espanhola no sentido da monarquia constitucional. Não é verdade que, enquanto houver democracia, pouco importa se um regime é republicano ou monarquista. Não quando o problema da unidade de um país é tão grave quanto atualmente na Espanha. A monarquia é uma das poucas instituições que garantem essa unidade na diversidade, sem a qual poderia sobrevir a desintegração de uma das mais antigas e influentes civilizações do mundo. Em todas as outras a divisão, o ressentimento, o fanatismo e a miopia política já semearam as sementes da fragmentação.
Ajudemos sua majestade, dom Felipe VI, a ter sucesso colocando nosso grãozinho de areia na tarefa de manter a Espanha unida, diversa e livre como tem sido nestes últimos 39 anos.
EL PAÍS






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DRAGON
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