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sábado, 27 de dezembro de 2014

Dorival Caymmi / Postais da Bahia

Dorival Caymmi. Foto de Gabriel de Paiva


Postais da Bahia

Madri comemora o centenário de nascimento de Dorival Caymmi, pioneiro de sua música popular


DANIELE BELMIRO Madri 19 SEP 2014 - 12:52 BRT

A bossa nova foi como uma enxurrada na música popular brasileira. Com o surgimento desse movimento moderno e cosmopolita, no fim dos anos cinquenta, tudo o que tinha sido criado antes ficou parecendo velho. Poucos artistas sobreviveram ao fenômeno. Um deles foi Dorival Caymmi, que tinha começado sua carreira 20 anos antes, em plena era do rádio. Foi o que disse Chico Buarque, em certa ocasião, a Stella Caymmi, neta e biógrafa do cantor e compositor. Na última terça-feira, ela esteve na Casa de América, em Madri, para a comemoração do centenário do nascimento do avô. A Fundação Cultural Hispano-Brasileira e a Embaixada do Brasil homenagearam o músico, que morreu em 2008, com shows, palestras e uma exposição.
“Dorival é um gênio universal. Pegou o violão e compôs o mundo”, afirmou o maestro e amigo Antônio Carlos Jobim no prefácio de um songbook de Caymmi. Os dois gravaram um disco no auge da bossa nova. Caymmi não só resistiu à nova onda como foi absorvido por ela. Suas criações tinham elementos inéditos, o que permitiu que sua obra dialogasse com o gênero renovador. Uma das primeiras canções gravadas por João Gilberto, considerado o pai da bossa nova, foi Rosa Morena, de Caymmi.
O músico influenciou artistas das gerações que o seguiram, como Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mesmo assim, é praticamente impossível enumerar quantas versões outros intérpretes fizeram de seus sambas, que se tornaram ícones culturais no Brasil. Stella Caymmi não tem dúvidas em qualificar como “extraordinária” a contribuição do avô ao desenvolvimento do samba e da música popular brasileira, dois gêneros vigentes que se destacam no país.

Caymmi não só resistiu à ‘bossa nova’, como foi absorvido por ela
Jobim dizia que as modulações e dissonâncias de sua música não têm comparação com as de outros compositores, recorda Stella. Caymmi introduziu acordes que faziam que suas melodias fossem distintas das demais. Muitos consideram sua técnica tão original que “não tem herdeiros, nem mesmo na família”, afirma Stella, cuja mãe e tios também são músicos. Assim como ele não imitava ninguém, também era difícil copiá-lo. Embora o estilo de Caymmi tenha começado e terminado com ele, “sua obra impregnou toda a música popular brasileira”.
“Meu autorretrato é este: sou um poeta porque existe uma Bahia onde nasci que está aqui dentro de mim, viva, e me traz os melhores momentos desde a minha infância até hoje”, refletia Caymmi em um programa de televisão que celebrou seus 85 anos. Embora o êxito tenha chegado quando ele foi viver no Rio de Janeiro, em 1938, o artista foi um dos responsáveis pela imagem idealizada que se construiu da Bahia. Suas composições pareciam vender turisticamente esse Estado, o maior do Nordeste brasileiro. A atriz e cantora Carmen Miranda interpretou em 1939 a canção de Caymmi O que é que a Baiana Tem? no filme musical Banana da Terra – e, com a ajuda do cantor e compositor, estilizou e exportou a figura da baiana, que despertou em muita gente o desejo de conhecer essa terra mística e tropical.

O artista foi um dos responsáveis pela imagem idealizada que se formou do Estado da Bahia
Além de suas conhecidas Canções Praieiras, que evocam o mar e histórias de pescadores, compôs os Postais da Bahia, que descreviam o sincretismo no vestuário, na arquitetura, nas festas, na comida e na religião de sua terra. “Caymmi era uma espécie de antropólogo instintivo. Sua obra conserva a Bahia de sua época”, assinala Stella. Seus amigos Jorge Amado, escritor, e Carybé, artista plástico, fizeram o mesmo com suas respectivas disciplinas. Os três fizeram da cultura afro-baiana uma fonte de inspiração para suas criações. A Carybé está dedicada uma mostra na Casa de América, na qual 30 de suas gravuras dialogam com letras de canções de Caymmi.
Dorival Caymmi nasceu em uma família de classe média baixa. Sem ter acesso a recursos para desenvolver seu talento, incorporou a música de maneira autodidata. Com cerca de 100 canções e 20 discos gravados ao longo de 60 anos de carreira, considera-se que sua obra é pequena em quantidade, em comparação com a de outros artistas. Mas a qualidade e a inovação que imprimiu nela garantiram seu lugar na posteridade.