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23.2.19

Vinícius de Moraes: "Balada da moça do Miramar"




Balada da moça do Miramar


Silêncio da madrugada
No Edifício Miramar...
Sentada em frente à janela
Nua, morta, deslumbrada
Uma moça mira o mar.

Ninguém sabe quem é ela
Nem ninguém há de saber
Deixou a porta trancada
Faz bem uns dois cinco dias
Já começa a apodrecer
Seus ambos joelhos de âmbar
Furam-lhe o branco da pele
E a grande flor do seu corpo
Destila um fétido mel.

Mantém-se extática em face
Da aurora em elaboração
Embora formigas pretas
Que lhe entram pelos ouvidos
Se escapem por umas gretas
Do lado do coração.
Em volta é segredo: e móveis
Imóveis na solidão...
Mas apesar da necrose
Que lhe corrói o nariz
A moça está tão sem pose
Numa ilusão tão serena
Que, certo, morreu feliz.

A vida que está na morte
Os dedos já lhe comeu
Só lhe resta um aro de ouro
Que a morte em vida lhe deu
Mas seu cabelo de ouro
Rebrilha com tanta luz
Que a sua caveira é bela
E belo é seu ventre louro
E seus pelinhos azuis.

De noite é a lua quem ama
A moça do Miramar
Enquanto o mar tece a trama
Desse conúbio lunar
Depois é o sol violento
O sol batido de vento
Que vem com furor violeta
A moça violentar.

Muitos dias se passaram
Muitos dias passarão
À noite segue-se o dia
E assim os dias se vão
E enquanto os dias se passam
Trazendo a putrefação
À noite coisas se passam...
A moça e a lua se enlaçam
Ambas mortas de paixão.

Ah, morte do amor do mundo
Ah, vida feita de dar
Ah, sonhos sempre nascendo
Ah, sonhos sempre a acabar
Ah, flores que estão crescendo
Do fundo da podridão
Ah, vermes, morte vivendo
Nas flores ainda em botão
Ah, sonhos, ah, desesperos
Ah, desespero de amar
Ah, vida sempre morrendo
Ah, moça do Miramar!





MORAES, Vinícius de. "Balada da moça do Miramari". In:_____. Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

18.4.18

Vinícius de Moraes: "Soneto do Café Lamas"



Soneto do Café Lamas

No Largo do Machado a pedida era o "Lamas"
Para uma boa média e uma "canoa" torrada
E onde a noite cumpria ir tomar umas brahmas
E apanhar uma zinha ou entrar numa porrada.

Bebendo, na tenção de putas e madamas
Batidas de limão até de madrugada
Difícil era prever se o epílogo das tramas
Seria algum michê ou alguma garrafada.

E em meio a cafetões concertando tramóias
Estudantes de porre e mulatas bonitas
Sem saber se ir dormir ou ir na Lili das Jóias

Ordenar, a cavalo, um bom filé com fritas
E ao romper da manhã, não tendo mais aonde
Morrer de solidão no reboque de um bonde.





MORAES, Vinícius. "Soneto do Café Lamas". In: GIL, Daniel. A poesia esparsa de Vinícius de Moraes. Uma leitura de inéditos e (des)conhecidos. São Paulo: Todas as Musas, 2018.

6.12.16

Trecho de "Vinícius de Moraes, um rapaz de família", de Suzana Moraes

Vejam, no belo filme de Susana Moraes, "Vinícius de Moraes, um rapaz de família", uma conversa de Vinícius e Ferreira Gullar sobre o "Poema sujo":



2.8.16

Vinícius de Moraes: "Anfiguri"





Anfiguri


Aquilo que eu ouso
Não é o que quero
Eu quero o repouso
Do que não espero.

Não quero o que tenho
Pelo que custou
Não sei de onde venho
Sei para onde vou.

Homem, sou a fera
Poeta, sou um louco
Amante, sou pai.

Vida, quem me dera...
Amor, dura pouco...
Poesia, ai!...




MORAES, Vinícius de. "Anfiguri". In:_____. Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

21.4.16

Vinícius de Moraes: "Soneto de maio"




Soneto de maio

Suavemente Maio se insinua
Por entre os véus de Abril, o mês cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu.

Até a lua, a casta e branca lua
Esquecido o pudor, baixa o dossel
E em seu leito de plumas fica nua
A destilar seu luminoso mel.

Raia a aurora tão tímida e tão frágil
Que através do seu corpo transparente
Dir-se-ia poder-se ver o rosto

Carregado de inveja e de presságio
Dos irmãos Junho e Julho, friamente
Preparando as catástrofes de Agosto...



MORAES, Vinícius de. "Soneto de maio". In:_____. Nova antologia poética. Seleção e organização Antonio Cicero, Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005;

26.10.15

"A casa": Letra: Vinícius de Moraes / Música: Sergio Bardotti / Canto: Adriana Calcanhotto




A casa

Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque a casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na rua dos Bobos
Número zero.






Vejam que delícia Adriana Calcanhotto a cantar a canção "A casa", de Vinícius de Moraes e Sergio Bardotti, durante o lançamento do seu livro Antologia ilustrada da poesia brasileira, publicado pela Editora Casa da Palavra:


2.11.14

Vinícius de Moraes: "O poeta Hart Crane suicida-se no mar"




O poeta Hart Crane suicida-se no mar

Quando mergulhaste na água
Não sentiste como é fria
Como é fria assim na noite
Como é fria, como é fria?
E ao teu medo que por certo
Te acordou da nostalgia
(Essa incrível nostalgia
Dos que vivem no deserto...)
Que te disse a Poesia?

Que te disse a Poesia
Quando Vênus que luzia
No céu tão perto (tão longe
Da tua melancolia...)
Brilhou na tua agonia
De moribundo desperto?

Que te disse a Poesia
Sobre o líquido deserto
Ante o mar boquiaberto
Incerto se te engolia
Ou ao navio a rumo certo
Que na noite se escondia?

Temeste a morte, poeta?
Temeste a escarpa sombria
Que sob a tua agonia
Descia sem rumo certo?
Como sentiste o deserto
O deserto absoluto
O oceano absoluto
Imenso, sozinho, aberto?

Que te falou o Universo
O infinito a descoberto?
Que te disse o amor incerto
Das ondas na ventania?
Que frouxos de zombaria
Não ouviste, ainda desperto
Às estrelas que por certo
Cochichavam luz macia?

Sentiste angústia, poeta
Ou um espasmo de alegria
Ao sentires que bulia
Um peixe nadando perto?
A tua carne não fremia
À ideia da dança inerte
Que teu corpo dançaria
No pélago submerso?

Dançaste muito, poeta
Entre os véus da água sombria
Coberto pela redoma
Da grande noite vazia?
Que coisas viste, poeta?

De que segredos soubeste
Suspenso na crista agreste
Do imenso abismo sem meta?
Dançaste muito, poeta?
Que te disse a Poesia?


MORAES, Vinícius. Nova antologia poética. Seleção e org. Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

16.8.14

Vinícius de Moraes: "Dialética"




Dialética

É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...


MORAES, Vinícius de. Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

23.3.14

Vinícius de Moraes: "Soneto do maior amor"




Soneto do maior amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo



MORAES, Vinícius de. Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

13.10.13

Vinícius de Moraes: "O mosquito"






O mosquito

Parece mentira
De tão esquisito:
Mas sobre o papel
O feio mosquito
Fez sombra de lira!



MORAES, Vinícius de. Nova antologia poética. Org. de Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

28.10.12

Aderbal Freire Filho: programa "Arte do Artista", da TV Brasil, com participação dos poetas Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz





Eis o programa da TV Brasil "Arte do Artista", dirigido e estrelado por Aderbal Freire Filho, de que, a convite dele, participamos eu e Eucanaã Ferraz:


17.8.12

Vinícius de Moraes: "A anunciação"




A anunciação

Virgem! filha minha
De onde vens assim
Tão suja de terra
Cheirando a jasmim
A saia com mancha
De flor carmesim
E os brincos da orelha
Fazendo tlintlin?
Minha mãe querida
Venho do jardim
Onde a olhar o céu
Fui, adormeci.
Quando despertei
Cheirava a jasmim
Que um anjo esfolhava
Por cima de mim...



MORAES, Vinícius de. Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

15.4.12

Vinícius de Moraes: "Soneto do Corifeu"




Soneto do Corifeu

São demais os perigos dessa vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida

E se ao luar que atua desvairado
Vem unir-se uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher

Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
e que a vida não quer, de tão perfeita.

Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.



MORAES, Vinícius de. "Soneto do Corifeu". In:_____. Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

5.11.11

Vinícius de Moraes: "Máscara mortuária de Graciliano Ramos"




Máscara mortuária de Graciliano Ramos

Feito só, sua máscara paterna,
Sua máscara tosca, de acre-doce
Feição, sua máscara austerizou-se
Numa preclara decisão eterna.

Feito só, feito pó, desencantou-se
Nele o íntimo arcanjo, a chama interna
Da paixão em que sempre se queimou
Seu duro corpo que ora longe inverna.

Feito pó, feito pólen, feito fibra
Feito pedra, feito o que é morto e vibra
Sua máscara enxuta de homem forte.

Isto revela em seu silêncio à escuta:
Numa severa afirmação da luta,
Uma impassível negação da morte.



MORAES, Vinícius de. Nova antologia poética. Org. por Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

23.1.10

Eucanaã Ferraz no Maria Antonia




Nos “Encontros de Férias”, que estão tendo lugar no Centro Universitário Maria Antonia, da USP, o poeta EUCANAÃ FERRAZ estará, na próxima semana, de terça, dia 26, a quinta-feira, dia 28, das 20h às 22h30, orientando o curso VINICIUS DE MORAES E JOÃO CABRAL: O SIM CONTRA O SIM

O curso será sobre as particularidades das escritas de Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo Neto, através de um exame sucinto do conjunto de suas obras, desenvolvidas com base em diferentes linhagens do modernismo. Partindo das características mais conhecidas de sua produção, o lirismo de Vinicius e a objetividade antilírica de Cabral, o curso evidencia um diálogo insuspeitado entre suas poéticas, definidoras de caminhos singulares para a poesia brasileira.

Programa

26 de janeiro
O modernismo depois do modernismo
dois passos iniciais: a religiosidade de Vinicius e o surrealismo de João Cabral. A técnica do verso livre trabalhada em diferentes direções.

27 de janeiro
Dos céus à “nuvem civil”
do fechamento místico ao humanismo solidário (Vinicius); do isolamento surrealista à ética coletiva e à política (Cabral). A forma como controle da emoção: métricas e rimas no soneto e na quadra.

28 de janeiro
O coração e a pedra
lirismo versus antilirismo, confissão versus construção. O experimentalismo de Vinicius e a subjetividade de Cabral: sinais trocados? A presença de suas obras na historiografia literária e suas contribuições para a poesia contemporânea.


Eucanaã Ferraz é poeta e professor de literatura brasileira da UFRJ. Publicou, entre outros, os livros de poemas Rua do mundo (2004) e Cinemateca (2008), o volume Vinicius de Moraes (2006), na coleção Folha Explica, e é um dos organizadores de Poesia completa e prosa de Vinicius de Moraes (2004).

Vinicius de Moraes e João Cabral: o sim contra o sim
com Eucanaã Ferraz
26, 27 e 28 de janeiro
terça a quinta, 20 às 22h30
R$ 170

Inscrições
Centro Universitário Maria Antonia – 3° andar – sala de cursos
segunda a sexta das 10h às 18h

Informações
3255-7182 – ramal 32 e 33 – cursosma@usp.br

13.10.09

Vinícius de Moraes: "Pátria minha"




Pátria minha


A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria;
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como una fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinícius de Moraes."


MORAES, Vinícius de. Nova antologia poética. Seleção e organização Antonio Cicero, Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

29.7.09

Eucanaã Ferraz: Curso no POP: "Bandeira, Drummond, Vinícius, Cabral: Poesia brasileira em quatro tempos"

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Curso iniciando no dia 05 de agosto
Inscrições pelo tel. (21) 2286-3299 ou pelo site
www.polodepensamento.com.br

Propondo como principal exercício a leitura interpretativa de poemas, o curso investigará as principais vertentes, temas e procedimentos formais que definem as obras de quatro grandes poetas: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo Neto. Da vasta fortuna crítica desses autores, serão enfocadas algumas abordagens consideradas essenciais para uma visão de conjunto ou para o entendimento de determinados aspectos.

4 aulas às quartas-feiras, das 19h30 às 21h30

05 de agosto
Manuel Bandeira – Os primeiros livros e a estética neo-simbolista. O diálogo com os vanguardistas de 22, especialmente Mário de Andrade e Oswald de Andrade. A infância como fonte de poesia. A simplicidade e o acabamento formal. A busca do essencial.

12 de agosto
Carlos Drummond de Andrade – Da inadaptação do sujeito poético à dimensão político-social de A rosa do povo. A emoção e seu contraponto: o humour. Minas e a “viagem na família”. Experimentação e metalinguagem. O amor, o erotismo, a grande cidade.

19 de agosto
Vinicius de Moraes – Os primeiros livros: religiosidade e transcendência mística. A busca por uma poesia terrena e solidária. Do verso-livre à metrificação e ao soneto. O amor e a mulher - do poema à cancão. Outros Vinicius: a morte e o grotesco.

26 de agosto
João Cabral de Melo Neto – do surrealismo à engenharia. Lirismo e antilirismo. As relações entre a poesia e a arquitetura moderna: máquinas de comover. Poesia e sociedade. Paisagens: Pernambuco e Sevilha.

Eucanaã Ferraz é professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde se doutorou. Organizou, entre outros, de Caetano Veloso, Letra Só (2002) e O mundo não é chato, de Vinicius de Moraes, Poesia completa e prosa (2004) e a antologia Veneno antimonotonia (2005). Também é poeta, e publicou, entre outros títulos, Desassombro (2001), Rua do mundo (2004) e Cinemateca (2008).


POP-Pólo de Pensamento Contemporâneo
Rua Conde Afonso Celso, 103 - Jardim Botânico - CEP 22461-060
Tel. (21) 2286-3299 e 2286-3682

O POP - Polo de Pensamento Contemporâneo é um espaço de estudos, discussão e convívio, onde se realizam cursos, oficinas, palestras e eventos culturais.

20.7.09

Salgado Maranhão: Recensão de "Letras e letras da MPB", de Charles Perrone

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Recensão, pelo poeta Salgado Maranhão, da 2ª edição revisada de Letras e letras da MPB, de Charles Perrone (Rio de Janeiro: Booklink, 2008), com apresentação de Augusto de Campos.


Cada um no seu quadrado?


Mais de uma vez já se disse que a letra de música carece de escora melódica para se realizar. Poucas agüentam a solidão da página em branco. Quanto ao poema, trabalha com economia de palavras e nem sempre se ajusta à melodia. Não é qualquer bom poema que se rende à canção. Portanto, cada forma de expressão tem sua autonomia, mas as duas convivem muito bem, cada uma em seu viés.

Claro que isso não diz tudo, principalmente quando se trata da canção popular do Brasil: num país herdeiro de uma remota tradição da palavra cantada – onde até poetas renomados no mundo das letras se misturam aos cantores do povo -- tudo pode acontecer. É o que nos mostra o excelente Letras e Letras da MPB, do professor Charles Perrone, que sai pela editora Booklink, em segunda edição revista, após mais de 20 anos da primeira tiragem.

Não se trata de uma obra de estrangeiro deslumbrado com o exotismo de nossos artistas. Em seu trabalho, o autor demonstra uma enorme intimidade com o melhor da nossa música e das nossas letras. Dele nos diz o poeta Augusto de Campos, que assina a quarta capa do livro: “Mais de 20 anos de contato, pessoal e por correspondência, me fizeram conhecer de perto o prof. Charles A. Perrone, da universidade da florida, e apaixonado da cultura brasileira . Com a vantagem estratégica de uma perspectiva exterior e do conhecimento amplo das nossas duas áreas artísticas, a musical e a poética, ...”

No entanto o tema já é, por si só, um grande vespeiro entre nós – pelas paixões e discussões que suscita. Mas, embora a abordagem correta - sem hierarquizações de gêneros - seja um grande desafio, o prof. Perrone, soube dissecar com maestria suas virtudes específicas: “ Uma letra pode ser um belo poema mesmo tendo sido destinada a ser cantada. Mas é em primeiro lugar, um texto integrado a uma composição musical, e os julgamentos básicos devem ser calcados na audição para incluir a dimensão sonora no âmbito da análise . Contudo, se, independente da música, o texto de uma canção for literariamente rico, não há nenhuma razão para não se considerarem seus méritos literários.”

Não é de hoje que as letras, na musica brasileira, se destacam pela poeticidade . Nas primeiras décadas do século 20, quando a Semana de 22 (com Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira, principalmente, ) ainda tentava nos desatrelar do academicismo da poesia parnasiana, letristas como Noel Rosa, João de Barro e Orestes Barbosa já traziam o coloquialismo da fala das ruas em suas canções .Esses autores e os das décadas seguintes, formaram elos com a bossa nova, e até com o tropicalismo que, turbinados por múltiplas influências, carregavam não apenas a explosão do talento criador, mas, além disso, uma viva consciência critica. As canções desse período são o objeto de estudo do professor Perrone.

Sua análise, como não poderia deixar ser, começa por Vinicius de Morais, que deu maturidade à letra de música, elevando-a a um status que ela jamais teve . A inserção desse poeta no mundo da canção popular estabeleceu um verdadeiro paradigma -- por sua origem de puro sangue da poesia culta . A partir dele, ninguém ousaria discutir critério de qualidade. Porém a maior reflexão do livro se destina aos poetas da Tropicália que, ancorados no legado da Poesia Concreta, imprimiram à palavra cantada um toque de invenção e de manifesto . E é o próprio Caetano Veloso quem fala sobre isso: “Havia um ponto em que concordávamos plenamente : era preciso um aprofundamento em nossos recursos técnicos de modo que nossa comunicação não ficasse prejudicada por deficiências ou ignorâncias “ .

Até a Bossa Nova, a temática das canções era basicamente o amor romântico - salvo um Sérgio Ricardo, e, por vezes, Carlos Lyra ; ou ainda, eventualmente, uma ou outra letra do Vinicius ou dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle. Com os poetas tropicalistas ( Caetano, Torquato, Gil e Capinam ), o mundo salta para dentro das músicas . Os temas amorosos não são rejeitados, mas a eles se incorporam outros vasos comunicantes, como a cultura de massas, a arte pop e a poesia de vanguarda . Isso vai influenciar até mesmo Chico Buarque (vide Construção ) que segue um viés mais apegado à raíz do samba.

Na década de 70, era chique ser letrista. E até já se podia viver disso. Além dos autores já citados, firmou-se uma nova geração do primeiríssimo time, tais como : Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Ronaldo Bastos, Abel Silva, Fernando Brant, Sergio Natureza, Antonio Cicero, entre tantos outros.

Porém um dos principais méritos de Letras e Letras da MPB é, sem dúvida, nos apresentar as trocas e interconecções dos letristas com a chamada “poesia séria”. E o movimento da Poesia Marginal nasceu, justamente, dessa simbiose .O certo é que, independente de preconceitos e preferências, fica valendo a máxima de Murilo Mendes : “A poesia sopra onde quer”...


Texto publicado no caderno "Ideias", do Jornal do Brasil, sábado, 9 de maio de 2009.

3.7.09

Vinícius de Moraes: "Poética"

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Poética


De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.



MORAES, Vinícius de. Nova antologia poética. Org. de Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.