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31.8.14

Gregório Duvivier: "O país e o armário"




Hoje, em sua excelente coluna no Segundo Caderno de O Globo, Tony Bellotto chama atenção para a contundente crônica que Gregório Duvivier publicou na Folha de São Paulo no dia 25 do corrente. Achei importante postá-la aqui:


Gregório Duvivier


O país e o armário


É constrangedor ver todos os principais candidatos se estapeando pelo voto conservador


"Todo ano, um milhão de mulheres fazem aborto na França. Eu sou uma dessas mulheres. Eu abortei." O manifesto foi assinado por 343 mulheres e publicado no Nouvel Observateur, em 1971.

O Estado francês tinha duas opções: prender essas mulheres ou reconhecer que elas não fizeram nada de errado. O Estado não prenderia 343 mulheres. Ou melhor: não essas mulheres. Dentre as assinaturas, estavam as de Ariane Mnouchkine, Catherine Deneuve, Jeanne Moreau, Marguerite Duras. A redatora do manifesto era ninguém menos que Simone de Beauvoir. Não prenderam ninguém.

A esse manifesto, seguiram-se outros: 331 médicos assumiram-se a favor da causa. Na Alemanha, mais 374 mulheres assinaram um manifesto em que diziam: Wir haben abgetrieben. Nós abortamos. Entre as mulheres, Romy Schneider e Senta Berger. Em 1975 o aborto deixa de ser crime na França e passa a ser chamado de "interrupção voluntária de gravidez". A interrupção passa a ser "livre e gratuita" até a décima semana de gestação.

Estamos muito longe dessa lei por aqui. Nenhum dos candidatos a presidente parece interessado em discuti-la. Tampouco a classe artística está interessada em sair do armário nesse assunto.

O Brasil vai na direção oposta. É constrangedor ver todos os principais candidatos se estapeando pelo eleitorado conservador. Não se trata de propor mudanças, trata-se de vender apego à tradição. "Você me conhece, sabe que eu sou o que mais acredita em Deus, o que mais passou longe de dar a bunda, de cheirar pó, olhem só como a minha é filha virgem, olhem só como o meu filho é hétero." Todos estão desesperados pelo voto conservador. Estranhamente, ninguém está nem aí pro voto aborteiro.

Se as eleições, como anuncia o plantão da Globo, são a festa da democracia, essa festa, Dona Globo, está meio caída --ou fui eu que bebi pouco. Na minha opinião, tem pastor demais e maconha de menos. A maioria dos candidatos não fede nem cheira --a não ser um deles, que cheira.

Um amigo gay outro dia disse que "levantar bandeira é cafona e quem sai do armário é porque quer atenção". Amigo, tudo bem, ninguém é obrigado a sair do armário. Mas você não precisa trancar a porta por dentro.

Sair do armário não é um ato exibicionista. Levantar bandeira também não. O manifesto das 343 vagabundas, como ficou conhecido, não permitiu às manifestantes que elas fizessem um aborto. Elas já o tinham feito. Permitiu às suas filhas e netas.

Ateus, maconheiros, vagabundas, pederastas, sapatões e travestis do mundo: uni-vos. Porque o lado de lá tá bem juntinho.




24.6.14

Tony Bellotto: "A Zelite Branca"

O seguinte texto fez parte da espirituosa coluna de Tony Bellotto intitulada "A Zelite Branca e outras histórias", publicada no domingo, 22 de junho do corrente, no Segundo Caderno do Jornal O Globo.




A Zelite Branca

A Zelite Branca é uma sociedade secreta brasileira mais ou menos equivalente à Klu Klux Klan norte-americana. A odiosa Zelite Branca adora xingar oprimidos em geral e mulheres negras, pobres e exploradas em particular, principalmente as oriundas de classes baixas e desassistidas, como Marta Suplicy e Dilma Rousseff. A expressão maior da Zelite Branca é o juiz Joaquim Barbosa, branco elitista, nascido em família rica e abastada, descendente direto da nobreza imperial. Como dizem negros pobres referindo-se a Michael Jackson, fazendo valer a cota de retaliação histórica que lhes é permitida por tantos anos de opressão: branco rico é foda, quando não caga na entrada, caga na saída.