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27.1.11

Keith Parsons: "Adeus a tudo aquilo"




O seguinte artigo do professor de filosofia da religião Keith Parsons tornou-se, como diz a comentadora Julia Galef, “viral” na Internet. Ele foi reproduzido e comentado em inúmeros sites e blogs.

Parsons sempre foi crítico do teísmo, o que não é comum em professores de filosofia da religião. Mas se estes são, em sua maioria, teístas, por outro lado, a maioria dos filósofos (73%, segundo uma pesquisa recente citada por Julia Galef), é composta de ateus.

John Fischer, outro filósofo da religião ateu, professor da Universidade da California Riverside, diz: “Creio que a maior parte dos filósofos basicamente concorda com um livro que John Mackie escreveu muitos anos atrás chamado
O milagre do teísmo. O milagre a que ele se refere é que alguém possa ser teísta hoje em dia. Para os filósofos, a decisão contra Deus foi resolvida centenas de anos atrás. A filosofia da religião parece muito com apologética, isto é, com um esforço para racionalizar crenças pré-existentes. O rebuliço em torno de Parsons trouxe à tona algo que existe: um desprezo ou ceticismo que muitos filósofos sentem sobre a validade da filosofia da religião.

O que Fisher diz pode ser exemplificado por um texto do importante filósofo norte-americano John Searle, que traduzi para este blog em maio de 2009 e se encontra aqui: http://antoniocicero.blogspot.com/2009/05/john-r-searle-de-mind-language-and.html. Eu o havia citado em outubro de 2007, em artigo para a “Ilustrada”, da
Folha de São Paulo, que se encontra aqui: http://antoniocicero.blogspot.com/2007/10/crtica-e-religio.html.


Adeus a tudo aquilo

Ao longo dos últimos dez anos publiquei, neste ou naquele veículo, cerca de vinte trabalhos sobre a filosofia da religião. Tenho um livro sobre o assunto, Deus e o ônus da prova, e outro que critica a apologética cristã, Por que não sou um cristão. Durante minha carreira acadêmica debati com William Lane Craig duas vezes e duas vezes com criacionistas. Escrevi uma tese de mestrado e uma de doutorado sobre a filosofia da religião, e ministrei cursos sobre o assunto inúmeras vezes. Mas não mais. Basta. Estou de volta ao meu interesse real, que se situa na história e filosofia da ciência e, após terminar alguns compromissos em andamento, não escreverei mais nada sobre a filosofia da religião. Eu poderia dar muitos motivos. Por um lado, acho que um grande número de filósofos representaram os argumentos a favor do ateísmo e do naturalismo tão bem quanto possível. Graham Oppy, Jordan Howard Sobel, Nicholas Everitt, Michael Martin, Robin Le Poidevin e Richard Gale têm produzido obras de grande sofisticação que destroem os argumentos teístas tanto em suas formulações clássicas quanto nas mais recentes. Ted Drange, JL Schellenberg, Andrea Weisberger, e Nicholas Trakakis apresentaram poderosos, e, a meu ver, irrespondíveis argumentos ateológicos. Gregory Dawes tem um livro extraordinário mostrando exatamente o que há de errado com "explicações" teístas. Erik Wielenberg mostra muito claramente que a ética não precisa de Deus. Com humildade honesta, realmente não creio que tenha muito a acrescentar a estas obras excelentes.

Em primeiro lugar, porém, o que me motiva é um sentimento de tédio, por um lado, e de urgência, por outro. Dois anos atrás, ministrei um curso de filosofia da religião. Estávamos usando, entre outras obras, Cartas para um Thomas em dúvida: argumentos a favor da existência de Deus, de Stephen C. Layman. Nas aulas tento apresentar material que considero antitético ao meu próprio ponto de vista da forma mais justa imparcial possível. Com o livro de Layman, fiz um esforço enorme para consegui-lo. Achei-me, literalmente, temendo ter de passar por essa obra em sala de aula: não, deixe-me salientar, porque estivesse intimidado pela força dos argumentos. Ao contrário, achei os argumentos tão execráveis e sem sentido que me aborreciam e enojavam. Ora, Layman não é um maluco ou um ignorante, ele é o autor de um livro de lógica muito útil. Tenho que confessar que hoje considero "os argumentos a favor do teísmo" como fraudes e já não consigo apresentá-los aos alunos como se represetassem uma posição filosófica respeitável, assim como não conseguiria apresentar o desígnio inteligente como uma teoria biológica legítima. Aliás, ao dizer que considero os argumentos para o teísmo como fraudes, não pretendo acusar as pessoas que os usam de vigaristas, que visam enganar-nos com afirmações que sabem serem falsas. Não: os filósofos teístas e apologistas são quase dolorosamente sinceros e honestos; não penso que haja um Bernie Madoff no grupo. Simplesmente não consigo mais levar a sério seus argumentos e, quando não conseguimos levar uma coisa a sério, não devemos lhes dispensar uma atenção acadêmica séria. Passei para um colega os cursos de filosofia da religião.

Como disse, há também um sentido de urgência. Acabo de completar 58 anos e quero dedicar os relativamente poucos anos restantes de minha vida acadêmica àquilo que não apenas respeito, mas amo. Adoro a astronomia; adoro a geologia; adoro a paleontologia, e acho a história desses campos fascinante. Também estou muito interessado nos problemas filosóficos associados com as ciências históricas. Como compreender e reconstituir acontecimentos que tiveram lugar no fundo do tempo é um interesse profundo e permanente para mim. Publiquei dois livros sobre a história da paleontologia de dinossauros, e voltarei a esse tipo de coisa.

Assim, com exceção dos compromissos que estou terminando agora, abandono a filosofia da religião. Talvez ainda responda a algumas críticas aos meus trabalhos publicados. Por exemplo, o Secular Web tem uma crítica longa do meu ensaio "Não se necessida de criador”, e eu poderia responder a ela. Continuarei de vez em quando a postar coisas no Secular Outpost. Quanto ao resto de vocês, que estão combatendo o bom combate contra o sobrenaturalismo, por favor continuem. Alguém precisa se opor a esse tipo de coisa. Apenas, não serei eu.

Keith Parsons


PARSONS, Keit. "Goodbye to all that". The secular outpost. Disp. em: http://secularoutpost.infidels.org/2010/09/goodbye-to-all-that.html. Postado em 01/09/2010.