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20.3.21

Arthur Rimbaud: "Le buffet" / "O armário": trad. de Ivo Barroso

 



O armário



Grande armário esculpido: o carvalho sombreado,

Muito antigo, adquiriu esse ar de bom dos idosos;

E, aberto, o armário espraia em sua sombra ao lado,

Como um jorro de vinho, odores capitosos;


Repleto, é uma babel de velhas velharias,

Recendentes lençóis encardidos, fustões

De infante ou feminis, as rendas alvadias

E os xales das avós pintados de dragões;


– Em ti podem-se achar os medalhões as mechas,

Os retratos, a flor ressequida que fechas,

Cujo perfume lembra o dos frutos dormidos.


– Ó armário de outrora, as histórias que exortas

E amarias contar, com teus roucos gemidos,

Quando se abrem de leve as tuas negras portas.








Le buffet




C'est un large buffet sculpté ; le chêne sombre,

Très vieux, a pris cet air si bon des vieilles gens ;

Le buffet est ouvert, et verse dans son ombre

Comme un flot de vin vieux, des parfums engageants ;



Tout plein, c'est un fouillis de vieilles vieilleries,

De linges odorants et jaunes, de chiffons

De femmes ou d'enfants, de dentelles flétries,

De fichus de grand'mère où sont peints des griffons ;



– C'est là qu'on trouverait les médaillons, les mèches

De cheveux blancs ou blonds, les portraits, les fleurs sèches

Dont le parfum se mêle à des parfums de fruits.



– Ô buffet du vieux temps, tu sais bien des histoires,

Et tu voudrais conter tes contes, et tu bruis

Quand s'ouvrent lentement tes grandes portes noires.







RIIMBAUD,  Arthur. "Le buffet" / "O armário". In:_____. Poesia completa. Trad. de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995. 
 


16.12.20

Arthur Rimbaud: "Ma Bohème" / "Minha Boêmia"

 



Minha Boêmia

   (fantasia)


Lá ia eu, de mãos nos bolsos descosidos;

Meu paletó também tornava-se ideal;

Sob o céu, Musa! Eu fui teu súdito leal.

Puxa vida! A sonhar amores destemidos!


O meu único par de calças tinha furos.

– Pequeno Polegar do sonho ao meu redor

Rimas espalho. Albergo-me à Ursa Maior.

– Os meus astros no céu rangem frêmitos puros.


Sentado, eu os ouvia, à beira do caminho,

Nas noites de setembro, onde senti tal vinho

O orvalho a rorejar-me as fronte em comoção;


Onde, rimando em meio à imensidões fantásticas,

Eu tomava, qual lira, as botinas elásticas

E tangia um dos pés junto ao meu coração!





Ma Bohème

 (fantaisie)


Je m’en allais, les poings dans mes poches crevées ;

Mon paletot aussi devenait idéal ;

J’allais sous le ciel, Muse! et j’étais ton féal ;

Oh! là! là! que d’amours splendides j’ai rêvées !


Mon unique culotte avait un large trou.

– Petit-Poucet rêveur, j’égrenais dans ma course

Des rimes. Mon auberge était à la Grande-Ourse.

– Mes étoiles au ciel avaient un doux frou-frou


Et je les écoutais, assis au bord des routes,

Ces bons soirs de septembre où je sentais des gouttes

De rosée à mon front, comme un vin de vigueur ;


Où, rimant au milieu des ombres fantastiques,

Comme des lyres, je tirais les élastiques

De mes souliers blessés, un pied près de mon coeur !










RIMBAUD, Arthur. "Ma Bohème" / "Minha Boêmia". In: BARROSO, Ivo (org. e trad.). Arthur Rimbaud. Poesia completa. Edição bilingue. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.



27.5.18

Arthur Rimbaud: "Bonne pensée du matin" / "Bom augúrio matutino": trad. de Ivo Barroso



Bom augúrio matutino

Verão, às quatro da madrugada
O sono do amor ainda demora.
Sob os bosques dispersa a aurora
            O odor da noite festejada.

Mas lá, em seus imensos canteiros
De obras, em mangas de camisa,
Ao sol das Hespérides, já se agitam
            Os carpinteiros.

Em seus desertos de serragem,
Caros lambris preparam, lentos,
Em que a riqueza da cidade
          Verá falsos firmamentos.

Ah! por esses belos Fabricantes,
Súditos de um rei da Babilônia,
Vênus! deixa um pouco os Amantes
          Com as almas em coroa.

          Rainha dos Pastores!
   Dai-lhes o trago deste dia,
   Para que em paz recobrem forças
À espera do banho de mar, ao meio-dia.





Bonne pensée du matin

À quatre heures du matin, l'été,
Le sommeil d'amour dure encore.
Sous les bosquets, l'aube évapore
          L'odeur du soir fêté.

Mais là-bas dans l'immense chantier
Vers le soleil des Hespérides,
En bras de chemise, les charpentiers
          Déjà s'agitent.

Dans leur désert de mousse, tranquilles,
Ils préparent les lambris précieux
Où la richesse de la ville
          Rira sous de faux cieux.

Ah ! pour ces Ouvriers charmants
Sujets d'un roi de Babylone,
Vénus ! laisse un peu les Amants
          Dont l'âme est en couronne

          Ô Reine des Bergers !
  Porte aux travailleurs l'eau-de-vie.
  Pour que leurs forces soient en paix
En attendant le bain dans la mer, à midi.





RIMBAUD, Arthur. "Bonne pensée du matin" / "Bom augúrio matutino". In:_____. Poesia completa. Edição bilingue. Trad. de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

11.3.18

Arthur Rimbaud: "Ô saisons, ô châteaux" / "Ó castelo, ó sazões": trad. de Ivo Barroso



Ó castelo, ó sazões

Ó castelo, ó sazões
Que alma é sem senões?

Ó castelo, ó sazões,

Eu fiz o mágico estudo
Da ventura, que diz tudo.

Dai-lhe vivas toda vez
Cante seu galo gaulês.

Meu anseio é coisa ida,
Ele ocupou minha vida.

Esse Encanto! o corpo e a alma
Tomou-me, trazendo a calma.

Minha canção, o que entoa?
Por ele ela foge e voa!

[Se a desventura me aperta,
A desgraça será certa.

Que seu des prezo, ai de mim!
Me leve ao mais breve fim!

– Ó Castelo, ó Sazões!]




Ô saisons, ô châteaux

Ô saisons, ô châteaux,
Quelle âme est sans défauts ?

Ô saisons, ô châteaux,

J'ai fait la magique étude
Du Bonheur, que nul n'élude.

Ô vive lui, chaque fois
Que chante son coq gaulois.

Mais ! je n'aurai plus d'envie,
Il s'est chargé de ma vie.

Ce Charme ! il prit âme et corps,
Et dispersa tous efforts.

Que comprendre à ma parole ?
Il fait qu'elle fuie et vole !

Ô saisons, ô châteaux !

[ Et, si le malheur m'entraîne,
Sa disgrâce m'est certaine.

Il faut que son dédain, las !
Me livre au plus prompt trépas !

- Ô Saisons, ô Châteaux !]




RIMBAUD, Arthur. "Ô saisons, ô châteaux"/ "Ó castelo, ó sazões". In:_____. Poesia completa. Edição bilingue. Trad. de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995. 

6.7.15

Arthur Rimbaud: "Âge d'or" / "Idade de ouro": trad. Ivo Barroso




Idade de ouro

Qualquer voz assim
Angélica e rica
– Trata-se de mim, –
De cara se explica

O mar de questões
E toda procura
Não trazem senão
Ebriez e loucura;

Reconhece o humor
Tão fácil, que brilha,
É tudo onda, flora,
E é tua família!

Pois ela canta. Ó
Tão fácil, tranquila.
Visível a olho nu...
– eu canto com ela, –

Reconhece o humor
Tão fácil, que brilha,
É tudo onda, flora,
E é tua família!

E uma voz enfim
– Angélica e rica! –
Trata-se de mim,
É claro, se explica;

Num hálito irmão
Canta de repente
Em tom alemão
Mas sonora e ardente:

O mundo é vicioso,
Se isso te apavora!
Vive e deita ao fogo
A desgraça obscura.

Ó belo castelo!
Tua vida é pura!
De que idade és tu,
Príncipe natura
Desse irmão mais velho! etc...

Também canto: em voz,
Mil irmãs que sois,
Não de todo pública!
Envolvei-me vós
De uma glória abúlica... etc...



Âge d'or

Quelqu'une des voix
Toujours angélique
– Il s'agit de moi, –
Vertement s'explique :

Ces mille questions
Qui se ramifient
N'amènent, au fond,
Qu'ivresse et folie ;

Reconnais ce tour
Si gai, si facile :
Ce n'est qu'onde, flore,
Et c'est ta famille !

Puis elle chante. Ô
Si gai, si facile,
Et visible à l'oeil nu...
- Je chante avec elle, -

Reconnais ce tour
Si gai, si facile,
Ce n'est qu'onde, flore,
Et c'est ta famille !

Et puis une voix
– Est-elle angélique ! –
Il s'agit de moi,
Vertement s'explique ;

Et chante à l'instant
En soeur des haleines :
D'un ton Allemand,
Mais ardente et pleine :

Le monde est vicieux ;
Si cela t'étonne !
Vis et laisse au feu
L'obscure infortune.

Ô ! joli château !
Que ta vie est claire !
De quel Âge es-tu,
Nature princière
De notre grand frère ! etc...

Je chante aussi, moi :
Multiples soeurs ! voix
Pas du tout publiques !
Environnez-moi
De gloire pudique... etc...



RIMBAUD, Arthur. "Âge d'or" / "Idade de ouro". Trad. Ivo Barroso. In:_____. Poesia completa. Edição bilingüe. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

30.1.14

Arthur Rimbaud: "Obscur et froncé comme un oeillet violet" / "Franzida e obscura flor, como um cravo violeta": trad. Ivo Barroso




Franzida e obscura flor, como um cravo violeta,
Respira, humildemente anichado na turva
Relva úmida de amor que segue a doce curva
Das nádegas até ao coração da greta.

Filamentos iguais a lágrimas de leite
Choraram sob o vento ingrato que as descarna
E as impele através de coágulos de marna
Para enfim se perder na rampa do deleite.


Meu sonho tanta vez se achegou a essa venta;
Do coito material, minha alma ciumenta
Fez dele um lacrimal e um ninho de gemidos.

É a oliva extasiada e a flauta embaladora,
O tubo pelo qual desce o maná de outrora,
Canaã feminil dos mostos escondidos.




Obscur et froncé comme un œillet violet,
Il respire, humblement tapi parmi la mousse
Humide encor d'amour qui suit la fuite douce
Des fesses blanches jusqu'au cœur de son ourlet.
Des filaments pareils à des larmes de lait
Ont pleuré sous l’autan cruel qui les repousse,
À travers de petits caillots de marne rousse
Pour s'aller perdre où la pente les appelait.
Mon rêve s'aboucha souvent à sa ventouse;
Mon âme, du coït matériel jalouse,
En fit son larmier fauve et son nid de sanglots.
C'est l'olive pâmée, et la flûte câline ;
C'est le tube où descend la céleste praline :
Chanaan féminin dans les moiteurs enclos.




RIMBAUD, Arthur. "Les stupra" / "Os stupra". In: Poesia completa. Edição bilingue. trad.: Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.

21.7.13

Arthur Rimbaud: "Voyelles" / "Vogais": trad. Ivo Barroso





Vogais

A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul: vogais,
Um dia hei de dizer vossas fontes latentes:
A, negro e veludoso enxame de esplendentes
Moscas a varejar em torno aos chavascais,

Golfos de sombra; E, alvor de tendas tumescentes,
Lanças de gelo altivo, arfar de umbelas reais;
I, púrpuras, cuspir de sangue, arcos labiais
Sorrindo em fúria ou nos transportes penitentes;

U, ciclos, vibrações dos mares verdes, montes
Semeados de animais pastando, paz das frontes
Rugosas de buscar alquímicos refolhos;

O, supremo Clarin de estridores profundos,
Silêncios a esperar pelos Anjos e os Mundos:
- O, o Ômega, clarão violáceo de Seus Olhos!                         ...

                 ...


A estrela chorou rosa ao fundo de tua orelha,
O espaço rolou branco entre a nuca e o quadril
O mar perolou ruivo a mamila vermelha
E o homem sangrou negro o flanco senhoril.





Voyelles

A   noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu: voyelles,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes:
 A,  noir  corset velu des mouches éclatantes
Qui bombinent autour des puanteurs cruelles,

Golfes d'ombre; E, candeur des vapeurs et des tentes,
Lances des glaciers, fiers, rois blancs, frissons d'ombelles;
I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles
Dans la colère ou les ivresses pénitentes;

U cycles vibrements divins des mers virides,
Paix des pâtis semés d'animaux, paix des rides
Que l'alchimie imprime aux grands fronts studieux;

O, suprême Clairon plein des strideurs étranges,
Silences traversés des Mondes et des Anges:
- O l'Oméga, rayon violet de Ses Yeux!

                                ...

- L'étoile a pleuré rose au coeur de tes oreilles,
L'infini roulé blanc de ta nuque à tes reins
La mer a perlé rousse à tes mammes vermeilles
Et l'Homme saigné noir à ton flanc souverain.




RIMBAUD, Arthur. Poesia completa. Edição bilingue. Trad. Ivo Barroso. Rio de Janeiro, Topbooks, 1995.

13.4.13

Arthur Rimbaud: "L'Éternité" / "A Eternidade": trad. Ivo Barroso






A Eternidade

Achada, é verdade?
Quem? A Eternidade.
É o mar que se evade
Com o sol à tarde.

Alma sentinela
Murmura teu rogo
De noite tão nula
E um dia de fogo.

A humanos sufrágios,
E impulsos comuns
Que então te avantajes
E voes segundo...

Pois que apenas delas,
Brasas de cetim,
O Dever se exala
Sem dizer-se: enfim.

Nada de esperança,
E nenhum oriétur.
Ciência em paciência,
Só o suplício é certo.

Achada, é verdade?
Quem? A Eternidade.
É o mar que se evade
Com o sol à tarde.




L'Éternité

Elle est retrouvée.
Quoi ? - L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.

Ame sentinelle,
Murmurons l'aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.

Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.

Puisque de vous seules,
Braises de satin,
Le Devoir s'exhale
Sans qu'on dise : enfin.

Là pas d'espérance,
Nul orietur.
Science avec patience,
Le supplice est sûr.

Elle est retrouvée.
Quoi ? - L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.




RIMBAUD, Arthur. Poesia completa. Edição bilingue. Trad. Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.



18.1.10

Arthur Rimbaud: "Le dormeur du val" / "O adormecido do vale": tradução de Ivo Barroso





O Adormecido do vale

Era um recanto onde um regato canta
Doidamente a enredar nas ervas seus pendões
De prata; e onde o sol, no monte que suplanta,
Brilha: um pequeno vale a espumejar clarões.

Jovem soldado, boca aberta, fronte ao vento,
E a refrescar a nuca entre os agriões azuis,
Dorme; estendido sobre as relvas, ao relento,
Branco em seu leito verde onde chovia luz.

Os pés nos juncos, dorme. E sorri no abandono
De uma criança que risse, enferma, no seu sono:
Tem frio, ó Natureza – aquece-o no teu leito.

Os perfumes não mais lhe fremem as narinas;
Dorme ao sol, suas mãos a repousar supinas
Sobre o corpo. E tem dois furos rubros no peito.



Le dormeur du val

C'est un trou de verdure où chante une rivière
Accrochant follement aux herbes des haillons
D'argent; où le soleil, de la montagne fière,
Luit: c'est un petit val qui mousse de rayons.

Un soldat jeune, bouche ouverte, tête nue,
Et la nuque baignant dans le frais cresson bleu,
Dort; il est étendu dans l'herbe, sous la nue,
Pâle dans son lit vert où la lumière pleut.

Les pieds dans les glaïeuls, il dort. Souriant [comme
Sourirait un enfant malade, il fait un somme :
Nature, berce-le chaudement: il a froid.

Les parfums ne font pas frissonner sa narine ;
Il dort dans le soleil, la main sur sa poitrine
Tranquille. Il a deux trous rouges au côté droit.




RIMBAUD, Arthur. Poesia completa. Edição bilingue. Tradução de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

11.11.08

William Shakespeare: Soneto LXXIII. Tradução de Ivo Barroso

Soneto LXXIII

Em mim tu podes ver a quadra fria
Em que as folhas, já poucas ou nenhumas,
Pendem do ramo trêmulo onde havia
Outrora ninhos e gorjeio e plumas.
Em mim contemplas essa luz que apaga
Quando no poente o dia se faz mudo
E pouco a pouco a negra noite o traga,
Gêmea da morte, que cancela tudo.
Em mim tu sentes resplender o fogo
Que ardia sob as cinzas do passado
E num leito de morte expira logo
Do quanto que o nutriu ora esgotado.

Sabê-lo faz o teu amor mais forte
Por quem em breve há de levar a morte.



SHAKESPEARE, William. "Soneto LXXIII". In:_____. 50 sonetos. Trad. de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.




Sonnet LXXIII

That time of year thou mayst in me behold,
When yellow leaves, or none, or few do hang
Upon those boughs which shake against the cold,
Bare ruined choirs, where late the sweet birds sang.
In me thou seest the twilight of such day,
As after sunset fadeth in the west,
Which by and by black night doth take away,
Death's second self that seals up all in rest.
In me thou seest the glowing of such fire,
That on the ashes of his youth doth lie,
As the death-bed, whereon it must expire,
Consumed with that which it was nourished by.

This thou perceiv'st, which makes thy love more strong,
To love that well, which thou must leave ere long.



SHAKESPEARE, William. The complete works. Edited with a glossary by W.J. Craig. London: Oxford University Press, 1957.

25.3.08

Arthur Rimbaud: Venus Anadiomène

Em comentário aos "Quatro sonetos a Afrodite Anadiómea" de Jorge de Sena, Homo Antiquus citou o soneto "Venus Anadyomène", de Rimbaud. Ei-lo, seguido da tradução de Ivo Barroso:


Venus Anadyomène

Comme d’un cercueil vert en fer blanc, une tête
De femme à cheveux bruns fortement pommadés
D’une vieille baignoire émerge, lente et bête,
Avec des déficits assez mal ravaudés;

Puis le col gras et gris, les larges omoplates
Qui saillent; le dos court qui rentre et qui ressort;
Puis les rondeurs des reins semblent prendre l’essor;
La graisse sous la peau paraît en feuilles plates:

L’échine est un peu rouge, et le tout sent un goût
Horrible étrangement; on remarque surtout
Des singularités qu’il faut voir à la loupe…

Les reins portent deux mots gravés: CLARA VENUS;
—Et tout ce corps remue et tend sa large croupe
Belle hideusement d’un ulcère à l’anus.




Vênus Anadiomene

Qual de um verde caixão de zinco, uma cabeça
Morena de mulher, cabelos emplastados,
Surge de uma banheira antiga, vaga e avessa,
Com déficits que estão a custo retocados.

Brota após grossa e gorda a nuca, as omoplatas
Anchas; o dorso curto ora sobe ora desce;
Depois a redondez do lombo é que aparece;
A banha sob a carne espraia em placas chatas;

A espinha é um tanto rósea, e o todo tem um ar
Horrendo estranhamente; há, no mais, que notar
Pormenores que são de examinar-se à lupa...

Nas nádegas gravou dois nomes: Clara Vênus;
-- E o corpo inteiro agita e estende a ampla garupa
Com a bela hediondez de uma úlcera no ânus.



De: RIMBAUD, Arthur. Poesia completa. Edição biligue. tradução de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.

Obs.: A edição citada conta com excelentes notas explicativas.