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26.10.18
14.10.18
Caetano Veloso: "Olavo faz incitação à violência; convoco meus concidadãos a repudiá-lo"
Olavo faz incitação à violência; convoco meus concidadãos a repudiá-lo
CAETANO VELOSO
Olavo de Carvalho sugere em texto que, caso Bolsonaro se eleja, imediatamente à sua posse seus opositores sejam não apenas derrotados mas totalmente destruídos enquanto grupos, organizações e até indivíduos.
Ele diz que os que consideram Bolsonaro uma ameaça à democracia não estão lutando para vencer uma eleição e sim "pela sobrevivência política, social e até física". Isso é anúncio de autoritarismo matador.
Bolsonaro já disse que a ditadura matou pouco, já apareceu usando tripé de câmera como fuzil a metralhar petistas, já louvou o torturador e assassino coronel Brilhante Ustra. Quando atacado a faca por um maníaco, todos os outros concorrentes à presidência condenaram veementemente o atentado e seu autor; quando um eleitor seu matou um artista baiano que declarara voto no PT, Bolsonaro disse que não tinha nada a ver com isso.
Esse texto de Olavo anuncia uma escalada de ações violentas e conclama seus seguidores a perpetrá-las tão logo Bolsonaro chegue (se ele chegar) ao Alvorada.
É evidente que todo cidadão brasileiro que mereça esse nome –seja ele Fernando Henrique Cardoso, Roberto Carlos, Roberto Schwartz, Suzana Vieira, Chico Buarque, Luiz Tenório de Oliveira Lima, Letícia Sabatela, Fernando Haddad, Zezé de Camargo, Miriam Leitão ou ACM Neto – deve agir contra a possibilidade de eleição de Bolsonaro. A não ser que este desautorize publicamente o texto de Olavo. Único modo, aliás, de dar credibilidade a suas tentativas de amenizar o sentido de seus antigos brados.
Olavo, o sub-Heidegger do nosso sub-Hitler (ou sub-Spengler do nosso sub-Goebbels), diz que petistas, artistas, mídia, professores, jornalistas e intelectuais apelam a recursos ilícitos e imorais para obter vitória. No entanto, acabo de ler um texto em letras grandes, produzido pelos correligionários do capitão, que diz: "O PT QUEBRA IMAGENS, ESFREGA O CRUCIFIXO NOS ÓRGÃOS GENITAIS, URINAM (sic) NA BÍBLIA E AGORA QUER APOIO CATÓLICO".
Deve ser a milionésima fake-news expedida pela campanha bolsonarista. Olavo é figura histórica da anti-esquerda. Catequizou gerações de jovens brasileiros a um anticomunismo delirante e ressentido.
Faz décadas uma jovem conhecida minha tinha se convertido ao islamismo através dos ensinamentos de Olavo, seu carismático professor. A força dos parágrafos de Fritjof Schuon, autor que li fascinado, devem ter chegado com beleza aos ouvidos da moça, através das explanações brilhantes de Olavo. Mas desconfio de que o que o animava não era a beleza do Islã, sua tradição, sua riqueza espiritual. O que o entusiasmava eram as teocracias tardias que o desfiguram.
Olavo hoje posa nos EUA segurando arma pesada. Quão útil será sua cruzada para a indústria armamentista? É-se inocente útil mesmo quando se torna paranoicamente suspicaz. Para ele, o que há na aventura da modernidade é necessariamente o mal.
Intelectual erudito e mente insana, nem sabe que eu só sei de um caso de artista que masturbava-se com um crucifixo (ele o declarou em entrevista na TV) – e era justamente um que hoje aparece ao seu lado.
Eu nunca fui petista. Nunca fui comunista. Odeio ter ouvido de Dirceu que o caso não é de ganhar eleição mas de tomar o poder. Meu pai me ensinou a ser anti-stalinista e, vendo a discrepância entre a vida real dos trabalhadores e os planos das "vanguardas” políticas, aprendi a ser anti-leninista (diante das filas para ver a múmia de Lenin em Moscou, reafirmou-se meu desprezo: detesto o mais ínfimo resquício de culto à personalidade que ronda Lula). Mas farei o que me for possível para vencer o crescimento da desigualdade e, acima de tudo, defenderei os direitos da pessoa humana.
Considero o texto de Olavo incitação à violência. Convoco meus concidadãos a repudiá-lo. Ou vamos fingir que o candidato dele já venceu a eleição e, por isso, pode mandar matar quem não votou nele? Respeitarei como presidente quem quer que se eleja. Mas exijo dele que exiba compromisso com os direitos da pessoa humana e, como os outros cidadãos, rejeite o que foi sugerido por Olavo de Carvalho.
VELOSO, Caetano. "OLavo faz incitação à violência; convoco meus concidadãos a repudiá-lo". In: Folha de São Paulo, 14/10/2018.
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10.10.18
5.4.18
Antonio Carlos Secchin: "Caetano Veloso: Londres e São Paulo"
Assistam à gravação da belíssima palestra do acadêmico Antonio Carlos Secchin, intitulada "Caetano Veloso: Londres e São Paulo", pronunciada na terça-feira passada, na ABL, como parte do ciclo de conferências "As cidades dos poetas":
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2.10.17
Entrevista a Nahima Maciel, do "Correio Brasiliense"
A seguinte entrevista foi dada por mim a Nahima Maciel, do Correio Brasiliense, durante a 33ª Feira do Livro de Brasília, em junho deste ano:
Antonio Cicero afirma que a poesia permite ampliar a experiência do ser
O poeta e filósofo esteve na capital federal para pareticipar da 33ª Feira do Livro de Brasília
24/06/2017
Nahima Maciel
A filosofia é inevitável e, nos dias de hoje, extremamente necessária. É a “metalinguagem terminal”, nas palavras do poeta e filósofo Antonio Cicero. Tem uma certa coerência e alguma utilidade, já que filosofar pode ser um caminho para melhorar o mundo. A poesia é outra coisa. Não tem utilidade prática alguma e permite apreender o mundo em uma outra dimensão que não aquela das coisas funcionais. “A poesia é a língua-objeto terminal”, explica Cicero, que esteve em Brasília para a 33ª Feira do Livro de Brasília para falar do tropicalismo, tema do evento. O filósofo acaba de lançar A poesia e a crítica, coletânea com textos de palestras e ensaios proferidos e escritos nos últimos 11 anos.
Em 2016, Cicero lançou um disco em parceria com Arthur Nogueira. Presente foi uma espécie de celebração dos 70 anos do artista, mas também um aviso de que, a partir de agora, pretende se dedicar apenas à poesia. E essa, no caso do Brasil, está muito ligada à música graças a movimentos como a bossa nova e a tropicália. Na apresentação de A poesia e a crítica, Cicero conta como se encantou com Caetano Veloso no final dos anos 1960, quando foi morar em Londres para estudar e fugir da ditadura. Veloso, na época no exílio e casado com Dedé Gadelha, prima de Cícero, era capaz de colocar abaixo as barreiras entre o erudito e o popular graças a uma grande liberdade de pensamento, a mesma que fez Tom Jobim e Vinicius de Moraes ignorarem essas fronteiras.
Dessa forma, a poesia e a música sempre andaram juntas, mais agarradas uma à outra no Brasil do que em outros países. “Você vê um músico extraordinário como Tom Jobim fazendo música popular, um poeta como Vinicius de Moraes, erudito, de repente fazendo canções com Tom Jobim. Depois, veio uma geração incrível de pessoas influenciadas por eles. O próprio Caetano, um grande poeta. Não tem como negar. O Chico Buarque. São grandes poetas e músicos que estão fazendo coisas novamente consideradas menores, mas que não são menores”, diz Cicero, ao comentar o estardalhaço feito em torno do prêmio Nobel de literatura concedido a Bob Dylan. Abaixo, Cícero fala sobre filosofia, sobre o Brasil e sobre a poesia no mundo contemporâneo.
Ainda é importante falar de filosofia hoje?
Não se pode evitar a filosofia. Chamo a filosofia de metalinguagem das metalinguagens. Metalinguagem é a linguagem que fala de outra linguagem. Se estou falando sobre um livro de poesia ou qualquer outra coisa, minha linguagem é metalinguística em relação a ele. A poesia é a metalinguagem das metalinguagens. A língua sobre a qual se fala é a língua-objeto. Não é possível falar da filosofia sem filosofar porque só a filosofia fala de si própria. A filosofia é a metalinguagem terminal e a poesia é a língua-objeto terminal. Então, você não pode atacar a filosofia sem ser filosófico. E a filosofia, justamente por isso, fala das últimas coisas, ou das primeiras. Ela fala sobre o ser de maneira geral, sobre o sentido da vida. A ética faz parte da filosofia, a estética, também. Não há como evitar. A filosofia puramente quer ser. Tem a ver com a razão e com o intelecto. A religião tem a ver com fé, emoção.
Está difícil falar de ética hoje no Brasil?
Um dos problemas que vejo no Brasil é que todas as ideologias tradicionais funcionam quase como uma religião. Os conjuntos de ideias que as pessoas tinham sobre o Brasil ou o mundo, aparentemente, falharam todos. Depois da queda da cortina de ferro, tudo falhou. Parece que não deu certo. As previsões e as esperanças para a esquerda não deram certo. A URSS não funcionou, a China maoísta, que era contra a URSS porque achava que tinha um marxismo-leninismo mais puro, não deu certo. Isso criou uma situação muito complicada para as pessoas que tinham essa ideologia, o que não quer dizer que as ideologias de direita sejam melhores ou funcionem melhor. Não acredito nisso. Na verdade, nenhuma deu certo. Agora é uma hora de se pensar de novo no que Marx realmente queria.
Como assim?
O materialismo histórico, que pretende ser o marxismo científico, não deu certo. A partir dele previa-se, por exemplo, que a classe operária teria salários cada vez menores; que haveria uma queda da taxa de lucro dos capitalistas; que as tentativas das nações capitalistas de evitar as crises econômicas falhariam; que haveria revoluções socialistas nos países mais avançados, não nos menos avançados. Essas previsões falharam. Karl Popper, um pensador austríaco, dizia que a ciência – e Marx pensava que tinha feito uma filosofia científica – não pode estar sempre procurando provar que está certa, como faz o marxismo. Ao contrário, a verdadeira ciência está sempre procurando coisas que poderiam “desprovar” o que ela afirma. Está sempre se submetendo a testes. E enquanto os testes não destruírem a teoria científica, ela se segura. Mas pode vir alguém no futuro que faça uma experimentação e mostre que tudo está errado. A ciência é isso, está sempre ali sendo testada.
O que faz de um poema, um poema?
Essa coisa é muito difícil de responder. Já tive várias maneiras de falar desse assunto. Não existe uma definição que seja universalmente aceitável do que é poesia. Goethe dizia que a gente fala da poesia como uma das artes, mas isso está errado: a gente devia pensar em cada arte como sendo uma das várias formas de poesia. E poesia como se fosse um nome para as artes em geral. E tem a poesia que produz os poemas. Não só versos, porque há poemas em prosa e poemas visuais. O importante nas diferentes artes é que elas nos oferecem uma maneira de apreender o próprio ser, a vida, o mundo, diferente daquele que temos cotidianamente.
E como é nossa forma de ver o mundo no cotidiano?
É extremamente utilitária. A gente faz as coisas todas tendo em vista determinados propósitos, determinadas finalidades. Tudo é muito calculado. A gente apreende o mundo a partir dessa maneira de ver as coisas, cada coisa tem um sentido, serve para uma coisa. E a gente tende a ver as próprias pessoas assim. A poesia, não.
A poesia possibilita, como você fala em um dos textos do livro, uma nova dimensão do ser. Que dimensão?
A gente passa a apreender o mundo de uma maneira diferente quando entra num poema, numa pintura, numa peça musical. Nosso mundo se amplia porque a gente percebe as coisas de uma maneira que a gente não percebia antes. É como se fosse uma outra dimensão. Existe a dimensão utilitária e existe essa dimensão estética, usando essa palavra com cuidado porque muita gente pode apreender o próprio estético como utilitário, como se fosse o que a gente acha bonito. Não é isso, é uma coisa mais ampla. Vamos dizer, apreender de um modo artístico a linguagem, sentir. Isso enriquece nossa maneira de estar no mundo. Devemos ter essa maneira de estar no mundo mesmo sem estar lendo um poema. É possível curtir as coisas de uma maneira diferente. A poesia nos leva a isso e nos abre muitas perspectivas sobre as diferentes coisas que estão no mundo e na nossa vida. E ela faz isso subvertendo a maneira normal de a gente realmente ver as coisas, captar, apreender.
Se falou muito da ligação entre música e poesia quando Bob Dylan ganhou o Nobel, mas no Brasil essa discussão existe há muito tempo. Falamos mais nisso por termos a música que temos?
Acho que sim. No Brasil aconteceu mais fortemente do que nos outros países essa compreensão de que não é possível separar radicalmente o que é alta cultura, cultura erudita, do que é cultura popular. A ideia, que é uma ideia moderna e necessária, é que não se julgue uma obra a partir do lugar que a ela é convencionalmente designado. Se trata de uma obra erudita ou popular? Não. O que interessa é, primeiro, você olhar a própria coisa e ela ser capaz de ter esse efeito de que falei, estético ou artístico. Pode ser mais forte ou menos forte, mas isso não depende de ela ser erudita ou popular. O Bob Dylan pode, de repente, ter isso tão forte quanto um compositor de música erudita. Não dá mais para julgar com preconceito.
E qual o papel da Bossa Nova e da Tropicália nisso?
A bossa nova foi o movimento que realmente tematizou isso e compreendeu totalmente o que tinha acontecido. E quem fez isso mais claramente ainda foram os tropicalistas. Eles compreenderam totalmente essa situação e fizeram uma revolução nesse sentido. Isso foi muito importante. Foram eles que tornaram possível a gente compreender que aquela hierarquia tinha dançado.
Você vislumbra alguma outra revolução desse tipo possível na cultura brasileira?
Não. Mas acho que não precisa ter. Já foi feita essa revolução, já se sabe disso. O que tem é muita coisa muito ruim e algumas poucas coisas boas. Mas sempre foi assim, em todas as épocas e em todas as áreas. A gente sempre acha que agora é pior. Tenho a impressão de que quem viveu a experiência tropicalista pode ter isso muito forte. Eu vivi, mas tento me conter porque, às vezes, acho que ainda não deu tempo de perceber as coisas boas que estão sendo feitas. Há tanta coisa. A internet multiplicou. Todo mundo escreve poesia hoje. Mesmo quem não gosta. É estranhíssimo. E claro que a maior parte não é boa. Mas alguns poetas são muito bons.
A internet fez mal para a poesia?
Acho que não fez mal, mas permitiu a muita gente escrever. Isso tem um lado bom, talvez pessoas que não apareciam antes apareçam agora. Mas é que é tanta coisa que é muito difícil você filtrar. E demora um tempo. Essas coisas vão sendo filtradas com o tempo.
25.6.16
Daúde canta "Quase", de Caetano Veloso (música) e Antonio Cicero (letra)
Gosto muito de ouvir a Daúde cantando a canção que Caetano Veloso fez com meu poema "Quase". Ouçam:
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2.6.15
Adriano Nunes: "A música e Israel"
A música e Israel
Certamente os raivosos de plantão e os que levantam bandeiras para tudo (sem nem saber por que as levantam!) devem estar-se questionando: qual das atitudes seria a pequena e mais mesquinha: cantar ou não cantar em Israel. Aqui, pelos ditames da razão, derrubo as bandeiras e dou vez à arte, respondendo: pequeno e mesquinho é deixar de cantar em qualquer lugar! Levar a música onde quer que se possa não é ato de compactuar com formas e sistemas de governo. Ou ações governamentais. A arte é uma finalidade sem fim. E, por ser sem fim, é que pode atender a todas as expectativas humanas, pois através da sua amplidão e beleza é capaz de mudar o mundo, tornando-o civilizado e melhor. Assim, a música, não só atinge os ouvidos, mas o coração. Arte panfletária impregnada de política não é arte. É manifesto. A arte é livre e sempre será. Agrada gregos, troianos, palestinos, israelitas, árabes, russos, todos, de algum modo. Canta-se em momentos de alegria ou de dor. Evitar cantar em qualquer lugar é tomar o lugar como inexistente. É negar a um povo a dignidade humana. Logo, pedir a plenos pulmões que Caetano Veloso e Gilberto Gil não cantem em Israel é alimentar a discórdia e tomar partido, numa situação que não pode ser medida sob o simples olhar da retaliação. Só os israelitas e palestinos sabem bem quem eles são. E porque agem dessa maneira uns com os outros. Se a paz ainda não veio, é porque ainda há muito que se fazer por ela. E uma das formas da paz surgir é evitar esses bloqueios e campanhas mesquinhos, tanto pra um lado como para o outro. O artista é um ser livre. Sua liberdade consiste justamente em conseguir amar as diferenças. Respeitá-las. Bálsamo será o canto dos baianos em Israel. Talvez, alcance até os palestinos. Ambos não estarão, ali, a dizer que apoiam guerra alguma, pois como diz belamente Gil em "A paz": "a paz invadiu o meu coração/ de repente me encheu de paz/como se o vento de um tufão/arrancasse os meus pés do chão/onde já não me enterro mais". Esse "não me enterro mais" denota que nós, seres humanos, somos de todos os lugares. E, por não pertencermos a um só lugar, não temos que levantar bandeira contra um lugar específico. Que Gil e Caetano cantem. E que seus cantos ecoem cosmo afora e anulem os pensamentos mesquinhos e repletos de ódio e retaliações. A arte é uma mistura humana inclassificável.
Adriano Nunes
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11.3.13
Entrevista de Antonio Cicero à revista Cult
Dei uma entrevista para Marcus Preto, que foi publicada no último número da revista Cult. Ela se encontra aqui:
http://revistacult.uol.com.br/home/2013/03/a-lira-de-antonio-cicero/
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1.4.12
Caetano Veloso no Parque de la Memoria - Monumento a las Víctimas del Terrorismo de Estado -, em Buenos Aires
Em 9 de dezembro de 2011, Caetano Veloso participou de uma entrevista pública no Parque de la Memoria -- Monumento a las Víctimas del Terrorismo de Estado --, em Buenos Aires. A seguir, o trailer do filme de média metragem que será lançado em breve:
Caetano Veloso en el Parque de la Memoria from PARQUE DE LA MEMORIA on Vimeo.
11.7.11
Caetano Veloso: "Woody Allen"
Concordo inteiramente com o elogio que Caetano Veloso, no seguinte artigo, publicado originalmente no domingo, 10 de julho, em sua coluna do "Segundo Caderno" de O Globo, faz ao filme "Meia-noite em Paris", de Woody Allen:
Woody Allen
Uma amiga inteligente me disse que achou “Meia noite em Paris” legal mas muito parecido com “A rosa púrpura do Cairo”. Fiquei me perguntando por quê. Dois dias depois, Xexéo disse a mesma coisa. Mais: que Woody Allen não vem se repetindo, como dizem, mas que no caso deste último filme, ele repete aquele em que uma fã de cinema é engolida pelo filme. Xexéo confessa que é um daqueles admiradores de Allen que, pelos anos 1980, estavam certos de que o cineasta é um gênio excelso. Era uma turma com quem eu gostava de contrastar gritantemente. Fui contar essa história numa entrevista que dei a uma revista de cinema de João Pessoa — uma entrevista que era uma espécie de “autobiografia de um cinéfilo” —, e meu amigo Geneton Moraes a transcreveu em seu blog, o que causou uma pequena onda de revolta. É que Geneton tinha posto uma chamada tipo imprensa sensacionalista (coisa tão diferente dele!), com uma frase minha muito negativa sobre Woody, e isso deu primeira página do Segundo Caderno. Na verdade, eu estava contando como reagi ao cinema de Allen logo que tomei contato com ele. Ressaltando, inclusive, que hoje gosto muito mais dele do que então — e constatando algo que o próprio Xexéo também percebe: mesmo os filmes de Allen de que a gente gosta menos ficam melhores quando revistos na TV.
Mas vi “Meia-noite em Paris” no cinema e adorei como nunca tinha adorado nenhum filme desse diretor — e nem sequer me lembrei de “A rosa púrpura do Cairo”, filme que, quando vi, só me fez pensar duas coisas: 1) que Allen pegou um esboço de roteiro de Maiakóvski e o adoçou; e 2) que Mia Farrow, que até ali era uma menina atraente, sob suas lentes ficou parecendo um cachorro sem dono, fazendo olhos compridos de vítima do destino, sem nenhum resto de sex-appeal.
Por que será que acharam “Paris” parecido com “Cairo”? A proximidade das épocas em que as histórias se dão? A vivência delirante da fantasia? Mistério. O fato é que “Meianoite em Paris” resulta arrebatador. Não é um adjetivo que eu usasse sobre nenhum outro filme de Allen. Aqui vemos o avesso do name-dropping de tantas de suas comédias: os gênios que se reuniam na Paris do final dos anos 1920 aparecem como fantasmas maravilhosos que habitam a mente do diretor, eles vêm à tona — e não se parecem com os autores que os personagens de outros filmes de Allen citam em papos supostamente despretensiosos. Eles não surgem para valorizar as piadas do seu devoto: eles são a piada, assombram o filme como os personagens de Fellini assombram os dele: de modo necessário e inevitável.
Allen nunca escondeu que queria fazer filmes como Fellini. Mas nunca aconteceu de sequer uma cena de filme dele parecer-se com o que amamos em Fellini: a elevação dos personagens a aparições quase sobrenaturais. Quando Alice B. Toklas abre a porta para o jovem roteirista louro ou quando Cole Porter o paquera do piano; quando Dalí dá seu show de egotrip ou quando Buñuel encana com a ideia central de “O anjo exterminador”, eu choro de hilaridade, alegria e comoção. Quando a moça dos anos 1920 expressa sua nostalgia da Belle Époque e logo é transportada, com o protagonista, para lá, uma verdadeira reflexão sobre a dificuldade de aceitar o presente se apresenta de modo fluente e profundo.
Não que coisa semelhante nunca tivesse sido sugerida por outras cenas de filmes de Allen. Mas jamais com essa abertura, essa entrega, essa liberdade que os fantasmas aparecidos lhe deram. E eu, de minha parte, estou mais aberto do que quando me engajava na resistência ao hype. Fiz assim também com Wim Wenders. Em “O cinema falado”, pus na boca de um garoto: “Paris, Texas” é um dramalhão mexicano encenado como gravura hiperrealista americana com verniz alemão” — e a plateia da pré-estreia urrou uma vaia: era composta da turma que venerava Wenders no então indie Estação Botafogo.
Vontade de ser do contra? Não é tão simples assim. Há um aspecto geracional: amamos filmes que vimos na juventude e tememos que seus lugares no pódio sejam tomados. Porém, há coisa mais respeitável. É que detesto mistificações. Talvez eu tenha tido de lutar muito contra mim mesmo para não deixar que minhas eleições se dessem sem uma exigência de autenticidade, sem um “exame de consciência”. Eu queria exigir dos novos cinéfilos esforço igual.
Ruy Castro flagrou a lista dos “melhores cantores de todos os tempos da “NME”, onde não há Sinatra nem Sarah nem Ekstine: ninguém prérock. Um amigo meu, culto e sensível, me disse que as canções de Gershwin não lhe dizem nada: coisas anteriores aos Beatles inexistem. Allen ocupa o extremo oposto: tem a agressão a Dylan, tem a tosca cena dos punks em “Hannah e suas irmãs”. Eu próprio não vivo sem Ella, mas aguento tão mal a reação contra o rock quanto em 1968. Mais: pessoas da minha idade viveram num Brasil de responsabilidades internacionais nulas: não falávamos para o mundo exterior, daí, pichar estrangeiros não implicava riscos. Hoje, adorando o Woody da frase sobre a masturbação (“o único sexo que você pode ter com alguém que você realmente ama”) eu ficaria triste de encontrá-lo pessoalmente com opiniões negativas sobre seu trabalho. E Wim Wenders acaba de filmar Pina Bausch em 3D — e me chamou para a pré-estreia brasileira. Não desejo um “Vicky, Cristina, Rio”, mas Pina em 3D é a glória da invenção do cinematógrafo. Que as salas com o equipamento não se restrinjam a blockbusters.
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28.3.11
Caetano Veloso: "Bethânia"
O seguinte artigo de Caetano Veloso, com o qual concordo inteiramente, foi publicado ontem em sua coluna do jornal O Globo.
Caetano Veloso
Bethânia
Não concebo por que o cara que aparece no YouTube ameaçando explodir o Ministério da Cultura com dinamite não é punido. O que há afinal? Será que consideram a corja que se "expressa" na internet uma tribo indígena? Inimputável? E cadê a Abin, a PF, o MP? O MinC não é protegido contra ameaças? Podem dizer que espero punição porque o idiota xinga minha irmã. Pode ser. Mas o que me move é da natureza do que me fez reagir à ridícula campanha contra Chico ter ganho o prêmio de Livro do Ano. Aliás, a "Veja" (não, Reinaldo, não danço com você nem morta!) aderiu ao linchamento de Bethânia com a mesma gana. E olha que o André Petry, quando tentou me convencer a dar uma entrevista às páginas amarelas da revista marrom, me assegurou que os então novos diretores da publicação tinham decidido que esta não faria mais "jornalismo com o fígado" (era essa a autoimagem de seus colegas lá dentro). Exigi responder por escrito e com direito a rever o texto final. Petry aceitou (e me disse que seus novos chefes tinham aceito). Terminei não dando entrevista nenhuma, pois a revista (achando um modo de me dizer um "não" que Petry não me dissera - e mostrando que queria continuar a "fazer jornalismo com o fígado") logo publicou ofensa contra Zé Miguel, usando palavras minhas.
A histeria contra Chico me levou a ler o romance de Edney Silvestre (que teria sido injustiçado pela premiação de "Leite derramado"). Silvestre é simpático, mas, sinceramente, o livro não tem condições sequer de se comparar a qualquer dos romances de Chico: vi o quão suspeita era a gritaria, até nesse pormenor. Igualmente suspeito é o modo como "Folha", "Veja" e uma horda de internautas fingem ver o caso do blog de Bethânia. O que me vem à mente, em ambas as situações, é a desaforada frase obra-prima de Nietzsche: "É preciso defender os fortes contra os fracos." Bethânia e Chico não foram alvejados por sua inépcia, mas por sua capacidade criativa.
A "Folha" disparou, maliciosamente, o caso. E o tratou com mais malícia do que se esperaria de um jornal que - embora seu dono e editor tenha dito à revista "Imprensa", faz décadas, que seu modelo era a "Veja" - se vende como isento e aberto ao debate em nome do esclarecimento geral. A "Veja" logo pôs que Bethânia tinha ganho R$ 1,3 milhão quando sabe-se que a equipe que a aconselhou a estender à internet o trabalho que vem fazendo apenas conseguiu aprovação do MinC para tentar captar, tendo esse valor como teto. Os editores da revista e do jornal sabem que estão enganando os leitores. E estimulando os internautas a darem vazão à mescla de rancor, ignorância e vontade de aparecer que domina grande parte dos que vivem grudados à rede. Rede, aliás, que Bethânia mal conhece, não tendo o hábito de navegar na web, nem sequer sentindo-se atraída por ela.
Os planos de Bethânia incluíam chegar a escolas públicas e dizer poemas em favelas e periferias das cidades brasileiras. Aceitou o convite feito por Hermano como uma ampliação desse trabalho. De repente vemos o Ricardo Noblat correr em auxílio de Mônica Bergamo, sua íntima parceira extracurricular de longa data. Também tenho fígado. Certos jornalistas precisam sentir na pele os danos que causam com suas leviandades. Toda a grita veio com o corinho que repete o epíteto "máfia do dendê", expressão cunhada por um tal Tognolli, que escreveu o livro de Lobão, pois este é incapaz de redigir (não é todo cantor de rádio que escreve um "Verdade tropical"). Pensam o quê? Que eu vou ser discreto e sóbrio? Não. Comigo não, violão.
Se pensavam que eu ia calar sobre isso, se enganaram redondamente. Nunca pedi nada a ninguém. Como disse Dona Ivone Lara (em canção feita para Bethânia e seus irmãos baianos): "Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?"
O projeto que envolve o nome de Bethânia (que consistiria numa série de 365 filmes curtos com ela declamando muito do que há de bom na poesia de língua portuguesa, dirigidos por Andrucha Waddington), recebeu permissão para captar menos do que os futuros projetos de Marisa Monte, Zizi Possi, Erasmo Carlos ou Maria Rita. Isso para só falar de nomes conhecidos. Há muitos que desconheço e que podem captar altíssimo. O filho do Noblat, da banda Trampa, conseguiu R$ 954 mil. No audiovisual há muitos outros que foram liberados para captar mais. Aqui o link: http://www.cultura. gov. br/site/wp-content/up loads/2011/02/Resultado-CNIC-184%C2%AA.pdf . Por que escolher Bethânia para bode expiatório? Por que, dentre todos os nossos colegas (autorizados ou não a captar o que quer que seja), ninguém levanta a voz para defendê-la veementemente? Não há coragem? Não há capacidade de indignação? Será que no Brasil só há arremedo de indignação udenista? Maria Bethânia tem sido honrada em sua vida pública. Não há nada que justifique a apressada acusação de interesses escusos lançada contra ela. Só o misto de ressentimento, demagogia e racismo contra baianos (medo da Bahia?) explica a afoiteza. Houve o artigo claro de Hermano Vianna aqui neste espaço. Houve a reportagem equilibrada de Mauro Ventura. Todos sabem que Bethânia não levou R$ 1,3 milhão. Todos sabem que ela tampouco tem a função de propor reformas à Lei Rouanet. A discussão necessária sobre esse assunto deve seguir. Para isso, é preciso começar por não querer destruir, como o Brasil ainda está viciado em fazer, os criadores que mais contribuem para o seu crescimento. Se pensavam que eu ia calar sobre isso, se enganaram redondamente. Nunca pedi nada a ninguém. Como disse Dona Ivone Lara (em canção feita para Bethânia e seus irmãos baianos): "Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?"
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28.11.10
O construtivismo brasileiro
O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, no sábado, 27 de novembro.
O construtivismo brasileiro
HÁ POUCOS dias li, não me lembro mais onde, que na verdade De Gaulle (1890-1970) jamais declarou que o Brasil não era um país sério. Por outro lado, parece confirmado que seu compatriota Lévi-Strauss (1908-2009) chegou mesmo a dizer que "o Brasil é um país surrealista". Frequentemente ouço brasileiros afirmarem o mesmo que o antropólogo francês. Talvez tenham razão; mas quiçá seja exatamente por isso que, em comparação com o que ocorreu em Portugal, na Espanha ou na França, por exemplo, o surrealismo tenha vingado relativamente pouco nas artes brasileiras.
É que, como observa o poeta alemão Friedrich Hölderlin (1770-1843), nada aprendemos com maior dificuldade do que a usar livremente o que nos é natural. Afinal, não é a arte precisamente o oposto da natureza, como o artificial, do natural?
Tendo isso em mente, lembremo-nos também de que certo clichê bem representado, por exemplo, em filmes de Hollywood de algumas décadas atrás, faz do homem tropical um mero escravo da natureza circundante, dos vícios ou das paixões que ela lhe impõe, reduzindo-o à indolência e à passividade. Se Hölderlin tem razão, não será exatamente por isso – CONTRA tal pretenso destino – que Hélio Oiticica (1937-1980), por exemplo, dizia sentir no âmago da alma brasileira uma "vontade construtiva geral"?
Se eu estiver certo, o sentido mais profundo do uso da palavra "tropicália" feito por Oiticica e, em seguida, pelo movimento musical liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil terá sido o de promover a reversão e/ou ironizar tal concepção estereotipada dos trópicos. De todo modo, é claro que o construtivismo brasileiro não poderia deixar de se opor tanto à submissão à natureza quanto ao surrealismo.
Com efeito, a arte brasileira e moderna canônica, em particular a partir da segunda metade do século 20 – desde a epopeia glauberiana do cinema novo à decantação joão-gilbertiana do samba e da bossa nova; desde o plano piloto dos arquitetos da visão e loucura de Brasília ao plano piloto dos poetas concretistas dos campos e espaços de São Paulo; desde a psicologia da composição de João Cabral aos relevos espaciais de Oiticica; desde os bichos geométricos de Lygia Clark ao filme "O Cinema Falado" (1986), de Caetano Veloso etc. –, tudo parece confirmar a "vontade construtiva geral".
O artista brasileiro moderno tende a desconfiar do dado imediato, isto é, do lugar da natureza, da cultura, da história em que os outros querem situá-lo no mundo. Entende-se: o dado, aquilo que é constituído pelo passado natural e cultural, é no Brasil tomado principalmente como o tempo do subdesenvolvimento, da dependência cultural, política e econômica, e da escravatura. É da reação contra essa situação que surge a tendência construtiva de quase toda a nossa melhor arte. Nesse processo, não é o Brasil do passado que determina o Brasil moderno. Ao contrário: é o Brasil moderno que reinventa o Brasil do passado. Também nesse sentido tinha razão o crítico Mário Pedrosa (1900-1981), ligado a artistas de vanguarda como Ferreira Gullar, Lygia Clark e Hélio Oiticica, quando sentenciou que "o Brasil é um país condenado ao moderno".
Para o artista brasileiro, pensar sobre o Brasil – pensar o Brasil – não pode deixar de ser reinventá-lo. E creio que grande parte dos artistas modernos, os vários modernismos desde 22, o concretismo, o neoconcretismo, a bossa nova, o tropicalismo e os artistas contemporâneos sempre se encontraram nessa mesma situação ante a tarefa da inventio Brasilis: da descoberta-invenção do Brasil.
27.11.09
Caetano Veloso: trecho de entrevista
A julgar pelo ódio que se manifestou em alguns dos comentários (que não publiquei por considerá-los ofensivos) ao artigo do Ferreria Gullar que eu aqui postara na segunda-feira, Caetano Veloso tem razão no seguinte trecho da entrevista que deu a O Globo na quinta-feira, 26:
As críticas não o incomodam?
CAETANO: Eu não me incomodo, por exemplo, que esteja todo mundo me xingando porque eu disse que Lula fala como um analfabeto, como se fosse uma novidade. Não me incomodo que um monte de gente esteja me xingando, porque eu não quero a aprovação de todo mundo. Eu acho que querer a aprovação de todo mundo é péssimo. Isso é um problema. Eu acho ruim, no Brasil hoje, ninguém poder dizer nenhuma palavra que pareça ser antipática, crítica ou hostil a Lula. Por que não pode? É muito ruim, isso. Isso é um projeto que aconteceu na União Soviética, com Stálin, na China, com Mao Tsé-Tung, acontece ainda em Cuba, com Fidel. Não se pode dizer, só se pode adular o líder. Isso para mim é o que há de pior. Nesse ponto, eu nem me incomodo de o jornal ter distorcido o que eu disse, botando, na primeira página, como se eu tivesse querido agredir o Lula e compará-lo com Marina. Eu estava comparando Marina com Lula e com Obama. Como Lula, ela é de origem humilde etc; como Obama - e diferentemente de Lula -, ela escreve bem, fala bem. Lula, de fato, usa metáforas cafonas, linguagem grosseira e erra a gramática do português, a norma culta. Todo mundo sabe que é assim. Os linguistas aplaudem, o povo acha bom, eu também acho bom, eu votei em Lula chorando, para se eleger - não para se reeleger. Eu chorei dentro da cabine. Chorei de emoção. Pode ser que eu chore quando vir esse filme, porque eu chorei vendo "2 filhos de Francisco" e possivelmente chorarei vendo "Lula, o filho do Brasil". Mas talvez não chore tanto quanto chorei no dia em que votei em Lula para presidente.
As críticas não o incomodam?
CAETANO: Eu não me incomodo, por exemplo, que esteja todo mundo me xingando porque eu disse que Lula fala como um analfabeto, como se fosse uma novidade. Não me incomodo que um monte de gente esteja me xingando, porque eu não quero a aprovação de todo mundo. Eu acho que querer a aprovação de todo mundo é péssimo. Isso é um problema. Eu acho ruim, no Brasil hoje, ninguém poder dizer nenhuma palavra que pareça ser antipática, crítica ou hostil a Lula. Por que não pode? É muito ruim, isso. Isso é um projeto que aconteceu na União Soviética, com Stálin, na China, com Mao Tsé-Tung, acontece ainda em Cuba, com Fidel. Não se pode dizer, só se pode adular o líder. Isso para mim é o que há de pior. Nesse ponto, eu nem me incomodo de o jornal ter distorcido o que eu disse, botando, na primeira página, como se eu tivesse querido agredir o Lula e compará-lo com Marina. Eu estava comparando Marina com Lula e com Obama. Como Lula, ela é de origem humilde etc; como Obama - e diferentemente de Lula -, ela escreve bem, fala bem. Lula, de fato, usa metáforas cafonas, linguagem grosseira e erra a gramática do português, a norma culta. Todo mundo sabe que é assim. Os linguistas aplaudem, o povo acha bom, eu também acho bom, eu votei em Lula chorando, para se eleger - não para se reeleger. Eu chorei dentro da cabine. Chorei de emoção. Pode ser que eu chore quando vir esse filme, porque eu chorei vendo "2 filhos de Francisco" e possivelmente chorarei vendo "Lula, o filho do Brasil". Mas talvez não chore tanto quanto chorei no dia em que votei em Lula para presidente.
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20.7.09
Salgado Maranhão: Recensão de "Letras e letras da MPB", de Charles Perrone
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Recensão, pelo poeta Salgado Maranhão, da 2ª edição revisada de Letras e letras da MPB, de Charles Perrone (Rio de Janeiro: Booklink, 2008), com apresentação de Augusto de Campos.
Cada um no seu quadrado?
Mais de uma vez já se disse que a letra de música carece de escora melódica para se realizar. Poucas agüentam a solidão da página em branco. Quanto ao poema, trabalha com economia de palavras e nem sempre se ajusta à melodia. Não é qualquer bom poema que se rende à canção. Portanto, cada forma de expressão tem sua autonomia, mas as duas convivem muito bem, cada uma em seu viés.
Claro que isso não diz tudo, principalmente quando se trata da canção popular do Brasil: num país herdeiro de uma remota tradição da palavra cantada – onde até poetas renomados no mundo das letras se misturam aos cantores do povo -- tudo pode acontecer. É o que nos mostra o excelente Letras e Letras da MPB, do professor Charles Perrone, que sai pela editora Booklink, em segunda edição revista, após mais de 20 anos da primeira tiragem.
Não se trata de uma obra de estrangeiro deslumbrado com o exotismo de nossos artistas. Em seu trabalho, o autor demonstra uma enorme intimidade com o melhor da nossa música e das nossas letras. Dele nos diz o poeta Augusto de Campos, que assina a quarta capa do livro: “Mais de 20 anos de contato, pessoal e por correspondência, me fizeram conhecer de perto o prof. Charles A. Perrone, da universidade da florida, e apaixonado da cultura brasileira . Com a vantagem estratégica de uma perspectiva exterior e do conhecimento amplo das nossas duas áreas artísticas, a musical e a poética, ...”
No entanto o tema já é, por si só, um grande vespeiro entre nós – pelas paixões e discussões que suscita. Mas, embora a abordagem correta - sem hierarquizações de gêneros - seja um grande desafio, o prof. Perrone, soube dissecar com maestria suas virtudes específicas: “ Uma letra pode ser um belo poema mesmo tendo sido destinada a ser cantada. Mas é em primeiro lugar, um texto integrado a uma composição musical, e os julgamentos básicos devem ser calcados na audição para incluir a dimensão sonora no âmbito da análise . Contudo, se, independente da música, o texto de uma canção for literariamente rico, não há nenhuma razão para não se considerarem seus méritos literários.”
Não é de hoje que as letras, na musica brasileira, se destacam pela poeticidade . Nas primeiras décadas do século 20, quando a Semana de 22 (com Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira, principalmente, ) ainda tentava nos desatrelar do academicismo da poesia parnasiana, letristas como Noel Rosa, João de Barro e Orestes Barbosa já traziam o coloquialismo da fala das ruas em suas canções .Esses autores e os das décadas seguintes, formaram elos com a bossa nova, e até com o tropicalismo que, turbinados por múltiplas influências, carregavam não apenas a explosão do talento criador, mas, além disso, uma viva consciência critica. As canções desse período são o objeto de estudo do professor Perrone.
Sua análise, como não poderia deixar ser, começa por Vinicius de Morais, que deu maturidade à letra de música, elevando-a a um status que ela jamais teve . A inserção desse poeta no mundo da canção popular estabeleceu um verdadeiro paradigma -- por sua origem de puro sangue da poesia culta . A partir dele, ninguém ousaria discutir critério de qualidade. Porém a maior reflexão do livro se destina aos poetas da Tropicália que, ancorados no legado da Poesia Concreta, imprimiram à palavra cantada um toque de invenção e de manifesto . E é o próprio Caetano Veloso quem fala sobre isso: “Havia um ponto em que concordávamos plenamente : era preciso um aprofundamento em nossos recursos técnicos de modo que nossa comunicação não ficasse prejudicada por deficiências ou ignorâncias “ .
Até a Bossa Nova, a temática das canções era basicamente o amor romântico - salvo um Sérgio Ricardo, e, por vezes, Carlos Lyra ; ou ainda, eventualmente, uma ou outra letra do Vinicius ou dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle. Com os poetas tropicalistas ( Caetano, Torquato, Gil e Capinam ), o mundo salta para dentro das músicas . Os temas amorosos não são rejeitados, mas a eles se incorporam outros vasos comunicantes, como a cultura de massas, a arte pop e a poesia de vanguarda . Isso vai influenciar até mesmo Chico Buarque (vide Construção ) que segue um viés mais apegado à raíz do samba.
Na década de 70, era chique ser letrista. E até já se podia viver disso. Além dos autores já citados, firmou-se uma nova geração do primeiríssimo time, tais como : Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Ronaldo Bastos, Abel Silva, Fernando Brant, Sergio Natureza, Antonio Cicero, entre tantos outros.
Porém um dos principais méritos de Letras e Letras da MPB é, sem dúvida, nos apresentar as trocas e interconecções dos letristas com a chamada “poesia séria”. E o movimento da Poesia Marginal nasceu, justamente, dessa simbiose .O certo é que, independente de preconceitos e preferências, fica valendo a máxima de Murilo Mendes : “A poesia sopra onde quer”...
Texto publicado no caderno "Ideias", do Jornal do Brasil, sábado, 9 de maio de 2009.
Recensão, pelo poeta Salgado Maranhão, da 2ª edição revisada de Letras e letras da MPB, de Charles Perrone (Rio de Janeiro: Booklink, 2008), com apresentação de Augusto de Campos.
Cada um no seu quadrado?
Mais de uma vez já se disse que a letra de música carece de escora melódica para se realizar. Poucas agüentam a solidão da página em branco. Quanto ao poema, trabalha com economia de palavras e nem sempre se ajusta à melodia. Não é qualquer bom poema que se rende à canção. Portanto, cada forma de expressão tem sua autonomia, mas as duas convivem muito bem, cada uma em seu viés.
Claro que isso não diz tudo, principalmente quando se trata da canção popular do Brasil: num país herdeiro de uma remota tradição da palavra cantada – onde até poetas renomados no mundo das letras se misturam aos cantores do povo -- tudo pode acontecer. É o que nos mostra o excelente Letras e Letras da MPB, do professor Charles Perrone, que sai pela editora Booklink, em segunda edição revista, após mais de 20 anos da primeira tiragem.
Não se trata de uma obra de estrangeiro deslumbrado com o exotismo de nossos artistas. Em seu trabalho, o autor demonstra uma enorme intimidade com o melhor da nossa música e das nossas letras. Dele nos diz o poeta Augusto de Campos, que assina a quarta capa do livro: “Mais de 20 anos de contato, pessoal e por correspondência, me fizeram conhecer de perto o prof. Charles A. Perrone, da universidade da florida, e apaixonado da cultura brasileira . Com a vantagem estratégica de uma perspectiva exterior e do conhecimento amplo das nossas duas áreas artísticas, a musical e a poética, ...”
No entanto o tema já é, por si só, um grande vespeiro entre nós – pelas paixões e discussões que suscita. Mas, embora a abordagem correta - sem hierarquizações de gêneros - seja um grande desafio, o prof. Perrone, soube dissecar com maestria suas virtudes específicas: “ Uma letra pode ser um belo poema mesmo tendo sido destinada a ser cantada. Mas é em primeiro lugar, um texto integrado a uma composição musical, e os julgamentos básicos devem ser calcados na audição para incluir a dimensão sonora no âmbito da análise . Contudo, se, independente da música, o texto de uma canção for literariamente rico, não há nenhuma razão para não se considerarem seus méritos literários.”
Não é de hoje que as letras, na musica brasileira, se destacam pela poeticidade . Nas primeiras décadas do século 20, quando a Semana de 22 (com Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira, principalmente, ) ainda tentava nos desatrelar do academicismo da poesia parnasiana, letristas como Noel Rosa, João de Barro e Orestes Barbosa já traziam o coloquialismo da fala das ruas em suas canções .Esses autores e os das décadas seguintes, formaram elos com a bossa nova, e até com o tropicalismo que, turbinados por múltiplas influências, carregavam não apenas a explosão do talento criador, mas, além disso, uma viva consciência critica. As canções desse período são o objeto de estudo do professor Perrone.
Sua análise, como não poderia deixar ser, começa por Vinicius de Morais, que deu maturidade à letra de música, elevando-a a um status que ela jamais teve . A inserção desse poeta no mundo da canção popular estabeleceu um verdadeiro paradigma -- por sua origem de puro sangue da poesia culta . A partir dele, ninguém ousaria discutir critério de qualidade. Porém a maior reflexão do livro se destina aos poetas da Tropicália que, ancorados no legado da Poesia Concreta, imprimiram à palavra cantada um toque de invenção e de manifesto . E é o próprio Caetano Veloso quem fala sobre isso: “Havia um ponto em que concordávamos plenamente : era preciso um aprofundamento em nossos recursos técnicos de modo que nossa comunicação não ficasse prejudicada por deficiências ou ignorâncias “ .
Até a Bossa Nova, a temática das canções era basicamente o amor romântico - salvo um Sérgio Ricardo, e, por vezes, Carlos Lyra ; ou ainda, eventualmente, uma ou outra letra do Vinicius ou dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle. Com os poetas tropicalistas ( Caetano, Torquato, Gil e Capinam ), o mundo salta para dentro das músicas . Os temas amorosos não são rejeitados, mas a eles se incorporam outros vasos comunicantes, como a cultura de massas, a arte pop e a poesia de vanguarda . Isso vai influenciar até mesmo Chico Buarque (vide Construção ) que segue um viés mais apegado à raíz do samba.
Na década de 70, era chique ser letrista. E até já se podia viver disso. Além dos autores já citados, firmou-se uma nova geração do primeiríssimo time, tais como : Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Ronaldo Bastos, Abel Silva, Fernando Brant, Sergio Natureza, Antonio Cicero, entre tantos outros.
Porém um dos principais méritos de Letras e Letras da MPB é, sem dúvida, nos apresentar as trocas e interconecções dos letristas com a chamada “poesia séria”. E o movimento da Poesia Marginal nasceu, justamente, dessa simbiose .O certo é que, independente de preconceitos e preferências, fica valendo a máxima de Murilo Mendes : “A poesia sopra onde quer”...
Texto publicado no caderno "Ideias", do Jornal do Brasil, sábado, 9 de maio de 2009.
19.5.09
Caetano Veloso: da entrevista à revista Cult
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Na brilhante entrevista que Caetano Veloso deu a Francisco Bosco e Eduardo Socha para a revista Cult deste mês (nº 135), tive a honra de ser por ele citado em duas respostas. Infelizmente, justamente as referências a mim foram extirpadas da revista impressa. Quem quiser ler a entrevista integral, porém, pode acessá-la no blog da Cult, no endereço http://revistacult.uol.com.br/novo/site.asp?edtCode=3D614E12-495C-4018-A889-F15078DFB1B3&nwsCode=F27D566B-61CE-4A18-9578-7096A463C87C.
Abaixo publico apenas as respostas que contêm as referências cortadas.
CULT - Um dos filósofos mais debatidos no mundo, hoje, é Slavoj Zizek, a respeito do qual você disse, em seu blog: "não penso como Zizek mesmo!". Você poderia explicar em que consiste essa divergência exclamativa?
Caetano - Talvez a exclamação se devesse ao contexto da discussão daquele momento. Zizek é pop. Ele também é um intelecto superexcitado e tem erudição em várias áreas. Ampara-se em Hegel e Lacan para louvar Matrix, filme que, para mim, é um abacaxi de caroço. Ele gosta desses esquemas que dizem que somos sempre manipulados. Quanto mais claro pensamos, mais presos estamos a ideologias que camuflam interesses. Mas eu fico com Antonio Cicero quando lembra Hanna Arendt a esse respeito. Zizek tem o charme de falar no que a esquerda em geral evita mencionar: ele prefere ter algo positivo a dizer sobre as paradas fascistas da Coréia do Norte do que fingir que não as vê. Eu li Bem vindo ao deserto do real, um livro curto, e In defense of lost causes, um grosso volume. Ele convoca Robespierre, Lênin e Mao e exalta a revolução violenta. No fim, ele elege a causa ecológica como a escolha certa da esquerda para exercer o terror.
Eu tinha lido um artigo de Nelson Ascher na Folha predizendo isso. Na altura, achei o artigo de Ascher reacionário e algo simplista. Ao ler a conclusão de In Defense of Lost Causes, achei que Ascher tinha razão. Para Zizek, toda crítica à liberdade de expressão nos países comunistas é mera tramóia liberal burguesa. Além disso, ele grila com o café descafeinado. Qual o problema? Café não é cafeína. Nesse caso, ele faz uso indevido das palavras. Bem, além desses dois livros, li artigos esparsos e vi dois documentários americanos sobre ele (lá nos States, passa no cinema e tudo: ele é uma estrela). Num, segue-se uma turnê de palestras. No outro, vê-se Zizek comentando filmes. Assisti à palestra dele na UFRJ. Ele é um cara enérgico, engraçado, sua muito e pronuncia todas as letras das palavras inglesas - com a adição de um cicio. Resulta simpático. Achei irresponsável ele dizer aquelas coisas a um bando de jovens brasileiros. Mas acho que a exclamação no meu comentário se deve a ele ter falado mal do carnaval.
Só preciso te dizer que leio sempre, mas sempre muito sem método ou mesmo critério. Por exemplo, comprei Coração das trevas no aeroporto, em dezembro, indo para Salvador. Ao chegar lá, comentei com Paulo César Sousa a qualidade da tradução de Sérgio Flaksman. Paulo então me disse que acabara de ler um romance estranhíssimo de Conrad, chamado Under western eyes - e me trouxe o exemplar. É um livro incrível, em que Conrad conta uma história que prende o leitor como Crime e Castigo e onde ele mostra que a autocracia russa, marca do Csarismo, estava presente no espírito dos revolucionários russos que se refugiavam na Suíça. E prediz o estilo autocrático que sairá de uma revolução feita por eles. O romance é de 1908, creio. Estava impressionado com isso, quando uma amiga americana me trouxe de Nova Iorque um exemplar de The Nigger of The Narcissus (ela e eu tínhamos uma discussão sobre o problema da palavra "nigger" no país dela) e Tuzé Abreu, me ouvindo falar de três livros de Conrad me trouxe Lord Jim e Linha de sombra. Passei grande parte do verão lendo Conrad, coisa que não planejei, nem sequer imaginei que fosse fazer. Paulo ainda me deu um livro chamado The Great Tradition, um estudo crítico da ficção inglesa, em que Conrad aparece ao lado de George Elliot e Henry James como os seus maiores representantes. Aí li com atenção especial a parte sobre Conrad. É assim, minhas leituras são definidas pelo acaso. Agora estou lendo The Pirate's Dilemma, um livro otimista sobre internet, pirataria e desrespeito aos direitos autorais. Então, minhas opiniões sobre cultura livresca devem ser tomadas com um grão de sal.
[...]
CULT - Se fosse preciso (você pode recusar tal necessidade), como você se definiria politicamente? De esquerda, de direita, de centro, social-democrata, liberal?
Caetano - Nessa hora eu adoraria ser americano: nos EUA "liberal" quer dizer "de esquerda". Eu estaria unido a palavras que produzem bem-estar. Aqui tenho de me contorcer e dizer que sou de uma esquerda transliberal. Digo também que sou de centro mas não estou em cima do muro: estou muito acima do muro. Mas isso tudo é fanfarronice de artista.
Eu aplico o termo "direita" a conservadores reacionários. Todo o pessoal de esquerda gosta de citar Alain dizendo que se alguém diz que não há tal divisão "direita e esquerda", esse alguém é de direita. A observação é aguda e engraçada. Mas pode servir justamente a propósitos conservadores. Volto a Antonio Cicero: há uma reação à modernidade que se organiza em áreas do que chamamos direita e em áreas do que chamamos esquerda, hoje. Concordo com ele que desqualificar os direitos individuais, os direitos humanos propriamente ditos, é uma manobra conservadora profunda - que você pode encontrar tanto em Olavo de Carvalho quanto em Slavoj Zizek. Tanto no cardeal que excomunga os médicos que fizeram o aborto da menina estuprada pelo padrasto quanto no dirigente comunista que nega o direito de ir e vir dos cidadãos do seu país. Ou o direito de crítica. Cicero não é bobo de pensar que todos os sofisticados da academia não pensam que ele simplesmente quer limpar o terreno de toda a riqueza conceitual que vem desde Heidegger e Wittgestein, passando pelos frankfurtianos, até os pós-estruturalistas, para voltar - num movimento de contravanguarda filosófica - ao racionalismo vulgar dos iluministas. Cicero sabe que enfrenta essa questão com bravura.
Para ser sincero, com meu espírito místico e meus instintos de vanguarda, não sinto as coisas como ele sente. Além de ser muito ignorante para de fato entrar no debate. Mas não dá para seguir em frente repetindo Adorno ou ecoando Deleuze sem responder as questões que Cícero põe. Ele vem de um marxismo estruturalista (Althusser) e reencontra o melhor do liberalismo inglês e do racionalismo francês porque pensou mais do que os que apenas se ilustraram ou mesmo se refinaram muito. Ou seja: para se ir adiante tem-se que superar a crítica que ele faz. Eu o encontro em meu realismo radical, em minha paixão pela lucidez e pela justiça. Somos amigos e ele também é artista (na verdade, poeta), mas se eu encontrasse O mundo desde o fim por acaso, e não conhecesse o autor, eu ficaria tomado. Eu considero minhas confusões e a limpidez do pensamento de Cicero à esquerda de todas as formas de negação da modernidade. Digam-me que uma razão unívoca não pode dar conta dos nós da superpopulação (sou louco pelo Lévy-Strauss de Tristes Trópicos - e adorei ler hoje que Euclides da Cunha profetizou com grande clarividência os problemas ecológicos que enfrentamos), dos enigmas da mecânica quântica, do mistério complexo das culturas. De acordo. Mas não usem esse espantalho para desenterrar formas já testadas e já rejeitadas. Pode ser que haja um grande retrocesso na civilização. Mas ele não terá em mim um de seus arautos.
Na brilhante entrevista que Caetano Veloso deu a Francisco Bosco e Eduardo Socha para a revista Cult deste mês (nº 135), tive a honra de ser por ele citado em duas respostas. Infelizmente, justamente as referências a mim foram extirpadas da revista impressa. Quem quiser ler a entrevista integral, porém, pode acessá-la no blog da Cult, no endereço http://revistacult.uol.com.br/novo/site.asp?edtCode=3D614E12-495C-4018-A889-F15078DFB1B3&nwsCode=F27D566B-61CE-4A18-9578-7096A463C87C.
Abaixo publico apenas as respostas que contêm as referências cortadas.
CULT - Um dos filósofos mais debatidos no mundo, hoje, é Slavoj Zizek, a respeito do qual você disse, em seu blog: "não penso como Zizek mesmo!". Você poderia explicar em que consiste essa divergência exclamativa?
Caetano - Talvez a exclamação se devesse ao contexto da discussão daquele momento. Zizek é pop. Ele também é um intelecto superexcitado e tem erudição em várias áreas. Ampara-se em Hegel e Lacan para louvar Matrix, filme que, para mim, é um abacaxi de caroço. Ele gosta desses esquemas que dizem que somos sempre manipulados. Quanto mais claro pensamos, mais presos estamos a ideologias que camuflam interesses. Mas eu fico com Antonio Cicero quando lembra Hanna Arendt a esse respeito. Zizek tem o charme de falar no que a esquerda em geral evita mencionar: ele prefere ter algo positivo a dizer sobre as paradas fascistas da Coréia do Norte do que fingir que não as vê. Eu li Bem vindo ao deserto do real, um livro curto, e In defense of lost causes, um grosso volume. Ele convoca Robespierre, Lênin e Mao e exalta a revolução violenta. No fim, ele elege a causa ecológica como a escolha certa da esquerda para exercer o terror.
Eu tinha lido um artigo de Nelson Ascher na Folha predizendo isso. Na altura, achei o artigo de Ascher reacionário e algo simplista. Ao ler a conclusão de In Defense of Lost Causes, achei que Ascher tinha razão. Para Zizek, toda crítica à liberdade de expressão nos países comunistas é mera tramóia liberal burguesa. Além disso, ele grila com o café descafeinado. Qual o problema? Café não é cafeína. Nesse caso, ele faz uso indevido das palavras. Bem, além desses dois livros, li artigos esparsos e vi dois documentários americanos sobre ele (lá nos States, passa no cinema e tudo: ele é uma estrela). Num, segue-se uma turnê de palestras. No outro, vê-se Zizek comentando filmes. Assisti à palestra dele na UFRJ. Ele é um cara enérgico, engraçado, sua muito e pronuncia todas as letras das palavras inglesas - com a adição de um cicio. Resulta simpático. Achei irresponsável ele dizer aquelas coisas a um bando de jovens brasileiros. Mas acho que a exclamação no meu comentário se deve a ele ter falado mal do carnaval.
Só preciso te dizer que leio sempre, mas sempre muito sem método ou mesmo critério. Por exemplo, comprei Coração das trevas no aeroporto, em dezembro, indo para Salvador. Ao chegar lá, comentei com Paulo César Sousa a qualidade da tradução de Sérgio Flaksman. Paulo então me disse que acabara de ler um romance estranhíssimo de Conrad, chamado Under western eyes - e me trouxe o exemplar. É um livro incrível, em que Conrad conta uma história que prende o leitor como Crime e Castigo e onde ele mostra que a autocracia russa, marca do Csarismo, estava presente no espírito dos revolucionários russos que se refugiavam na Suíça. E prediz o estilo autocrático que sairá de uma revolução feita por eles. O romance é de 1908, creio. Estava impressionado com isso, quando uma amiga americana me trouxe de Nova Iorque um exemplar de The Nigger of The Narcissus (ela e eu tínhamos uma discussão sobre o problema da palavra "nigger" no país dela) e Tuzé Abreu, me ouvindo falar de três livros de Conrad me trouxe Lord Jim e Linha de sombra. Passei grande parte do verão lendo Conrad, coisa que não planejei, nem sequer imaginei que fosse fazer. Paulo ainda me deu um livro chamado The Great Tradition, um estudo crítico da ficção inglesa, em que Conrad aparece ao lado de George Elliot e Henry James como os seus maiores representantes. Aí li com atenção especial a parte sobre Conrad. É assim, minhas leituras são definidas pelo acaso. Agora estou lendo The Pirate's Dilemma, um livro otimista sobre internet, pirataria e desrespeito aos direitos autorais. Então, minhas opiniões sobre cultura livresca devem ser tomadas com um grão de sal.
[...]
CULT - Se fosse preciso (você pode recusar tal necessidade), como você se definiria politicamente? De esquerda, de direita, de centro, social-democrata, liberal?
Caetano - Nessa hora eu adoraria ser americano: nos EUA "liberal" quer dizer "de esquerda". Eu estaria unido a palavras que produzem bem-estar. Aqui tenho de me contorcer e dizer que sou de uma esquerda transliberal. Digo também que sou de centro mas não estou em cima do muro: estou muito acima do muro. Mas isso tudo é fanfarronice de artista.
Eu aplico o termo "direita" a conservadores reacionários. Todo o pessoal de esquerda gosta de citar Alain dizendo que se alguém diz que não há tal divisão "direita e esquerda", esse alguém é de direita. A observação é aguda e engraçada. Mas pode servir justamente a propósitos conservadores. Volto a Antonio Cicero: há uma reação à modernidade que se organiza em áreas do que chamamos direita e em áreas do que chamamos esquerda, hoje. Concordo com ele que desqualificar os direitos individuais, os direitos humanos propriamente ditos, é uma manobra conservadora profunda - que você pode encontrar tanto em Olavo de Carvalho quanto em Slavoj Zizek. Tanto no cardeal que excomunga os médicos que fizeram o aborto da menina estuprada pelo padrasto quanto no dirigente comunista que nega o direito de ir e vir dos cidadãos do seu país. Ou o direito de crítica. Cicero não é bobo de pensar que todos os sofisticados da academia não pensam que ele simplesmente quer limpar o terreno de toda a riqueza conceitual que vem desde Heidegger e Wittgestein, passando pelos frankfurtianos, até os pós-estruturalistas, para voltar - num movimento de contravanguarda filosófica - ao racionalismo vulgar dos iluministas. Cicero sabe que enfrenta essa questão com bravura.
Para ser sincero, com meu espírito místico e meus instintos de vanguarda, não sinto as coisas como ele sente. Além de ser muito ignorante para de fato entrar no debate. Mas não dá para seguir em frente repetindo Adorno ou ecoando Deleuze sem responder as questões que Cícero põe. Ele vem de um marxismo estruturalista (Althusser) e reencontra o melhor do liberalismo inglês e do racionalismo francês porque pensou mais do que os que apenas se ilustraram ou mesmo se refinaram muito. Ou seja: para se ir adiante tem-se que superar a crítica que ele faz. Eu o encontro em meu realismo radical, em minha paixão pela lucidez e pela justiça. Somos amigos e ele também é artista (na verdade, poeta), mas se eu encontrasse O mundo desde o fim por acaso, e não conhecesse o autor, eu ficaria tomado. Eu considero minhas confusões e a limpidez do pensamento de Cicero à esquerda de todas as formas de negação da modernidade. Digam-me que uma razão unívoca não pode dar conta dos nós da superpopulação (sou louco pelo Lévy-Strauss de Tristes Trópicos - e adorei ler hoje que Euclides da Cunha profetizou com grande clarividência os problemas ecológicos que enfrentamos), dos enigmas da mecânica quântica, do mistério complexo das culturas. De acordo. Mas não usem esse espantalho para desenterrar formas já testadas e já rejeitadas. Pode ser que haja um grande retrocesso na civilização. Mas ele não terá em mim um de seus arautos.
22.6.08
Blogs de Caetano Veloso, Yoani Sanchez e Reinaldo Escobar
Hoje li e recomendo enfaticamente o blog “Obra em progresso” (http://www.obraemprogresso.com.br/), de Caetano Veloso. A partir dele, também conheci e também recomendo os blogs “Generación Y” (http://www.desdecuba.com/generaciony/), da cubana Yoani Sanchez, e “Desde aquí” (http://desdecuba.com/reinaldoescobar/), de Reinaldo Escobar, também cubano, marido de Yoani.
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7.5.07
A filosofia e a língua alemã
O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da Folha de São Paulo, sábado, 5 de maio:
A FILOSOFIA E A LÍNGUA ALEMÃ
Já que a França se portava como a herdeira de Roma, a Alemanha se identificaria com a Grécia
AO CABO de uma palestra que fiz recentemente, perguntaram-me se concordo com a tese de que só é possível filosofar em alemão. Não foi a primeira vez. Essa questão se tornou popular no Brasil a partir de dois versos da canção "Língua", de Caetano Veloso, a saber: "Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção/ Está provado que só é possível filosofar em alemão".
Ocorre que os versos que se encontram no interior de um poema ou de uma canção não estão necessariamente afirmando aquilo que afirmariam fora do poema, noutro contexto. Por exemplo, no poema de Carlos Drummond de Andrade "O Sobrevivente", um verso diz: "O último trovador morreu em 1914". Esse verso vale no poema pelo efeito que causa: pouco importa que seja verdadeiro ou falso. Seria diferente se, em vez de um verso, fosse uma proposição num livro de história da literatura.
Nesse sentido, um poema é análogo a uma pintura. Um episódio da vida de Matisse ajuda a ilustrar esse fato. Visitando o ateliê do mestre, ao ver uma das suas últimas obras, uma senhora comentou: "Parece-me que o braço dessa mulher está muito comprido". "Madame", respondeu ele polidamente, "a senhora está equivocada. Não se trata de uma mulher, mas de uma pintura."
Analogamente, a quem quiser debater com Caetano a afirmação de que só é possível filosofar em alemão, ele poderia responder: "Não se trata de uma afirmação, mas de uma canção". Na verdade, o verso em questão possui uma forte carga irônica e provocativa: tanto mais quanto a afirmação de que só é possível filosofar em alemão é geralmente atribuída a Heidegger, filósofo cujo tema precípuo é o ser. Ora, logo no início de "Língua", um verso ("Gosto de ser e de estar") explora um importante privilégio poético-filosófico da língua portuguesa e de pouquíssimas outras línguas latinas, que é a distinção entre ser e estar: privilégio não compartilhado pela língua alemã.
Mas, abstraindo da canção de Caetano, consideremos a própria tese de Heidegger. Para ele, a língua que hoje mais se aproxima da grega antiga -que considerava a língua do pensamento por excelência- é a alemã. Essa pretensão tem uma história. Os poetas e pensadores românticos da Alemanha inventaram a superioridade filosófica do seu idioma porque foram durante muito tempo assombrados pela presunção, que lhes era opressiva, da superioridade do latim e do francês.
Como se sabe, o latim foi a língua da filosofia e da ciência na Europa inteira desde o Império Romano até a segunda metade do século 18, enquanto o alemão era considerado uma língua bárbara. Na segunda metade do século 17 e no século 18, a França dominou culturalmente a Europa. Paris foi a nova Roma e o francês o novo latim. O alemão Leibniz escreveu seus tratados filosóficos em latim e francês. O filósofo alemão Christian Wolff e o jovem Kant também escreveram em latim. Na corte de Frederico o Grande, falava-se francês; nas escolas prussianas, o alemão, depreciado como "língua de cocheiros", era proibido.
Não admira que os intelectuais alemães -de origem burguesa ou pequeno-burguesa- tenham reagido violentamente, tanto contra o culto que a aristocracia do seu país dedicava a tudo o que era francês quanto contra o concomitante desprezo que reservava a tudo o que era alemão. Para eles, já que a França se portava como a herdeira de Roma, a Alemanha se identificaria com a Grécia. Se o léxico francês era descendente do latino, a morfologia e a sintaxe alemãs teriam afinidades com as gregas. Se modernamente o francês, como outrora o latim, posava de língua da civilização universal, é que eram superficiais a civilização e a universalidade; o alemão seria, ao contrário, a língua da cultura e da particularidade germânica: autêntica, profunda, e o equivalente moderno do grego.
Levando isso em conta, estranha-se menos o fato de que Heidegger tenha sido capaz de querer crer que a superficialidade que atribui ao pensamento ocidental moderno -o "esquecimento do ser"- tenha começado com a tradução dos termos filosóficos gregos para o latim; ou de afirmar que os franceses só consigam começar a pensar quando aprendem alemão.
Estranho é que haja franceses ou brasileiros que acreditem nesses mitos germânicos, quando falam idiomas derivados da língua latina, cujo vocabulário é rico de 2000 anos de filosofia, e que tinha – ela sim – enorme afinidade com a língua grega, além de ter absorvido diretamente a sua herança.
A FILOSOFIA E A LÍNGUA ALEMÃ
Já que a França se portava como a herdeira de Roma, a Alemanha se identificaria com a Grécia
AO CABO de uma palestra que fiz recentemente, perguntaram-me se concordo com a tese de que só é possível filosofar em alemão. Não foi a primeira vez. Essa questão se tornou popular no Brasil a partir de dois versos da canção "Língua", de Caetano Veloso, a saber: "Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção/ Está provado que só é possível filosofar em alemão".
Ocorre que os versos que se encontram no interior de um poema ou de uma canção não estão necessariamente afirmando aquilo que afirmariam fora do poema, noutro contexto. Por exemplo, no poema de Carlos Drummond de Andrade "O Sobrevivente", um verso diz: "O último trovador morreu em 1914". Esse verso vale no poema pelo efeito que causa: pouco importa que seja verdadeiro ou falso. Seria diferente se, em vez de um verso, fosse uma proposição num livro de história da literatura.
Nesse sentido, um poema é análogo a uma pintura. Um episódio da vida de Matisse ajuda a ilustrar esse fato. Visitando o ateliê do mestre, ao ver uma das suas últimas obras, uma senhora comentou: "Parece-me que o braço dessa mulher está muito comprido". "Madame", respondeu ele polidamente, "a senhora está equivocada. Não se trata de uma mulher, mas de uma pintura."
Analogamente, a quem quiser debater com Caetano a afirmação de que só é possível filosofar em alemão, ele poderia responder: "Não se trata de uma afirmação, mas de uma canção". Na verdade, o verso em questão possui uma forte carga irônica e provocativa: tanto mais quanto a afirmação de que só é possível filosofar em alemão é geralmente atribuída a Heidegger, filósofo cujo tema precípuo é o ser. Ora, logo no início de "Língua", um verso ("Gosto de ser e de estar") explora um importante privilégio poético-filosófico da língua portuguesa e de pouquíssimas outras línguas latinas, que é a distinção entre ser e estar: privilégio não compartilhado pela língua alemã.
Mas, abstraindo da canção de Caetano, consideremos a própria tese de Heidegger. Para ele, a língua que hoje mais se aproxima da grega antiga -que considerava a língua do pensamento por excelência- é a alemã. Essa pretensão tem uma história. Os poetas e pensadores românticos da Alemanha inventaram a superioridade filosófica do seu idioma porque foram durante muito tempo assombrados pela presunção, que lhes era opressiva, da superioridade do latim e do francês.
Como se sabe, o latim foi a língua da filosofia e da ciência na Europa inteira desde o Império Romano até a segunda metade do século 18, enquanto o alemão era considerado uma língua bárbara. Na segunda metade do século 17 e no século 18, a França dominou culturalmente a Europa. Paris foi a nova Roma e o francês o novo latim. O alemão Leibniz escreveu seus tratados filosóficos em latim e francês. O filósofo alemão Christian Wolff e o jovem Kant também escreveram em latim. Na corte de Frederico o Grande, falava-se francês; nas escolas prussianas, o alemão, depreciado como "língua de cocheiros", era proibido.
Não admira que os intelectuais alemães -de origem burguesa ou pequeno-burguesa- tenham reagido violentamente, tanto contra o culto que a aristocracia do seu país dedicava a tudo o que era francês quanto contra o concomitante desprezo que reservava a tudo o que era alemão. Para eles, já que a França se portava como a herdeira de Roma, a Alemanha se identificaria com a Grécia. Se o léxico francês era descendente do latino, a morfologia e a sintaxe alemãs teriam afinidades com as gregas. Se modernamente o francês, como outrora o latim, posava de língua da civilização universal, é que eram superficiais a civilização e a universalidade; o alemão seria, ao contrário, a língua da cultura e da particularidade germânica: autêntica, profunda, e o equivalente moderno do grego.
Levando isso em conta, estranha-se menos o fato de que Heidegger tenha sido capaz de querer crer que a superficialidade que atribui ao pensamento ocidental moderno -o "esquecimento do ser"- tenha começado com a tradução dos termos filosóficos gregos para o latim; ou de afirmar que os franceses só consigam começar a pensar quando aprendem alemão.
Estranho é que haja franceses ou brasileiros que acreditem nesses mitos germânicos, quando falam idiomas derivados da língua latina, cujo vocabulário é rico de 2000 anos de filosofia, e que tinha – ela sim – enorme afinidade com a língua grega, além de ter absorvido diretamente a sua herança.
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