Mostrando postagens com marcador Rainer Maria Rilke. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Rainer Maria Rilke. Mostrar todas as postagens

11.12.21

Rainer Maria Rilke: "Wir genen um mit Blume, Weinblatt, Frucht" / "Ligamo-nos à flor, ao pâmpano e à fruta": trad. por José Paulo Paes

 


Ligamo-nos à flor, ao pâmpano e à fruta


Ligamo-nos à flor, ao pâmpano e à fruta.

Não falam só a fala das quatro estações.

Do escuro surdem vívidas irisações,

onde o brilho da inveja talvez repercuta


dos mortos que refazem a força da terra.

Que sabemos de sua parte em cada messe?

Há muito, livre, o cerne deles transparece

no próprio barro que os despojos lhes encerra.


Fazem-no de bom grado? é o que nos perguntamos.

Esses frutos intensos, trabalho de escravos,

repontam porventura para nós, seus amos?


Ou serão eles os amos, que dormem ignavos

sob as raízes e nos dão, do seu sobejo,

esse dom entre a muda força bruta e o beijo?





Wir gehen um mit Blume, Weinblatt, Frucht


Wir gehen um mit Blume, Weinblatt, Frucht.

Sie sprechen nicht die Sprache nur des Jahres.

Aus Dunkel steigt ein buntes Offenbares

und hat vielleicht den Glanz der Eifersucht


der Toten an sich, die die Erde stärken.

Was wissen wir von ihrem Teil an dem?

Es ist seit lange ihre Art, den Lehm

mit ihrem freien Marke zu durchmärken.


Nun fragt sich nur: tun sie es gern? …

Drängt diese Frucht, ein Werk von schweren Sklaven,

geballt zu uns empor, zu ihren Herrn?


Sind sie die Herrn, die bei den Wurzeln schlafen,

und gönnen uns aus ihren Uberflüssen

dies Zwischending aus stummer Kraft und Küssen?









RILKE, Rainer Maria. "Wir gehen um mit Blume, Weinblatt, Frucht" / "Ligamo-nos à flor, ao pâmpano e à fruta". In: "Os sonetos a Orfeu". In: R.M. Rilke: Poemas. Org. e trad. por José Paulo Paes. São Paulo: Companhhia das Letras, 1993.




10.9.21

Rainer Maria Rilke: "Einsamkeit" / "Solidão": trad. de Augusto de Campos

 



Solidão



A solidão é como a chuva que brota

do mar para o cair da tarde;

da planície distante e remota

para o céu, que sempre a adota.

E só então recai do céu sobre a cidade.


Ela chove, entre as horas, a seu despeito,

quando todos os becos buscam a madrugada

e quando os corpos, que não encontraram nada,

quedam-se juntos, tristes e frios,

e os que se odeiam, rosto contrafeito,

têm de dormir no mesmo leito:


aí a solidão flui como os rios...





Einsamkeit


Die Einsamkeit ist wie ein Regen.

Sie steigt vom Meer den Abenden entgegen;

von Ebenen, die fern sind und entlegen,

geht sie zum Himmel, der sie immer hat.

Und erst vom Himmel fällt sie auf die Stadt.


Regnet hernieder in den Zwitterstunden,

wenn sich nach Morgen wenden alle Gassen

und wenn die Leiber, welche nichts gefunden,

enttäuscht und traurig von einander lassen;

und wenn die Menschen, die einander hassen,

in einem Bett zusammen schlafen müssen:


dann geht die Einsamkeit mit den Flüssen...





RILKE, Rainer Maria. "Einsamkeit" / "Solidão". In: CAMPOS, Augusto de (trad. e org.). Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013.

3.2.21

Rainer Maria Rilke: "Morge": trad. por Augusto de Campos

 



Morgue



Estão prontos, ali, como a esperar

que um gesto só, ainda que tardio,

possa reconciliar com tanto frio

os corpos e um ao outro harmonizar;


como se algo faltasse para o fim.

Que nome no seu bolso já vazio

há por achar? Alguém procura, enfim,

enxugar dos seus lábios o fastio:


em vão; eles só ficam mais polidos.

A barba está mais dura, todavia

ficou mais limpa ao toque do vigia,


para não repugnar o circunstante.

Os olhos, sob a pálpebra, invertidos,

olham só para dentro, doravante.




Morgue



Da liegen sie bereit, als ob es gälte,

nachträglich eine Handlung zu erfinden,

die mit einander und mit dieser Kälte

sie zu versöhnen weiß und zu verbinden;

 

denn das ist alles noch wie ohne Schluß.

Was für ein Name hätte in den Taschen

sich finden sollen? An dem Überdruß

um ihren Mund hat man herumgewaschen:

 

er ging nicht ab; er wurde nur ganz rein.

Die Bärte stehen, noch ein wenig härter,

doch ordentlicher im Geschmack der Wärter,

 

nur um die Gaffenden nicht anzuwidern.

Die Augen haben hinter ihren Lidern

sich umgewandt und schauen jetzt hinein.









RILKE, Rainer Maria. "Morgue". In: CAMPOS, Augusto de. Coisas e anjos de Rilke.  São Paulo: Perspectiva, 2013.

19.12.17

Rainer Maria Rilke: "Der Panther" / "A pantera": trad. de Augusto de Campos



A pantera
                        No Jardin des Plantes, Paris

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.




Der Panther

                                   Im Jardin des Plantes, Paris

Sein Blick ist vom Vorübergehn der Stäbe
so müd geworden, daß er nichts mehr hält.
Ihm ist, als ob es tausend Stäbe gäbe
und hinter tausend Stäben keine Welt.

Der weiche Gang geschmeidig starker Schritte,
der sich im allerkleinsten Kreise dreht,
ist wie ein Tanz von Kraft um eine Mitte,
in der betäubt ein großer Wille steht.

Nur manchmal schiebt der Vorhang der Pupille
sich lautlos auf — Dann geht ein Bild hinein,
geht durch der Glieder angespannte Stille —
und hört im Herzen auf zu sein.



RILKE, Rainer Maria. "Der Panther". Trad. de Augusto de Campos In: Coisas e anjos de Rilke. 130 poemas traduzidos. Trad. e org. de Augusto de Campos. São Paulo: Perspectiva, 2013.

27.9.16

Rainer Maria Rilke: "Baudelaire": trad. José Paulo Paes




Baudelaire
                        Para Anita Forrer/ em 14 de abril de 1921

Somente o poeta juntou as ruínas
de um mundo desfeito e de novo o fez uno.
Deu fé da beleza nova, peregrina,
e, embora celebrando a própria má sina,
purificou, infinitas, as ruínas:

assim o aniquilador tornou-se mundo.




Baudelaire
                       Für Anita Forrer/ aum 14. April 1921

Der Dichter einzig hat die Welt geeinigt,
die weit in jedem auseinanderfällt.
Das Schöne hat er unerhört bescheinigt,
doch da er selbst noch feiert, was ihn peinigt,
hat er unendlich den Ruin gereinigt:

und auch noch das Vernichtende wird Welt.




RILKE, Rainer Maria. "Baudelaire". In:_____. Poemas. Seleção, tradução e introdução José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

19.5.15

Rainer Maria Rilke: "Schlußstück" / "Coda": tr. de Nelson Ascher




Agradeço ao poeta Nelson Ascher por me autorizar a aqui postar sua bela tradução, ou melhor -- para usar a excelente expressão de Haroldo de Campos -- sua bela transcriação de uma das obras-primas de Rilke:



Schlußstück


Der Tod ist groß.

Wir sind die Seinen

lachenden Munds.

Wenn wir uns mitten im Leben meinen,

wagt er zu weinen

mitten in uns.



RILKE, Rainer Maria. "Das Buch der Bilder". In:_____. Sämtliche Werke. Erster Band. Frankfurt am Main: Insel Verlag, 1970.





Coda


A morte é grande 

Somos a sua

boca ridente.

No auge da vida, subitamente,

seu choro soa

dentro da gente.



Tr. de Nelson Ascher


17.5.15

Aula sobre "Cartas a um jovem poeta", de Rilke




“Cartas a um jovem poeta - lições de vida”, sobre o conjunto de cartas escritas por Rainer Maria Rilke entre 1903 e 1908, é o tema da próxima aula do curso "Remetente/Destinatário", que será ministrada por Antonio Cicero. A aula acontecerá no dia 20 de maio, quarta-feira, às 19h, no IMS do Rio de Janeiro. As inscrições podem ser feitas na recepção. Mais informações: http://goo.gl/k5kQdx
O curso, com a proposta de analisar e resgatar trocas de cartas de grandes autores, vai até 24 de junho e acontece sempre às quartas-feiras. Havendo disponibilidade de vagas, as aulas avulsas custarão R$ 40. ‪#‎IMSRJ‬
Imagens: Rainer Maria Rilke. Rilke Archive, Gernsbach, Alemanha. Bridgeman images. / Capa da primeira edição brasileira de “Cartas a um jovem poeta”, seguidas de “A canção de amor e de morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke. Coleção particular.
O conjunto de cartas escritas por Rainer Maria Rilke entre 1903 e 1908, é o tema da próxima aula do curso "Remetente/Destinatário", que será ministrada por Antonio Cicero.
IMS.COM.BR

4.1.15

Rainer Maria Rilke: "Eingang" / "Entrada": trad. Augusto de Campos




Entrada

Quem quer que você seja: quando a noite vem,
saia do quarto, que você conhece bem;
seu último reduto antes do além:
quem quer que seja o quem.
Com os seus olhos que, de cansaço,
mal conseguem se erguer do pó,
levante, lento, a árvore negra do espaço
e a ponha contra o céu: esguia, só.
E você fez o mundo. E ele é grande
como a palavra que o silêncio expande.
E quando o seu sentido lhe penetre a mente,
que os seus olhos o levem suavemente...



Eingang

Wer du auch seist: am Abend tritt hinaus 
aus deiner Stube, drin du alles weißt; 
als letztes vor der Ferne liegt dein Haus: 
wer du auch seist. 
Mit deinen Augen, welche müde kaum 
von der verbrauchten Schwelle sich befrein, 
hebst du ganz langsam einen schwarzen Baum 
und stellst ihn vor den Himmel: schlank, allein. 
Und hast die Welt gemacht. Und sie ist groß 
und wie ein Wort, das noch im Schweigen reift. 
Und wie dein Wille ihren Sinn begreift, 
lassen sie deine Augen zärtlich los... 



RILKE, Rainer Maria. "Eingang" / "Entrada". Trad. Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto de. Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013.

9.6.14

Rainer Maria Rilke: "Der König" / "O rei": trad. Augusto de Campos





O Rei

O rei tem só dezesseis anos e
já é o Estado.
Como de uma emboscada, vê,
por entre os velhos do Senado,

a sala, de olhos fitos muito além,
e talvez sinta apenas o frio
do colar de ouro que mantém
sob o queixo longo, duro e esguio.

A sentença de morte à sua frente
há longo tempo aguarda sem
seu nome. Pensam: "Como se tortura..."

Mal sabem que ele simplesmente
conta, devagar, até cem
antes de apor a assinatura.



Der König

Der König ist sechzehn Jahre alt.
Sechzehn Jahre und schon der Staat.
Er schaut, wie aus einem Hinterhalt,
vorbei an den Greisen vom Rat

in den Saal hinein und irgendwohin
und fühlt vielleicht nur dies:
an dem schmalen langen harten Kinn
die kalte Kette vom Vlies.

Das Todesurteil vor ihm bleibt
lang ohne Namenszug.
Und sie denken: wie er sich quält.

Sie wüßten, kennten sie ihn genug,
daß er nur langsam bis siebzig zählt
eh er es unterschreibt.



RILKE, Rainer Maria. In: CAMPOS, Augusto de. "Neue Gedichte - I" / "Novos poemas - I". Trad. Augusto de Campos. In:_____. Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013.

30.3.14

Rainer Maria Rilke: "Wir sind die Treibenden" / "A nós, nos cabe andar": trad. Augusto de Campos




I.22

A nós , nos cabe andar.
Mas o tempo, os seus passos,
são mínimos pedaços
do que há de ficar.

É perda pura
tudo o que é pressa;
só nos interessa
o que sempre dura.

Jovem, não há virtude
na velocidade
e no voo aonde for.

Tudo é quietude:
escuro e claridade,
livro e flor.


1.22

Wir sind die Treibenden.
Aber den Schritt der Zeit,
nehmt ihn als Kleinigkeit
im immer Bleibenden.

Alles das Eilende
wird schon vorüber sein;
denn das Verweilende
erst weiht uns ein.

Knaben, o werft den Mut
nicht in die Schnelligkeit,
nicht in den Flugversuch.

Alles ist ausgeruht:
Dunkel und Helligkeit,
Blume und Buch.



RILKE, Rainer Maria. "Sonette an Orpheus / Sonetos a Orfeu". Trad. por Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto. Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2013.

6.10.13

Rainer Maria Rilke: "Sonette an Orpheus (I.19)" / "Sonetos a Orfeu (II.19)": trad. Augusto de Campos






I.19

Mesmo que o mundo mude com rapidez,
como nuvens em movimento,
tudo volta outra vez
ao primeiro momento.

Sobre as mudanças, quanto
mais livre ainda se estira
e dura o teu pré-canto,
deus com a lira!

Não se compreende a dor,
não se aprende o amor,
e ao que na morte nos desterra

a mente é muda.
Só o canto sobre a terra
salva e saúda.




I.19

Wandelt sich rasch auch die Welt
wie Wolkengestalten,
alles Vollendete fällt
heim zum Uralten.

Über dem Wandel und Gang,
weiter und freier,
währt noch dein Vor-Gesang,
Gott mit der Leier.

Nicht sind die Leiden erkannt,
nicht ist die Liebe gelernt,
und was im Tod uns entfernt,

ist nicht entschleiert.
Einzig das Lied überm Land
heiligt und feiert.




RILKE, Rainer Maria. "Sonette an Orpheus". In: CAMPOS, Augusto de. Coisas e anjos de Rilke. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.



19.1.13

Ranier Maria Rilke: "Die Gazelle" / "A gazela": trad. de Augusto de Campos






A gazela

Mágico ser: onde encontrar quem colha
duas palavras numa rima igual
a essa que pulsa em ti como um sinal?
De tua fronte se erguem lira e folha

e tudo o que és se move em similar
canto de amor cujas palavras, quais
pétalas, vão caindo sobre o olhar
de quem fechou os olhos, sem ler mais,
para te ver: no alerta dos sentidos,
em cada perna os saltos reprimidos
sem disparar, enquanto só a fronte

a prumo, prestes, pára: assim, na fonte,
a banhista que um frêmito assustasse:
a chispa de água no voltear da face.



Die Gazelle

Verzauberte: wie kann der Einklang zweier
erwählter Worte je den Reim erreichen,
der in dir kommt und geht, wie auf ein Zeichen.
Aus deiner Stirne steigen Laub und Leier,

und alles Deine geht schon im Vergleich
durch Liebeslieder, deren Worte, weich
wie Rosenblätter, dem, der nicht mehr liest,
sich auf die Augen legen, die er schließt:

um dich zu sehen: hingetragen, als
wäre mit Sprüngen jeder Lauf geladen
und schösse nur nicht ab, solang der Hals

das Haupt ins Horchen hält: wie wenn beim Baden
im Wald die Badende sich unterbricht:
den Waldsee im gewendeten Gesicht.




RILKE, Ranier Maria. "Neue Gedichte I". In: CAMPOS, Augusto de (org. e trad.). Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2007.

12.12.12

Rainer Maria Rilke: "Schlußstück" / "Conclusão": trad. Augusto de Campos






Schlußstück


Der Tod ist groß.
Wir sind die Seinen
lachenden Munds.
Wenn wir uns mitten im Leben meinen,
wagt er zu weinen
mitten in uns.





Conclusão

A Morte é grande.
Nós, sua presa,
vamos sem receio.
Quando rimos, indo, em meio à correnteza,
chora de surpresa
em nosso meio.





RILKE, Rainer Maria. "O livro de imagens"/"Das Buch des Bilders". In: CAMPOS, Augusto. Coisas e anjos de Rilke. Perspectiva: 2001.

9.2.12

Rainer Maria Rilke: "Das Lied des Selbstmörders" / "A canção do suicida": tradução de Augusto de Campos




A canção do suicida

É sempre assim: no último momento
alguém vem e me corta
a corda.
Há pouco era tão intenso o meu intento
que eu já sentia o infinito nos
intestinos.

Uma colher me é estendida,
a colher da vida.
Não, já cheguei ao limite.
Permitam-me que eu me vomite.

Sei que a vida é boa e grande
e o mundo tem beleza à bessa,
mas ela não entra no meu sangue,
apenas sobe à minha cabeça.

A outros ela nutre, a mim só me afeta.
Creiam, a nem todos ela apraz.
Agora, por mil anos ou mais
vou precisar de uma dieta.



Das Lied des Selbstmörders

Also noch einen Augenblick.
Daß sie mir immer wieder den Strick
zerschneiden.
Neulich war ich so gut bereit,
und es war schon ein wenig Ewigkeit
in meinen Eingeweiden.

Halten sie mir den Löffel her,
diesen Löffel Leben.
Nein ich will und ich will nicht mehr,
laßt mich mich übergeben.

Ich weiß, das Leben ist gar und gut,
und die Welt ist ein voller Topf,
aber mir geht es nicht ins Blut,
mir steigt es nur zu Kopf.

Andere nährt es, mich macht es krank;
begreift, daß man's verschmäht.
Mindestens ein Jahrtausend lang
brauch ich jetzt Diät.




RILKE, Rainer Maria. "Das Lied des selbstmörders" / "A canção do suicida". trad. Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto. Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2007.

2.11.11

Rainer Maria Rilke: "Der Dichter" / "O poeta": tradução de Augusto de Campos




Der Dichter


Du entfernst dich von mir, du Stunde.
Wunden schlägt mir dein Flügelschlag.
Allein: was soll ich mit meinem Munde?
mit meiner Nacht? mit meinem Tag?

Ich habe keine Geliebte, kein Haus,
keine Stelle auf der ich lebe
Alle Dinge, an die ich mich gebe,
werden reich und geben mich aus.



O poeta

Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: da boca o que faço agora?
Que faço do dia, da noite?

Sem paz, sem amor, sem teto,
caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora.




RILKE, Rainer Maria. "Novos poemas I / Neue Gedichte I". In: CAMPOS, Augusto. Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2007.

9.1.11

Rainer Maria Rilke: "Was wirst du tun, Gott..." / "Deus, que será de ti...": trad. José Paulo Paes



Rafael Martins observou um paralelo entre o poema do José Luis Hidalgo e o seguinte poema de Rilke:


Deus, que será de ti...

Deus, que será de ti, quando eu morrer?
Eu sou teu cântaro (e se me romper?)
A tua água (e se me corromper?)
Sou teu agasalho, sou teu afazer.
Vai comigo o significado teu.

Não tens mais sem mim aquela casa, Deus,
que com quentes palavras te acolhia.
Perdem teus pés exaustos as macias
sandálias: também elas eram eu.

De ti desprende-se o teu longo manto.
O teu olhar, que a minha face, quente
coxim acolhe, virá entrementes,
virá procurar-me longamente
e deitar-se depois, ao sol poente,
entre pedras estranhas, nalgum canto.

Deus, que será de ti? Tenho medo, tanto...


Was wirst du tun,Gott...

Was wirst du tun, Gott, wenn ich sterbe?
Ich bin dein Krug (wenn ich zerscherbe?)
Ich bin dein Trank (wenn ich verderbe?)
Bin dein Gewand und dein Gewerbe
mit mir verlierst du deinen Sinn.

Nach mir hast du kein Haus, darin
dich Worte, nah und warm, begrüßen.
Es fällt von deinen müden Füßen
die Samtsandale, die ich bin.

Dein großer Mantel läßt dich los.
Dein Blick, den ich mit meiner Wange
warm, wie mit einem Pfühl, empfange,
wird kommen, wird mich suchen, lange -
und legt beim Sonnenuntergange
sich fremden Steinen in den Schoß.

Was wirst du tun, Gott? Ich bin bange.



RILKE, Rainer Maria. "De O livro das horas". Poemas. Tradução e introdução de José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

31.12.10

Rainer Maria Rilke: "Archaïscher Torso Apollos" / "Torso arcaico de Apolo": trad. Manuel Bandeira




Torso arcaico de Apolo

Não sabemos como era a cabeça, que falta,
de pupilas amadurecidas. Porém
o torso arde ainda como um candelabro e tem,
só que meio apagada, a luz do olhar, que salta

e brilha. Se não fosse assim, a curva rara
do peito não deslumbraria, nem achar
caminho poderia um sorriso e baixar
da anca suave ao centro onde o sexo se alteara.

Não fosse assim, seria essa estátua uma mera
pedra, um desfigurado mármore, e nem já
resplandecera mais como pele de fera.

Seus limites não transporia desmedida
como uma estrela; pois ali ponto não há
que não te mire. Força é mudares de vida.




Archaïscher Torso Apollos

Wir kannten nicht sein unerhörtes Haupt,
darin die Augenäpfel reiften. Aber
sein Torso glüht noch wie ein Kandelaber,
in dem sein Schauen, nur zurückgeschraubt,

sich hält und glänzt. Sonst könnte nicht der Bug
der Brust dich blenden, und im leisen Drehen
der Lenden könnte nicht ein Lächeln gehen
zu jener Mitte, die die Zeugung trug.

Sonst stünde dieser Stein entstellt und kurz
unter der Schultern durchsichtigem Sturz
und flimmerte nicht so wie Raubtierfelle

Und bräche nicht aus allen seinen Rändern
aus wie ein Stern: denn da ist keine Stelle,
die dich nicht sieht. Du mußt dein Leben ändern.



RILKE, Rainer Maria. "Der neuen Gedichte anderer Teil". Sämtliche Werke. Frankfurt: Insel, 1926.

BANDEIRA, Manuel. "Poemas traduzidos". Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.




24.11.09

Rainer Maria Rilke: "Herbsttag" / Tradução de Nelson Ascher: "Dia de outono"




Sou grato a Nelson Ascher por me ter autorizado a postar aqui a sua belíssima tradução inédita da obra-prima de Rilke, "Herbsttag":



Dia de outono


Senhor, foi um verão imenso: é hora.
Estende as tuas sombras nos relógios
de sol e solta os ventos prado afora.

Instiga a sazonarem, com dois dias
a mais de sul, as frutas que, tardias,
conduzes rumo à plenitude, e apura,
no vinho denso, a última doçura.

Quem não tem lar já não terá; quem mora
sozinho há de velar e ler sozinho,
escrever longas cartas e, a caminho
de nada, há de trilhar ruas agora,
enquanto as folhas caem em torvelinho



Herbsttag


Herr: es ist Zeit. Der Sommer war sehr groß.
Leg deinen Schatten auf die Sonnenuhren,
und auf den Fluren laß die Winde los.

Befiel den letzten Früchten voll zu sein;
gib ihnen noch zwei südlichere Tage,
dränge sie zur Vollendung hin und jage
die letzte Süße in den schweren Wein.

Wer jetzt kein Haus hat, baut sich keines mehr.
Wer jetzt allein ist, wird es lange bleiben,
wird wachen, lesen, lange Briefe schreiben
und wird in den Alleen hin und her
unruhig wandern, wenn die Blätter treiben.

25.10.09

Rainer Maria Rilke: "Das Lied des Bettlers" / "A canção do mendigo": trad. de Augusto de Campos




A canção do mendigo

Vou indo de porta em porta,
ao sol e à chuva, não importa;
de repente descanso o meu ouvido
direito em minha mão direita:
minha voz me soa imperfeita,
como se nunca a tivesse ouvido.

E já nem sei quem clama em meus ais,
eu ou outra pessoa.
Eu clamo por qualquer coisa à toa.
Os poetas clamam por mais.

Com os olhos eu fecho o meu rosto
e minha mão lhe serve de encosto
de modo que ele pareça
descansar. Para que não se esqueça
que eu também tenho um posto
para pousar a cabeça.



Das Lied des Bettlers

Ich gehe immer von Tor zu Tor,
verregnet und verbrannt;
auf einmal leg ich mein rechtes Ohr
in meine rechte Hand.
Dann kommt mir meine Stimme vor
als hätt ich sie nie gekannt.

Dann weiß ich nicht sicher wer da schreit,
ich oder irgendwer.
Ich schreie um eine Kleinigkeit.
Die Dichter schrein um mehr.

Und endlich mach ich noch mein Gesicht
mit beiden Augen zu;
wie's dann in der Hand liegt mit seinem Gewicht
sieht es fast aus wie Ruh.
Damit sie nicht meinen ich hätte nicht,
wohin ich mein Haupt tu.



RILKE, Rainer Maria. In: CAMPOS, Augusto de. Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2007.

19.9.09

Rainer Maria Rilke: "Pont du Carrousel"




Pont du Carrousel


O homem cego parado na ponte,
marco cinza de anônimo país,
talvez seja o que é sempre igual a si,
o eixo que ao horóscopo se absconde,
centro fixo do céu que em torno gira.
Pois tudo em volta erra e corre e brilha.

Ele é o inamovível integral
postado entre os caminhos mais erráticos;
sombria entrada a um mundo subterrâneo
em meio a um povo superficial.



Pont du Carrousel


Der blinde Mann, der auf der Brücke steht,
grau wie ein Markstein namenloser Reiche,
er ist vielleicht das Ding, das immer gleiche,
um das von fern die Sternenstunde geht,
und der Gestirne stiller Mittelpunkt.
Denn alles um ihn irrt und rinnt und prunkt.

Er ist der unbewegliche Gerechte,
in viele wirre Wege hingestellt;
der dunkle Eingang in die Unterwelt
bei einem oberflächlichen Geschlechte.



RILKE, Rainer Maria. "Das Buch der Bilder II". Sämtliche Werke. Frankfurt am Main: Insel Verlag, 1955.