Mostrando postagens com marcador Marina Lima. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Marina Lima. Mostrar todas as postagens

7.2.21

Renato Gonçalves: "O verso que quis nos ajudar a fazer um país"

 

Acabo de ler, na Revista Pernambuco, Nº 167, de janeiro de 2020, revista que é o suplemento cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco, um excelente ensaio, escrito por Renato Gonçalves, sobre a canção Fullgás, que fiz em parceria com minha irmã, Marina Lima. Ei-lo:


O verso que quis nos ajudar a fazer um país

Sobre a música Fullgás, de Marina Lima e Antonio Cicero

por Renato Gonçalves





Democracia, há tempos não falávamos nessa palavra que, no início do século XXI, mostrou-se tão cara aos países latino-americanos. Denunciamos o seu fim e até mesmo chegamos a questionar se ela, de fato, um dia existiu entre nós de forma efetiva. Aproveitando o título de um dos melhores sintomas da contemporaneidade, o best seller Como morrem as democracias, dos cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, elaboremos uma pergunta na direção oposta: como nascem as democracias? Explicitar o lugar e o momento de formação dos projetos democráticos nos ajuda a compreender suas trajetórias.


Na experiência brasileira, o (re)nascimento da democracia é recente e se deu nos anos 1980. Uma década tratada de forma equivocada como “perdida” nos anais da História que abraçaram o rótulo designado às sucessivas, e fracassadas, iniciativas econômicas e governamentais. Por estar envolta em uma embalagem de imagens de excesso, efemeridade e nostalgia, parece que nada dela devia ser levado a sério. Diante dos últimos episódios políticos, no entanto, hoje parece que pagamos o preço por não termos compreendido a complexidade do contexto de criação da nossa jovem democracia.


A partir da canção Fullgás, composta por Marina Lima e Antonio Cicero, e lançada durante as campanhas pelas Diretas Já (1983-1984), marco do processo de abertura democrática, tracemos algumas linhas de interpretação dos sentidos envolvidos na criação da democracia brasileira. Se a Música Popular Brasileira (MPB), gestada nas décadas de 1960 e 1970, foi uma das principais expressões de resistência à ditadura militar, a nova e jovem geração de músicos da década posterior, sobretudo aquela alinhada ao rock e ao pop nacional, seria a trilha sonora da redemocratização.


A princípio, Fullgás, de versos como “meu mundo você é quem faz” e “onde quer que você vá, é lá que eu vou estar”, poderia ser lida apenas como uma radiofônica canção de amor. Declarando-se a um objeto de desejo, um eu lírico expressa seus sentimentos em jogo entre um “eu” e um “você”, marcados reiteradamente ao longo dos seus pouco mais de quatro minutos. À mínima suposição da ausência desse outro, o mundo se vê estranho: aquele que se ama lança tudo que há (“música, letra e dança”); é com ele que se faz “tudo de lindo”. Contudo, os versos finais, que são os únicos que se repetem ao longo da corrida canção, apontam para uma dimensão política que ganha sentido à luz da transição democrática pela qual o Brasil passava: “você me abre seus braços / e a gente faz um país”. A adesão política ficava ainda mais clara no seu videoclipe, quando a câmera focava a camiseta de Marina onde se podia ler “Brasil, urgente, diretas pra presidente”.


A democracia, no contexto brasileiro, substituiu os 21 anos de ditadura militar, que começou a ruir oficialmente em 1979 com o anúncio oficial de uma transição “lenta, gradual e segura” e a promulgação da Lei da Anistia “ampla, geral e irrestrita”. No início da década, o atentado frustrado no Riocentro, no Dia do Trabalhador, assinado pela ala conservadora do regime militar, juntamente à deflagração do “milagre econômico” inflamaram a opinião pública contra os militares, que, até então, obtinham apoio de grande parte da classe média e das elites financeiras alheias às violações do Estado.


Das greves gerais na região do ABC (São Paulo), lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva, às manifestações populares pelo retorno das eleições diretas, das quais participaram artistas e políticos de oposição, a movimentação política ganhava os espaços públicos. Após anos de obscurantismo, voltava a ser vislumbrada uma “trilha clara” para o Brasil “apesar da dor” (citando-se Nu com a minha música, lançada por Caetano Veloso em 1981). As fulgurações e as representações do que poderia ser o país eram retomadas por aqueles que outrora foram excluídos do discurso oficial e ufanista da ditadura militar. Entre os entulhos e desmanches do regime autoritário e o que ainda delinear-se-ia como um projeto democrático, havia espaço para se fazer um país, como sugere o derradeiro verso de Fullgás.


Os sentidos de fabulação, elaboração e construção de um país foram sintetizados por Marina Lima e Antonio Cicero no Manifesto Fullgás, veiculado no LP homônimo, cujos ideais seriam retomados pela cantora ao apresentar a música em seus shows, como mostra o registro presente no álbum Todas ao vivo (1986): “não existe caminho, viaduto, túnel, nenhum caminho direto que leve à plena realização de um país. Mas a gente tem que tentar. É preciso tentar. A gente vai ter que inventar o que nenhum outro país inventou”. Itamar Assumpção, que, a partir da canção, elaborou o show Fugaz, em 1984, igualmente explicitou um desejo coletivo de criação: “é isso que que o Brasil está precisando. A gente quer fazer um país. Cada um na sua atividade. O Brasil todo quer fazer um novo país. E isso é possível para todos. Só quem não demonstra essa dedicação ao original são os políticos. Na profissão que eles escolheram, eles não são tão criativos como nós, das outras áreas”. [nota 1]


Em paralelo às ideias de inventividade, a década de 1980 destacou os atravessamentos das forças políticas na constituição das subjetividades. Frutos das discussões pós-1968 – momento de renovação e efervescência intelectual, comportamental e cultural no Ocidente –, correntes filosóficas enxergavam o sujeito e suas singularidades como campos de potência política. Conjugada na primeira pessoa do singular, são o desejo e a individualidade que movem a campanha pelas Diretas Já: “eu quero votar para presidente”, frase de efeito usualmente escrita em uma tipografia manuscrita. O crescimento das discussões feministas, a inserção de pautas sobre as sexualidades e o fortalecimento do movimento negro à ocasião dos 100 anos da Abolição no Brasil mostraram as diferenças que, por anos, foram achatadas em nome de uma coletiva resistência política contra o autoritarismo da ditadura.


Nos limites da criação e da autonomia subjetiva, Marina e Cicero inventaram uma nova palavra. Fullgás, junção de “full gas” (expressão em inglês que indica o tanque cheio de um veículo) e “fugaz” (aquilo que é efêmero), alinhava e sintetiza o espírito do tempo dos anos da transição democrática. O termo aponta para a intensidade e a fugacidade das transformações que se davam em diversos níveis, potencializadas pelas incessantes inovações tecnológicas, pelo estabelecimento e fortalecimento dos processos de globalização e pelo discurso homogeneizado do consumo, vetores que atravessam o projeto de construção de um novo país.


Composta a partir de um loop de bateria eletrônica programado por Marina em um sintetizador japonês, uma das novidades do período, Fullgás desenvolve a linguagem internacional do pop, desenraizada de territórios e voltada ao consumo em massa. A linha de baixo, inspirada em Billie Jean, de Michael Jackson, emoldura os sintéticos e elaborados versos de Antonio Cicero, que se assemelham a slogans, formato publicitário que condensa o máximo de significados em sua síntese textual. Na medida em que se volta ao que estava sendo produzido internacionalmente, a canção apaga qualquer tensão entre o local e o global e acaba compartilhando um dos ideais da visão liberal que se estabeleceria fortemente na década.


No mundo de faz de conta conjugado pelas expressões do consumo, da publicidade e do liberalismo, onde “nada de mal nos alcança” e “nada machuca nem cansa”, qualquer possibilidade de desprazer é excluída. Para sustentar a fantasia da soberania do prazer, duas drogas seriam protagonistas da década: a cocaína, substância psicoativa que estimula a produção de serotonina, dopamina e noradrenalina; e a fluoxetina, “pílula da felicidade” comercializada, a partir do final da década, pela empresa farmacêutica Lilly sob o nome comercial Prozac. Nesse sentido, será coincidência a rima entre “feliz” e “país” nos versos finais de Fullgás?


Àquela altura, enfim, parecia chegar a felicidade esperada e profetizada pelas canções políticas das décadas de 1960 e 1970. Em contraposição à sombrias décadas que a antecederam, quando reinaram os “dias de frio” (como sugerido em Fullgás), os anos de transição democrática foram marcados pelos signos da luminosidade. Pro dia nascer feliz (Cazuza/ Frejat), hit da banda Barão Vermelho, uma das pioneiras expressões do rock que representaria parte de uma nova geração jovem que promovia uma revolução comportamental inicialmente alienada a questões políticas, cumpria o anúncio de Apesar de você (1978), de Chico Buarque: “você vai se amargar / quando o dia raiar / sem lhe pedir licença”. Nesta mesma direção, o sol estampado nas camisetas amarelas das manifestações pelas eleições diretas foi pensado pelos publicitários de Curitiba responsáveis pela comunicação visual da campanha. O raiar também surgiria em Pra começar (1986), de Marina e Cicero: ”se tudo caiu / que tudo caia / pois tudo raia”.


Apesar da euforia transbordante da “festa da democracia”, termo-slogan empregado diversas vezes pela cobertura jornalística realizada no período, o processo de redemocratização seria marcado por vários percalços até a promulgação da Constituição, em 1988. Embora tivesse grande força dentro do Congresso, a Emenda Dante de Oliveira, que garantiria o restabelecimento das eleições diretas, não foi aprovada. A eleição indireta de Tancredo Neves em 1985 – uma alternativa para a retomada do poder popular – foi frustrada pelo seu falecimento nas semanas iniciais de seu mandato E, por fim, as sessões constituintes, entre 1987 e 1988, escancararam os abismos e as fissuras de um Brasil continental.


Passados os anos fullgás de transição democrática, vertiginosamente marcados pela intensidade e pela fugacidade das transformações que tomaram lugar nos campos da política, das subjetividades e do consumo, quem, de fato, ocupou as posições dominantes que possibilitaram a criação de um país? Não se trata de perguntarmos qual o perfil daqueles que foram às ruas pelas eleições diretas ou que torceram pela democracia, mas, sim, indagar sobre aqueles que conduziram o processo político e institucional nas instâncias executivas e legislativas. Um breve levantamento de dados nos dá algumas pistas das extensões da questão. Se olharmos atentamente as sessões de trabalho para a Constituição de 1988, apenas 4% de um quórum superior a 550 constituintes foi composto por mulheres. Quando realizamos um recorte racial, de políticos negros, havia menos de 2%. Diante dessas limitações, que não representam a pluralidade social do Brasil, a gente fez uma democracia a partir de quais bases?



NOTA

1. Declaração publicada na reportagem “Itamar Assumpção, a todo vapor”. Folha de S.Paulo, 29 de agosto de 1984, p. 40.

2.7.18

Por trás da canção "Fullgás"




Agradeço a meu amigo e parceiro Arthur Nogueira por me ter chamado atenção para um vídeo, que se encontra no You Tube, sobre a canção "Fullgás". Ele é assinado por Mr. Funky Sampa. Ei-lo:





14.12.17

Marina Lima e Antonio Cicero: show "Dois Irmãos"



No dia 6 de julho deste ano, Marina e eu apresentamos, no palco do projeto Unimúsica, no Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre, um show intitulado "Dois Irmãos". O Unimúsica acaba de colocá-lo no YouTube. Ei-lo: 


8.7.17

Jorge Furtado sobre o show "Dois Irmãos", de Marina e Antonio Cicero


Quinta-feira passada, Marina e eu fizemos um show, intitulado "Dois Irmãos", em Porto Alegre, em que lembramos como se deu nossa parceria. Fiquei feliz com o comentário que, no dia seguinte, Jorge Furtado, grande diretor e roteirista de cinema e televisão, fez, no Facebook (https://www.facebook.com/jorge.furtado.52) sobre o show. É o seguinte:

Porto Alegre ontem viveu um grande momento com o show "Dois Irmãos", de Marina Lima e Antonio Cícero na Reitoria da UFRGS, um momento de beleza e poesia que nos lembra o que o Brasil tem de melhor. Marina encantou a todos com suas belíssimas canções e a mim surpreendeu tocando violão com maestria, só tinha visto shows dela com grandes bandas e não sabia que ela tocava tão bem. Antonio Cícero é um grande poeta e muito bem humorado, poderia passar a noite toda ouvindo seus versos e histórias.

Há um momento do show em que ele lê um texto não escrito por ele e ela canta uma música que não é parceria dos dois. Talvez não por coincidência, Marina cantou "Pessoa", do Dalto e Antonio Cícero leu um texto do Fernando Pessoa que eu não conhecia, muito bom.

"Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé? Que português verdadeiro pode, por exemplo, viver a estreiteza estéril do catolicismo, quando fora dele há que viver todos os protestantismos, todos os credos orientais, todos os paganismos mortos e vivos, fundindo-os portuguesmente no Paganismo Superior? Não queiramos que fora de nós fique um único deus! Absorvamos os deuses todos! Conquistamos já o Mar: resta que conquistemos o Céu, ficando a terra para os Outros, os eternamente Outros, os Outros de nascença, os europeus que não são europeus porque não são portugueses. Ser tudo, de todas as maneiras, porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma cousa! Criemos assim o Paganismo Superior, o Politeísmo Supremo! Na eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são verdade. "


Fernando Pessoa, in 'Portugal entre Passado e Futuro'



16.8.15

Nelson Motta homenageia Marina Lima




Na semana passada, Nelsinho Motta fez uma bela homenagem à Marina Lima, no Jornal da Globo. Abaixo, vocês encontrarão o link para ela.

Aproveito para corrigir apenas um pequeno equívoco. Ao contrário do que Nelsinho pensava, Marina não nasceu no Piaui. Nossos pais são, de fato, piauienses, porém não se conheceram lá, mas no Rio de Janeiro, onde namoraram, casaram-se e tiveram seus filhos. Mas isso é um detalhe. A homenagem de Nelsinho é linda.

8.11.13

Entrevista para Pedro Vale, do jornal "Tribuna do Norte"

Eis a entrevista que dei, na semana passada, para o Pedro Vale, da Tribuna do Norte, de Natal: 





1 - O que podemos esperar da aula espetáculo que vai acontecer no dia de abertura da Feira?
Pela primeira vez, Marina e eu vamos, lado a lado, falar em público sobre nossa parceria, explicando como começou, como compomos nossas canções, de que modo nos inspiramos para compor algumas delas, o que pensamos de nosso trabalho conjunto etc. Acho que nós mesmos não sabemos bem o que esperar desse encontro, mas esperamos que dê certo e seja interessante para o público.

2 - Há diferença entre se escrever a letra de uma canção e se escrever para um livro?
Sim, pois escrevo minhas letras, em geral, para melodias já prontas, que me são dadas por meus parceiros ou parceiras. Logo, não posso deixar de levar em conta não só a própria melodia, com todas as suas sugestões, como o parceiro ou parceira em questão, e a pessoa que deverá cantar a canção final. Já quando escrevo um poema, não penso senão no que vai acontecendo na minha cabeça enquanto o escrevo.

3 - Quais os benefícios de se ter a(o) irmã(o) como parceira(o) de trabalho?
A vantagem é a intimidade que os irmãos têm. Na hora de compor e de dizer por onde achamos que a canção deve ir, é bom não ter muita cerimônia.

4 - Como a sua musicalidade influencia os seus escritos (os que, evidentemente, não sejam letras de música)?
Na verdade, não sei se sou tão musical assim. Quem é musical é a Marina. Eu faço apenas as letras. Não toco nenhum instrumento e sou inteiramente desafinado. O que acontece é que presto muita atenção ao aspecto sonoro – por exemplo, ao ritmo – da própria linguagem e, naturalmente, ao fazer um poema, sou capaz de usar qualquer um dos recursos de versificação que me ocorrerem.

5 - Quais músicos atuais você escuta e quais escritores dessa geração você lê?
Escuto, por exemplo (e por ordem alfabética) , Adriana Calcanhotto, Arnaldo Antunes, Arthur Nestrovski, Arthur Nogueira, Caetano Veloso, Cid Campos, João Bosco, José Miguel Wisnik, Leo Cavalcanti, Luis Tatit, Martinália, Péricles Cavalcanti...


6 - Que artistas, sejam de qual época e de qual mídia for, inspiraram o seu trabalho?
Muitos; por exemplo (em ordem alfabética) Anacreonte,  Baudelaire, Bob Dylan, Caetano Veloso, Calímaco, Catulo, Drummond, Hölderlin, Horácio, Rilke, Rimbaud, Shakespeare, T.S. Eliot, Vinícius, Yeats...                                                                            

7 - Como a maturidade e experiência adquiridas em décadas de fazer artístico e intelectual influenciam sua produção atual?
Não sou eu a melhor pessoa para julgar meu próprio trabalho e minha própria evolução. Não sei dizer.

8 - Depois de já ter trilhado por tantas mídias diferentes, que novidades podemos esperar de você no futuro?
Quando muito, novos poemas, novas letras e novos ensaios de filosofia.

9 - Não podemos deixar de falar das biografias não-autorizadas. Você é a favor ou contra? Por quê?

Sou contra a proibição de biografias não autorizadas. Parecem-me inconstitucionais os artigos 20 e 21 do código civil, pois contradizem o artigo 5º, inciso IV da Constituição, segundo o qual “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, e contradizem o artigo 5º, inciso IX, segundo o qual “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E o inciso do mesmo artigo 5º que trata da privacidade, que é o X, diz apenas que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, ASSEGURADO O DIREITO À INDENIZAÇÃO pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Ou seja, o máximo que se pode pretender é a indenização pelo dano moral, mas jamais a proibição da publicação de um texto. Assim, o que devemos lutar, no Brasil, é para que a justiça, não apenas nesse caso, mas sempre, seja mais ágil; e para que, no caso específico do “dano material ou moral” que uma biografia difamante cause no biografado, seja realmente substancial a indenização imposta ao biógrafo. Acho também que deve ser punida qualquer violação ILEGAL da privacidade de uma pessoa. Ninguém tem o direito, por exemplo, de violar minha correspondência ou de clandestinamente escutar minhas conversas telefônicas.  

11.3.13

Entrevista de Antonio Cicero à revista Cult






Dei uma entrevista para Marcus Preto, que foi publicada no último número da revista Cult. Ela se encontra aqui:

http://revistacult.uol.com.br/home/2013/03/a-lira-de-antonio-cicero/

29.6.12

Entrevista ao jornal Correio da Bahia

A seguinte entrevista, que concedi a Salvatore Carrozzo, do jornal Correio da Bahia, de Salvador, foi publicada em 27 de junho:



Qual foi o seu objetivo ao fazer este livro? Qual pergunta queria responder?


A pergunta que motiva o livro é a que frequentemente me fazem: qual a diferença entre poesia e filosofia? Como penso, contra as tendências da moda, que são empreendimentos diferentes, aproveitei para não apenas falar dessa diferença, mas sobretudo para expor minhas ideias sobre a especificidade da poesia.


O brasileiro ainda liga poesia e filosofia a algo hermético?

Muita gente realmente despreza tudo o que não tem alguma utilidade prática. Pior: despreza tudo o que não dá dinheiro. Além disso, enquanto é possível fazer coisas práticas, como trabalhar, comer, transar ou ler o jornal ouvindo música, por exemplo, não é possível fazer nada disso ao mesmo tempo em que se lê um poema ou um ensaio de filosofia. Estes exigem tempo e concentração. Sendo assim, a poesia e a filosofia acabam sendo desprezadas. A ciência não é desprezada do mesmo modo somente porque é associada à tecnologia, logo, à técnica, logo, à utilidade prática.


Em um momento do livro, o senhor cita a lenda segundo a qual filósofo Tales, olhando os astros, caiu em um poço, e foi caçoado: "Pretendendo conhecer os céus, ignorava o que se encontrava aos seus pés". A filosofia tem virado muito as costas para os problemas do Brasil?

Acho mais lamentável que os brasileiros virem as costas para a filosofia. Então devemos deixar o pensamento mais ambicioso e profundo para os franceses, alemães, americanos, isto é, para os outros, limitando-nos a pensar sobre o que está aos nossos pés? Então um alemão, quando filosofa, pode perguntar-se sobre o ser, sobre o universo ou sobre os problemas da humanidade, mas nós, brasileiros, devemos nos ater aos problemas do Brasil? A Grécia antiga é hoje admirada como um dos pontos altos da história exatamente por causa de gente como Tales, que era capaz de voltar o olhar para o que se encontra muito além do chão que pisava, e não por causa dos que caçoavam de Tales.


O senhor diferencia pensar sobre o mundo e pensar o mundo. Poderia explicar melhor isso?

Em 2004, Adauto Novaes concebeu um ciclo de conferências intitulado “Poetas que pensaram o mundo”. Pareceu-me importante que ele o tivesse intitulado assim e não, como seria de esperar, “Poetas que pensaram SOBRE o mundo”. Refletindo sobre a diferença entre essas duas formulações, pareceu-me que, de fato, são os filósofos que pensam SOBRE o mundo, enquanto os poetas pensam O mundo. É como se os filósofos estivessem ACIMA, o que implica que estivessem FORA do mundo, ao pensar sobre ele. Já o pensamento dos poetas tende a se confundir com o mundo. O poeta, enquanto poeta, isto é, nos seus poemas, pensa não apenas com conceitos que pretendam abarcar o mundo, mas também com os sons, os ritmos, as imagens do próprio mundo: pensa, por isso O mundo, e não sobre o mundo.


O termo "poético" é usado para dizer algo muitas vezes pueril. "Fulano tem um olhar poético da vida", por exemplo. Isso faz parte da construção da poesia como algo supérfluo?

Creio que sim. É como se os poetas, como as crianças, não tenham caído na “real”, que é, segundo o senso comum, ver a vida com um olhar pragmático, utilitário, instrumental.


Em seu livro, o senhor fala de textos que podem, simultaneamente, ter uma contribuição original ao pensamento filosófico e ser um bom poema. Isso é raro hoje em dia?

Não é raro apenas hoje em dia. Sempre foi muito raro que um texto fosse, ao mesmo tempo e no mesmo trecho, um bom poema e uma contribuição original ao pensamento filosófico. É que aquilo que torna um texto poético bom não é o que torna um texto filosófico bom. O valor de um texto filosófico depende, por um lado, da originalidade e da capacidade das teses filosóficas que propõe de darem conta de questões lógicas, ontológicas, epistemológicas e estéticas, bem como da qualidade da argumentação com que o faz. Já o valor de um poema é função de sua capacidade de estimular o jogo de todas as nossas faculdades: inteligência, sensibilidade, emoção, sensualidade, memória etc. São coisas inteiramente diferentes.


O senhor diz, no livro, ser perfeitamente concebível um filósofo não produzir uma obra sequer em sua vida. Isso de alguma forma não corrobora a ideia do filósofo como um ser superior, que não faz parte do mundo?

Não necessariamente. Sócrates, por exemplo, era considerado filósofo porque suas ideias, mesmo não tendo sido escritas, foram discutidas e divulgadas pelos seus discípulos. Tanto ele quanto Pitágoras, outro filósofo que jamais escreveu, diziam preferir colocar suas doutrinas em seres dotados de alma (os discípulos) do que em seres sem alma (os livros). No fundo, eles achavam que, desse modo, essas doutrinas fariam mais integralmente parte do mundo.


Muitos poetas, o senhor incluído, dizem que, a rigor, o poema não serve para nada. Muito já foi declamado sobre esse assunto. Não é algo radical demais?

Não. É que o poema não precisa se justificar por nenhuma utilidade ulterior a ele mesmo. Sua leitura compensa a si própria. Nesse sentido, o poema vale por si. Isso não significa nenhum formalismo. É o poema como um todo, em que forma e conteúdo, não podem ser separados um do outro, que vale por si.


O senhor se refere muito a Carlos Drummond de Andrade no seu livro. Uma predileção especial? Podemos tratá-lo como um filósofo?

Não. Drummond não foi um filósofo. Foi o nosso maior poeta. Enquanto tal, ele não foi inferior a filósofo nenhum. A poesia é diferente, mas não é inferior nem superior à filosofia. Como eu já disse, um poema é capaz de mexer com todas as nossas faculdades: e é capaz de mexer com tudo o que sabemos, inclusive com a filosofia, a história, a geografia, a mitologia, a física que conheçamos. Um poema pode, por exemplo, falar do ser, da Grécia, de vulcões, de Zeus, de “partículas elementares” ou de “buracos negros”. Mas isso não quer dizer que ele seja uma obra de filosofia, história, geografia mitologia ou física. Ele é uma obra de poesia apenas, e isso basta.


No Brasil, a média é de pouco mais de um livro lido por ano. Isso não é muito frustrante para um escritor?

Sim; principalmente considerando que, apesar disso, nenhum governo investe maciçamente na educação.


No livro, o senhor diz que "deve-se às vanguardas do século XX a desfetichização completa de todos os recursos poéticos". Poderia explicar melhor isso?

É muito simples. Certas formas poéticas haviam sido fetichizadas, isto é, enfeitiçadas, pela tradição. Como a maior parte da poesia produzida no Ocidente moderno era metrificada e rimada, por exemplo, supunha-se que a métrica e a rima fossem intrinsecamente poéticas. Elas eram, de maneira geral, tidas como necessárias e como suficientes para a produção de um poema. Viraram fetiches. Ou seja, um texto que não possuísse métrica e rima não era normalmente tomado como um poema; e um texto que as possuísse era automaticamente tomado com um poema. Ora, as vanguardas mostraram que era possível produzir poemas sem métrica, rima ou outras características fetichizadas. Com isso, desfetichizaram tais características.


O senhor lê latim e grego? Ainda são línguas essenciais para o estudo da filosofia como foi no passado?

Tenho a impressão de que nada foi mais importante, para minha formação, do que aprender grego e latim. Nada me estimulou ou ensinou mais do que o estudo dessas línguas, tanto no que diz respeito à poesia, quanto no que diz respeito à filosofia. Mas não tenho o direito de generalizar. Há inúmeros grandes poetas e inúmeros grandes filósofos que não leem nem grego nem latim.


No ano passado, Marina Lima, sua irmã, lançou Climax, o primeiro disco sem colaborações suas. O senhor se incomodou com isso, de alguma forma?

Não me incomodou propriamente porque isso é, em parte, resultado de minha própria opção por me concentrar em escrever ensaios de filosofia e poesia para ser lida. Além disso, nossa parceria era sempre resultado de muitas conversas. Normalmente, eu ia para a casa dela, onde ela me mostrava a música que estava começando a compor e eu, a partir das conversas e do clima da música, começava a esboçar uns versos. Ora, agora Marina está morando em São Paulo e eu, no Rio, de modo que isso se tornou mais complicado. Lamento essa distância, mas tenho certeza de que ainda faremos muita coisa juntos.

2.6.11

Sobre a cantora Marina Lima




O seguinte texto, escrito por mim sobre minha irmã, Marina Lima, que está lançando um novo disco, foi publicado na quarta-feira, 1 de junho, na "Ilustrada", da Folha de São Paulo.


Arte de Marina Lima funciona como um espelho mágico

Marina é da raça das cantoras que, ao invés de interpretar as canções que cantam, fazem-se interpretar por elas. Mas não se trata simplesmente de que as canções nos revelem a psicologia da mulher que canta. As cantoras a que me refiro fazem da sua voz a intersecção da fala e do canto, da vida e da arte, do singular e do universal.

Como diz o compositor Luiz Tatit, "a voz que canta prenuncia, para além de um certo corpo vivo, [...] um corpo imortalizado em sua extensão timbrística".

A música de Marina, é, por um lado, um gesto intensamente pessoal e, por isso, precário e arriscado; mas é, por outro lado, um voo perfeccionista e impaciente com todas as vicissitudes demasiadamente humanas.
Em virtude da primeira característica, identificamo-nos com ela, mas, em virtude da segunda, a admiramos. No entanto, separá-las é ato de abstração, pois elas são indissociáveis. O todo, a arte de Marina, funciona como um espelho mágico, que nos devolve não a imagem da nossa realidade física ou psicológica, mas a força de sentimentos maravilhosos e obscuros e de promessas de felicidade há muito dormentes em nosso coração.