Parecia uma tatuagem de máfia, uma daquelas frases que acompanham ao largo da vida como uma epitome e uma declaração de principios para a vida, um "de aqui não passo". Inventar o "Somos Porto" elevou Nuno Espirito Santo a uma condição especial de jogador-adepto algo de que anos mais tarde se quis aproveitar o treinador-adepto que foi apresentado dizendo que o matriz histórico do Porto era o 4-3-3 e que ele era Porto e que todos deviamos ser Porto e que o Dragão seria uma fortaleza onde todos os que Somos Porto iriamos trucidar todos os que Não São Porto rumo a uma nova era de triunfos. Nuno - ou NES - ou melhor, NãoESnada - ainda quis ir mais longe e pegou nessa frase que metaforicamente levava entre tatuagem e sangue nas veias, com a que encheu torrencialmente de portismo todo o balneário a ponto de que desapareceu o vermelho que até incomodava Pedroto das meias dos empregados, tal era o grau de "Somos Porto" que se vivia - esse Nuno decidiu explicar aos jornalistas, esses néscios que não entendem nada e muito menos a ele, que o "Somos Porto" não era só um estado de ânimo, era um jogador de três pernas e muitas ideias de jogo. Ninguém o entendeu - como era óbvio - salvo todos os homens de três pernas que são Porto em algum lugar do mundo.O irónico, o verdadeiramente irónico, é que esse homem que inventa
motos, defende histórias de dragões e fortalezas, e impregna a todos os
homens de um sentido de enorme presença - porque Jonas, esse finguelas,
não pode agredir uma torre humana que além do mais "é Porto" - resume
perfeitamente tudo aquilo que, para a esmagadora maioria dos que foram,
são e continuarão a ser Porto ao longo da sua vida (e de tantos que já
não estão mas que o são, onde quer que estejam) é tudo menos "Ser
Porto". NES é tão "Porto" - esse Porto, o Porto de Pedroto, do não calar
e comer, do engasgar-se com tanta relva, de canelas moidas a golpes e
de dentes fechados, de gritos até ficar sem voz e de procissões nos
Aliados....esse Porto - como é "Rio Ave"...como é "Valência"...como é
"Clube onde o meu melhor amigo e agente me vai colocar sem que ninguém
se queixe do mau treinador que sou".
Tacticamente NES não podia ser Porto B se quisesse quanto mais ser Porto. Nunca Ser Porto seria o pontapé para a frente, o correr pelo correr, o passar pelo passar, o pressionar pelo pressionar. Nunca ser Porto seria a ausência de uma ideia - com uma boa ideia é suficiente - e muito menos a ausência de coragem para aplicar uma ideia. Ser Porto não é pedir desculpa a cada tropeção...é não voltar a tropeçar. Ser Porto não é matar jogadores porque não se sabe o que fazer com eles nesse marasmo desértico de ideias. Ser Porto não é deixar os futebolistas sós, expostos à raiva do adepto triste, sem lhes dar uma rede de conceitos de jogo a que se agarrar. Ser Porto não é viver com o medo de perder e por isso não tentar ganhar. Ser Porto também não é tentar ganhar sem saber como. Ser Porto não é fazer do empate a nova moda nem sequer fazer do discurso uma cassete tediosa resumida em quatro frases. Ser Porto não é esgotar os jogadores porque não há rotações para que cheguem aos jogos decisivos mortos fisicamente e sem um plano B táctico que os proteja e potencie. Ser Porto não é entrar suave e manso nas conferências de imprensa para não ofender os amigos do melhor amigo ou os que no futuro podem passar o cheque que cai na conta. Ser Porto é tantas coisas NES, tantissimas coisas, mas não há em nada do que tenhas feito uma gota do Ser Porto.
Claro que isso não se sabe de hoje como o José Correia já apontava em Outubro e qualquer um com dois dedos de cabeça a ver um jogo completo do FC Porto ao largo da temporada. Não se trata apenas e só de julgar o treinador pelos fracos resultados obtidos - a equipa acabará o campeonato seguramente com o Benfica mais longe do que tem o Sporting o que diz muito de uma liderança desde o banco que chegou à Luz sem vontade de ultrapassar o rival e que desde então se dedicou a dar-lhe mais oxigénio do que merecia - mas sim de deixar claro que mesmo na vitória, NES nunca foi Porto nem poderia ser. Já houve muitos treinadores campeões no Porto que não foram Porto e alguns (menos) treinadores que, sendo Porto não foram campeões. O que se trata aqui não é o de entender que NES pode ser no futuro campeão mas sim de que não pode, desde logo, é ser um representante do que o Porto - e aqui falamos do Porto pos-Pedroto e não dos anos cinzentos de quase amadorismo prévios - quer, foi e deve voltar a ser. Naturalmente NES é treinador do Porto porque há muita gente acima dele que não é Porto e outra que se esqueceu do que era ser Porto, alicerces que sustentam a sua presença ilógica. Não é nem o maior problema do clube nem o mais grave, desde logo, mas é um reflexo, um sintoma dessa situação.
NES é as olheiras de uma noite sem dormir, é as calças rotas e os sapatos com buracos de uma carteira vazia, é a côdea do pão do almoço que não dá para sopa e bife. Não tem culpa de ser NES, não tem culpa de não ser Porto e muito menos não tem culpa de estar no Porto. Mas como as orelhas, os remendos, os buracos e as côdeas, é o que temos e é o mais visivel que temos para exemplificar toda uma sequência de dramas mais intangiveis. Ser Porto, antes de que a tatuagem fosse criada e cozida até em camisolas como se tivesse existido décadas de angustiosa ausência dessa frase, sempre foi mais que retórica e assobios. Ser Porto sabe a relva. Ser Porto sabe a suor. Ser Porto sabe a feridas por sarar. Ser Porto sabe a "carago", sabe a "foda-se", sabe a "até os comemos". Ser Porto sabe a chuva. Sabe a granito. Sabe a caneleiras e chuteiras pretas. Ser Porto sabe a homens rijos com duas e não três pernas. Ser Porto sabe a reagir e não a pedir desculpas. Ser Porto é um paladar de mil sabores mas nenhum desses sabores sabe a Nuno Espirito Santo.
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quinta-feira, 11 de maio de 2017
sábado, 1 de abril de 2017
Sejam Porto (carago)!
Hoje não é dia de hashtags. Hoje não é dia de discussões. Hoje não é dia de comissões e relatórios de contas. Hoje não é dia de Dragões Diários e Labaredas. Hoje não é dia de saídas e chegadas. Hoje não é dia de...
Hoje é, simplesmente, Ser Porto (carago)!
Hoje é, simplesmente, Ser Porto (carago)!
quarta-feira, 2 de março de 2016
São Porto?
Ser Porto.
Há uns anos começou a correr por aí a expressão "Ser Porto", como se os cimentos gastos do velho estádio das Antas recordassem outro grito de guerra entretanto perdido. Foi a época do marketing, do 1893 na camisola - não fosse alguém duvidar do duvidável - e da externalização da comunicação do clube com as suas forças vivas a labaredas ou diários mitológicos que vendem independência mas seleccionam melhor as noticias com lápiz azul(e branco) que outros. Mas o importante era repetir o mantra, "Ser Porto". Todos aqueles que tinham chegado até ali, muitos nascidos quando "Ser Porto" significava sofrer ano sim e ano também, tinham de reaprender a cartilha, não fosse alguém desconfiar de que "Ser Porto" não era lá com eles e como se o "Bibó Porto carago" que durante décadas se ouviu até no silêncio da neblina que todas as manhãs se adentra pela Douro fosse impossível de se vender nos emails enviados às empresas a quem se pede dinheiro para pagar os croisants que antes se compravam no Velasquez fiados. Mas por muito que vendam o grito, por muito que criem a linguagem moderna do que é, na prática, "ser Porto", há quanto tempo é que aqueles que a proclamam, ás vezes até em silêncio - pasme-se, há directores desportivos do clube que falam calados ou falam lá para fora, não para os seus, porque ficam melhor na fotografia - são eles Porto?
Foram, sem dúvida, foram Porto.
Foram provavelmente mais do que muitos ainda que o FC Porto, o que não ganhava todos os anos e sofria tantas vezes o injusto e criminal tratamento votado pelo centralismo, também estivesse cheio de homens grandes e que eram, sem dúvida, também eles, Porto. Mas ninguém discute, ninguém disputa que houve uma lufada de ar fresco quando quem hoje se esconde em muros de silêncio deu um pontapé na muralha para gritar, sem medo, que ser Porto era algo maior do que um motivo de orgulho, era uma forma de ser. Esses gritos, que se ouviam tão longe que minaram por dentro o sistema que nos afogava ano atrás ano, são a base de tudo e não há como esquecer essa voz que, quando falava, o mundo tremia. Durante três longas, inesquecíveis e intermináveis décadas - pelo menos na nossa memória - reescreveu-se o adn de um clube que deixou de ter medo de gritar que era ele próprio, um clube de portistas para portistas e disposto a tudo para não se deixar prejudicar por quem não suportava o êxito desses portistas. Forjou-se aí a cultura vigente, ás vezes substituindo coisas antigas, outras vezes recuperando-as. Nasceram dragões das nuvens, recuperou-se a "mistica" do balneário depois de anos de prima-donas que jantavam com presidentes para despedir treinadores e recuperaram-se figuras históricas, não para lamber feridas mas sim para lançar o futuro. A cada eleição, a cada aclamação, entendia-se aquele "ser Porto" porque não eram palavras vãs. O discurso tinha eco real no quotidiano e não eram apenas os titulos - nacionais e internacionais. Era o orgulho próprio, a identidade, a sensação de pertencer a algo grande, genuino e que não deixava de ser portuense, nortenho, apesar de haver espaço para todos. Aquele "ser Porto" era-o na teoria e na prática - vamos assumir já que ninguém é perfeito e que houve, como sempre, altos e baixos - e quem conduzia o navio era, sem dúvida, Porto. Ainda o é?
O novo processo eleitoral está prestes a chegar à sua conclusão antes de ter sido sequer iniciado, consequência lógica e inevitável de quem se sabe eterno e imortal - ele, os outros, todos - e não está para incomodar-se com burocracias. Mas se há rostos similares, alguns gastos pelos anos, pela vida e pelos excessos de tudo, o discurso hoje já não é o mesmo. É vazio, é oco, é um loop gasto, perdem-se já palavras, entendimentos e ilusões a cada vez que o "ser Porto" se corrompe, dia após dia. Tudo aquilo que se defendeu em 1977, que se reforçou em 1982 e que foi, ano atrás ano, dando força aos nossos despertares, é hoje memória presente mas vã, como aqueles que sentem nostalgia por algo que sabem que não vai voltar olhando para aqueles que lhes dizem, quase rindo-se de eles, de que esse algo nunca se foi. Mas foi, ó se foi. Em 1982 o FC Porto fez-se grande porque decidiu colocar o seu destino nas mãos de quem era Porto, soube ser Porto e soube fazer-nos a todos um pouco mais Porto. Mas em 1982 - e nos anos seguintes - o que o Porto não queria, o que não era ser Porto, o que nos fazia a todos um pouco menos Porto era precisamente aquilo que hoje aqueles que lutaram contra essa realidade colocam em prática com assustadora frequência. Procurei, juro que procurei, nos panfletos eleitorais, nas hemerotecas, no discurso e nas aclamações e vivas daqueles anos sinais do que é o Porto de hoje e não encontro paralelos, não encontro concordância. Em nenhum lugar encontrei sinais do que podiamos encontrar em relatórios de conta como os que vamos abrindo, trimestralmente, com resignação, as alvisseras e vivas a um "ser Porto" que inclui entre tantos outros pecados inconfessáveis:
- pagar comissões a familiares por negócios
- contratar familiares e familiares de amigos para a estrutura do clube
- permitir que familiares exerçam de porta-voz do clube, defenestrando simbolos reais de escudo no peito, ou coloquem em risco o próprio futuro do clube tendo acesso a informações mais tardes debitadas por meia dúzia de tostões e muito rancor
- estar mais preocupado em distribuir riqueza pela corte de amigos do que no futuro do clube
- apostar conscientemente na desvalorização desportiva em prole da dependência financeira alheia, entre bancos e fundos, o que ás vezes é o mesmo
- alhear-se do que é ser simbolo de uma cidade, de uma região, não como elemento exclusivo - todos podem ser Porto em qualquer canto do Mundo - mas como vector de dinamismo deixando essa luta abandonada ou a outros sem a mesma força que tem a voz do dragão
- abdicar de uma excelente equipa de scouting, forjada com anos de trabalho intenso de pessoas que, muitas vezes desde o biberão sim "são Porto", para externalizar esses serviços
- transformar a formação, a base de mais de década e meia de êxitos, num pro-forma, num negócio onde até percentagens de passes são oferecidos, como eclairs, em processos de renovação quando, quem assina, já tem o contrato escrito a azul e branco no coração
- transferir a seu belo prazer as quotas dos sócios, negligenciando as modalidades que sempre fizeram parte do ADN do clube e que também são, para muitos, Porto.
- transferir a seu belo prazer a posse do estádio, correndo o risco de deixar, num futuro em que a SAD possa não ser da instituição de um modo maioritário -e ninguém pode jurar que isso não passará - o FC Porto no olho da sua própria rua.
- calar, consentir e silenciar todos os "roubos de Igreja" que prejudicam, dia sim, dia também o clube quando o êxito do clube se construiu em gritar, não consentir e denunciar cada golpe que nos tentaram dar por cima e por debaixo da mesa
- permitir que os velhos poderes, os que se contestavam e que columpiados com o poder, esse que ia entrar na Assembleia com uma cabeça na bandeja, controlem como um polvo as instituições que têm poder de decisão sobre a vida desportiva onde compete o escudo e a camisola
- ser incapaz de competir com equipas menores, em orçamento e pedigree, sem um assomo de vergonha e auto-critica salvo por escorrer a culpa para os que já não estão, assobiando para o lado ao mesmo tempo que se engorda a maquinaria orçamentada até ao risco da implosão.
Não, não adianta procurar porque não vão encontrar nada que proponha como politica desportiva nada disto porque, "ser Porto", nessa altura de positivismo e arrojo, era outra coisa ainda que alguns sejam os mesmos, e muito do que hoje se faz era então combatido, valentemente, sem papas na lingua, sem medos e sem meias palavras.
Aquilo que corrompia o clube até as entranhas - o medo crónico, a subserviência, a desvalorização desportiva, o desrespeito pelo associado - aliado aquilo que nem nos piores anos se vivia como o nepotismo, as negociatas com entidades que existem debaixo de um imenso ponto de interrogação - está hoje mais presente do que então, a tal ponto que parece, pura e simplesmente, que voltamos a viajar no tempo. Nada pode apagar 30 anos de titulos e memórias que não se derretem no tempo mas também nada logra, realmente, explicar, tanto interesse em voltar atrás no tempo. Parece, de algum modo, que alguém se arrependeu de quem foi, do que significou e do que logrou e quer voltar ao inicio, recuperar a juventude perdida tentando voltar à casa de partida do jogo para reiniciar o processo. Só que todos sabemos que o tempo não volta para trás por muitos que alguns queiram e devolver o clube à mais miserável das condições não dá direito a jogar o jogo com uma nova vida guardada. Ou talvez aqueles que ajudaram a definir, com todo o mérito, aquele "ser Porto" se tenham esquecido do que foram.
Será, então, que esse "ser Porto" que foi também o de todos aqueles que vieram de trás e suportaram não a glória mas a dor, o sofrimento e a tristeza de perder sem poder lutar, existe ainda naquele espaço fechado onde se tomam as decisões que padecemos todos? No fundo, em todo este processo, só há uma pergunta que é ainda válida tendo em conta tudo o que sabemos, tudo o que desenterramos, tudo o que vivemos e tudo o que debates. Será, de verdade, que eles ainda são "Porto"?
Há uns anos começou a correr por aí a expressão "Ser Porto", como se os cimentos gastos do velho estádio das Antas recordassem outro grito de guerra entretanto perdido. Foi a época do marketing, do 1893 na camisola - não fosse alguém duvidar do duvidável - e da externalização da comunicação do clube com as suas forças vivas a labaredas ou diários mitológicos que vendem independência mas seleccionam melhor as noticias com lápiz azul(e branco) que outros. Mas o importante era repetir o mantra, "Ser Porto". Todos aqueles que tinham chegado até ali, muitos nascidos quando "Ser Porto" significava sofrer ano sim e ano também, tinham de reaprender a cartilha, não fosse alguém desconfiar de que "Ser Porto" não era lá com eles e como se o "Bibó Porto carago" que durante décadas se ouviu até no silêncio da neblina que todas as manhãs se adentra pela Douro fosse impossível de se vender nos emails enviados às empresas a quem se pede dinheiro para pagar os croisants que antes se compravam no Velasquez fiados. Mas por muito que vendam o grito, por muito que criem a linguagem moderna do que é, na prática, "ser Porto", há quanto tempo é que aqueles que a proclamam, ás vezes até em silêncio - pasme-se, há directores desportivos do clube que falam calados ou falam lá para fora, não para os seus, porque ficam melhor na fotografia - são eles Porto?
Foram, sem dúvida, foram Porto.
Foram provavelmente mais do que muitos ainda que o FC Porto, o que não ganhava todos os anos e sofria tantas vezes o injusto e criminal tratamento votado pelo centralismo, também estivesse cheio de homens grandes e que eram, sem dúvida, também eles, Porto. Mas ninguém discute, ninguém disputa que houve uma lufada de ar fresco quando quem hoje se esconde em muros de silêncio deu um pontapé na muralha para gritar, sem medo, que ser Porto era algo maior do que um motivo de orgulho, era uma forma de ser. Esses gritos, que se ouviam tão longe que minaram por dentro o sistema que nos afogava ano atrás ano, são a base de tudo e não há como esquecer essa voz que, quando falava, o mundo tremia. Durante três longas, inesquecíveis e intermináveis décadas - pelo menos na nossa memória - reescreveu-se o adn de um clube que deixou de ter medo de gritar que era ele próprio, um clube de portistas para portistas e disposto a tudo para não se deixar prejudicar por quem não suportava o êxito desses portistas. Forjou-se aí a cultura vigente, ás vezes substituindo coisas antigas, outras vezes recuperando-as. Nasceram dragões das nuvens, recuperou-se a "mistica" do balneário depois de anos de prima-donas que jantavam com presidentes para despedir treinadores e recuperaram-se figuras históricas, não para lamber feridas mas sim para lançar o futuro. A cada eleição, a cada aclamação, entendia-se aquele "ser Porto" porque não eram palavras vãs. O discurso tinha eco real no quotidiano e não eram apenas os titulos - nacionais e internacionais. Era o orgulho próprio, a identidade, a sensação de pertencer a algo grande, genuino e que não deixava de ser portuense, nortenho, apesar de haver espaço para todos. Aquele "ser Porto" era-o na teoria e na prática - vamos assumir já que ninguém é perfeito e que houve, como sempre, altos e baixos - e quem conduzia o navio era, sem dúvida, Porto. Ainda o é?
O novo processo eleitoral está prestes a chegar à sua conclusão antes de ter sido sequer iniciado, consequência lógica e inevitável de quem se sabe eterno e imortal - ele, os outros, todos - e não está para incomodar-se com burocracias. Mas se há rostos similares, alguns gastos pelos anos, pela vida e pelos excessos de tudo, o discurso hoje já não é o mesmo. É vazio, é oco, é um loop gasto, perdem-se já palavras, entendimentos e ilusões a cada vez que o "ser Porto" se corrompe, dia após dia. Tudo aquilo que se defendeu em 1977, que se reforçou em 1982 e que foi, ano atrás ano, dando força aos nossos despertares, é hoje memória presente mas vã, como aqueles que sentem nostalgia por algo que sabem que não vai voltar olhando para aqueles que lhes dizem, quase rindo-se de eles, de que esse algo nunca se foi. Mas foi, ó se foi. Em 1982 o FC Porto fez-se grande porque decidiu colocar o seu destino nas mãos de quem era Porto, soube ser Porto e soube fazer-nos a todos um pouco mais Porto. Mas em 1982 - e nos anos seguintes - o que o Porto não queria, o que não era ser Porto, o que nos fazia a todos um pouco menos Porto era precisamente aquilo que hoje aqueles que lutaram contra essa realidade colocam em prática com assustadora frequência. Procurei, juro que procurei, nos panfletos eleitorais, nas hemerotecas, no discurso e nas aclamações e vivas daqueles anos sinais do que é o Porto de hoje e não encontro paralelos, não encontro concordância. Em nenhum lugar encontrei sinais do que podiamos encontrar em relatórios de conta como os que vamos abrindo, trimestralmente, com resignação, as alvisseras e vivas a um "ser Porto" que inclui entre tantos outros pecados inconfessáveis:
- pagar comissões a familiares por negócios
- contratar familiares e familiares de amigos para a estrutura do clube
- permitir que familiares exerçam de porta-voz do clube, defenestrando simbolos reais de escudo no peito, ou coloquem em risco o próprio futuro do clube tendo acesso a informações mais tardes debitadas por meia dúzia de tostões e muito rancor
- estar mais preocupado em distribuir riqueza pela corte de amigos do que no futuro do clube
- apostar conscientemente na desvalorização desportiva em prole da dependência financeira alheia, entre bancos e fundos, o que ás vezes é o mesmo
- alhear-se do que é ser simbolo de uma cidade, de uma região, não como elemento exclusivo - todos podem ser Porto em qualquer canto do Mundo - mas como vector de dinamismo deixando essa luta abandonada ou a outros sem a mesma força que tem a voz do dragão
- abdicar de uma excelente equipa de scouting, forjada com anos de trabalho intenso de pessoas que, muitas vezes desde o biberão sim "são Porto", para externalizar esses serviços
- transformar a formação, a base de mais de década e meia de êxitos, num pro-forma, num negócio onde até percentagens de passes são oferecidos, como eclairs, em processos de renovação quando, quem assina, já tem o contrato escrito a azul e branco no coração
- transferir a seu belo prazer as quotas dos sócios, negligenciando as modalidades que sempre fizeram parte do ADN do clube e que também são, para muitos, Porto.
- transferir a seu belo prazer a posse do estádio, correndo o risco de deixar, num futuro em que a SAD possa não ser da instituição de um modo maioritário -e ninguém pode jurar que isso não passará - o FC Porto no olho da sua própria rua.
- calar, consentir e silenciar todos os "roubos de Igreja" que prejudicam, dia sim, dia também o clube quando o êxito do clube se construiu em gritar, não consentir e denunciar cada golpe que nos tentaram dar por cima e por debaixo da mesa
- permitir que os velhos poderes, os que se contestavam e que columpiados com o poder, esse que ia entrar na Assembleia com uma cabeça na bandeja, controlem como um polvo as instituições que têm poder de decisão sobre a vida desportiva onde compete o escudo e a camisola
- ser incapaz de competir com equipas menores, em orçamento e pedigree, sem um assomo de vergonha e auto-critica salvo por escorrer a culpa para os que já não estão, assobiando para o lado ao mesmo tempo que se engorda a maquinaria orçamentada até ao risco da implosão.
Não, não adianta procurar porque não vão encontrar nada que proponha como politica desportiva nada disto porque, "ser Porto", nessa altura de positivismo e arrojo, era outra coisa ainda que alguns sejam os mesmos, e muito do que hoje se faz era então combatido, valentemente, sem papas na lingua, sem medos e sem meias palavras.
Aquilo que corrompia o clube até as entranhas - o medo crónico, a subserviência, a desvalorização desportiva, o desrespeito pelo associado - aliado aquilo que nem nos piores anos se vivia como o nepotismo, as negociatas com entidades que existem debaixo de um imenso ponto de interrogação - está hoje mais presente do que então, a tal ponto que parece, pura e simplesmente, que voltamos a viajar no tempo. Nada pode apagar 30 anos de titulos e memórias que não se derretem no tempo mas também nada logra, realmente, explicar, tanto interesse em voltar atrás no tempo. Parece, de algum modo, que alguém se arrependeu de quem foi, do que significou e do que logrou e quer voltar ao inicio, recuperar a juventude perdida tentando voltar à casa de partida do jogo para reiniciar o processo. Só que todos sabemos que o tempo não volta para trás por muitos que alguns queiram e devolver o clube à mais miserável das condições não dá direito a jogar o jogo com uma nova vida guardada. Ou talvez aqueles que ajudaram a definir, com todo o mérito, aquele "ser Porto" se tenham esquecido do que foram.
Será, então, que esse "ser Porto" que foi também o de todos aqueles que vieram de trás e suportaram não a glória mas a dor, o sofrimento e a tristeza de perder sem poder lutar, existe ainda naquele espaço fechado onde se tomam as decisões que padecemos todos? No fundo, em todo este processo, só há uma pergunta que é ainda válida tendo em conta tudo o que sabemos, tudo o que desenterramos, tudo o que vivemos e tudo o que debates. Será, de verdade, que eles ainda são "Porto"?
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