Quem o pôde ver jogar ao vivo (ele deixou de jogar há cerca de 40 anos), ou viu vídeos / transmissões televisivas de jogos em que participou, diz que Eusébio era um jogador veloz, ágil, possante e de remate fácil, o que fez dele um goleador temível e o tornou conhecido como o Pantera Negra.
Vindo da filial do Sporting em Lourenço Marques (atual Maputo), Eusébio chegou a Lisboa no dia 15 de dezembro de 1960 para jogar no… SLB, onde esteve até 18 de junho de 1975.
Foi nas 15 épocas ao serviço das águias, que Eusébio atingiu a esmagadora maioria dos êxitos da sua carreira – 11 Campeonatos Nacionais, 5 Taças de Portugal, 1 Taça dos Campeões Europeus (1961/62) e a presença em mais três finais da Taça dos Campeões Europeus (1962/63, 1964/65 e 1967/68). Foi ainda, por três vezes, o melhor marcador da Taça dos Campeões Europeus e sete vezes o melhor marcador do campeonato português, tendo em duas dessas ocasiões (1967/68 e 1972/73) ganho a Bota de Ouro (de melhor marcador dos campeonatos europeus).
Mas, se ao serviço do seu clube de sempre – o SLB – Eusébio conquistou inúmeros títulos e troféus individuais, sendo o maior goleador da história dos encarnados de Lisboa (638 golos em 614 partidas oficiais), o mesmo não pode ser dito da Seleção Nacional.
Eusébio estreou-se na Seleção Portuguesa de Futebol a 8 de outubro de 1961 e fez o seu 64º e último jogo a 19 de outubro de 1973, mas os sucessos alcançados com a camisola das quinas foram escassos e resumem-se ao 3º lugar no Campeonato do Mundo de 1966.
Evidentemente, um jogador sozinho não faz uma equipa, mas se há algo que ninguém pode dizer é que a geração dos anos 60 era fraca e que não havia matéria prima para fazer uma grande Seleção, bem pelo contrário. Aliás, dizê-lo seria um contrassenso, porque na década de 60 o Benfica (que era a base da Seleção) foi a cinco finais da Taça dos Campeões Europeus (ganhou duas) e o Sporting venceu uma Taça das Taças.
Haverá diferentes explicações (dependendo da visão e/ou agenda de cada um) para todos os insucessos da Seleção portuguesa em confronto com outras seleções, mas o que fica para a história é que nos 12 anos em que jogou pela “equipa de todos nós” Eusébio apenas foi a uma fase final de um Mundial, ou seja, falhou os Europeus de 1964, 1968, 1972 e os Mundiais de 1962 e 1970 (por exemplo, e em contraponto, Cristiano Ronaldo nunca falhou a presença numa grande competição internacional e já foi vice-campeão em 2004 e semifinalista em 2006 e 2012).
Independentemente das simpatias clubísticas, toda a gente reconhece que o Eusébio foi um extraordinário avançado e, tendo sido o primeiro grande futebolista africano a atingir o estrelato internacional, é também unanimemente considerado o melhor jogador português da sua geração (já é discutível se será o melhor de sempre).
Mas se Eusébio foi um enorme futebolista, o maior, o King, ou o que a comunicação social lhe quiser chamar, foi-o essencialmente com a camisola do SLB e não com a camisola da Seleção Portuguesa de Futebol. Esta é a realidade dos factos.
Dito isto, acho normais todas as homenagens que jogadores, treinadores, dirigentes e clubes adversários lhe fizeram.
E, por tudo aquilo que o Eusébio deu e ainda hoje representa para o seu clube de sempre, percebo perfeitamente as homenagens que o SLB lhe fez em vida, ou queira fazer agora, desde o anunciado recorde de um ano de luto, decretado por Luís Filipe Vieira, à intenção de transformar a zona da estátua numa espécie de mausoléu (mudar o nome do estádio é que não, porque o Eusébio pode ser um mito, mas Vieira não está disposto a abdicar dos milhões que conta encaixar com os naming rights...).
Contudo, não alinho na onda da histeria coletiva dos media da capital, à moda da Coreia do Norte, no absurdo de quererem fazer de Eusébio uma “referência” ou “herói nacional” e muito menos em descarados aproveitamentos político-desportivos.
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Governo, Primeiro-Ministro e Presidente da República na missa de corpo presente |
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Presidente da República na missa de corpo presente |
“Eu, pessoalmente, defendo que Eusébio deve ir para o Panteão. Se há algum português que lá deve estar é ele”
Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD, 06-01-2014
“[a transladação dos restos mortais de Eusébio para o Panteão Nacional] é uma exigência do povo português e não do Benfica”
Luís Filipe Vieira, em entrevista à RTP no dia 06-01-2014
Exigência?! Pode ser uma exigência dos benfiquistas, dos amigos, de admiradores ou de políticos oportunistas, mas certamente que não é uma exigência do povo português.
Para que fique claro, por tudo aquilo que escrevi atrás, sou completamente contra a que sejam depositados no Panteão Nacional os restos mortais de um futebolista, por melhor que ele tenha sido, mas cujos feitos estejam (e no caso do Eusébio estão), no essencial, associados a um clube e não à Seleção Nacional ou ao país como um todo.
Aliás, a associação de Eusébio ao SLB foi sempre clara e inequívoca, mesmo após a sua morte. Por exemplo, não foi certamente por acaso que o corpo de Eusébio esteve em câmara ardente no estádio da Luz e não na sede da FPF.
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Urna de Eusébio (foto: PÚBLICO / Nuno Ferreira Santos) |
Como também não foi esquecido, pelos responsáveis benfiquistas, o desejo do próprio Eusébio em que a sua urna, coberta com a bandeira do SLB (e não com a bandeira de Portugal), desse uma volta de honra ao relvado do estádio do seu clube de sempre.
E, já agora, a foto seguinte, com um segurança contratado pelo SLB a retirar cachecois de outros clubes da zona da estátua do Eusébio, fala por si, sem precisar de legenda ou de comunicados de última hora com explicações mais ou menos esfarrapadas.
Quanto às comparações com a Amália Rodrigues, cuja transladação para o Panteão Nacional também me pareceu algo forçada, é bom dizer o seguinte: os sucessos da fadista não foram alcançados com a Amália a envergar a camisola de uma empresa, clube ou cidade e muito menos as alegrias que proporcionou implicaram a tristeza de uma parte dos portugueses.
P.S. Para que serve o Panteão Nacional? De acordo com a lei 28/2000, as honras do Panteão destinam-se a “perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao país, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade”.
Atualmente, o Panteão Nacional abriga cenotáfios (memoriais fúnebres) de grandes vultos da História de Portugal, como D. Nuno Álvares Pereira, Infante D. Henrique, Pedro Álvares Cabral e Afonso de Albuquerque, bem como, os restos mortais de alguns presidentes da República e escritores. As excepções a este perfil de personalidades são Humberto Delgado e Amália Rodrigues.
O próximo, tudo o indica, será o futebolista Eusébio da Silva Ferreira, porque há “um grande consenso nacional” e os partidos políticos (pelo menos o PS, PSD, CDS e BE) já vieram dizer que são a favor.