Reproduzo, em baixo, um artigo publicado pelo jornal Público há cerca de duas semanas atrás mas que, obviamente, despertou muito menos interesse e debate entre os adeptos, do que o golo marcado em fora-de-jogo, ou de que o penalty bem/mal assinalado, de um qualquer jogo dos três grandes disputado neste mesmo período de tempo.
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Bolsa, o jogo que os clubes de futebol estão a perder
06.12.2011
Hugo Daniel Sousa
Ver o comportamento dos clubes de futebol em bolsa é o mesmo que dizer que os “três” grandes nacionais estão a ser goleados pelos mercados de capitais. As acções das Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) de FC Porto, Sporting e Benfica valem actualmente menos 90% do que quando foram admitidas à cotação.
O FC Porto e o Sporting foram os primeiros a lançar-se na aventura bolsista. As acções portistas fecharam na sexta-feira [02/12/2012] a 50 cêntimos contra os 7,64 euros da primeira sessão (-93%). Algo parecido ocorre com as acções “leoninas”, que valem agora 48 cêntimos, quando abriram a primeira sessão a 7,48 euros (-94%). O Benfica tem uma história mais curta no mercado de capitais, pois só está em bolsa desde Maio de 2007, mas a narrativa não é diferente: as acções abriram a primeira sessão a valer seis euros e agora estão a 72 cêntimos (-88%). Outro indicador elucidativo desta quebra é que a capitalização bolsista (estimativa do valor da empresa em que se multiplica o número de acções pelo valor da sua cotação) das três SAD é agora 113 milhões inferior.
É certo que os tempos que correm também não são fáceis para quem está na bolsa. Dados do Millennium BCP, a que o PÚBLICO teve acesso, mostram que nos últimos dez anos alguns índices europeus caíram significamente: o PSI-20 de Lisboa baixou 24,4% e o CAC de Paris desceu 25,3%, embora, por exemplo, o Ibex de Madrid (15,2%), o Footsie de Londres (10%) e o Dax de Frankfurt (34,7%) tenham todos saldos positivos.
Esta comparação mostra que o comportamento dos clubes de futebol em bolsa é pior do que o das outras empresas. “Os clubes tentam gerar o máximo de receitas para cobrir despesas, mas não têm perspectivas de criar valor para os accionistas. E é suposto que quem esteja cotado em bolsa gere mais-valias”, aponta António Samagaio, professor de Economia no ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), salientando que começa aqui a “incompatibilidade” entre os clubes de futebol e os mercados de capitais.
Mesmo comparando com clubes estrangeiros também cotados, as descidas dos “grandes” portugueses são mais significativas. Desde o início do ano, o Stoxx Europe Football (um índice que reúne as cotações de 22 clubes europeus, entre eles Benfica, FC Porto e Sporting) caiu 35%. Se olharmos para os três “grandes” nacionais, as quebras são piores, à excepção do Sporting, cujo “papel” iniciou o ano a 69 cêntimos e “só” caiu 30%, contra 52% no Benfica e 44% no FC Porto.
Um facto curioso é que, salvo raras excepções (ver infografia), os resultados desportivos não têm influenciado o desempenho na bolsa. “A evolução das acções da FC Porto SAD não apresenta um comportamento economicamente racional”, queixa-se a SAD portista no último relatório anual, sublinhando que, apesar de ter lucros há cinco anos seguidos e bons resultados desportivos, a “cotação das acções tem vindo a diminuir progressivamente desde 2003-04.”
António Samagaio apresenta uma explicação, que vale para o FC Porto e para as outras SAD: a forma como são geridas estas sociedades, que acumulam quase 270 milhões de euros de prejuízos desde a sua criação.
“Se olharmos para o modelo de gestão das SAD, o que temos visto é que há uma primazia do desportivo em relação ao financeiro. O que interessa é ganhar campeonatos, mesmo que isso tenha reflexos nos resultados financeiros”, aponta Samagaio, para quem esta política está bem evidente na forma como os administradores são remunerados.
“No relatório e contas de 2009-10 do FC Porto, em que toda a administração é paga, diz-se claramente que a remuneração variável dos administradores não tem em vista o desempenho a longo prazo da empresa. O que interessa é vencer, mesmo que isso hipoteque o futuro”, salienta este professor no ISEG.
Dan Jones, chefe de negócios da área de desporto da Deloitte, aponta “duas razões para os clubes não se darem bem com as bolsas”. “Uma é que os mercados de capitais impõem regras que muitas vezes são difíceis de cumprir pelos clubes. Por exemplo, quando se negoceia a transferência de um jogador, o clube quer tratar disso rapidamente e não estar a comunicar que está em negociações”, diz, prosseguindo: “A segunda razão é que não são bons a pagar dividendos e a fazer lucros, coisas que os accionistas querem quando investem.”
E, de facto, FC Porto, Sporting e Benfica nunca distribuíram dividendos, além de a quebra quase contínua das acções também não permitir muitas oportunidades para gerar mais-valias, vendendo a melhor preço do que se comprou. “Os investidores estão dispostos a comprar se tiverem dividendos ou um ganho potencial”, diz António Samagaio, para quem a melhor prova de que as SAD não são um bom investimento é o facto de muitos dos administradores não terem acções ou deterem montantes reduzidos.
“Gostam tanto do clube, mas eles próprios não investem. Parece que não acreditam no sucesso financeiro destas sociedades”, argumenta o professor no ISEG.
Na SAD portista, Pinto da Costa detém 165.670 acções (1,1%), enquanto Reinaldo Teles tem somente 9850 acções (0,07%). Os restantes administradores (Adelino Caldeira, Angelino Ferreira e Jaime Lopes) não têm acções.
No Benfica, Luís Filipe Vieira detém 850.000 acções (3,7%), enquanto Rui Costa tem apenas 10.000 (0,04%), Rui Cunha 500 e Rui Gomes da Silva 100. Domingos Soares Oliveira não detém qualquer acção.
No Sporting, Godinho Lopes tem só 322 acções (0,001%) e Luís Duque 100. José Filipe Nobre Guedes, o administrador financeiro, não tem qualquer uma, tal como os homólogos do Benfica e FC Porto.
Chegados a este ponto, a pergunta que se coloca é se os clubes devem (ou querem) manter-se na bolsa. Nenhum dos administradores das SAD esteve disponível para responder ao PÚBLICO.
Em Inglaterra, vários emblemas (como Manchester United e Chelsea) deixaram os mercados quando foram comprados por investidores estrangeiros, mas em Portugal ainda não se chegou a esse ponto.
Os “grandes” portugueses estão agora um pouco entre a espada e a parede. Se continuarem cotados, a tendência é de continuar a perder – basta dizer que as acções do Braga (que estão no mercado sem cotação, uma espécie de segunda divisão) valem somente dez cêntimos. Mas sair também não é fácil, porque teriam de comprar as acções que estão dispersas, o que implicaria um investimento importante, numa altura em que não têm liquidez. Fontes do sector explicaram ainda ao PÚBLICO que uma saída de bolsa dificultaria o acesso a alguns mecanismos de financiamento, como empréstimos obrigacionistas e emissão de papel comercial. A resposta parece ser esperar para ver...
Fonte: PUBLICO
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Bolsa, o jogo que os clubes de futebol estão a perder
06.12.2011
Hugo Daniel Sousa
Ver o comportamento dos clubes de futebol em bolsa é o mesmo que dizer que os “três” grandes nacionais estão a ser goleados pelos mercados de capitais. As acções das Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) de FC Porto, Sporting e Benfica valem actualmente menos 90% do que quando foram admitidas à cotação.
O FC Porto e o Sporting foram os primeiros a lançar-se na aventura bolsista. As acções portistas fecharam na sexta-feira [02/12/2012] a 50 cêntimos contra os 7,64 euros da primeira sessão (-93%). Algo parecido ocorre com as acções “leoninas”, que valem agora 48 cêntimos, quando abriram a primeira sessão a 7,48 euros (-94%). O Benfica tem uma história mais curta no mercado de capitais, pois só está em bolsa desde Maio de 2007, mas a narrativa não é diferente: as acções abriram a primeira sessão a valer seis euros e agora estão a 72 cêntimos (-88%). Outro indicador elucidativo desta quebra é que a capitalização bolsista (estimativa do valor da empresa em que se multiplica o número de acções pelo valor da sua cotação) das três SAD é agora 113 milhões inferior.
É certo que os tempos que correm também não são fáceis para quem está na bolsa. Dados do Millennium BCP, a que o PÚBLICO teve acesso, mostram que nos últimos dez anos alguns índices europeus caíram significamente: o PSI-20 de Lisboa baixou 24,4% e o CAC de Paris desceu 25,3%, embora, por exemplo, o Ibex de Madrid (15,2%), o Footsie de Londres (10%) e o Dax de Frankfurt (34,7%) tenham todos saldos positivos.
Esta comparação mostra que o comportamento dos clubes de futebol em bolsa é pior do que o das outras empresas. “Os clubes tentam gerar o máximo de receitas para cobrir despesas, mas não têm perspectivas de criar valor para os accionistas. E é suposto que quem esteja cotado em bolsa gere mais-valias”, aponta António Samagaio, professor de Economia no ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), salientando que começa aqui a “incompatibilidade” entre os clubes de futebol e os mercados de capitais.
Mesmo comparando com clubes estrangeiros também cotados, as descidas dos “grandes” portugueses são mais significativas. Desde o início do ano, o Stoxx Europe Football (um índice que reúne as cotações de 22 clubes europeus, entre eles Benfica, FC Porto e Sporting) caiu 35%. Se olharmos para os três “grandes” nacionais, as quebras são piores, à excepção do Sporting, cujo “papel” iniciou o ano a 69 cêntimos e “só” caiu 30%, contra 52% no Benfica e 44% no FC Porto.
Um facto curioso é que, salvo raras excepções (ver infografia), os resultados desportivos não têm influenciado o desempenho na bolsa. “A evolução das acções da FC Porto SAD não apresenta um comportamento economicamente racional”, queixa-se a SAD portista no último relatório anual, sublinhando que, apesar de ter lucros há cinco anos seguidos e bons resultados desportivos, a “cotação das acções tem vindo a diminuir progressivamente desde 2003-04.”
António Samagaio apresenta uma explicação, que vale para o FC Porto e para as outras SAD: a forma como são geridas estas sociedades, que acumulam quase 270 milhões de euros de prejuízos desde a sua criação.
“Se olharmos para o modelo de gestão das SAD, o que temos visto é que há uma primazia do desportivo em relação ao financeiro. O que interessa é ganhar campeonatos, mesmo que isso tenha reflexos nos resultados financeiros”, aponta Samagaio, para quem esta política está bem evidente na forma como os administradores são remunerados.
“No relatório e contas de 2009-10 do FC Porto, em que toda a administração é paga, diz-se claramente que a remuneração variável dos administradores não tem em vista o desempenho a longo prazo da empresa. O que interessa é vencer, mesmo que isso hipoteque o futuro”, salienta este professor no ISEG.
Dan Jones, chefe de negócios da área de desporto da Deloitte, aponta “duas razões para os clubes não se darem bem com as bolsas”. “Uma é que os mercados de capitais impõem regras que muitas vezes são difíceis de cumprir pelos clubes. Por exemplo, quando se negoceia a transferência de um jogador, o clube quer tratar disso rapidamente e não estar a comunicar que está em negociações”, diz, prosseguindo: “A segunda razão é que não são bons a pagar dividendos e a fazer lucros, coisas que os accionistas querem quando investem.”
E, de facto, FC Porto, Sporting e Benfica nunca distribuíram dividendos, além de a quebra quase contínua das acções também não permitir muitas oportunidades para gerar mais-valias, vendendo a melhor preço do que se comprou. “Os investidores estão dispostos a comprar se tiverem dividendos ou um ganho potencial”, diz António Samagaio, para quem a melhor prova de que as SAD não são um bom investimento é o facto de muitos dos administradores não terem acções ou deterem montantes reduzidos.
“Gostam tanto do clube, mas eles próprios não investem. Parece que não acreditam no sucesso financeiro destas sociedades”, argumenta o professor no ISEG.
Na SAD portista, Pinto da Costa detém 165.670 acções (1,1%), enquanto Reinaldo Teles tem somente 9850 acções (0,07%). Os restantes administradores (Adelino Caldeira, Angelino Ferreira e Jaime Lopes) não têm acções.
No Benfica, Luís Filipe Vieira detém 850.000 acções (3,7%), enquanto Rui Costa tem apenas 10.000 (0,04%), Rui Cunha 500 e Rui Gomes da Silva 100. Domingos Soares Oliveira não detém qualquer acção.
No Sporting, Godinho Lopes tem só 322 acções (0,001%) e Luís Duque 100. José Filipe Nobre Guedes, o administrador financeiro, não tem qualquer uma, tal como os homólogos do Benfica e FC Porto.
Chegados a este ponto, a pergunta que se coloca é se os clubes devem (ou querem) manter-se na bolsa. Nenhum dos administradores das SAD esteve disponível para responder ao PÚBLICO.
Em Inglaterra, vários emblemas (como Manchester United e Chelsea) deixaram os mercados quando foram comprados por investidores estrangeiros, mas em Portugal ainda não se chegou a esse ponto.
Os “grandes” portugueses estão agora um pouco entre a espada e a parede. Se continuarem cotados, a tendência é de continuar a perder – basta dizer que as acções do Braga (que estão no mercado sem cotação, uma espécie de segunda divisão) valem somente dez cêntimos. Mas sair também não é fácil, porque teriam de comprar as acções que estão dispersas, o que implicaria um investimento importante, numa altura em que não têm liquidez. Fontes do sector explicaram ainda ao PÚBLICO que uma saída de bolsa dificultaria o acesso a alguns mecanismos de financiamento, como empréstimos obrigacionistas e emissão de papel comercial. A resposta parece ser esperar para ver...
Fonte: PUBLICO