Ontem começou o EURO 2012 e hoje entra em campo a seleção das quinas. Parece-me uma boa altura para recordar alguns extratos de uma entrevista do engenheiro do Penta e atual selecionador da Grécia, feita numa esplanada de Atenas há cerca de um mês atrás.
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A entrada da Troika no país mudou a atitude das pessoas?
[Fernando Santos]: Na primeira fase as pessoas foram surpreendidas. De repente, as contas estavam mascaradas. Estou cá desde 2000 e, até 2006, a Grécia era um dos países com melhor crescimento e de repente dizem que foi tudo uma grande aldrabice. As pessoas pensaram: onde está o dinheiro? Foi a fase da indignação. Depois esperava-se que a Troika viesse pôr tudo em ordem, resolver o problema, mandar prender estes tipos todos e pôr aqui o dinheiro outra vez. Nada disso aconteceu, antes pelo contrário. Foi muito pior e passou-se então por uma fase muito conflituosa e nos últimos cinco meses entrámos numa fase de apatia geral. Antigamente, discutia-se continuar no euro ou sair. Agora parece que é igual. Faz lembrar o que se vivia em Portugal antes do 25 de Abril.
Pode descambar numa revolta social?
[Fernando Santos]: Alguma coisa vai ter de acontecer. Aqui nasceu a civilização e depois estiveram 500 anos dominados pelos turcos. O grego reage muito mal quando alguém o quer controlar. Por isso reagem muito mal aos alemães, sobretudo à senhora Merkel.
É só a Alemanha ou também a toda a Europa?
[Fernando Santos]: Em relação à Europa há uma desilusão. Face à Alemanha há uma crispação, para não dizer raiva. Em Fevereiro íamos fazer lá um jogo particular e a federação alemã não deixou. As pessoas na rua diziam-me: "quando jogares com os alemães, tens de os comer". Há muito ressentimento por causa da questão histórica. Não só pelas vidas que tiraram aos gregos [na II guerra mundial], aquilo que levaram do país, sobretudo da Acrópole para os museus deles, e depois o que tinham ficado de pagar [as compensações do pós-guerra] e não pagaram. Tudo isto está muito presente. E depois os casos mais recentes com os submarinos. Em Portugal foram só dois, aqui foram muito mais.
Isso vai-se sentir no Europeu de futebol?
[Fernando Santos]: Se a Grécia jogar com a Alemanha era bom sinal, porque significava que tinha passado a primeira fase do europeu. Para os gregos vai ser um jogo muito importante. Vai puxar ao sentimento.
No futebol também se sente a crise?
[Fernando Santos]: Pela paixão que se sente pelo país, sim. Aumentou a obsessão pela soberania. Os gregos preferem morrer do que abdicar de uma ilha que seja. Isso vê-se na relação com a Turquia, por isso é que o orçamento de defesa é o maior da Europa. Jogar pela seleção já é motivador, nesta fase basta dar aqui um cheirinho...
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Nota: A entrevista completa, feita pelo jornalista Luís Rego, foi publicada no Diário Económico (na edição de 4 de Maio) e pode ser lida aqui.
O futebol atual, que de desporto já tem muito pouco, está cada vez mais distante do espírito dos jogos olímpicos da antiga Grécia (interrompiam-se guerras para disputar os jogos!) e está a transformar-se num instrumento de “guerras” entre diferentes “tribos”.
Durante décadas, as principais “guerras” foram entre “tribos” da mesma cidade ou país, mas estas declarações de Fernando Santos que, acredito, traduzem o sentimento generalizado do povo grego, mostram que chegamos à era das “guerras” entre “tribos” de uma eurolândia esfrangalhada e a cair de podre.
Já agora, um árbitro grego estará em condições de arbitrar um jogo da seleção alemã?