«Se se proibirem totalmente fundos de investimento vai ser uma tragédia, vão matar o futebol português tal como o conhecemos hoje em dia, com a competitividade atual e com a capacidade para formar jogadores», garantiu Mário Figueiredo em declarações exclusivas à Agência Lusa.
Desde que escrevi
aqui, na passada semana, sobre a problemática da extinção da co-propriedade, muitas têm sido as vozes que se têm igualmente levantado contra a medida. Alguns por oportunismo, outros por convicção. O que está claro é que a medida não é popular nos países afectados e não há na Europa um caso tão flagrante como o de Portugal e dos seus clubes.
As palavras do actual presidente da Liga são a mais pura verdade.
Significa isso que tem razão? Em parte, porque de certa forma, a necessidade dos clubes portugueses em recorrer de forma constante a este modelo deve-se também à sua péssima gestão financeira da última década. Se os clubes tivessem tido abordagens radicalmente diferentes das que tiveram, a situação não seria tão dramática. O drama é real, ninguém pense o contrário.
Clubes podem desaparecer, clubes podem perder o pouco que têm e mesmo os grandes minguarão, forçosamente, até encontrar forma de se levantar outra vez. Com este modelo permitiu-se que os clubes portugueses tenham ajudado da Liga Sagres a trepar ao quinto posto do ranking UEFA. Com este modelo permitiu-se vencer uma Europe League - com um semi-finalista e um finalista vencido no mesmo ano - mas também as boas performances europeias tanto em Champions League (2009, FC Porto, 2012, SL Benfica) como na Europe League (campanhas de Braga, a épica de 2011 e a semi-final do Sporting no ano passado). Ninguém duvida que as equipas que aí chegaram não o poderiam ter feito se tivessem de arcar com o 100% da ficha salarial mais o 100% dos passes dos seus jogadores. Com as dividas já acumuladas pelas principais instituições do futebol português, esse sobrepeso financeiro o que fará, não se iludam, é acabar com a competitividade desses mesmos clubes contra os rivais europeus.
Mas se Platini e Blatter conseguem aprovar a lei, que podem os clubes fazer?
O projecto está agora em discussão e diz-nos a experiência que demorará sempre um par de anos até ser aplicado. No caso da UEFA a ideia do Fair Play Financeiro, desde a sua divulgação até à sua aplicação, tardou mais de cinco anos enquanto que o 6+5 ainda está em discussão - por envolver a lei comunitária - enquanto que a utilização obrigatória de 6 jogadores de formação nacional no plantel de 25 na Europa (3 do mesmo clube) foi aplicada em três temporadas. Tempo providencial para clubes como o FC Porto adoptarem medidas urgentes a olhar para o futuro.
1) Aposta séria e inequívoca na formação.
É inevitável. O fim da co-propriedade vai impedir que o clube mergulhe em mercados estrangeiros com a mesma regularidade. Não se enganem. Muitas vezes a co-propriedade não é uma eleição nossa mas uma exigência de quem vende. Os empresários e fundos compram jogadores para sacarem lucro e quanto mais tempo detenham parte do passe, melhor. Caso este cenário acabe, o preço dos jogadores subirá porque a margem de lucro, forçosamente, será menor. Um James, a 100%, custará bem mais do que custa a 70%, não tenham dúvidas.
Para evitar esta realidade há que captar jogadores cada vez mais novos e fazê-los parte do nosso sistema de formação, como já fazem o Arsenal e o Barcelona há uma década e que também é uma das ideias por detrás do 6+5 que Platini quer aplicar.
2) Comprar nacional
O mercado português é o que é e um jogador na liga lusa vale sempre menos que um jogador das ligas sul-americanas ou europeias. É lei de mercado. Para poder deter a 100% o passe de um jogador ele tem de ser mais baixo e mais acessível. Lima, quando estava no Belenenses, poderia ter sido do FC Porto por muito menos do que se pagou por Jackson. Não quer dizer que seja melhor, quer dizer que no futuro, quando não exista tanto dinheiro disponível para jogar com os passes, será nesses jogadores que nos temos de focar.
3) Fim dos empréstimos entre clubes da mesma divisão
Uma ideia que esteve perto de se tornar real este Verão e que continua a ser fundamental para garantir que os clubes não possuem planteis de 50 jogadores para depois usá-los para manobras políticas de bastidores e garantem que esses jogadores permanecem nos clubes de origem.
4) Criar um lobby dentro da ECA.
Portugal não é o único país afectado por esta realidade. A co-propriedade envolve clubes sul-americanos mas também clubes do sul da Europa, de Espanha à Turquia, da Grécia a Itália passando por ligas como a romena, sérvia ou croata. É a realidade de uma Europa a duas velocidades.
O FC Porto, um clube com um peso institucional na Europa incomparável em relação aos outros clubes portugueses, deveria procurar dentro da ECA - European Club Association - construir pontes que exijam da FIFA e da UEFA outras medidas que, aplicadas ao mesmo tempo que o fim da co-propriedade, defendam a competitividade de clubes como o nosso. Medidas que podem ser, por exemplo:
- A aplicação definitiva do 6+5.
A UEFA tem encontrado problemas com a União Europeia porque estes entendem que não se podem restringir a cidadãos europeus a actuação em clubes dentro da UE. Mas o que podem é exigir que exista um máximo de 5 jogadores não-europeus no onze titular. Isso permitira que o mercado sul-americano e africano não seja exclusivo de uns poucos e se mantenha uma via livre para clubes como o FCP.
- Acabar com o Marketpool da Champions League e repartir os valores pelas ligas mais prejudicadas.
Actualmente há clubes de Inglaterra e Espanha que, eliminados na fase de grupos, acabam por ganhar quase tanto dinheiro com a Champions como se o FC Porto fosse campeão. Sem o Marketpool ou, pelo menos, desenhado noutros moldes, e esse dinheiro redistribuído os clubes poderiam encontrar um importante balão de oxigénio numa fase de transição. A medida não seria definitiva mas sim um mecanismo de solidariedade.
- Obrigatoriedade por parte da UEFA da venda colectiva de direitos televisivos
Esta medida não só tornaria a distribuição do dinheiro entre os clubes europeus mais equitativa como acabaria com o profundo desequilíbrio entre clubes no espectro nacional como também sucederia o mesmo no espectro europeu. A Bundesliga e a Ligue 1 são o melhor exemplo.
- Obrigatoriedade da UEFA em passar de 6 para 10 os jogadores de formação nacional no plantel europeu
Essa medida, que agora mesmo nos seria prejudicial, no futuro poderia ser uma tábua de salvação. Obrigaria os tubarões europeus a alinhar com 10 jogadores formados no seu país nos seus planteis europeus - que são, no fundo, os seus planteis anuais - e defenderia os melhores jogadores dos vários países europeus de ser alvo de constante cobiça. Se o clube apostasse nos primeiros dois pontos que mencionei e os restantes clubes europeus fossem forçados a fazer o mesmo, os jogadores sul-americanos, africanos, asiáticos ou de outros países da Europa não estariam concentrados numa dúzia de clubes forçosamente.
----------------------------------------------------------------------------------
Com estas medidas - ou metade delas pelo menos - teríamos um clube mais sustentável, mais financeiramente saudável, mais preparado para os desafios do futuro e igual de competitivo.
É um processo longo, complexo e que acabaria com algumas das políticas de favores em que directivos da SAD têm sido tristemente protagonistas, com um certo compadrio com agentes, fundos e personagens externos à realidade do clube. Não existem gestões perfeitas nem clubes perfeitos mas encontrar um rumo auto-sustentável, com olhos para o depois de amanhã, seria uma jogada importante por parte da directiva e um sinal de que no Dragão há quem consiga ver para lá do imediato.