Blog Widget by LinkWithin
Mostrar mensagens com a etiqueta Nuno Júdice. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Nuno Júdice. Mostrar todas as mensagens

2016-04-29

A Imagem de Vento - Nuno Júdice


para a Manuela

No princípio, desenvolveu a ideia de que o arco-íris era
uma ponte: aparecia sobre os barcos, no fim dos temporais,
e o marinheiro da gávea avistava uma mulher de cabelos
de ouro, agitados pelo vento, a atravessá-la; alguns desses
marinheiros enlouqueceram. Conheceu-os, durante os meses
em que estudou os costumes dos portos - sentavam-se à
parte, nas tabernas, e acendiam uma vela. Diziam que o brilho
da chama evocava os cabelos dourados dessa mulher; e
que o azul do álcool os fixava, como um olhar celeste.
Tentou então viver essa experiência: embarcou num velho
cargueiro e, durante dois ou três anos, percorreu os mares.
Mas nunca encontrou a deusa; nem os arco-íris formavam
o arco completo da ponte que imaginara. Também ele enlou-
queceu, e dizem que sobe ao telhado da casa, nas noites
de temporal, e grita pelo sol, a quem dá um nome de mulher;
até ficar rouco e o trazerem para o quarto. Aí, até
adormecer, murmura esse nome sem corpo, sem imagem, sem luz.

(Lira de Líquen, 1985)

Nuno Manuel Gonçalves Júdice Glória nasceu na Mexilhoeira Grande, Portimão em 29 de abril de 1949

Read More...

2011-04-29

Pedro Lembrando Inês - Nuno Júdice

Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: "Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?" Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar:
com a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa.
Tu: a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.


in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI; selecção, organização, introdução e notas de Jorge Reis-Sá e Rui Lage; Porto Editora

Nuno Júdice nasceu em Mexilhoeira Grande, Portimão a 29 de Abril de 1949

Ler do mesmo autor, neste blog: Equinócio; Carpe diem

Read More...

2010-04-29

Carpe diem - Nuno Júdice

Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? "Não", dizes, "nada me obrigará
à renúncia de mim próprio - nem esse olhar
que me oferece o leito profundo da sua imagem!"
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.


Nuno Júdice nasceu em Mexilhoeira Grande a 29 de Abril de 1949

Ler do mesmo autor, neste blog, Equinócio

Read More...

2009-04-29

Equinócio - Nuno Júdice (no dia do 60º aniversário do autor)

O amor tem uma música que nasce das
catorze linhas que se encontram entre os
dedos que escrevem o soneto e os lábios
que o lêem. Toco esta música quando
desenho o teu rosto, e começo a seguir
a linha que se solta dos teus lábios para
ver se chego ao horizonte do teu corpo,
onde o verso dobra o círculo de um
horizonte imprevisível. E dás-me o outro
lado da vida, para que eu descubra
o continente em que o sol nunca se põe,
as ilhas quentes de um calor de pássaros,
e o rumor incessante da maré a que a
tua voz roubou a espuma de um murmúrio.


in Os dias do Amor, Um poema para cada dia do ano. Recolha, selecção e organização de Inês Ramos, Prefácio de Henrtique Manuel Bento Fialho

Nuno Júdice (nasceu em Mexilhoeira Grande, Portimão a 29 de Abril de 1949)

Read More...