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2019-01-11

Dizem que a paixão o conheceu - Al Berto



dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nenhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos

Al Berto, pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares, n. 11 de janeiro de 1948, Coimbra; f. 13 de junho de 1997, Lisboa

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2016-01-10

Doze Moradas de Silêncio 2 - Al Berto


A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada

esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos

espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar

outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo

Alberto Raposo Pidwell Tavares, que usou o pseudónimo literário Al Berto, nasceu em Coimbra a 11 de janeiro de 1948; m. em Lisboa a 13 de junho de 1997.

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2011-01-11

Sainte-Victoire depois da morte de Cézanne - Al Berto

Cezanne - Mount Sainte-Victoire, 1890-1894,
National Gallery of Scotland, Edinburgh

no mais remoto isolamento da memória
guardei preciosamente a sombra dos basaltos
luminosos xistos frestas de granito janelas
perto de sainte-victoire mais cinzenta que nunca
pintava sem cessar pintava
desde o alvorecer até que a noite descia
obrigando a mão e o pensamento a desfalecer

trabalhei sempre a obsessiva luz
mas a velhice aprisionou-me na vertigem
muito longe na idade
continuei a pintar sur motif
parecia-me fazer lentos progressos
quase compreendi os sobrepostos planos
de um mesmo objecto sob a claridade d’aix

foi em 1906
montado num burro carregado com material
ia por onde o cortante mistral passara
deixando a descoberto o implacável sol
modulava terras pinhais nuvens casas corpos
mas a morte não consentiu que eu executasse
as vislumbradas geométricas paisagens e
comigo se perdeu o segredo dessa pirâmide
que é sainte-victoire vibrando
na cegante luminosidade do meio-dia

Antologia da poesia portuguesa contemporânea, um panorama. Organização de Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno. Lacerda Editores, Rio de Janeiro.

Al Berto [Alberto Raposo Pidwell Tavares], nasceu em Coimbra a 11 de Janeiro de 1948, m. em Lisboa a 13 de Junho de 1997.

Ler do mesmo autor, neste blog: Incêndio; Vigílias-I

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2010-01-11

Incêndio - Al Berto

se conseguires entrar em casa e
alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra de uma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair uma chuva brilhante
contínua e miudinha - não te assustes

são os teus antepassados que por um momento
se levantaram da inércia dos séculos e vêm
visitar-te

diz-lhes que vives junto ao mar onde
zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo - diz-lhes que se consumiu
a morada de uma vida inteira e pede-lhes
para murmurarem uma última canção para os olhos
e aormece sem lágrimas - com eles no chão



Extraído de «Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade»; selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

Al Berto [Alberto Raposo Pidwell Tavares], nasceu em Coimbra a 11 de Janeiro de 1948, m. em Lisboa a 13 de Junho de 1997.

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2009-01-11

Vigílias (I) - Al Berto

Janela para o mar Janela para o mar imagem daqui

quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer

a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrerem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas

um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz

quero morrer
com uma overdose de beleza


e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador


extraído de Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea, Um panorama, organização de Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno, Lacerda Editores

Alberto Raposo Pidwell Tavares - Al Berto (nasceu em Coimbra a 11 Jan. 1948; m. em Lisboa a 13 Jun 1997).

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