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2016-04-08

Uma Declaração de Amor - Egito Gonçalves



Uma declaração de amor não é acontecimento do domínio público, uma baleia que vara na praia sob o sol dos desastres e convoca multidões, desalinhando hábitos quotidianos; uma declaração de amor é um acto de grande intimidade que ergue um véu transparente de onde brotam mel e pássaros azuis. As palavras directas ou indirectas, ditas ou escritas, suscitam a carícia única, irrepetível, a leve percussão que desenha no silêncio a imagem do que se ama. E assim terá de se guardar. Num lugar seguro onde os sismos não possam encontrar o mapa do tesouro.

in O Mapa do Tesouro, 1998

José Egito de Oliveira Gonçalves (nasceu em Matosinhos, 8 de abril de 1922 - m. Porto, 29 de janeiro de 2001)

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2014-04-08

Notícias do Bloqueio - Egito Gonçalves


Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.

Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos...
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.

Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
- único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.

Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...

Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.

Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.

Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.

Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.

Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se


1952

O Pêndulo Afectivo - Antologia Poética, 1950-1990
Porto, Afrontamento, 1991

José Egito de Oliveira Gonçalves (nasceu em Matosinhos, 8 de Abril de 1922 - m. Porto, 29 de Janeiro de 2001)

Ler do mesmo autor, neste blog:
A Primavera
Convite
O Teu Ombro Sabe
A Aventura É Ficar
Com palavras

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2011-04-08

A Primavera - Egito Gonçalves

Pouco sabemos sobre a Primavera!

Mas sabemos que as árvores reverdecem,
navios dançam sobre vagas curtas
e às janelas abrem-se os sorrisos
que adoçam os olhares e as manhãs.

Sabemos que o amor vem dos telhados
para ceifar os restos da agonia
e no ar límpido que anuncia o Verão
a coragem ganha alento, novos ritmos.

Sabemos que são fáceis as viagens
e o lançar de escadas sobre o abismo;
que os ventos são amenos e é possível
com um sopro afastar o silêncio e angústia.

Sabemos que um relógio quebra a inércia
e ordena que se queimem os arquivos;
que há pássaros e peixes que perfuram
a rede com que o cerco nos limita.

Sabemos que então se lavra terra
onde germina o pão e os lilases
e é doce repousar sobre os teus seios
- primaveras também, esperança, vida...


In Poemas Políticos 1952-1979; Moraes editores, 1980

José Egito de Oliveira Gonçalves (nasceu em Matosinhos, 8 de Abril de 1922 - m. Porto, 29 de Janeiro de 2001)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Convite
O Teu Ombro Sabe
A Aventura É Ficar
Com palavras

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2010-04-08

Convite - Egito Gonçalves

Woman with a Flower - 1932
by Pablo Picasso (nasceu em Málaga a 25 Out 1881
e m. em Mougins, França a 8 Abr. 1973)


Nesta fase em que só o amor me interessa
o amor de quem quer que seja
do que quer que seja
o amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdade

o estar à janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calma

nesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo do braço

nesta fase em que o amor é não ler os jornais

podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
- aqui está uma janela acolá voam as pombas -

podes vir e sentar-te a falar com as pálpebras
pôr a mão sob o rosto e encher-te de luz

porque o amor meu amor é este equilíbrio
esta serenidade de coração e árvores

(in 366 poemas que falam de amor, uma antologia organizada por Vasco Graça Moura, Quetzal Editores)

José Egito de Oliveira Gonçalves (nasceu em Matosinhos, 8 de Abril de 1922 - m. Porto, 29 de Janeiro de 2001)

Ler do mesmo autor, neste blog:
O Teu Ombro Sabe
A Aventura É Ficar
Com palavras

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2009-04-08

O teu ombro sabe... - Egito Gonçalves

photo by Andrew Semansco from here

O teu ombro sabe que a sua nudez
é objecto de poema.
Quando tiras o vestido
- pelo ombro -
o teu corpo sabe que as palavras
acorrem
ao arrepio da pele.
E o meu corpo sabe
que as palavras lhe pertencem,
esbarram no desejo,
apresentam a incoerência do delírio
que desce do teu ombro
para a música
do silêncio que fará o poema.

Dedico-te palavras: apenas
marcos de uma intensidade,
uma ligeira pele do que nunca
poderia descrever, da porta
que se abre quando o ombro
se solta do vestido
que desenha no chão
um gemido de amor: o som
da alegria, o seu
visível reflexo que capta
e expande
toda a luz secreta do poema.

José Egito de Oliveira Gonçalves (Matosinhos, 8 de Abril de 1922 - Porto, 29 de Janeiro de 2001),

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2007-04-02

A Aventura é Ficar !... - Egito Gonçalves

Calafetado contra os sonhos, fico
Contigo, prisioneiro dos liames
Que te cercam e cercam o teu rosto,
A tua carne rasgada nos arames.

Extinguiu-se o apelo da partida...
As quilhas já não sofrem a espuma.
Fico contigo na luta pelo dia
No endurecido leito de caruma.

Tu estás sentada sobre a terra...
Pelas searas corre um vento rude.
Teu corpo é uma espiga amadurecida
Pela água aprisionada do açude.

Corsários acamaradam no mar largo...
Mas do teu caule fino, nasce e ondeia
À minha volta, uma canção serena
Que me prende docemente à sua teia.

José Egito de Oliveira Gonçalves (n. em Matosinhos a 2 Abril 1920, m. 29 Jan 2001)

extraído de Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Porto 2001, Assírio & Alvim

Do mesmo autor:
Com palavras me ergo...

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2006-04-02

Com palavras - Egito Gonçalves

Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
E saio para a rua.
Com palavras - inaudíveis - grito
Para rasgar os risos que nos cercam.

Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
Em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
Para dormir o cansaço.

As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
Roxas de silêncio. De que servem
Asfixiadas em saliva, prisioneiras?

Possuímos, das palavras, as mais belas;
As que seivam o amor, a liberdade…
Engulo-as perguntando-me se um dia
As poderei navegar; se alguma vez
Dilatarei o pulmão que as encerra.

Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
E faltam-me palavras para contar…


in "Sonhar a Terra Livre e Insubmissa"

Egito Gonçalves (n. em Matosinhos a 2 Abr 1922; d. 29 Jan. 2001)

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