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2015-06-01

Paciencia - Camilo Castelo Branco

Quem pode conceber que Deus creasse
Tanta obra perfeitissima, esmaltada
Pelo espaço infinito, e a desgraçada
Raça humanal de imperfeições manchasse?

Quem pode conceber o acerbo enlace
De miserias que esmagam, condemnada
A creação mais nobre, atormentada
Desde o berço até ás ancias do trespasse?

É certo que as desgraças são enormes;
Mas tu, Deus abscondito, não dormes,
Quando eu te invoco a divinal clemencia.

Ao dar-me as penas com que me torturas,
Um thesouro me deste de venturas:
Chama-se este thesouro a PACIENCIA.


Soneto X de Nas Trevas Sonetos sentimentaes e humoristicos
LISBOA LIVRARIA EDITORA, TAVARES CARDOSO & IRMÃO
6, LARGO DO CAMÕES, 6
— 1890

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Lisboa, Encarnação, 16 de março de 1825 — Vila Nova de Famalicão, São Miguel de Seide, 1 de junho de 1890)

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2012-06-01

Paciencia - Camilo Castelo Branco

Quem pode conceber que Deus creasse
Tanta obra perfeitissima, esmaltada
Pelo espaço infinito, e a desgraçada
Raça humanal de imperfeições manchasse?
Quem pode conceber o acerbo enlace
De miserias que esmagam, condemnada
A creação mais nobre, atormentada
Desde o berço até ás ancias do trespasse?
É certo que as desgraças são enormes;
Mas tu, Deus abscondito, não dormes,
Quando eu te invoco a divinal clemencia.
Ao dar-me as penas com que me torturas,
Um thesouro me deste de venturas:
Chama-se este thesouro a PACIENCIA.
Soneto X de Nas Trevas Sonetos sentimentaes e humoristicos
LISBOA LIVRARIA EDITORA, TAVARES CARDOSO & IRMÃO
6, LARGO DO CAMÕES, 6
— 1890

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Lisboa, Encarnação, 16 de Março de 1825 — Vila Nova de Famalicão, São Miguel de Seide, 1 de Junho de 1890)

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2011-06-01

Comédia Humana - Camilo Castelo Branco

Literatos! Chorai-me, que eu sou digno
Da vossa gemebunda e velha táctica!
Se acaso tendes crimes em gramática,
Farei que vos perdoe o Deus benigno.

Demais conheço a prosa inflada, enfática,
Com que chorais os mortos; e o maligno
Desafecto aos que vivem… Não me indigno…
Sei o que sois em teoria e em prática.

Quando o avô desta vã literatura
Garrett, era levado à sepultura,
Viu-se a imprensa verter prantos sem fim…

Pois seis dos literatos mais magoados,
Saíram, nessa noite embriagados,
Da crapulosa tasca do Penim.


Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (n. em Lisboa a 16 de Março de 1825; m. (suicídio) em S. Miguel de Ceide, Famalicão a 1 de Junho de 1890).

Ler do mesmo autor:
Paixão Única
Anel

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2009-03-16

Paixão Única - Camilo Castelo Branco

Quem me dera poder ver-te
Ai! Quem me dera dizer-te
Que pude amar-te e perder-te
Mas olvidar-te... isso não!
Que no ardor de outros amores,
Senti vivas sempre as dores
Duma remota paixão.

Com que dorida saudade
Penso nessa mocidade,
Nessa vaga ansiedade
Que soubeste compreender!
E tu só , só tu soubeste
Que, num mundo como este,
Qual florinha em penha agreste,
Pode a flor d'alma morrer.

Orvalhaste-a, quando ainda
Ao nascer, singela e linda,
Respirava a esp'rança infinda
Que consigo a infância tem.
Amparaste-a, quando o norte
Das paixões, soprando forte,
Lhe quis dar rápida morte
Como à cândida cecém!

E depois nuvem escura
Lá no céu desta ventura
Enlutou-me a aurora pura
Dos meus anos infantis.
Nesta vida houve um espaço
Onde nunca dei um passo
Em que não deixasse um traço
De paixões torpes e vis!

E não tenho outra memória
Que me inspire altiva glória
Mem outro nome na história
De meus delírios fatais.
Se percorro a longa escala
De paixões que a honra cala,
Quem dum nobre amor me fala
És só tu... e ninguém mais!

És só tu! De resto, apenas
Nestas variadas cenas
De ilusões e inglórias penas
Nada sinto o que perdi!...
Sinto bem esse desdouro
Que comprei com falso ouro,
Em desprezo dum tesouro
Que só pude achar em ti!



in Os dias do Amor. Um poema para cada dia do ano. Recolha, selecção e organização de Inês Ramos. Prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho. Ministério dos Livros, 2009

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (n. em Lisboa a 16 de Março de 1825; m. (suicídio) em S. Miguel de Ceide, Famalicão a 1 de Junho de 1890).

Ler do mesmo autor Anel

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2008-03-16

Anel - Camilo Castelo Branco


Dá-me um anel; mas que seja
Como o anel em que cingida
Tem gemido toda a minha vida.
Dá-me um anel; mas de ferro,
Negro, bem negro, da cor
Desta minha acerba dor,
Deste meu negro desterro!

Dá-me um anel; mas de ferro...
Sempre comigo hei-de tê-lo;
Há-de ser o negro elo,
Que me prenda à sepultura.
Quero-o negro...seja o estigma,
que decifre o escuro enigma,
Duma grande desventura.

Dá-me um anel; mas de ferro,
Que resista mais que os ossos
Dum cadáver aos destroços
Do roaz verme do pó.
Entre as cinzas alvacentas,
como espólio das tormentas
Apareça o ferro só.

E o teu nome impresso nele,
Falará dum grande amor,
Nutrido em ânsias de dor,
Pelo fel da sociedade...
Que teu nome nele escrito,
Nesse padrão infinito,
Vá comigo à Eternidade.

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (n. em Lisboa a 16 de Março de 1825; m. (suicídio) em S. Miguel de Ceide, Famalicão a 1 de Junho de 1890)

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