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2017-06-14

Catorze de Junho - José Saramago

Cerremos esta porta.
Devagar, devagar, as roupas caiam
Como de si mesmos se despiam deuses,
E nós o somos, por tão humanos sermos.
É quanto nos foi dado: nada.
Não digamos palavras, suspiremos apenas
Porque o tempo nos olha.
Alguém terá criado antes de ti o sol,
E a lua, e o cometa, o negro espaço,
As estrelas infinitas.
Se juntos, que faremos? O mundo seja,
Como um barco no mar, ou pão na mesa,
Ou rumoroso leito.
Não se afastou o tempo. Assiste e quer.
É já pergunta o seu olhar agudo
À primeira palavra que dizemos:
Tudo.

Extraído de José Saramago, Poesía Completa, Aleaguara

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2013-06-18

Desce o menino a montanha - José Saramago

Desce o menino a montanha,
Atravessa o mundo todo,
Chega ao grande rio Nilo,
No côncavo das mãos recolhe
Quanto de água lá cabia,
Volta o mundo a atravessar,
Pela vertente se arrasta,
Três gotas que lá chegaram,
Bebeu-as a flor sedenta.
Vinte vezes cá e lá,
Cem mil viagens à Lua,
O sangue nos pés descalços,
Mas a flor aprumada
Já dava cheiro no ar,
E como se fosse um carvalho
Deitava sombra no chão.

in A Maior Flor do Mundo



José de Sousa Saramago (n. em 16 Nov. 1922 na Azinhaga do Ribatejo; faleceu a 18 de Junho de 2010 em Tías, Lanzarote)

Ler do mesmo autor:
Aprendamos Amor
Não Me Peçam Razões
Retrato do Poeta Quando Jovem

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2012-11-16

Aprendamos Amor - José Saramago (na passagem dos 90 anos do seu nascimento)

Aprendamos, amor, com estes montes
Que, tão longe do mar, sabem o jeito
De banhar no azul dos horizontes.

Façamos o que é certo e de direito:
Dos desejos ocultos outras fontes
E desçamos ao mar do nosso leito.

José de Sousa Saramago (n. em 16 Nov. 1922 na Azinhaga do Ribatejo; faleceu a 18 de Junho de 2010 em Tías, Lanzarote)

Ler do mesmo autor:
Retrato do poeta quando jovem
Não Me Peçam Razões

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2011-11-16

Não me Peçam Razões... - José Saramago

Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.


in "Os Poemas Possíveis"

José de Sousa Saramago (n. em 16 Nov. 1922 na Azinhaga do Ribatejo; faleceu a 18 de Junho de 2010 em Tías, Lanzarote)

Ler do mesmo autor: Retrato do poeta quando jovem

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2011-06-18

Retrato do poeta quando jovem - José Saramago (um ano após o seu desaparecimento)

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.


in Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade; selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

José de Sousa Saramago (n. em 16 Nov. 1922 na Azinhaga do Ribatejo; faleceu a 18 de Junho de 2010 em Tías, Lanzarote)

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2010-06-18

José Saramago deixou de estar

O nosso Nobel da Literatura faleceu hoje. Afinal não vivia naquele território fantástico em que a morte não acontecia (As Intermitências da Morte). José de Sousa Saramago, nascido na Azinhaga, Golegã, a 16 de Novembro de 1922 ultrapassou hoje a fronteira... para o além, na sua casa de Lanzarote.

Para pormenores sobre as cerimónias fúnebres veja-se o sítio da Fundação José Saramago

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2008-10-08

José Saramago foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura faz hoje 10 anos


Faz hoje precisamente dez anos que a Academia Sueca atribuiu a José Saramago o Prémio Nobel da Literatura (Ver Nota de Imprensa). O prémio foi atribuido para "who with parables sustained by imagination, compassion and irony continually enables us once again to apprehend an elusory reality".
«...
Saramago's idiosyncratic development of his own resonant style of fiction gives him a high standing. For all his independence, Saramago invokes tradition in a way that in the current state of things can be described as radical. His oeuvre resembles a series of projects, with each one more or less disavowing the others but all involving a new attempt to come to grips with an elusory reality.».

Para os nossos leitores deixamos aqui, para aguçar o apetite, o início de «As Intermitências da Morte» (2005):

No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. Nem sequer um daqueles acidentes de automóvel tão frequentes em ocasiões festivas, quando a alegre irresponsabilidade e o excesso de álcool se desafiam mutuamente nas estradas para decidir sobre quem vai conseguir chegar à morte em primeiro lugar. A passagem do ano não tinha deixado atrás de si o habitual e calamitoso regueiro de óbitos, como se a velha átropos da dentuça arreganhada tivesse resolvido embainhar a tesoura por um dia. Sangue, porém, houve-o, e não pouco. Desvairados, confusos, aflitos, dominando a custo as náuseas, os bombeiros extraíam da amálgama dos destroços míseros corpos humanos que, de acordo com a lógica matemática das colisões, deveriam estar mortos e bem mortos, mas que, apesar da gravidade dos ferimentos e dos traumatismos sofridos, se mantinham vivos e assim eram transportados aos hospitais, ao som das dilacerantes sereias das ambulâncias. Nenhuma dessas pessoas morreria no caminho e todas iriam desmentir os mais pessimistas prognósticos médicos, Esse pobre diabo não tem remédio possível, nem valia a pena perder tempo a operá-lo, dizia o cirurgião à enfermeira enquanto esta lhe ajustava a máscara à cara. Realmente, talvez não houvesse salvação para o coitado no dia anterior, mas o que estava claro é que a vítima se recusava a morrer neste. E o que acontecia aqui, acontecia em todo o país. Até à meia-noite em ponto do último dia do ano ainda houve gente que aceitou morrer no mais fiel acatamento às regras, quer as que se reportavam ao fundo da questão, isto é, acabar-se a vida, quer as que atinham às múltiplas modalidades de que ele, o referido fundo da questão, com maior ou menor pompa e solenidade, usa revestir-se quando chega o momento fatal. Um caso sobre todos interessante, obviamente por se tratar de quem se tratava, foi o da idosíssima e veneranda rainha-mãe. Às vinte e três horas e cinquenta e nove minutos daquele dia trinta e um de dezembro ninguém seria tão ingénuo que apostasse um pau de fósforo queimado pela vida da real senhora. Perdida qualquer esperança, rendidos os médicos à implacável evidência, a família real, hierarquicamente disposta ao redor do leito, esperava com resignação o derradeiro suspiro da matriarca, talvez umas palavrinhas, uma última sentença edificante com vista à formação moral dos amados príncipes seus netos, talvez uma bela e arredondada frase dirigida à sempre ingrata retentiva dos súbditos vindouros. E depois, como se o tempo tivesse parado, não aconteceu nada. A rainha-mãe nem melhorou nem piorou, ficou ali como suspensa, baloiçando o frágil corpo à borda da vida, ameaçando a cada instante cair para o outro lado, mas atada a este por um ténue fio que a morte, só podia ser ela, não se sabe por que estranho capricho, continuava a segurar. Já tínhamos passado ao dia seguinte, e nele, como se informou logo no princípio deste relato, ninguém iria morrer.

A tarde já ia muito adiantada quando começou a correr o rumor de que, desde a rentrada do novo ano, mais precisamente desde as zero horas deste dia um de janeiro em que estamos, não havia constânci de se ter ddo em todo o país um só falecimento que fosse....

Extraído de «As Intermitências da Morte», José Saramago, Editorial Caminho (2005)

Ler do mesmo autor neste blog Nesta Esquina do tempo... (poema)

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2007-11-16

Saramago, o nosso Nobel da Literatura, faz 85 anos

José Saramago festeja hoje o seu 85º. aniversário. O nosso 2º. Prémio Nobel, primeiro da Literatura (foi galardoado com o prémio em 1998), nasceu na aldeia ribatejana de Azinhaga, concelho de Golegã, no dia 16 de Novembro de 1922. O que pode não saber é que o registo oficial menciona o dia 18 de Novembro.

Também ganhou o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa.

Como a poesia é um dos temas dominantes deste blog, reproduzimos em seguida um poema (faceta menos conhecida do autor) de José Saramago, «Nesta esquina do tempo»:


Lírios cor de laranja
(c) Tomo.Yun (http://www.yunphoto.net/es/)

Nesta esquina do tempo é que te encontro,
Ó nocturna ribeira de águas vivas
Onde os lírios abertos adormecem
A mordência das horas corrosivas.

Entre as margens dos braços navegando,
Os olhos nas estrelas do meu peito,
Dobro a esquina do tempo que ressurge
Da corrente do corpo em que me deito

Na secreta matriz que te modela,
Um peixe de cristal solta delírios
E como um outro sol paira, brilhando
Sobre as águas, as margens e os lírios.

José de Sousa Saramago (n. em 16 Nov. 1922 na Azinhaga do Ribatejo)

in Os Poemas Possíveis, 2ª edição, Editorial Caminho, Lisboa, 1982

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