ANDERSSON,
BIBI
Na
família das actrizes de Bergman, Bibi Andersson representa, sobretudo, a força
da carne. De facto, depois de ter desempenhado uma série de pequenos papéis no
cinema do autor durante a segunda metade da década de 50, Andersson cedo passou
a simbolizar o poder magnético da atracção e da tentação sexual no cinema do
sueco. Em termos bíblicos, ela é a mulher que – sob o fascínio da serpente –
convida o homem ao pecado (assim foram a Eva Vergerus e a Katarina Egerman que
respectivamente interpretou em “Paixão”, de 1969, e em “Cenas da Vida
Conjugal”, de 1973). Não será pois por acaso que, em “O Olho do Diabo” (1960),
ela dá corpo à mulher que seduz o mais inveterado dos sedutores: Don Juan.
BJÖRNSTRAND,
GUNNAR
Foi
um dos actores-fétiche de Bergman com quem trabalhou desde a pré-história do
cineasta (“Tortura”, em 1944, argumento de Bergman, realização de Alf Sjöberg)
até a um papelinho, só uma vénia final, em “Fanny e Alexandre” (1982). Central
na obra do cineasta, sobretudo nos anos 50 e 60, foi o empertigado advogado
Egerman, com um casamento por consumar e uma ex-amante que faz dele o que quer
(“Sorrisos de Uma Noite de Verão”), o racionalista escudeiro Jöns que voltou
das Cruzadas descrente de Deus e da bondade dos pregadores (“O Sétimo Sêlo”), o
frio Evald, inepto nas relações sentimentais (“Morangos Silvestres”), o pastor
Ericsson que prega à sua pequena comunidade uma verdade em que começa a não
acreditar (“Luz de Inverno”) – isto para citarmos apenas alguns papéis mais
significativos.
JOSEPHSON,
ERLAND
Amigo
de longa data de Bergman (que conheceu nos anos 30, quando trabalharam juntos
no teatro), Erland Josephson foi – de entre os actores que habitam o panteão
bergmaniano – o que mais cedo começou a colaborar com o cineasta (em “Chove
Sobre o Nosso Amor”, de 1946), mas também o que mais tempo demorou a impor-se
como uma figura central no seu universo fílmico. Com efeito, esse estatuto
haveria apenas de ser obtido por Josephson no início da década de 70, quando –
sucedendo na função a Max Von Sydow – se assumiu como o último alter-ego de
Bergman, o corpo onde o velho cineasta projectou o incomunicável isolamento de
um homem contemporâneo que é incapaz de se relacionar com o seu próximo
(vejam-se os papéis interpretados em “Cenas da Vida Conjugal”, de 1973, “Depois
do Ensaio”, de 1984 ou “Saraband”, de 2003).
KULLE,
JARL
Ainda
que a sua passagem pelo cinema de Bergman tenha sido breve (participou apenas
como actor em cinco filmes do cineasta), Jarl Kulle encarnou, nesse quadro, um
tipo bem específico de figura masculina: o do sedutor (assim foi em “Segredos
de Mulheres”, de 1952, e – trinta anos depois – em “Fanny e Alexandre”). De
facto, nas suas comédias sexuais, o cineasta estabeleceu por vezes o corpo de
Kulle como o centro de um jogo de volúpia sem fronteiras, onde a força do sexo fraco leva quase sempre
a melhor. Para percebê-lo, basta ver “O Olho do Diabo” (1960), onde Kulle
interpreta uma figura literária que o cineasta revisitou amiúde: a de Don Juan.
NYKVIST,
SVEN
Trabalhou
pela primeira vez com ele em “Noite de Circo” (1953), tornou para “A Fonte da
Virgem” (1960), mas foi a partir de “Em Busca da Verdade” (1961), que se tornou
o invariável director de fotografia de Bergman. Tão exímio no preto e branco
(nunca nos esqueceremos de “O Silêncio”) como na cor (superlativo em “Lágrimas
e Suspiros”, com que ganhou um Óscar, como em “Fanny e Alexandre”, com que
ganhou outro), Sven Nykvist foi um parceiro criativo tão íntimo e fiel que
Bergman, nas suas memórias, lamenta saber que nunca mais voltará a trabalhar
com ele. Usava pouquíssimos projectores, era de uma enorme simplicidade de
meios, e os resultados, assombrosos: é possível fotografar melhor do que em “A
Máscara”?
THULIN,
INGRID
Na
assombrosa galeria de mulheres que são os filmes de Bergman, servida por um
naipe de actrizes fiel e duradouro, Ingrid Thulin tem um lugar de destaque. O
primeiro filme em que trabalharam juntos foi “Morangos Silvestres” (1957), onde
faz a amargurada nora do professor Borg, em viagem para um possível divórcio.
Será, mais tarde, a mulher sem esperança, desgostada da sua própria sexualidade
quando não por ela abominada (em “O Silêncio” falará do «cheiro horroroso do
esperma», do «cheiro a peixe podre» que o sexo exala; em “Lágrimas e Suspiros”
mutilará a própria vulva com um pedaço de vidro partido, numa das cenas mais
abissais de todo o cinema de Bergman). Despediu-se do cineasta com o papel de
uma actriz alcoólica e gasta, envelhecida, em “Depois do Ensaio” (1984).
Crueldade até ao fim.
ULLMANN,
LIV
No
cinema de Bergman (e por oposição à sensualidade afirmativa de Bibi Andersson)
ela é a expressão consumada da fragilidade humana, um rosto sempre em vias de
colapsar, que se mantém em equilíbrio precário entre duas emoções de sinal
contrário, transformando-se assim num “ringue de boxe de sensações” (Deleuze)
cujos micro movimentos o cineasta procura surpreender em grande plano. E, se é
verdade que Ullmann chegou tardiamente ao cinema de Bergman (apenas em “A
Máscara”, de 1966), também é verdade que, ao longo da fase final da carreira do
cineasta, ela se constituiu como a testemunha preferencial da crueldade
masculina (veja-se, por exemplo, a cena de “Lágrimas e Suspiros” em que ela se
deixa humilhar por Erland Josephson) e, por essa via, dos fantasmas que habitam
as relações conjugais.
VON
SYDOW, MAX
A
cena mais célebre de todo o cinema de Bergman tornou-se um ícone: um cavaleiro
(Max Von Sydow) joga xadrez com a Morte, com o mar ao fundo e um céu nublado.
Trata-se de atrasar o inevitável; o cavaleiro, acabado de chegar das Cruzadas
onde não viu obra de Deus, precisa de saber mais, antes de se entregar ao
desconhecido. O cavaleiro chegará a tentar fazer batota – mas a Morte joga bem
e tem memória. Não tem é noção do que há do outro lado, sequer se há um outro
lado ou apenas o oblívio. “O Sétimo Sêlo” foi, em 1957, um sucesso internacional
(Prémio do Júri, em Cannes), firmou Bergman e pôs no mapa um dos rostos que
iríamos sempre associar ao seu cinema: Max Von Sydow. Fizeram mais dez filmes
juntos, depois o actor partiu para se tornar a vedeta internacional que ainda
por aí anda.
(Vasco Marques e Jorge Leitão Ramos in revista Atual do semanário Expresso de
11/1/2014)
2 comentários:
Parabéns....pela viagem histórica.
O olhar de Ingrid Thulin apaixona.
abs
Nomes enormes no que faziam.
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